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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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TEATROS HISTÓRICOS EM LISBOA: TEATRO DAS FANGAS DA FARINHA

  


Temos aqui referido o património histórico dos teatros-edifícios construídos e/ou adaptados ao longo do país, em sucessivas fases da História do Espetáculo, e aí cobrindo, desde as realizações iniciais, aos tempos atuais: e sempre tendo em vista a própria realidade do teatro como expressão de um texto que é apresentado ao publico de acordo com os hábitos culturais e as técnicas de cada época.


E de tal forma assim é, que não nos podemos vincular à arquitetura específica e à técnica correspondente de cada expressão de espetáculo cénico.


Por isso aqui temos evocado sucessivos espaços de espetáculo teatral, desde as primeiras manifestações até à geração mais recente, e isto no ponto de vista dos autores, dos arquitetos e do público: pois teatro é espetáculo e sem público – nem que seja um único espetador – não há espetáculo!...


E isto vem a propósito, precisamente, de uma efeméride teatral que neste ano de 2019 completa exatos 5 séculos: a saber, a estreia em 1619 de um espaço teatral, o chamado Pátio das Fangas da Farinha, no que é hoje a Baixa lisboeta.


Vejamos então.


A partir de 1590, o empresário, diríamos hoje, Fernão Dias de la Torre, castelhano de origem e de cultura, organiza em Lisboa o que se pode considerar o primeiro espaço público de espetáculos, o chamado Pátio das Arcas, situado na zona que hoje corresponde mais ou menos à Rua Augusta. Para tal, obtém autorização do Hospital de Todos os Santos. E assim prossegue uma atividade de produção de espetáculos.


Ora o que é mais curioso é que a zona consagra pelo menos desde aí uma vocação, digamos assim, para a realização de espetáculos e de espaços musicais e teatrais. E assim, em 1619, portanto há exatos 400 anos, inicia atividade o chamado Pátio das Fangas da Farinha, próximo do que viria a ser o Tribunal da Boa Hora.


Em 21 de novembro de 1622 o Município de Lisboa emite um documento divulgado por Eduardo Freire de Oliveira em 1888 (in “Elementos para a História do Município de Lisboa”) que citamos na nossa “História do Teatro Português” e que aqui se evoca.


Transcreve então Freire de Oliveira:


“A Relação se meteu em perturbar a jurisdição da cidade, mandando derrubar o Pátio das Fangas da Farinha (...) e ora chegando à nossa notícia que o Pátio da Rua das Arcas estava em notável perigo de arruinar e cair com o peso da gente se ordenou ao vereador do pelouro das obras que com o arquiteto da cidade e mais ministros dela fosse ver a fábrica do dito Pátio da Rua das Arcas e por todos, debaixo de juramento, foi dito que a obra estava fraca e notável risco de vira abaixo com o peso da gente, o que acontecendo, o que Deus não permita, mataria e estropiaria muita gente (...) deem licença a este Senado que mande concertar o das Fangas da Farinha”...!


Quer dizer: já nessa altura os poderes públicos se envolviam em problemas de gestão da infraestrutura de espetáculos!...

DUARTE IVO CRUZ

 

Obs: Reposição de texto publicado em 06.07.19 neste blogue.

EVOCAÇÃO DO TEATRO NO PAÇO DA RIBEIRA

  


Nesta alternativa de teatros históricos decorrentes da inovação romântica e pós-romântica e os teatros mais modernos, aí incluindo os do que chamamos a geração dos cineteatros e os teatros atuais, referimos hoje, precisamente numa “retrospetiva histórica”, o denominado Teatro do Paço da Ribeira em Lisboa. Mas será então oportuno situar uma cronologia que reforça o carater específico e a memória deste efémero monumento urbano.


