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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

  


CXII -  UMA BABEL POLIGLOTA?


Em texto, neste blogue, escrevi:

“Seja qual for a perspetiva, o monolinguismo veicular duma língua tem sempre subjacente a ideia de que uma herança linguística diversa é um obstáculo para a homogeneização do mercado, não coincidindo com as necessidades de unicidade do mercado global, dado que a globalização pressupõe e impõe a unicidade, entrando em confronto com várias zonas linguísticas que comportam a existência de vários mercados. A ideia que prevalece é a de que quem tem o poder impõe a língua. E um dos argumentos mais comuns para se usar o inglês e não usar outras línguas é o mesmo: os custos. Usar inglês é mais barato, permitir o uso de outras línguas é dispendioso e nocivo” (A Língua Portuguesa no Mundo V - Monolinguismo, Diversidade e Neutralidade Linguística).


Dada a hegemonia do inglês, como língua franca, de comunicação global e internacional por excelência, há os que têm essa supremacia como inevitável, uma benesse, uma ameaça à diversidade, um idioma de apetência glotofágica, género “erva daninha” de destruição linguística.


Se a globalização impõe a unicidade a nível económico, financeiro, científico, político, militar, o mesmo sucedendo no campo linguístico, dado que a existência de várias zonas linguísticas suporta a existência de mercados em concorrência e parciais, como compreender que cada vez mais, em termos mundiais, haja mais pessoas que falam duas ou mais línguas sendo, no mínimo, bilingues?


É sabido que muitos falantes que têm o inglês como língua materna são monolingues, sendo como nativos uma minoria e estando em inferioridade, o que nos interpela sobre o que sucederá se a diversidade linguística desaparecer e a esmagadora maioria de nós falar um único idioma. 


A par da universalização do inglês como língua franca, vai crescendo a ideia de que o melhor é sermos poliglotas, sermos capazes de nos exprimirmos em vários idiomas, de que o inglês é fundamental mas não basta, de que já não basta falar uma só língua estrangeira (além da nativa), de que o mais importante, a nível global, a começar pelos negócios, é a convicção de que comunicarmos com clientes, concorrentes ou colegas de profissão na sua própria língua pode ser decisivo num acordo ou reunião, havendo cada vez mais profissões em que falar várias línguas é um valor acrescentado às nossas qualificações académicas e profissionais.     


Cada língua tem um tipo de relação especial com a realidade, é um valor que pertence à esfera do conhecimento e do saber difícil de quantificar, sendo saudável para a civilização manter a diversidade linguística, pelo que é arriscado contar só com uma língua e negar a diversidade de perspetivas que a biodiversidade e o multilinguismo proporcionam com o aumento da probabilidade de uma resposta mais adequada, proporcional e razoável.         


Segundo os cientistas, assim como precisamos de fazer exercício físico para manter saudável o nosso corpo, também os exercícios cognitivos beneficiam a nossa saúde mental, enriquecida pelo falar de várias línguas, ganhando as mentes flexibilidade, atividade cerebral reforçada e aprendendo a realizar diversas tarefas ao mesmo tempo, tendo-se como enormes os benefícios do multilinguismo a nível cultural, profissional, social, psicológico e neurológico. 


Ao invés da Torre de Babel bíblica em que os homens queriam apenas constituir um povo e falar uma única língua (dominação e imperialismo linguístico), construindo uma cidade e uma torre que chegasse aos céus, tornando-se famosos e evitando que se dispersassem pela Terra, intui-se que a diversidade é garantia de toda uma série de opções democráticas de abertura, durabilidade e estabilidade, da ausência de um poder dominante de tudo e de todos, tipo uma Babel poliglota.   


Apesar de, com a inteligência artificial e os avanços tecnológicos, ser possível “(…) que no século XXI surjam máquinas de tradução e interpretação automática, tornando desnecessário, em termos de comunicação, o conhecimento mútuo de uma língua franca, estando as Nações Unidas a desenvolver o projeto “Universal Networking Language” (UNL), uma linguagem universal de tradução automática para uso na internet e em computadores, usando cada pessoa o seu idioma” (ler, neste blogue, A Língua Portuguesa no Mundo XXX - Observações e Críticas ao Pessimismo de Fisher), a unidade na diversidade linguística sobrevive, como património da Humanidade, tendo falhado a tentativa de uma interlíngua ou língua neutra, como o esperanto, por se entender que um idioma artificial e sem identidade não pode servir de língua identitária em termos supranacionais.  


