Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
A celebração dos quinhentos anos do nascimento de Camões permitiu relembrar a complexa personalidade do maior dos nossos poetas e compreender a noção de patriotismo, enquanto conceito prospetivo, longe de qualquer entendimento fechado e ilegítimo sobre a nossa identidade, aberta e plural, segundo uma História antiga muito rica e de uma memória viva “pelo mundo em pedaços repartida”. E recordo a intervenção de Lídia Jorge em Lagos no dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, que nos relembra a de Jorge de Sena em 1977, a falar de “Camões profundo, um Camões dramático e dividido, um Camões subversivo e revolucionário, em tudo um homem do nosso tempo” – “com as angústias e as dúvidas do homem moderno que não obedece a nada nem a ninguém senão à sua própria consciência”. Também Camões, lembrou a oradora, “queixava-se da degradação moral, mencionava “o vil interesse e sede imiga / Do dinheiro a que tudo nos obriga”, e evocava, entre os vários aspetos da degradação, o facto de sucederem aos homens da coragem que tinham enfrentado um mar desconhecido, homens novos, venais que só pensavam em fazer cultura”. Que é, afinal, o patriotismo dos nossos maiores senão a consciência serena dos claros e escuros de que a História se faz? E é essa capacidade de ver tudo que Camões nos lega, em lugar de uma suposição idílica onde ninguém verdadeiramente cabe. “Cada um de nós é uma soma. Tem sangue do nativo e do migrante, do europeu e do africano, do branco e do negro e de todas as outras cores humanas. Somos descendentes do escravo e do senhor que os escravizou. Filhos de piratas e do que foi roubado. Mistura daquele que punia até à morte e do misericordioso que lhe limpava as feridas”. Não por acaso o símbolo da nossa pátria é, caso único, um poeta de vida aventurosa. Este é o sinal evidente de que sem ilusões a ligação à terra e às suas gentes se faz com as diferenças, com a glória e os erros e também com o quotidiano e com as provações.
Façamos um exercício prático. Num tempo em que há muita desatenção relativamente aos problemas essenciais, prevalecendo a ignorância, merece leitura atenta a importante reflexão de Cavaco Silva, feita em Toledo sobre os quarenta anos da entrada de Portugal e Espanha na hoje União Europeia. Aí o antigo Presidente defende, como necessária, “uma frente europeísta, com convicção, que contrarie os movimentos eurocéticos e populistas em alguns Estados-membros da União”. Daí referir o elenco de prioridades europeias, como a União Bancária, a União dos Mercados de Capitais, a diversificação de fontes de financiamento das empresas, a criação de uma função orçamental comum para a estabilização macroeconómica, a transparência nas contas públicas, o reforço do poder geopolítico, económico e tecnológico, que recupere o atraso relativamente aos EUA e à China, a exigência de investimento em investigação e inovação, designadamente nas áreas da eletrónica, das telecomunicações e farmacêutica, a aposta na União Europeia da Energia, a política da Defesa, com recurso à mutualização da dívida europeia, como ensinam os clássicos, e a reposição da verdade quanto à real situação do comércio externo com os Estados Unidos. Eis a distinção entre a superfície das coisas e o fundo das mesmas. Procurando a verdade, mesmo incómoda, só realçamos o que temos de mais positivo e perene.
O papel desempenhado pela cultura portuguesa na génese do Renascimento merece atenção especial. O pano de fundo da história portuguesa dos séculos XV e XVI abrange, assim, em termos culturais, referências fundamentais. Neste ano em que se celebra o quinto centenário de Camões referimo-las.
PARA ALÉM DA TRADIÇÃO LÍRICA Na grande tradição da lírica poética, vinda dos trovadores galaico-portugueses e das cantigas de amor e de amigo, chegamos à maturidade da língua portuguesa com Luís de Camões (1524-1580), antecedido por Garcia de Resende (1470-1536), coordenador e artífice do Cancioneiro Geral, acompanhado por Francisco Sá de Miranda (1481-1558), o grande introdutor em Portugal da medida nova de Petrarca, ou pelo autor de “Menina e Moça”, Bernardim Ribeiro (1488-1552). Ao lado deste fundo lírico, temos o domínio épico, de que Camões é o supremo representante, em paralelo como a “História Trágico-Marítima” (obra impressa no século XVIII, baseada em publicações dos séculos XVI) – que levou Miguel de Unamuno, a considerar a cultura portuguesa, a um tempo, lírica e trágica. A estes dois campos, junta-se, porém, o domínio picaresco, na tradição das cantigas de escárnio e maldizer – a que urge juntar o teatro de Gil Vicente (1465-1536), que António Tabucchi exemplificou com o extraordinário “Prato de Maria Parda”, podendo acrescentar-se, dentro de uma produção riquíssima, o “Auto da Lusitânia”, com as inconfundíveis personagens de Todo o Mundo e Ninguém (que Almada Negreiros considerou gémeos). Por outro lado, há um dos fundadores da moderna narrativa Fernão Mendes Pinto (c.1510-1583) com a obra fundamental “Peregrinação” – obra-prima de moderna transição romanesca, que nos permite compreender a diversidade de experiências dos portugueses no mundo, em que o autor se define como «treze vezes cativo e dezassete vendido nas partes da Índia, Etiópia, Arábia Feliz, China, Tartária, Macáçar, Samatra e muitas outras províncias daquele Ocidental arquipélago dos confins da Ásia”. Por outro lado, temos as primeiras Gramáticas da Língua Portuguesa datam respetivamente de 1536 com Fernão de Oliveira (também autor da “Ars Nautica”) e de 1540 com João de Barros. Se referimos João de Barros, não podemos deixar de aludir a sua notável função de cronista, em que seria sucedido por Diogo do Couto, o célebre autor do “Soldado Prático”, repositório fundamental sobre as fragilidades do império. Nessa plêiade de grandes escritores, não podemos deixar de referir Damião de Góis, diplomata, intelectual prestigiado na Europa, amigo de Erasmo e de Dürer, alvo de desconfianças em virtude da sua relação com os maiores humanistas.