Desde logo porque o Teatro é integrado no próprio Palácio Real, situado no que é hoje o Terreiro do Paço – Praça do Comércio. O Palácio começa a ser construído em 1498 para residência da Corte, sendo D. Manuel I à data Rei de Portugal. O Trono e a Corte instalam-se em 1503 mas o terramoto de 1755 destrói por completo o Palácio que como tal não será reconstruído – e isto, sendo certo que o Paço da Ribeira já em parte sobrevivera a outro sismo, em 1531.


Na série de livros sobre Casamentos da Família Real Portuguesa, coordenados por Ana Maria S. Rodrigues, Manuela Santos Silva e Ana Leal de Faria, encontramos no Volume IV, editado em outubro último, um estudo sobre este Palácio, da autoria de Carla Alferes Pinto, com referências a espetáculos nele produzidos para a Corte. Aí designadamente se remete para “um grande serão tão ao gosto de D. Manuel I e da filha mais nova, D. Beatriz” ocorrido em 4 de agosto de 1521, assinalando as festividades do casamento desta.


Houve baile real. E acrescenta o texto de Carla Alferes Pinto que aqui citamos (pág.179):


“Depois dos folguedos, e enquanto os membros da corte se acomodavam em cadeiras, almofadas ou se mantinham de pé (segundo o rigoroso figurino das precedências cortesãs), e descansavam, teve lugar a encenação da tragicomédia Cortes de Júpiter escrita por Gil Vicente para a ocasião”.


O estudo prossegue em dezenas de páginas que descrevem todo o contexto politico, social e cultural da negociação e do noivado de D. Beatriz.  Mas o que aqui nos importa sublinhar é precisamente o enquadramento da “transformação” do Palácio em Teatro, episódica e circunstancial que tenha sido: e não muito mais se poderia aliás dizer, como vimos, do Palácio em si, desaparecido com foi menos de 60 anos depois de inaugurado!  

 

DUARTE IVO CRUZ

EVOCAÇÃO DO TEATRO THALIA

 

Vale a pena recordar o papel e a função cultural do Teatro Thalia, muitas vezes referido como Teatro das Laranjeiras que se situa em área altamente frequentada. E a sua função e atuação em muito transcendeu as origens aristocratizantes, digamos assim, do Teatro em si, isto desde que foi inaugurado em 1825 por iniciativa do Conde de Farrobo, junto ao Palácio das Laranjeiras, onde morava, e no que é hoje o Jardim Zoológico de Lisboa.


Há anos tivemos ensejo de recordar que o velho Teatro foi inaugurado em 1825, alterado em 1842 segundo projeto de Francisco Lodi, e quase destruído por um incêndio ocorrido em 1862. Só a fachada ficou.


Mas em 2012 o Teatro é reconstruído segundo projeto dos arquitetos Gonçalo Byrne e Barbas Lopes. Já tivemos ocasião de sublinhar a conciliação do restauro com o que restava do edifício original. E esse edifício teve funções relevantes ao longo das sucessivas atividades socioculturais. Aliás, há como que uma tradição cultural ligada ao Palácio das Laranjeiras. Nos anos 20 do século passado realizaram-se lá espetáculos de bailado a que esteve ligado Almada Negreiros.


E tivemos ocasião, em textos anteriores, de recordar que o Teatro foi inaugurado com uma ópera hoje esquecida, “Il Castello de Spiriti” de Mercadante, compositor e maestro então responsável pelas temporadas de ópera organizadas pelo então dono do edifício, João Pedro Quintela, numa tradição familiar que vinha do pai, “nobilitado” com o título de Barão e depois a Conde de Farrobo.


O pai, por sua vez, esteve ligado à fundação do Teatro de São Carlos em 1793 e o filho seguiu-lhe o exemplo de grande aficionado e amador de ópera. Farrobo filho viria a estar também a certa altura na gestão do São Carlos.


Na obra intitulada “O Teatro em Lisboa no Tempo de Almeida Garrett” Ana Isabel P. Teixeira de Vasconcelos evoca a frequência de Passos no Teatro das Laranjeiras e cita, entre mais eventos, a colaboração frequente de Rambois e Cinatti como cenógrafos. Evoca a descrição de Francisco Câncio acerca de uma receção a D. Maria II.