24.11.23
Joaquim M. M. Patrício

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

  


XCIV - POLÉMICAS LINGUÍSTICAS


1. Steven Roger Fisher diz que no futuro o português desaparecerá e será substituído pelo portunhol, argumentando que os falantes de espanhol, que rodeiam geograficamente o Brasil, irão usar dizeres do nosso idioma na variante brasileira, embora sustente que há diferenças significativas entre o português de Portugal e Brasil, que indiciam a sua separação, se essa tendência crescer, ao invés de uma aproximação do inglês americano e europeu, dada a crescente influência dos Estados Unidos através de filmes, música, cultura em geral, programas radiofónicos, televisivos, de streaming, informática e novas tecnologias. 


Para Ivo de Castro: “a história da língua portuguesa pode ser resumida numa frase: falamos de uma língua que nasceu fora do nosso território (de nós, portugueses) e cujo futuro será em larga medida decidido fora das nossas mãos. A língua portuguesa, numa visão temporal ampla, acha-se de passagem por Portugal”.   


Qualquer idioma é uma realidade viva, surpreendente e geradora de soluções hipotéticas, não sendo os portugueses europeus a definir, no futuro, o percurso sobreveniente e imprevisível do português, dado serem os herdeiros, sucessores ou continuadores da antiga Europa imperial os novos impérios linguísticos vindouros, como está sucedendo.   


Se assim é e o futuro também depende de uma evolução gradual e profunda, sendo o português uma língua aberta, cosmopolita, flexível, integradora e transigente, é de questionar se faz sentido o seu desaparecimento ou substituição, segundo Fisher, ou mesmo o afastamento estrutural e irreversível da norma portuguesa e brasileira, que tornam ociosa qualquer tentativa de intervenção.    


2. O tema é polémico, mas também há argumentos que contrariam tais perspetivas.


Se tudo fosse tão simplista, o português europeu de Portugal já tinha desaparecido e sido substituído pelo espanhol, tendo presente que há centenas de anos a Espanha é o único país com que temos fronteira terrestre, que entre 1580 e 1640 correu o risco de ser absorvido pelo castelhano ou ser um idioma ibérico menor sendo, hoje, um dos mais globais e falados internacionalmente.


Corroborado por Portugal ser um Estado unitário e uma só nação, por antagonismo com uma Espanha não homogénea, de várias nações e realidades linguísticas diferentes, suficientemente fraturantes e impeditivas que o hino (espanhol) seja cantado. 


Também é redutor falar no seu desaparecimento no Brasil por estar rodeado por países falantes de espanhol, ou ser substituído por outro idioma, tipo portunhol, agudizado por se constatar falarmos de um país que tem 40% da população da América do Sul, o maior poder económico latino-americano, uma potência emergente e Estado-nação, potencialmente mais exportador (que importador) de mercadorias culturais. 


De igual modo é de contestar que haja uma mais acentuada tendência de separação entre a norma portuguesa e brasileira, por confronto com a americana e britânica, porque o inglês europeu e americano se aproximam pelos programas televisivos, cinema, séries, filmes, músicas e eventos culturais que os Estados Unidos exportam em crescendo; dado que entre nós a influência cultural do Brasil está em ascensão e expansão, através da música, filmes, séries, telenovelas, crescente legendagem na vertente brasileira a nível do cinema, ópera, concertos (com uso crescente, por exemplo, do gerúndio verbal), notícias, textos e traduções nas redes sociais, na net, sem esquecer todo o tipo de obras e literatura em português, incluindo a tradução, na variante americana.   


A que se junta, recentemente e em permanência, a mais numerosa e nova vaga de imigrantes brasileiros, da mais alta à menos qualificada, em que uma língua comum é sempre determinante e uma mais-valia, independentemente do perfil de alguns que preferem ser vistos por “residentes estrangeiros” e não como “imigrantes”.


Sem ignorar demais países lusófonos e suas potencialidades futuras, que têm o português como língua oficial, lusófilos, seu potencial crescente demográfico e como idioma de exportação.


Para concluir que o eventual desaparecimento, separação ou substituição do português, vale o que vale, por redutor e simplista, como tantas outras previsões registadas ao longo da História, em alternativa com o seu reforço, via norma padrão ou não balcanização.     


O francês, por exemplo, era o idioma dominante e diplomático por excelência há cem anos, lugar que perdeu, nos tempos atuais, em benefício do inglês.   