O DOMÍNIO DAS ARTES No campo artístico, temos no século XV os exemplos notáveis de Nuno Gonçalves (c. 1450-1491) e de Vasco Fernandes (Grão Vasco) (1475-1542) – sendo primeiro autor de uma das obras-primas europeias de sempre, os Painéis ditos de S. Vicente (c. 1470), redescobertos no final do século XIX e identificados pela representação do Infante D. Henrique tal como se encontra na edição da Crónica dos Feitos da Guiné da Biblioteca de Paris. Na arquitetura, Nicolau de Chanterene (1470-1551), Diogo Boitaca (1460-1528) e João de Castilho (1470-1522) criaram o que conhecemos como o manuelino de que é paradigma o mosteiro dos Jerónimos, além de Francisco de Arruda (m. 1547), que assina a Torre de Belém, merecendo todos especial destaque, ao lado do grande mestre teorizador Francisco de Holanda (1517-1585), não se esquecendo na ourivesaria a preciosidade da Custódia de Belém, possivelmente da autoria de Gil Vicente. Na música, encontramos figuras de relevância europeia como Mateus de Aranda (1495-1548), Pedro de Escobar (1465-1535), Filipe Magalhães (1571-1652), Manuel Mendes (1547-1605), Pedro Cristo (c.1545-1618) e Duarte Lobo (1565-1646).
O SABER DE EXPERIÊNCIAS FEITO Aos domínios referidos, importa acrescentar no que designamos como a primeira globalização as seguintes referências. Na ciência, há a figura maior de Pedro Nunes (1502-1578) matemático e cosmógrafo-mor do reino, de dimensão mundial, mas ainda a de Abraão Zacuto (1450-1522), autor da “Tábuas Astronómicas”; além de Duarte Pacheco Pereira (1460-1533), autor do “Esmeraldo de Situ Orbis” e elemento crucial na preparação e concretização do que veio a ser o Tratado de Tordesilhas; de Garcia de Orta (1501-1568), médico e naturalista; de Amato Lusitano (1511-1568), médico e fisiologista, e de D. João de Castro (1500-1548), político, cartógrafo e naturalista. Deste modo, até ao reinado de D. Manuel, há uma assinalável convergência de influências, num caleidoscópio de povos e crenças. No entanto, com a expulsão dos judeus, no início do século XVI, depois do massacre de Lisboa de 1506, houve, também uma dispersão e a perda de vantagens económicas e de conhecimento. Pode dizer-se que a saída dos judeus sefarditas da Península Ibérica teve consequências desastrosas no tocante aos investimentos e ao apoio científico – tendo resultado de uma forte pressão diplomática e religiosa, que um século depois o Padre António Vieira procuraria inverter na Restauração da Independência (1640). A primeira globalização, que Arnold Toynbee designa como era gâmica (por homenagem a Vasco da Gama), abre novos horizontes à língua e à cultura portuguesas nos diversos continentes. A língua franca dos mercadores e missionários da Ásia será o português, designado como “papiar cristão”, enquanto a miscigenação promovida, através dos casamentos mistos, por Afonso de Albuquerque vai permitir o surgimento de um relevante diálogo entre culturas – que Jaime Cortesão considerará como base do humanismo universalista dos portugueses…
Luís de Camões (1524-1580), cujo centenário comemoramos foi um verdadeiro intérprete de Portugal, assim o procuramos demonstrar.
UM CENTENÁRIO QUE REFLETE Em 1880, por ocasião do terceiro centenário da morte de Camões, houve uma onda de entusiasmo que percorreu o país. Contudo o jovem Oliveira Martins, como os seus companheiros de geração, pondo-se de sobreaviso relativamente a todas as ilusões, afirmava: “Nós que abusamos demais das glórias conquistadas por nossos avós, supondo que elas bastam para nos justiçarem a fraqueza e os vícios, devemos considerar o Centenário como um incitamento a melhor vida; um Confiteor e não um Glória. Penitenciemo-nos, pois. Se o Centenário ficar como expressão nova de uma bazófia velha, melhor fora não se ter feito”. Esse foi, no entanto, um momento alto na tomada de consciência cívica. De facto, “o melhor modo de consagrar os heróis é repetir-lhes as façanhas. (…) São o carácter, a virtude, o heroísmo, que valem decerto mais que todas as luminárias”, e lembrava o historiador que as festas de Atenas só foram maiores depois da tomada pelos romanos, porque as celebrações póstumas são nostálgicas. E assim na década de noventa, passado o entusiasmo imediato este ardeu como a palha e “Os Lusíadas” voltaram a ser apenas uma saudade, dissipada a esperança de um momento. “A crítica tornava a exercer o seu papel de consoladora e mitigante, nas horas de desalento em que sentimos os braços quebrados para a ação. Camões tornava a pertencer à história de um passado extinto”, enquanto se varria para longe “a imagem desenhada nos horizontes luminosos de um dia”. Muitas e muito boas obras puderam, porém, enriquecer a literatura camoniana, salientando-se os estudos do visconde de Juromenha, de Teófilo Braga, bem como as traduções de Storck e de Burton, bem como, em paralelo, a edição da obra de Garcia de Orta e sobre a «Flora” de “Os Lusíadas”» pelo conde de Ficalho ou a edição de Sá de Miranda da autoria de Carolina Michaelis de Vasconcelos.