O Teatro era e será um grande centro de cultura e de projeção social. Como tal, continua hoje a merecer citação. Veremos em próximo texto as referências num volume publicado muito recentemente.

 

DUARTE IVO CRUZ

Obs: Reposição de texto publicado em 28.09.19 neste blogue.

EVOCAÇÃO DO TEATRO AVENIDA

 

Em 1888 abre ao público em Lisboa o teatro Avenida, situado na então ainda relativamente recente Avenida da Liberdade. Foi mandado construir por Miguel Angelo Lambertini, figura destacada nos meios culturais e empresariais. Inaugurou em 11 de fevereiro daquele ano: é de assinalar a iniciativa, num contexto urbano que, apesar do incremento decorrente da Avenida, não representava ainda o eixo cultural que viria mais tarde a alcançar.


Luciano Reis refere que o Teatro Avenida «registou o seu primeiro grande êxito com a opereta “O Burro do Senhor Alcaide” de D. João da Câmara, Gervásio Lobato e Ciríaco de Cardoso», autores de grande projeção na época e ainda hoje, sendo certo que a peça referida marcou uma época e confirmou a notável ainda hoje abrangência estilística e o sentido de espetáculo dos autores. (cfr. “Teatros Portugueses”, Ed. Sete Caminhos).


E Glória Bastos e Ana Isabel Vasconcelos evocam o Teatro Avenida, reproduzindo a descrição feita na época por João Paulo Freire:


“Teatro acanhado, sem segurança para o público, em caso de incêndio, embora lhe tornassem obrigatória uma saída pela porta lateral. Entalado entre prédios de diminutas dimensões, o corredor que serve o bufete é de tal forma acanhado que em noites de enchente quase se não dá um passo. Exteriormente não tem recomendação possível. Internamente, à parte os defeitos já apontados, é simples mas gracioso”.


Acrescentam as duas autoras citadas que o Avenida foi explorado por sucessivos empresários de prestígio na época: Luis Galhardo, Luísa Satanela e Estêvão Amarante, Maria Matos e Mendonça de Carvalho e, anos depois, pela Nova Companhia do Teatro de Sempre, dirigida por Gino Saviotti, o qual marcou uma presença de grande qualidade no meio teatral português como diretor de companhia, como crítico e doutrinador e como professor no Conservatório Nacional. (cfr. “O Teatro em Lisboa no Tempo da Primeira República”, Ed. MNT 2004, pág. 50).


E assinala-se que a última empresa citada muito contribuiu para a atualização, digamos assim, dos repertórios tal como nesses anos 50/60 do século passado eram explorados em Portugal.


Mas voltando à época da fundação do Teatro Avenida, encontramos num autor francês já aqui citado, Henry Lionnet, uma descrição no mínimo desconfiada para mais não dizer, da exploração artística do Teatro Avenida.


Lionnet escreve em 1898. Começa por elencar os teatros - edifícios em Lisboa e no Porto e classifica-os basicamente a partir dos repertórios habituais, atribuindo ao Teatro Avenida uma como que vocação “para a opereta popular e para a revista”, o que significa de certo modo uma desqualificação relativamente a outros teatros em Lisboa e no Porto.


E afinal, ao longo do século passado, repita-se, o Teatro Avenida não poucas vezes marcou a cultura cénico-dramatúrgica da época!


Enfim: em 13 de dezembro de 1967, o Teatro Avenida, dirigido então por Amélia Rey Colaço na sequência do incêndio do Teatro Dona Maria II ocorrido em 1964, arde também!


Lá estive no dia seguinte. E escrevi então estes comentários que aqui reproduzo:


“O Avenida era um teatro feio, incómodo, anacrónico; muito embora - era um teatro. E hoje é um monte de ruínas que necessariamente nos fez lembrar, quando as visitamos na manhã do desastre, as ruínas do palco do Variedades, as ruínas do D. Maria II, as ruínas do Ginásio”.