Estamos perante uma realidade complexa, em movimento permanente, com raízes na Galiza, cujo futuro dependerá de muitos fatores, entregue a mecanismos históricos imprevistos e que, em qualquer caso, a nossa força de vontade e querer são o mais decisivo.


10.02.23
Joaquim Miguel de Morgado Patrício 

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

Aldeia de Monsanto, em Idanha-a-Nova

 

LVI - DO BIOLÓGICO E HERDADO AO APRENDIDO E DESEJADO (I)

A narrativa contemplativa da língua como simples marca de identidade, potencia um discurso atraente, quando não excessivo, associado ao biológico, ao sangue, ao não escolhido, ao não pensado, às origens, patriotismos, raízes, terra e território.

Embora relevante expressar-se a língua como signo de identidade, é redutor sacralizá-la, só ou preferencialmente, em redor de ideias conservacionistas ou teorias de salvação nacional, onde predomina a defesa do já conhecido, tido como um dado adquirido.

A língua apenas como símbolo e marca de identidade, pode ser um elemento dissuasivo para a sua aprendizagem e promoção, podendo levar ao culto da sua confidencialidade e posse, inverso à regra de que a língua pertence a quem a fala.

A teoria da língua indígena, de que as línguas se transmitem por via biológica, de pais para filhos, apela a valores tradicionais, entre eles a identidade linguística, a linguagem oral, a ascendência (jus sanguinis), o território de origem (jus solis) e a cidadania originária, apelando ao culto confidencial da língua.

Em desfavor do uso confidencial da língua são feitas usualmente duas observações: o sentimento de posse de um bem de que se julga ser o único possuidor; o ocultar dos ouvidos dos outros algo pelo qual não queremos ser identificados.

Na primeira situação, há o uso, gozo e fruição de um bem que temos como nosso e que não queremos dar a conhecer, havendo uma comunidade, um povo, uma sociedade, um país de falantes que se tem como dono de uma língua, que se transmite por herança biológica, como algo de que não abdicamos, numa atitude que pode ir da jactância, soberba ou superioridade linguística, à manutenção da nossa privacidade.

Na segunda situação, ao esconder e guardar a confidencialidade de uma língua dos outros, ao não querermos ser identificados usando-a publicamente, estamos em presença de um idioma que comporta como carga negativa e uma baixa consideração social pelos seus próprios falantes, não a considerando em igualdade de estatuto com outros, na sua perspetiva mais negativa.

 

03.01.2019
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

A VIDA DOS LIVROS

 

De 13 a 19 de fevereiro de 2017.

 

Óscar Lopes (1917-2013) é na Literatura Portuguesa um marco fundamental, como estudioso e pedagogo. Não é possível compreender a «História da Literatura Portuguesa» sem recorrermos ao livro, com o mesmo título (1ª edição, 1955), que escreveu com António José Saraiva. Os seus discípulos, de todas as orientações no campo das ideias, atestam bem a importância cultural e cívica do magistério dessa obra e o lugar fundamental que ocupa para a compreensão da cultura portuguesa.

 