UMA HISTÓRA PRESENTE Depois de o historiador ter escrito, quando estava em Espanha, em meio de charnecas bravias da Mancha, a dirigir as minas de Santa Eufémia, «Os Lusíadas: Ensaio sobre Camões e a sua obras, em relação à sociedade portuguesa e ao movimento da Renascença» (Porto 1872), refundiu-a quase vinte anos depois num notável trabalho de releitura, dado à estampa em 1891 - “Camões – Os Lusíadas e a Renascença em Portugal”, com uma estrutura semelhante à anterior mas com uma maturidade que demonstra bem a compleição cultural e literária do pensador e do artista da História - sem alterar “nem os lineamentos primitivos, nem o tom juvenilmente exuberante que lhe encontrava no estilo”. E o certo é que no fecho do prólogo da nova edição podemos ler uma afirmação que traduz bem o espírito de quem, ciente da decadência que se vivia, considerava que haveria razões para uma exigência de redenção, baseada num trabalho necessário de preparação do futuro: “Neste acabar de século, por tantos lados semelhante ao fim fúnebre do século XVI, quando morreram Camões e Portugal, o vivo desejo da minha alma é que, se efetivamente, está morta a esperança inteira e temos de abandonar a ideia de voltarmos a ser alguém digno de nome vivo sobre a terra, este livro seja como um ramo de goivos deposto no altar do poeta que, morrendo com a pátria, lhe cantou o glorioso passado, legando-nos o testamento de um futuro não cumprido”.
Importava, no fundo, compreender a circunstância que rodeara em 1572 a publicação de “Os Lusíadas” – porque “as grandes eras poéticas nunca são as da plena expansão enérgica das sociedades”. De facto, o poema épico foi publicado quando a pátria agonizante estava debruçada sobre a cova de Alcácer Quibir. E também Virgílio escreveu na época clássica de Augusto «quando Roma, terminada a época da sua expansão e grandeza, buscava nas instituições imperiais e na “imensa majestade da paz” o triclínio dourado e cómodo para ir passando os séculos da sua digestão apoplética. A incomparável epopeia virgiliana exprime, na sua perfeição, no seu rigor, no seu saber artístico, esse meigo descair de um sol que não dardeja mais os raios fulgurantes do meridiano, com uns longes de cansaço anunciando a doença».
ESPÍRITO DA RENASCENÇA E no caso português, o espírito da Renascença centra-se no seguinte: “Toda a energia deste povo cristaliza em três atos: o imperialismo político, as descobertas e conquistas e o absolutismo religioso”. Na “História da Civilização Ibérica”, Oliveira Martins encontrará, a um tempo, as causas de decadência dos povos peninsulares e as características próprias de uma experiência crucial na história da humanidade. Fomos, assim, os romanos da Renascença, como dirá Camões, ao invocar a proteção de Vénus (“Afeiçoada à gente Lusitana, / Por quantas qualidades via nela / Da antiga tão amada sua Romana” – Canto I). E partilhando o idealismo espiritualista, capaz de exigência crítica, “Camões não é só o épico português da força e da fé, nem o épico da ciência e do comércio; é também um vate do pensamento filosófico moderno”. E deste modo “por um ato de vontade coletiva, Portugal quis ser e foi uma imitação de Roma” – e essa é uma chave que a visão camoniana consagra. “E esse ato de vontade, semente da sua energia heroica, deu fisionomia própria a um pequeno povo que primeiro vivera indistinto entre os vários reinos da Espanha, apenas porventura caracterizado diferencialmente pelo lirismo da sua alma céltica, igual em todo o caso dos dois lados do Mondego, mais igual ainda em ambas as margens do Minho”. E a bela Vénus diz da língua portuguesa que, ao ouvi-la, “com pouca corrupção crê que é a latina” (Canto I). Por outro lado, reforçando essa semelhança heroica, “o foro português, à semelhança do romano, não era o atestado de uma ascendência consanguínea, mas sim o batismo em uma fé que não distinguia nacionalidades, nem origens naturais de raça, ou de religião”. E aqui temos o carácter paradoxal da herança camoniana que a geração de 1870 deseja que funcione como um desafio de vontade – cientes das vicissitudes várias e dos fumos da Índia de que Albuquerque falava. “É por isso que os Lusíadas, escritos em letra de ouro, sobre a candura de um mármore são (na expressão do historiado) o epitáfio de Portugal e o Testamento de um povo. Como Israel, com os seus cativeiros sucessivos, o português, abraçado à sua bíblia e enlevado no sonho messiânico do sebastianismo, amassado com lágrimas, balbuciará as estrofes de Camões sempre que vir apontar no céu uma aurora fugaz de renascimento, e sempre que contemple melancolicamente o crepúsculo saudoso do seu passado perdido”. No Portugal oitocentista, o épico apresentava-se como intérprete da história pátria num sentido profético, não com pendor fatalista, mas como futuro de esperança.
O tempo parou no palacete de S. João dos Bem-casados. Quando se entra na casa onde viveram Veva de Lima e Rui Enes Ulrich sentimos o ambiente de um cenário de Marcel Proust ou de Luigi Pirandello. Regresso sempre com gosto ao lugar onde se realizaram dos últimos serões literários do panorama lisboeta, lembrando os míticos encontros dos árcades com Alcipe, a Marquesa de Alorna, em que participou o jovem Alexandre Herculano. Tenho na memória as descrições de Fernanda de Castro sobre esses encontros de magia e ilusão. Os móveis, os livros, as fotografias, os damascos que vislumbramos testemunharam silenciosamente esses tempos e representam a decoração portuguesa de várias influências, de Paris até à Índia. O meu amigo Alfredo Magalhães Ramalho, que conheci no Pedro Nunes, é a alma desta tertúlia, conhecendo como as suas próprias mãos cada recanto da velha casa. E ouvimos a cada passo a voz do espírito fulgurante de Veva, filha de Carlos Mayer, um dos Vencidos da Vida com Eça, Ramalho e Oliveira Martins. “Enquanto vivos (…) talvez não houvesse, realmente, com tal conjunto, orquestra mais sumptuosa em polifonias de valores mentais, como a que eles, associados, conseguiam manter pela harmonia das suas superioridades equivalentes na zona de ideias em que habitavam”. Foi este o espírito que procurou manter vivo e que sua filha, a exemplar educadora Maria Ulrich, persistentemente trouxe até aos nossos dias.