É que todos estes teatros arderam!

DUARTE IVO CRUZ

A FORÇA DO ATO CRIADOR


Em Lisbon Story o olhar e a existência desejam unir-se.


“Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!”, Álvaro de Campos, Ode Triunfal.


Em Lisbon Story (Wim Wenders, 1994) a evasão no espaço sugerida por Fernando Pessoa é descrita pela atitude da personagem de Friedrich que se tornou ninguém perante a cidade. Captar a cidade somente através da lente tornou-se uma prisão para Friedrich. O caminhar e o olhar desejam estar em uníssono. E no filme, também o som resgata a verdadeira existência das coisas.


“Todos os dias a Matéria me maltrata (…) Busco-me e não me encontro. (…) O meu amor ao ornamental é sem dúvida porque sinto nele qualquer coisa de idêntico à substância da minha alma.”, Fernando Pessoa em “Livro do Desassossego” (Pessoa 134-142)


Os objetos e as imagens que fazemos desses objetos constroem-nos. A experiência de sentir confirma a nossa existência. O posicionamento das coisas no mundo ajuda a determinar os nossos limites físicos - nós nunca nos chegamos verdadeiramente a ver de fora. O mundo que nos rodeia é o nosso espelho, é uma ajuda para a descoberta do sentido da nossa existência - mesmo que não saibamos quem somos o espaço que nos rodeia com o tempo nos dirá.


“Sou nada...
Sou uma ficção...
Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo?”
Álvaro de Campos, Ali não havia eletricidade


Capturar uma cidade através de um filme, segundo Wim Wenders só é possível através de uma narrativa que tente estabelecer uma ordem e uma possível estrutura. A história traz sempre uma ilusão, porque afirma uma espécie de coerência e significado aparente à circunstância indeterminada que nos rodeia.


“Stories give people the feeling that there is meaning, that there is ultimately an order lurking behind the incredible confusion of appearances and phenomena that surrounds them.”, Wim Wenders In The Cinema of Wim Wenders: The Celluloid Highway (Graf 2002, 2)


É impossível conter o espaço todo de uma cidade numa película, mas o cinema pode ajudar a resgatar a existência das coisas que estão à frente dos nossos olhos. Para Wim Wenders, o cinema ao ajudar a ver de novo pode tornar-se então numa experiência poética única - as imagens filmadas podem até contribuir para a formação e fixação da identidade de uma pessoa.


Em Lisbon Story, a personagem de Friedrich explora o indeterminado e impreciso espaço de uma cidade. Friedrich deseja simplesmente pertencer ao que existe, porque diante da cidade talvez consiga entender aquilo que é verdadeiramente. A experiência de decifrar o espaço da cidade através dos sentidos pode levar paradoxalmente à perda de si mesmo. Existe o desejo do mundo e da pessoa humana se transformarem num só.


“E às vezes, em pleno meio da rua - inobservado, afinal - paro, hesito, procuro como que uma súbita nova dimensão, uma porta para o interior do espaço, para o outro lado do espaço, onde sem demora fuja da minha consciência dos outros, da minha intuição demasiado objetivada da realidade das vivas almas alheias.”, Fernando Pessoa, Livro do Desassossego (Pessoa 2014, 134)


A vida de Friedrich paira sobre a cidade e casa impede-o de ser. O olhar e a existência desejam unir-se, porque a vida também pertence às coisas. Friedrich caminha pelas ruas da cidade e tenta captar e colecionar imagens que nunca foram vistas, imagens puras, que conservam a realidade tal como é - imagens que não vendem nem histórias nem coisas, imagens que não estão contaminadas por um determinado olhar. Friedrich acredita que se não for vista, a imagem e o objeto poderão permanecer para sempre juntos. Mas, ao longo de Lisbon Story, apercebemo-nos que afinal a criação das imagens têm de ser feita sempre com um determinado olhar, porque é através da sensibilidade única e singular de cada um de nós que se criam imagens que realmente são indispensáveis e que criam para sempre ressonâncias.