ESTUDIOSO INCANSÁVEL
Óscar Lopes foi um estudioso incansável nos domínios da Literatura e da linguística – e acreditava profundamente na capacidade da arte mudar socialmente o mundo. Era, assim, um leitor muito atento das obras contemporâneas que analisava, não se deixando influenciar por fatores subjetivos ou preconceitos. Foi assim dos primeiros a reconhecer a qualidade de escritores que foram recebidos com desconfiança nalguns meios por razões ideológicas. Com facilidade, intuiu desde o primeiro momento a qualidade e o espírito inovador, que viriam a consagrar esses escritores, como foi o caso de Agustina Bessa Luís. Sendo muito diferente de António José Saraiva formou, porém, com ele uma equipa de critério e qualidade que funcionava com equilíbrio e complementaridade, o que, aliás, permitiu que esse «tandem» pudesse subsistir apesar do afastamento ideológico entre os dois. Se António José Saraiva era mais intuitivo, capaz de abrir pistas fecundas, que a investigação mais aprofundada viria a confirmar, até pela grande diversidade de campos de interesse que cultivou, em especial na história da cultura, Óscar Lopes era um analista sereno e seguro, de uma racionalidade persistente. Contudo, a perenidade da obra comum advém da complementaridade dos dois autores e dos seus métodos. A título de exemplo, num ensaio célebre sobre Antero de Quental («Vida e Legado de uma Utopia», 1983) diz-nos: «Provavelmente, ainda hoje não estamos em condições de compreender a dinâmica mais íntima da tragédia global que Antero viveu. É impossível determinar em que medida a sua doença dependia de fatores orgânicos congénitos, e em que medida esses fatores se entrelaçam com um conflito psico-social de formações ideológicas implantado numa sensibilidade, ou generosidade, de extrema agudeza». O certo é que o temperamento místico pedia uma opção religiosa – daí a opção política e social. Como reconhece Óscar Lopes, a «religiosidade aparece como uma grande força hereditária (de uma hereditariedade predominantemente social, familiar, materna), mas uma grande força em grande medida racionalizada e voluntarizada, reendereçada e doutrinada tanto quanto possível, num grande esforço de conscientificação, de comunicação e responsabilidade social, de hombridade». Eduardo Lourenço, de algum modo, chega a uma idêntica conclusão, salientando, nesse carácter, a força intelectual e poética de um dos poetas mais fecundos da nossa cultura. «O que é facto é que Antero viveu sempre, desde que abandonou o catolicismo, um conflito insanável. De um lado está o rigoroso panlogismo de inspiração hegeliana, segundo o qual toda a história cósmica e humana se desenrolaria como desenvolvimento de um plano, a Ideia, operando através de sucessivos estádios sintéticos, superando sucessivos antagonismos de tese-antítese. Ideia em que (segundo uma fórmula de Vico-Michelet) o homem acabara por fazer-se a si próprio, movido por impulso inconsciente, até se tornar a corporização consciente da própria Ideia». No entanto, de outro lado, por oposição a este determinismo, Antero assume uma metafísica de raiz leibniziana (enriquecida pelos contributos de Kant, Maine de Biran ou Cousin), para a qual a subjetividade humana constituiria o paradigma a cuja luz se compreendem os seres reais - «o mundo espiritual e moral seria uma harmonia de mónadas em fases diversas de desenvolvimento espiritual e moral».

 

UMA TENSÃO EMANCIPADORA
Esta tensão revela-se na evolução intelectual de Antero, enquanto inspirador da geração que tanto influenciou e que passaria a história identificada com as Conferências Democráticas do Casino. Deste modo, a própria ideia de Revolução corresponderia à instauração histórica de uma Justiça imanente, que pressupunha o culminar de um processo objetivo, mas também voluntarista, e que culminaria num movimento mutualista-federativo, nitidamente influenciado por Proudhon. A dialética idealista de Antero pretende, no fundo, considerar e articular os dois polos em que a reflexão do poeta se processa. Assim, apenas compreendemos plenamente a viragem operada pela Geração de 1870, tão influente nas décadas seguintes, se entendermos a complementaridade entre a dialética hegeliana e a monadologia de Leibniz. Daí o facto de a tomada de consciência da importância da intervenção dos intelectuais, como aconteceu em França no caso Dreyfus, com tanta importância no século XX ideológico e político, ter tido expressão precursora em Portugal num movimento eminentemente cultural e literário mas politicamente relevante, que se prende indelevelmente ao grande tema que ocupará Julien Benda em «A Traição dos intelectuais».

 

UMA REFERÊNCIA
Antero, assume-se, nesta linha, claramente como alguém que não regateia esforços na sua responsabilidade de cidadão e de intelectual. Haveria que intervir no espaço público, para permitir a tomada de consciência das responsabilidades coletivas, no caso português, com vista a contribuir para a emancipação de um povo que não podia estar condenado ao fatalismo do atraso. A responsabilidade dos intelectuais teria a ver com as tarefas concretas ligadas à liberdade, à igualdade e à compreensão da evolução humana, animadas pela Ideia de justiça, mas também pela necessária mobilização de vontades para além do mero determinismo. Antero de Quental torna-se, deste modo, uma referência na análise de Óscar Lopes. A monadologia de Leibniz presta-se a uma interpretação do mundo ao mesmo tempo naturalista e espiritualista. E Antero considera-a, numa perspetiva de raiz kantiana, ligando uma lógica transcendental a uma ética de progresso social e histórico. Assim, o ingrediente hegeliano tem uma importância significativa. É um «espartilho de fino aço», sempre presente, que (na análise de Joaquim de Carvalho, corroborada por Óscar Lopes) «nunca lhe consentiria um divórcio adialético entre o ser (ou ser-se) e uma razão qualquer que ela seja, que, de algum modo, acabará sempre por dar conta desse mesmo ser (ou ser-se)». E esse seria um modo da arte contribuir para mudar o mundo…

 

Guilherme d'Oliveira Martins

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