Pediu-me o Alfredo que falasse numa das suas quartas-feiras, depois do habitual jantar em ambiente familiar, recordando os grandes dias, do tema “Duas Vezes 500”, a propósito de dois centenários marcantes – do nascimento de Luís de Camões e da morte de Vasco da Gama. E fomos transportados à análise de Toynbee sobre o início da Era Gâmica, génese da globalização, momento crucial da história da humanidade. Quando lemos Os Lusíadas podemos compreender a complexidade dessa empresa e o seu significado essencial – o dos “descobrimentos” não como glória mítica, mas como obra humana, com claros e escuros, virtudes e pecados, mas caminho que avança e obra que se constrói gradualmente. Perante o fecho do levante mediterrânico depois da conquista turca de Bizâncio, o Infante D. Henrique e D. João II apontam à Índia, procurando a passagem de África para o Índico. A morte trágica do jovem D. Afonso compromete os objetivos do Príncipe Perfeito, que designa D. Manuel como seu sucessor, celebrando-se o Tratado de Tordesilhas. O Venturoso assumiu plenamente a herança de D. João II e logo após as Cortes de Montemor-o-Novo de 1495, reuniu o seu Conselho a quem perguntou: “Vamos à Índia?”. E, ouvindo dúvidas e reticências, respondeu, contra as mesmas, determinadamente: “Urge partir!”. E Camões soube como poucos traduzir essa audácia segundo a tradição dos grandes clássicos, usando como modelo Virgílio, numa nova Eneida. De facto, o poeta possuía um saber erudito, que abarcava vários domínios do conhecimento, da geografia à botânica, da cosmologia à astronomia. A qualidade do seu estilo e o domínio rigoroso da sintaxe, o emprego adequado do vocabulário, decorrem de longas e profícuas leituras, e da convivência desde tenra idade com o latim. Não é assim por acaso que um poeta seja o símbolo da pátria, caso único entre tantos outros, numa língua nascida dos trovadores e semeada pelo mundo todo.
Fortuna, Caso, Tempo e Sorte – Biografia de Luís Vaz de Camões (Contraponto, 2024) da autoria de Isabel Rio Novo permite-nos compreender o carácter rico e multifacetado da vida do maior poeta da língua portuguesa.
EXCECIONAL FORMAÇÃO António José Saraiva teve razão ao afirmar que a grande prova da excecional formação de Camões em Coimbra se encontra na sua obra, que ostenta notáveis extensão, profundidade e solidez de conhecimentos. Os primeiros biógrafos e comentadores foram unânimes em reconhecê-lo e quase quinhentos anos de exegeses sobre a obra camoniana permitem que lhes demos razão. De facto, Luís de Camões conhecia bem os textos bíblicos do mesmo modo que os autores latinos e gregos – Virgílio, Horácio, Cícero, Plínio, o Antigo, ou Ovídio. E aí encontrou o paradigma do poeta desterrado, que ilustraria o seu percurso biográfico, marcado por partidas, viagens e ausências. Por exemplo, em Os Lusíadas, o poeta serve-se, com segurança, de todos os epítetos atribuídos à deusa Vénus e, querendo comparar os portugueses modernos aos heróis da Antiguidade, encontra termos clássicos que demonstram a superioridade dos seus conterrâneos. Por cada varão português encontra um semelhante clássico, colhido entre os heróis gregos, romanos e de outros povos celebrados pelos historiadores antigos. De facto, Camões possuía um saber erudito, que abarcava vários domínios do conhecimento, da geografia à botânica, da cosmologia à astronomia, adquirido através não só de leituras diretas de clássicos, mas também das vulgatas disponíveis. A qualidade do seu estilo e o domínio rigoroso da sintaxe, o emprego adequado do vocabulário, decorrem de longas e profícuas leituras, e da convivência desde tenra idade com o latim, que era suposto ser usado no diálogo dentro das portas da escola. Camões conhecia ainda as crónicas históricas portuguesas, sendo amigo do grande cronista Diogo do Couto, tendo ainda o conhecimento de escritores modernos, italianos, castelhanos e portugueses, como Dante e Petrarca, Pietro Bembo, Garcilaso de la Vega, Ariosto, Tasso, André de Resende e Bernardim Ribeiro. Eis por que razão a discussão sobre se Camões fez ou não estudos superiores se torna irrelevante para a fruição da sua obra.
HONESTO ESTUDO COM EXPERIÊNCIA MISTURADO Fortuna, Caso, Tempo e Sorte – Biografia de Luís Vaz de Camões (Contraponto, 2024) da autoria de Isabel Rio Novo permite-nos compreender o carácter rico e multifacetado do maior poeta da língua portuguesa. E o certo é que, apesar da voracidade com que procurava aceder aos livros, a principal biblioteca do épico deverá ter sido a sua memória extraordinária, assente em aturadas leituras – que o levará a dizer “Nem me falta na vida honesto estudo, / Com longa experiência misturado, / Nem engenho que aqui vereis presente…” (Os Lusíadas, Canto X, 154). E como a autora refere, mercê de um trabalho sério e exaustivo, além da quantidade impressionante de referências eruditas e da extraordinária memória, Camões também guardava lendas populares, provérbios, adágios e rifões. E assim vemo-lo influenciado pela tradição lírica galaico-portuguesa e pela poesia provençal, que deixaram marcas em muitas composições escritas na medida velha, isto é, em versos de cinco e sete sílabas, quer nas cantigas de amigo, em que fala a dona, quer nas cantigas de amor em que o poeta toma a palavra em nome do amor cortês. No conhecido vilancete, a partir do mote, “Descalça vai para a fonte / Leonor pela verdura”, encontramos as pastorelas medievais, que ficcionam o diálogo entre o cavaleiro e a camponesa, junto de uma fonte, ainda que nas redondilhas camonianas a rapariga “formosa e não segura” se limite a ser contemplada… No vilancete “Deus te salve, Vasco amigo”, Camões combina a feição bucólica da poesia rural com a retórica petrarquista, substância da medida nova, apresentando o pastor que se sentia fora de si, porque tinha na amada “a alma e a vida”. Contudo Camões surge-nos como um homem da sua época, que pensava e vivia com os valores e preconceitos dos seus contemporâneos, na ciência e nas limitações.