“No magno dia até os sons são claros (…)
Quisera, como os sons, viver das coisas
Mas não ser delas…”, Ricardo Reis

Ana Ruepp

UM TEXTO DE GUILHERME D’OLIVEIRA MARTINS SOBRE UMA CASA DE ESCRITORES

 

Cito hoje um texto de Guilherme d’Oliveira Martins publicado muito recentemente no Diário de Notícias (16/03/2021) sob o título “O soviete dos Caetanos” e que evoca precisamente (e cito) a então “Calçada dos Caetanos (hoje Rua João Pereira da Rosa) no Bairro Alto, entre o Conservatório e a Rua do Século, a antiga Rua Formosa. Aí moraram Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, António Ferro e Fernanda de Castro. E estes chamavam-lhe “o soviete dos Caetanos” e tudo se partilhava desde o sal e o pão até ao teatro, a poesia e a arte” assim mesmo!...


O texto descreve com detalhes o historial da família, designadamente os tios-bisavós Vitória e Joaquim Pedro, além de mais familiares. É desde logo de assinalar que foi Ramalho Ortigão quem orientou em 1888 a casa para Oliveira Martins.


E mais:
Independentemente dessas ligações familiares/residenciais, ou na sequência deles, importa referir, citando as evocações do texto, que António Ferro instalou no prédio um centro social-cultural com um pequeno teatro.


E no prédio viveram ainda, diz-nos o texto, Ofélia e Bernardo Marques, Fred Kradolfer, José Gomes Ferreira e sua mulher (na época) Ingrid.


O texto de Guilherme d’Oliveira Martins que aqui cito, traz transcrições diversas de memoriais da casa e/ou da sua sucessiva utilização por famílias que se destacaram já na época e hoje marcam a cultura do nosso tempo. Algumas transcrições que a seguir fazemos mostram-no bem. Assim, Oliveira Martins transcreve Fernanda de Castro numa longa citação do livro “Ao Fim da Memória” editado pela Verbo em 1986. Citamos designadamente:


“Não tínhamos cheta, ninguém tinha um tostão. Fazia-se café e chá, o Leitão de Barros trazia coisas de casa, eu comprava seis bolos de arroz que cortava em fatias e servia em pratas da Índia. Era deslumbrante! As reuniões literárias, as leituras de peças e de poemas, eram um encanto”.


E mais acrescenta Guilherme d’Oliveira Martins:
“Ninguém pensava em dinheiro, havia então essa superioridade de espírito, os valores dominantes eram os da honradez, os de não nos aproveitarmos das coisas públicas”.


E ainda mais acrescenta que num encontro casual com António Quadros, ele se queixou do estado em que se encontrava a casa onde ainda vivia a sua mãe Fernanda de Castro. A seguir cruza-se com Rui Godinho, Vereador da Câmara Municipal de Lisboa. Oliveira Martins narrou-lhe a conversa: e desse encontro acabou por resultar a recuperação da casa que aliás tinha já na altura lápides evocativas de Ramalho Ortigão, do Oliveira Martins e de António Ferro.


E daí veio a recuperação do prédio. “Pouco tempo depois, o prédio foi devidamente posto em condições, sendo, com inteira justiça, o que tem maior número de invocações na cidade”.


E, tal como afirma ainda Guilherme d’Oliveira Martins, agora “falta apenas colocar a Iápide de lembrança de António Quadros”...!

 

DUARTE IVO CRUZ

OS 175 ANOS DA INAUGURAÇÃO DO TEATRO DO GINÁSIO DE LISBOA

 

Há anos, fizemos aqui referência ao Teatro de Ginásio de Lisboa, mais tarde transformado em cinema e depois encerrado. Retomamos a evocação, pois na verdade tratou-se, na época e dezenas de anos a partir dela, de uma sala de espetáculos em muitos aspetos assinalável como tradição cultural e como memória de décadas de função.


