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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XXII - EM BUSCA DA LIBERDADE CRIATIVA PERDIDA

 

Com a implantação de regimes totalitários na Alemanha (nazismo), na União Soviética (comunismo), na Itália (fascismo), com a França invadida e ocupada a partir de 1940, a liberdade de expressão e pensamento, com reflexos na liberdade criativa imanente às artes e ao processo criativo, ficou subordinada a imperativos ideológicos, que se lhe antepunham, enquadrando-se na norma oficial vigente.

 

Se na primeira guerra mundial houve um número significativo de artistas, cientistas e intelectuais que nela participaram ou regressaram aos seus países de origem, com a ameaça e iminência da segunda grande guerra a atitude foi diferente, não lutando ou não regressando ao seu país, com a agravante de que Paris e a França, centro cultural por excelência, estava agonizando, com o choque da guerra.

 

Restava fugirem, partirem, emigrarem, refugiarem-se e dirigirem-se para outro lugar. Na sua grande maioria dirigiram-se para os Estados Unidos da América, para o Novo Mundo, tido como a terra e país dos homens livres, que criara urbes modernas imbuídas de espírito modernista. Como Nova Iorque, tendo como ícone a Estátua da Liberdade, símbolo maior dos Estados Unidos, paradoxalmente oferecida pela França, cujo título oficial é A Liberdade Iluminando o Mundo.

 

Walter Gropius, Piet Mondrian, Ludwig Mies van der Rohe, Josef Albers, Lyonel Feininger, Marcel Breuer, László Moholy-Nagy, Kandinsky, Marcel Duchamp, Masson, Max Ernst, George Grosz, Bertolt Brecht, Erich Maria Remarque, Alfred Doblin, Hermann Broch, Thomas Mann, Fritz Lang, Albert Einstein e muitos, muitos mais, foram para o oeste, rumo aos Estados Unidos, maioritariamente para Nova Iorque. Muitos transitaram por Portugal, em especial por Lisboa.

 

Se entre as duas guerras mundiais, com ênfase para os anos trinta, já se tinha assistido à emigração de muitos artistas e cientistas europeus para os Estados Unidos, a segunda grande guerra foi decisiva na evolução da arte no século XX, dada uma mais massiva emigração de intelectuais, com o subsequente enriquecimento de conhecimentos e estímulos para a cultura norte americana.  

 

Seguiu-se uma deslocalização significativa dos centros de vanguarda artística e cultural das cidades e capitais europeias para as grandes metrópoles dos Estados Unidos, tendo à cabeça Nova Iorque. Onde dadaístas e surrealistas se juntaram com refugiados da Bauhaus, do construtivismo, do neoplasticismo, integrando-se, com êxito, nas vanguardas artísticas e culturais dos Estados Unidos. Aqui, artistas como Man Ray, Arsshile Gorky, Mark Tobey e Alfred Stieglitz, entre outros, aceitaram e validaram positivamente propostas vindas da Europa, que contribuíram para a emergência e florescimento de uma vanguarda americana: o expressionismo abstrato.

 

12.09.2017

Joaquim Miguel De Morgado Patrício

LIBERDADE CRIATIVA EM LIBERDADE

 

A liberdade é intrinsecamente antiautoritária e autocorrige-se.

 

Questiona a autoridade, erode a superstição, exige que as pessoas sejam livres e façam valer os recursos intelectuais ao seu dispor.

 

Se nos assuntos humanos é inviável alcançar a certeza, sendo os seres humanos inerentemente ignorantes, têm de ser livres para continuarem a aprender, adaptando essa ignorância a probabilidades.

 

Daí que, glosando e adaptando uma conhecida observação de Churchill, a democracia, a ciência, as artes e humanidades em liberdade, sejam os piores sistemas de governação, de criação, de investigação e de liberdade de expressão e de pensamento, à exceção de todos os outros.

 

Onde a nossa ignorância é maior, mais importante a liberdade, atento o incerto, o imperfeito, o impermanente, a dúvida, que nos atrai e estimula a querer saber o que não sabemos, a criar, a inovar e continuar.

 

Nesta sequência, a liberdade criativa em liberdade é uma condição e necessidade de vida, uma sua exaltação e revelação, em que a arte, a literatura, a pintura, a escultura, a música, o teatro, o cinema, a fotografia, a filosofia ou a ciência podem compensar o empobrecimento e a rotina das nossas vidas. É liberdade de criar, de ousar e de imaginar outros mundos e outras vidas. E de transgredir, mesmo em transgressão, superando limites, o que não equivale a anarquia, tendo sempre presente que a liberdade criativa em liberdade não significa independência absoluta, dado que o artista, o criador, o cientista e o inventor, ao movimentar-se no âmbito da sua autonomia privada e criatividade pessoal, não o faz ignorando o contexto em que se insere.

 

Sendo um bálsamo, uma compensação, um consolo e prazer do conhecimento, é também um grito de infinito em busca do infinito, um processo criativo de porquês formulador e produtor de outros porquês, que tanto enriquece espiritualmente o indivíduo que cria, como o que goza, usufrui e recebe a criação para si.

 

Literatura, pintura, escultura, música, as belas artes em geral, a ciência, por exemplo, são formas de liberdade, de criação em liberdade, em que há liberdade, criatividade e imaginação total, criando e inventando em liberdade, ao invés da notícia e do jornalismo, que não se podem inventar.

 

Uma parte significativa dessa liberdade criativa, que alimenta e provoca mais conhecimento, saber, sentido dos sentidos, a desconformidade, o desacordo e o conflito é tida, para alguns, como parasita, acima de tudo por não dar dinheiro numa lógica de pura eficácia e rentabilidade, às vezes por desadequada e incompreendida na sua época, mas que tantas vezes resiste ao passar dos anos, tornando-se intemporal, chegando o dia em que o Tempo a imortalizou.  

 

Em qualquer caso, o que artistas e criadores rejeitam é a estagnação, o determinismo e a rotina, baseados na censura e na repressão, sendo por essência potencialmente livres na sua liberdade criativa, dado que, como no poema “Livre”, cantado e musicado por Manuel Freire, com versos de Carlos Oliveira: “Não há machado que corte/ a raiz ao pensamento, (…) Nada apaga a luz que vive/num amor num pensamento/porque é livre como o vento/porque é livre”.

 

E sem razão seria a vida, sem razão…

 

24.01.2017

Joaquim Miguel De Morgado Patrício