Da criteriosa investigação de Isabel Rio Novo, encontramos detalhes que nos apresentam a personagem com toda a sua riqueza, literato e destemido, reflexivo e aventuroso. Atente-se ao livro de matrículas da Casa da Índia, se bem que o biógrafo Manuel Correia julgue que o poeta teria nascido em 1517, Faria e Sousa descobre o registo de 1550 relativo a uma viagem que não chegou a realizar-se em que se apresenta Luís de Camões, filho de Simão Vaz e Ana de Sá, moradores em Lisboa na Mouraria, escudeiro de 25 anos, barbirruivo, que trazia por fiador seu pai, devendo partir na nave de S. Pedro dos Burgaleses. Ora, se em 1550 Camões tinha 25 anos só poderia ter nascido em 1524 ou 1525, como hoje se julga… Embarcaria, noutra ocasião, para o Oriente como homem de armas, precisando de combater, pois só assim receberia o soldo, podendo acumular certidões de serviço com que poderia, mais tarde, requerer um provimento. Por isso, apesar de o poeta não apresentar provas de mais expedições militares após a guerra ao rei da Pimenta e o embarque na armada do Norte, o certo é que deverá ter participado em várias expedições militares, como pressupõem os biógrafos seiscentistas, que o colocam “servindo a pátria, no verão, com as armas em o mar; no inverno, com a pena em terra”. Para Manuel Correia, Camões foi muito tempo soldado na Índia, dizendo as pessoas de crédito que o conheceram que foi homem de espírito e que em todas as ocasiões de guerra em que se achou deu boa conta de si.
ERROS MEUS, MÁ FORTUNA Quando fala de “Erros meus, má fortuna, amor ardente”, a verdade é que todos esses fatores se conjugaram para o perder. Os erros e a má fortuna sobejaram, mas o amor fora o suficiente. Os exemplos das heroínas abundam, mas escondidas, porventura para proteger as identidades verdadeiras, nos anagramas Aónia para Joana; Belisa ou Sibela para Isabel; Natércia para Catarina; Nise para Inês. Porém, os vários nomes femininos que se encontram na lírica, além das encomendas, muitos são convencionais, tirados da Bíblia, dos autores clássicos ou dos cancioneiros: Dinamene, Elisa, Amarílis, Silvana, Sílvia… E encontramos uma procura rigorosa, em lugar da tradição mítica ou de fantasiosa integração de lacunas. Reúne-se, assim, um conjunto de elementos dos melhores analistas, procurando Isabel Rio Novo encontrar não respostas definitivas e fechadas, mas hipóteses de trabalho sérias, coerentes e verosímeis. Não se trata, pois, de dispor de um Camões completo e perfeito, mas de reunir informações que permitem, em busca da verdade, irmo-nos aproximando da vera efígie, na certeza de que nunca a atingiremos plenamente, por incapacidade nossa e falta de evidências suficientes. Contudo, devemos a Camões “o justo peso das sílabas, o justo espaço do silêncio, a articulação justa”, na expressão de Sophia de Mello Breyner ou “o canto de fúlgida beleza formal, rítmica e melódica, e de espantosa densidade semântica em que se exprime, como nunca na poesia portuguesa, e só voltaria a acontecer algumas vezes na poesia do século XX, a grandeza e a miséria da condição humana”, como disse Vítor Aguiar e Silva. E a 5 de fevereiro de 1585, um alvará concederia à mãe do poeta (Ana de Sá e Macedo) quinze mil réis anuais de tença, havendo respeito aos serviços do pai Simão Vaz e aos de seu filho Luís de Camões, cavaleiro da casa de Filipe I, ficando a dúvida sobre se o poeta, mais tendo vivido, poderia ter evitado a angústia dos últimos dias…
A publicação de “Camões Uma Antologia” de Frederico Lourenço (Quetzal, 2024) constitui um acontecimento importante na celebração dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões, aproximando o grande poeta do grande público e de todos os estudiosos.
Uma Antologia reunindo as passagens mais importantes de Os Lusíadas e da poesia lírica camoniana, envolvendo sonetos, canções, éclogas e demais obras significativas é uma necessidade quando celebramos o quinto centenário do mais importante poeta da língua portuguesa. Daí a importância da obra de Frederico Lourenço Camões Uma Antologia (Quetzal. 2024), que pretende responder à pergunta feita por muitos: Por onde começar a ler Camões de modo a poder apreender o significado e o lugar de uma obra fundamental, também para a cultura contemporânea? E ninguém melhor que um classicista para nos ajudar nessa diligência. Daí a importância da matriz latina na poesia de Camões, único na afirmação de um idioma falado em todos os continentes, o primeiro do hemisfério sul, com capacidade de atração multifacetada que ultrapassa em muito a dimensão textual. E importa lembrar que a origem do português está na herança dos trovadores, que um rei poeta tornou língua oficial e que a maturidade do idioma comum foi atingida por um poeta genial, que se tornou símbolo da pátria, não apenas ao cantar as glórias do passado, mas assumindo a erudição e a expressão popular enquanto marcas de uma cultura e contributos de civilização.