E será de referir que, já nesse texto, foi oportuna a evocação histórica do velho Theatro do Gymnasio, inaugurado em 1846 no espaço antes explorado por aquilo que na época se chamava “Companhia de Cavalinhos”, assim mesmo, pois referia os espetáculos circenses então muito marcantes: e esses espetáculos eram apresentados no então chamado “Novo Gymnasio Lisbonense”.


Citamos a propósito Júlio césar Machado, escritor de relevo na época e que descreveu o então novo Teatro, referindo-o de forma pitoresca: “teatrinho de cartas, sem proporções, sem espaço, sem comodidades, mas alegre e simpático”... e mais acrescenta, segundo o então relevante “Diccionario do Theatro Português” (ed. 1908) que o Ginásio “parecia sair de uma habilidade de berliques e berloques”, assim mesmo.


1846 é também o ano de inauguração do Teatro de Dona Maria II, o que é de assinalar. Mas os dois teatros não se deviam comparar.


Entretanto, esse Ginásio ou Gymnasio, seria ao longo de décadas reformado e de certo modo mesmo substituído por sucessivos teatros que mereceram na obra referida um dos maiores textos, o que confirma a sua importância na época. Basta para isso ler a detalhadíssima descrição histórica, arquitetónica e artística que Sousa Bastos lhe dedica: mais extensa e detalhada do que a do Teatro D. Maria!


Essa descrição ganhou atualidade epocal, com as referências detalhadas de elencos ao longo da atividade do Teatro e cobrindo a “atualidade” da edição, portanto no início do século XX, como já dissemos. Mais relevante, não obviamente nos valores descriminados mas na estrutura correspondente, é a descrição histórica de valores orçamentais mas sobretudo de elencos sucessivamente referidos até à “atualidade” da publicação das referências.


De assinalar ainda que em 1908 o Teatro era propriedade de Francisco de Andrade, cantor de prestígios e projeção internacional na época: mas quem se lembra dele hoje, tirando especialistas de História do Espetáculo Musical?  


E é de registar que na época havia ainda um Teatro de Gymnasio Vilafranquense, (em Vila Franca de Xira) o que documenta a descentralização das artes do espetáculo, a partir de Lisboa e não só, tal como é referido no livro de Sousa Bastos, que elenca centenas de Teatros, muitos deles há época em plena atividade. Quantos ainda existem, como salas de espetáculo ou até como meros edifícios centrais?


É o que temos visto, nesta alternância de análises históricas e atuais que temos desenvolvido e que, na alternância com dramaturgia, com cinema e com salas de espetáculo históricas e, modernas, umas e outras ou paradas ou adaptadas ou em atividade...

 

DUARTE IVO CRUZ

ATORES E ESPAÇOS TEATRAIS NO SÉCULO XVII EM LISBOA

 

Em publicações e evocações diversas, temos referido um documento do Município de Lisboa, datado de 21 de novembro de 1622, que relata a situação e atividade dos edifícios, pátios e espaços teatrais diversos na cidade.

 

 A relevância decorre efetivamente de dois aspetos determinantes: de um lado, a intervenção direta da autoridade municipal no que respeita à regulamentação da atividade de produção de espetáculos teatrais, em si mesmo considerada, e tendo em conta as implicações sociais e pessoais que a mesma envolve; e simultaneamente, a própria regulamentação da atividade laboral e artística dos comediantes envolvidos.

 

E tenha-se presente que a situação portuguesa, no contexto da época, era afetada pela dominação filipina então em curso (estamos, repita-se, em 1622) o que no ponto de vista cultural envolvia óbvias ambiguidades; designadamente pela preponderância crescente da intervenção castelhana - e estamos a 18 anos da Restauração, com todas as implicações políticas e culturais inerentes.

