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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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LIÇÕES DA HISTÓRIA

  


“Foram os economistas que ensinaram os historiadores a observarem as conjunturas longas e curtas, a analisar os mecanismos económicos e a valorizar os estudos estatísticos”. Quem o lembra é a historiadora Miriam Halpern Pereira, na antologia agora publicada pela Fundação Gulbenkian com o título O Século do Liberalismo, lembrando Pierre Vilar, para referir a importância que no seu percurso pessoal teve a relação entre a História e a Economia. Contudo, acrescenta que: “cabe aos economistas compreenderem que os movimentos observados não têm apenas causas ou consequências económicas”. Estamos perante a necessidade de um verdadeiro diálogo, capaz de permitir um melhor conhecimento da realidade humana, bastante complexa, exigindo sempre a consideração de múltiplos fatores. E a História ensina-nos a encarar a realidade como algo que apenas pode ser compreendido se soubermos ligar os interesses materiais e os valores éticos sem a tentação de procurar soluções providenciais que não dependam da vontade dos cidadãos, da limitação do poder e da legitimidade democrática.


Para a historiadora, os séculos XIX e XX apenas podem ser compreendidos através de uma evolução dinâmica, em que a política, a economia, a sociedade, as finanças e a inserção europeia e internacional se articulam intimamente. Daí a necessidade de uma análise circunstanciada e rigorosa das grandes mudanças políticas e sociais desde 1820 até ao Ato Adicional à Carta Constitucional de 1852. Se é verdade que as mudanças do Marquês de Pombal prenunciaram a metamorfose política que ocorreu no século XIX sob a invocação da liberdade política e económica, o certo é que as razões de ordem interna e externa, entre a resistência da sociedade tradicional e o desenvolvimento urbano, condicionaram a evolução do Portugal oitocentista. Liberais influentes como Almeida Garrett e Alexandre Herculano viram-no com a preocupação comum de modernizar o país, pondo-o ao ritmo da Europa. Era uma sociedade nova que nascia depois da Revolução de 1820 e as guerras civis do cabralismo. Não por acaso, a autora coloca as suas reflexões sob a invocação do espírito constitucional, que consagra o primado da lei, a cidadania livre, plural e responsável, a limitação do poder em lugar da condição subordinada dos súbditos. Se dúvidas houvesse, bastaria lermos a evolução do pensamento político de Alexandre Herculano para compreendermos como se chegou ao compromisso, que reforçou a legitimidade original da Carta Constitucional de 1826, tornando-a em 1852 uma Constituição legitimada por um verdadeiro processo constituinte.


“Sem a economia, a história torna-se historizante, e sem a história a economia fica mais pobre nas suas explicações”. A afirmação da autora perpassa em toda esta obra fundamental. Estamos perante uma investigadora de excecional qualidade, que soube aliar a análise rigorosa dos acontecimentos complexos com uma perspetiva crítica, centrada no diálogo e na reflexão. A perspetiva económica completa-se com a compreensão psicológica e sociológica – com um particular cuidado na dimensão pedagógica, para que o método histórico possa abrir horizontes no entendimento do desenvolvimento humano. No nosso caso, a evolução tem de ser analisada nos seus progressos e inércias. A lentidão das reformas liberais que se arrastaram depois do reformismo audacioso de Mouzinho da Silveira, teve efeitos negativos. Os impasses do final do século XIX nas finanças públicas tiveram incidência na situação económica, aumentando a necessidade de empréstimos para os melhoramentos materiais, que elevaram o custo do crédito, cerceando o impacto da modernização dos instrumentos de crédito e da eficácia dos investimentos, que a Geração de 70 criticou – e por isso Portugal tornou-se um dos países menos desenvolvidos da Europa no dealbar do século XX. Eis por que, contra o atraso e o fatalismo, precisamos da vontade e dos compromissos sociais para uma cidadania inclusiva e justa.


GOM