O CONTACTO COM A DOCTRINA Virgílio e Horácio estão bem presentes na poesia camoniana e “o que impressiona acima de tudo na poesia de Camões é a profundidade da sua cultura e das suas leituras: daquilo a que os romanos chamariam a sua doctrina”. E Frederico Lourenço insiste em que “se há poetadoctus na história da literatura que possa ser posto ao lado de Virgílio e de Horácio, esse é Camões”. E se não há prova documental da frequência do poeta da Universidade, o certo é que parece evidente o contacto com o ambiente académico através de seu tio D. Bento de Camões, cancelário da Universidade e prior dos frades de Santa Cruz de Coimbra. Além disso, Camões pode ter seguido lições do humanista André de Resende, a quem se deve a criação do neologismo Lusíadas, típico da preocupação neoclássica de encontrar raízes antigas contemporâneas da civilização romana. A verdade é que o épico teve acesso a bibliotecas, ligando intensamente a leitura e a memória. E nas Rimas revela-se um profundo conhecedor de Petrarca e dos seus seguidores em Itália e Espanha. E Os Lusíadas, desde as primeiras palavras, revelam um conhecimento profundo da Eneida e dos principais clássicos latinos. Do mesmo passo, as redondilhas das Rimas pressupõem um conhecimento seguro do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende e a dramaturgia do Autos de Filodemo, dos Anfitriões e d’El-Rei Seleuco evidencia o conhecimento certo dos modelos italianos e ibéricos. E se não encontramos em Camões nem Beatriz, nem Laura, como fixações individualizadas, há as raízes trovadorescas das cantigas de amor e de amigo, na medida velha, enriquecidas com a medida nova, trazida por Sá de Miranda. Mas, seguindo a boa lição de Jorge de Sena, a melhor atitude na leitura camoniana é a recusa da tentação biografista, apesar das “puras verdades já por mim passadas”. E quando lemos “Transforma-se o amador na cousa amada / por virtude do muito imaginar” é a inspiração de Petrarca que se nota – “l’amante nell’amato si transforme”… Há, pois, a relevância da poesia como processo criativo próprio, com reminiscências pessoais, quer para proteção da intimidade, quer como afirmação pública do valor próprio. E se há afirmação autobiográfica, ela não se encontra escondida, mas está claramente afirmada em Os Lusíadas, no Canto décimo: “Nem me falta na vida honesto estudo / Com longa experiência misturado” (154).
LIDAR COM UMA OBRA-PRIMA O genial poeta encontra-se, porém, envolto em mistério no caso mais evidente da publicação da sua obra-prima. De facto, não estamos perante uma figura ignorada ou subalterna. Camões não foi um poeta maldito. O período em que morreu, esse sim, foi de angústias e tensões. A publicação do célebre poema obteve um parecer favorável da Inquisição, o que pode surpreender, em contraste com as desconfianças depois encontradas, designadamente no comentário de Faria e Sousa, em 1640. Mas o rei Filipe I de Portugal não escondeu admiração (quiçá política) por quem sabia ser um símbolo de Portugal, em respeito com as decisões de 1581 das Cortes de Tomar… Mas é a história de um pelicano que nos fixa as atenções. Subsistem cerca de 50 exemplares da edição de 1572, iguais em quatro erros, com algumas particularidades, devidas à complexa organização dos vários cadernos que os constituem, avultando a posição do pelicano no frontispício e a diferença na expressão “E entre gente remota edificaram” e “Entre gente remota edificaram”. Deve-se hoje a K. David Jackson, Vítor Aguiar e Silva e Rita Marnoto a demonstração de que a realidade da edição de 1572 é muito mais complexa do que as simplificações que se foram repetindo. E merece atenção o exemplar que se encontra em Austin, na Universidade do Texas, com anotações do padre católico, um indiano convertido, que testemunhou a morte de Camões e que anotou no referido exemplar que o poeta faleceu no hospital sem um manto para se cobrir… Mas, como ler nos dias de hoje a obra de Camões? Ninguém duvida (…) que o seu mundo era profundamente diferente do nosso. Contudo, Os Lusíadas à semelhança da Eneida contém a semente do seu próprio contraditório. Como não encontrar em Virgílio e em Camões nas entrelinhas das obras outras vozes, distantes da lógica imperial, capazes de reconhecer uma lógica emancipadora, decorrente do significado humano da literatura? De facto, também Camões quis que ouvíssemos outra voz, além da triunfalista. “Quis que soasse no seu poema uma voz a transmitir a consciência pesarosa da limitação humana”. E aí está o Velho do Restelo, como voz crítica, com o saber de experiências feito, pondo-nos de sobreaviso para a glória de mandar e a vã cobiça. Daí o alerta do canto nono: “E ponde na cobiça um freio duro / e na ambição também, que indignamente / Tomais mil vezes, e no torpe e escuro / Vício da tirania infame”…
Compreender Camões é lê-lo no que tem a ver connosco. E Jorge de Sena disse no Dia de Portugal de 1977, que importava «dar a Portugal um Camões autêntico e inteiramente diferente do que tinham feito dele: um Camões profundo, um Camões dramático e dividido, um Camões subversivo e revolucionário, em tudo um homem do nosso tempo, que poderia juntar-se ao espírito da Revolução de Abril de 1974, e ao mesmo tempo sofrer em si mesmo as angústias e as dúvidas do homem moderno que não obedece a nada nem a ninguém senão à sua própria consciência». O poeta de Perseguição deixava, assim, claro que, «sendo Camões o maior escritor da nossa língua, que é uma das seis grandes línguas do mundo e um dos maiores poetas que esse mundo alguma vez produziu (ainda que esse mundo, na sua maioria, mesmo no Ocidente, o não saiba), ele é uma pedra de toque para portugueses, e