 

E importa ainda recordar que na época o espetáculo teatral fazia-se em espaços muito variados, designadamente em Lisboa, onde a coexistência de Teatro-edifícios com a tradição histórica dos Pátios ainda dominava a produção teatral. De tal forma que se definiu uma tradição de continuidade desses espaços de espetáculo, desde os Pátios aos Teatros.

 

Ora em 1888, Eduardo Freire de Oliveira divulgou um documento do Município de Lisboa, datado de 21 de novembro de 1622, que procede à regulamentação da atividade de espetáculo. 

 

Trata-se de um vastíssimo documento, que aqui em parte transcrevemos, procedendo à devida atualização ortográfica.

 

Diz então o documento:

 

“(...) Deem despacho aos comediantes, para que  representem no pátio em que agora o fazem, enquanto não houver outro concertado, capaz de se poder representar nele,  ao que se satisfaz com dizer de palavra ao autor que fosse continuando a representar aonde o fazia, até se lhe ordenar cousa: porém, pareceu significar (...) o grande dano que resulta do pejamento da rua das Arcas donde estão oficiais arruados e não podem trabalhar em seus ofícios nem vender e dar expediente às suas obras o dia que ali se representa de mais de estar a rua impedida, que com dificuldade pode uma pessoa passar a cavalos por elas além das brigas que por estes respeitos são causadas”...

 

E cita então o Pátio das Fangas da Farinha e o Pátio da Rua das Arcas como dois espaços determinantes da atividade cénica na época.

 

 

E acrescente-se que em 1771 sendo Presidente do Senado de Lisboa o Conde de Oeiras, filho do Marquês de Pombal, é criado por Decreto de 30 de maio daquele ano uma chamada Sociedade para a Subsistência dos Teatros Públicos da Corte, a qual antecedeu em séculos as infindáveis entidades públicas de apoio à atividade de teatros, numa “tradição” que dura até hoje!...

 

 

 

 

 

 

DUARTE IVO CRUZ

O CENTENÁRIO DO TEATRO DAS LARANJEIRAS

 

Evocamos hoje o centenário do início do projeto de um Teatro palaciano, ainda que deslocado dos Paços Reais, o que de certo modo constituía alguma alternativa na época. Referimos o Teatro chamado das Laranjeiras, cuja atividade alternativa não impediu certas épocas de relevância cultural, para lá da qualidade arquitetónica inerente. O que ainda hoje pode como tal ser constatado, não obstante as alterações sucessivas da sua irregular atividade como sala de espetáculos.

 

Como já tivemos ocasião de escrever, o Teatro situa-se junto ao Palácio das Laranjeiras e ao Jardim Zoológico de Lisboa, ao qual esteve ligado. E o projeto inicial data de 1820, portanto há exatamente um século: o que não significa que nessa data tenha começado a construção.

 

Nessa data, João Pedro Quintela, Conde de Farrobo, então com 19 anos, filho do concessionário do Real Theatro de São Carlos que viria a dirigir de 1838 a 1840, toma a iniciativa de projetar a ideia de construção de um teatro privado. Não se perdeu o projeto, que se concretiza a partir de 1825, data em que o inaugurou com uma ópera de compositor já então marcante, até pelo nome.

 

Trata-se de Mercadante. E o então denominado Real Teatro de São Carlos foi pois inaugurado com a ópera denominado “Il Castilio del Spiriti” de Mercadante.

 

 Mas como já tivemos ocasião de salientar, a propósito deste e de outros teatros, Farrobo teve o mérito de romper com a predominância na época do repertório operático italiano, então dominado em toda a Europa por Rossini e Donizetti, isto sem de modo algum questionar o talento e a qualidade desta produção então ainda moderna: mas de qualquer forma, o Teatro das Laranjeiras estreou em Portugal obras e óperas de compositores franceses, designadamente de Auber, o que na época e ainda hoje é assinalável.

 

Aliás, registe-se que Farrobo, discípulo de João Domingos Bomtempo, viria a ser diretor do então Real Conservatório de Lisboa.