porque tentar vê-lo como ele foi e não como as pessoas quiserem ou querem que ele seja, é um escândalo». No fundo, Camões é «o homem universal por excelência, o português estrangeirado e esquecido na distância, o emigrante e o exilado, é em Os Lusíadas e na sua obra inteira, tão imensa e tão grande, a medida do mais universal dos portugueses e do mais português dos homens do universo». Fora de qualquer tentação de autossatisfação ou de ilusão, «ninguém, como Camões, desejou representar em si mesmo a humanidade, representar tão exatamente o próprio Portugal, no que Portugal possui de mais fulgurante, de mais nobre, de mais humano, de mais de tudo e todos, em todos os tempos e lugares». No essencial, «ele é, como ninguém, o homem que viajou, viu e aprendeu. O homem que se sente moralmente no direito de verberar com tremenda intensidade, as desgraças de viver-se e os erros ou vícios da sociedade portuguesa». Eis a legitimidade própria para considerar Camões como um verdadeiro símbolo, em que o sentido crítico sobreleva quaisquer argumentos de oportunidade. E, como Sena disse ao seu amigo Ruy Cinatti, “Viver é coisa de mar, cheira a horizonte”. Ora, quanto a Camões, o essencial é isto: «Leiam-no e amem-no: na sua epopeia, nas suas líricas, no seu teatro tão importante, nas suas cartas tão descaradamente divertidas. E lendo-o e amando-o (poucos homens neste mundo tanto reclamaram amor em todos os níveis, e compreensão em todas as profundidades) – todos vós aprendereis a conhecer quem sois aqui e no largo mundo, agora e sempre, e com os olhos postos na claridade deslumbrante da liberdade e da justiça. Ignorar ou renegar Camões não é só renegar o Portugal a que pertencemos, tal como ele foi, gostemos ou não da história dele. É renegarmos a nossa mesma humanidade na mais alta e pura expressão que ela alguma vez assumiu. E não esqueçamos que Portugal é, como Camões, a vida pelo mundo em pedaços repartida».
E já Camilo Pessanha em 1924, há exatamente um século, neste mesmo mês de junho dissera: “Tem-se debatido desde há anos a questão de se Camões residiu ou não em Macau, se esteve ou não preso no tronco da cidade, se aqui desempenhou ou pôde ter desempenhado as apagadas funções de provedor dos defuntos e ausentes. A polémica há de decerto renascer mais animada algum dia; e provável é que o problema venha a decidir-se finalmente pela negativa. É a sorte de todas as tradições consagradas…”. Mas o genial poeta solucionava o mistério do modo mais poético: “Há, é certo, lendas e lendas, tradições e tradições: umas sublimes, outras grotescas. Estas são efémeras, aquelas eternas. Basta como exemplo da indestrutibilidade destas últimas o da lenda heroica da Grécia”. Também aqui, mais importante que tudo, nessa simbólica Gruta de Camões, importaria não ficar pelo pormenor biográfico, mas sim considerar o culto mesmo do Poeta, que simboliza a Pátria, como nenhum outro povo designou, num sentido aberto e universal, e as suas palavras são imortais. Mais do que discutir se esteve nesse local sagrado, o certo é que está!
Neste ano de Camões, em que assinalamos a comemoração dos 500 anos do nascimento do nosso maior poeta, iniciamos a publicação de textos que pretenderão dar a conhecer melhor uma figura que os portugueses conhecem mal, em toda a sua importância e originalidade. Deste modo, mais do que repetirmos o que tem sido dito, pretendemos dar ao grande poeta o lugar a que tem direito na língua comum falada por duas centenas e meia de cidadãos do mundo.
Camões é um todo inesgotável que, se soubermos lê-lo, nos enche de ventura, não sendo por acaso símbolo pátrio. A sua obra multifacetada está na encruzilhada das grandes componentes culturais das nossas letras. A lírica é inultrapassável, na tradição trovadoresca, a épica ombreia com a melhor tradição clássica, e todos os géneros que o autor pratica são seguramente cultivados, sempre com mestria. E até o fino humor é usado com a melhor ironia, como no delicioso episódio de Fernão Veloso… Não admira o verdadeiro culto que lhe votava Jorge de Sena, sempre com tão exigentes critérios de julgamento. Vítor Aguiar e Silva e Vasco Graça Moura demonstram a suprema valia, a cada passo verificável. Infelizmente a leitura de Camões não tem sido servida pela melhor pedagogia. Seja na lírica, seja na épica, devemos procurar entrar pela porta grande. Basta ler com olhos de ver e sem tentações formalistas. Com sólida formação e conhecimento da vida e do seu tempo, embrenhou-se não só na existência comum do seu tempo, mas também na cultura greco-latina como nenhum dos nossos escritores e, segundo Rodrigues Lapa, teve “a felicidade de viver e ser criado num tempo excecional, em que as disciplinas humanísticas, trazidas até cá por grandes professores, florescia entre nós intensamente”.
Oiçamo-lo: “Busque Amor novas artes, novo engenho, / para matar-me, e novas esquivanças; / que não pode tirar-me as esperanças, / que mal me tirará o que eu não tenho…”. São inesgotáveis a força, a sensibilidade, o ritmo, o génio, a arte, tudo… Luís de Camões em “Os Lusíadas” apresenta e representa a maturidade poética da língua portuguesa. Toda a obra do épico constitui, assim, oportunidade para lidarmos com uma riquíssima convergência entre os maravilhosos pagão e cristão, servidos pelo domínio exemplar da palavra e da imagem. Só um humanista completo poderá dar-nos o que nele encontramos. Deveremos, por isso, ler Camões nos seus momentos mais marcantes. Centremo-nos em “Os Lusíadas”, poema que se divide em 10 cantos, compostos em oitava rima, totalizando 8.816 versos, na chamada medida nova, predominando os decassílabos heroicos, com a 6ª e a 10ª sílabas tônicas.