 

Em 1842, o Teatro das Laranjeiras beneficia de obras de restauro dirigidas por Francisco Lodi, e introduz-se o primeiro sistema de iluminação a gás.

 

E assim foi prosseguindo atividade irregular até que em 9 de setembro de 1862, sofreu um incêndio que o iria destruir: e Farrobo, então já a caminho da ruína, nunca o restaurou.


E só quando o Jardim Zoológico se instalou nos Jardins do Palácio, por iniciativa de Henrique Burnay que para tal os cedeu, o teatro viria, anos mais tarde, a ser restaurado.

 

Mas importa aqui evocar ainda a relevância que, na sua época o Teatro das Laranjeiras alcança. E a esse propósito, pode citar-se precisamente a comparação, digamos assim, que Augusto M. Seabra estabelece precisamente entre o Teatro de São Carlos e o Teatro das Laranjeiras, no estudo intitulado precisamente “Ir a São Carlos”, teatro este “consagrado na memória da cidade”, escreve José Troni no prefácio (ed. CTT 1993).

 

Comparando os dois teatros no período da revolução liberal, diz então Augusto M. Seabra:

 

“Uma espécie de extensão restrita foi o Teatro das Laranjeiras, no novo Palácio de Farrobo, o próprio Conde participando nas representações ao lado de cantores contratados pelo S. Carlos em festas nas quais participou a própria família real”!...

 

DUARTE IVO CRUZ

RECUPERAÇÃO DO TEATRO ROMANO DE LISBOA

 

Já aqui temos referido o Teatro Romano de Lisboa. Voltamos ao tema, porque a imprensa divulgou um programa de eventual recuperação do teatro.

 

E a esse respeito citamos designadamente um artigo de Susete Francisco, publicado recentemente no DN (4.01.2020), que refere declarações de Lídia Fernandes, coordenadora do Museu de Lisboa – Teatro Romano, onde se descreve o histórico deste teatro e se anuncia a intenção da CML no sentido de as ruínas serem classificadas como monumento nacional e entrarem em nova fase de recuperação e ampliação dos trabalhos de pesquisa.

 

Já tivemos ocasião de referir o que resta deste teatro, evocando o longo processo de recuperação das ruínas que até hoje sobrevivem. Trata-se efetivamente de um conjunto de vestígios da construção clássica, vestígios esses redescobertos em 1798, e desde aí sujeitos a variadas intervenções. Desde logo a partir dos anos 60 do século passado, quando se foi procedendo a trabalhos de recuperação e valorização histórica.

 

Tal como tivemos ensejo de assinalar em “Teatros de Portugal” (ed. INAPA – 2005) o teatro seria datável da era de Augusto, remodelado no tempo de Nero (século I) mas posteriormente vandalizado para aproveitamento de materiais na reconstrução de Baixa Pombalina. E tal como aí referimos, só a partir dos anos 60 do século passado, e mesmo assim com interrupções, se procedeu à recuperação possível. O Teatro seria pois um edifício central, mas nada se sabe da sua atividade e não muito da sua configuração.

 

O artigo de Suzete Francisco, que aqui citamos, assinala que os primeiros trabalhos de recuperação se devem ao arquiteto italiano Francisco Xavier Fabri, e decorrem da recuperação de zonas destruídas no terramoto de 1755 e que não foram então devidamente recuperadas. De tal forma que a “sobrevivência” do Teatro Romano  terá ficado a dever-se  a Fernando de Almeida, sobretudo  a partir de 1964, e mais tarde de trabalhos dirigidos por Irisalva Moita e que prosseguiriam a partir de 2001.

 

E os trabalhos de recuperação da Lisboa Romana duram até hoje!...

 

Daí, o interesse do projeto de qualificação e prosseguimento dos trabalhos de recuperação do Teatro Romano  de Lisboa como monumento nacional, a que se refere o artigo de Susete Francisco.

 

DUARTE IVO CRUZ