“Os Lusíadas” têm cinco partes, segundo a tradição clássica: Proposição, Invocação das Tágides, Dedicatória ao Rei D. Sebastião, Narração e Epílogo. A narração compreende três ações: a viagem de Vasco da Gama, a narrativa da história de Portugal e as intervenções dos deuses do Olimpo. Nos Cantos I e II, narra-se a introdução e o Concílio dos Deuses, para deliberar sobre o destino dos novos Argonautas. Baco é crítico dos portugueses, Vénus e Marte, tomam a sua defesa, com a concordância de Júpiter. Vasco da Gama está no Índico, próximo de Moçambique. Baco, inconformado, instiga o governador de Moçambique contra os portugueses e põe a bordo um falso piloto, mas graças a Vénus, às nereidas, a Mercúrio e à coragem de Gama, os portugueses chegam a Melinde. No Canto III, começa o relato ao rei Melinde da história de Portugal, “onde a terra se acaba e o mar começa” e das origens, de Viriato, da Reconquista, da Primeira Dinastia, da Casa de Borgonha, de Ourique até à morte de Inês de Castro. No Canto IV, prossegue a narrativa, fala-se da revolução de 1383, de Nuno Álvares Pereira, de Aljubarrota, do Mestre de Avis, de Ceuta. E começam os episódios do início da viagem. D. Manuel sonha com os rios Indo e Ganges, a profetizarem sucessos e perigos no Oriente, e pede a Gama que monte a esquadra para concretizar a visão, mas na partida, o velho Restelo previne contra a “glória de mandar e a vã cobiça”. No Canto V, Gama fala do Cruzeiro do Sul, do fogo-de-santelmo, até ao citado relato picaresco do Fernão Veloso. No Cabo das Tormentas, o Adamastor simboliza a superação do medo. No Canto VI, Baco desce ao palácio de Neptuno e incita os deuses marinhos contra Vasco da Gama, mas Vénus intervém. Veloso entretém os companheiros com a narrativa cavalheiresca dos Doze de Inglaterra. E os navegadores avistam Calicute. Nos Cantos VII e VIII, o samorim determina que o governador receba Gama, que o visita e oferece a amizade dos portugueses. Paulo da Gama esclarece o governador acerca do significado das figuras desenhadas nas bandeiras e conta os feitos dos heróis da pátria. Mas os muçulmanos intrigam, Gama é preso e tem de negociar a liberdade, em troca de mercadoria. Nos Cantos IX e X, depois de diversos incidentes, o samorim ordena que a armada possa levantar ferro e iniciar o regresso. E temos o longo episódio da Ilha dos Amores, já que Vénus decide premiar os navegadores numa ilha paradisíaca. O epílogo do poema contém as lamentações, num tom de desabafo, de Camões por todas as incompreensões sofridas. Mas fica a reflexão sobre a exigência da porfia e do trabalho aturado para se alcançarem os sucessos necessários. Não por acaso, Camões inicia o poema épico citando o início de “A Eneida”: “Arma virumque cano, Trojae qui primus ab oris…”. E, como em Dante, é sob a invocação de Virgílio que se trata o tema sublime relativo à essência da vida humana… Mais do que símbolo pátrio, “Os Lusíadas” apresenta-se, na linha dos grandes clássicos como uma obra sobre o caminho da humanidade no sentido da emancipação e do aperfeiçoamento.
ATORES, ENCENADORES (II) O ESPETÁCULO NO PRÓPRIO TEXTO – CAMÕES, CHIADO, JORGE FERREIRA DE VASCONCELOS por Duarte Ivo Cruz
Nesta série de artigos, evocamos sobretudo os que fazem o espetáculo, a partir de textos expressos ou mesmo improvisados, mas suscetíveis de fixação e de expressão teatral. A referência específica a atores profissionais inicia-se e desenvolve-se, como veremos em próximos artigos, ao longo do século XIX mas com grande relevância no século XX e até aos nossos dias: mas a partir dos séculos XVI/XVII, os textos já muitas vezes definem, expressamente e diretamente, a sua dimensão de espetáculo.
Vejamos dois exemplos breves mas relevantes, quanto mais não seja pela qualidade e projeção dos autores respetivos.
E desde logo Camões. Tenho escrito que o teatro de Camões, independentemente de atingir o nível e o significado incomparável de Os Lusíadas ou mesmo da Lírica, além de breve - três peças – assume larga projeção no contexto do teatro renascentista, pela sua óbvia qualidade ou não fosse uma criação camoniana - e pelo próprio sentido “de espetáculo”, o que normalmente não é tanto sublinhado. Aliás é caso para dizer que “sentido de espetáculo”, no mais nobre e qualificado alcance do termo, encontramos também na restante obra de Camões.
Só como mero exemplo, e são tantos ao longo dos 10 Cantos de Os Lusíadas, veja-se a estrutura cénico - dramática do episódio de Fernão Veloso inclusive no contraste entre o trágico e o irónico (Canto V- Estrofe 35):
«Disse então a Veloso um companheiro/ (Começando-se todos a sorrir): / “Olá Veloso amigo, aquele outeiro/ É melhor de descer do que de subir”/ Sim, é respondeu o ousado aventureiro; /Mas quando eu para cá vi tantos vir/ Daqueles Cães, depressa um pouco vim/ Por me lembrar que estáveis cá sem mim”.
Este episódio, repita-se, apresenta um conteúdo em si mesmo teatral, no sentido cénico e de espetáculo. Contem o diálogo, as indicações cénicas (“começando-se todos a sorrir”) e a própria direção/ caracterização do personagem (“o ousado companheiro”) – e ainda, a ironia e graça do texto, que contrasta com a situação em que se enquadra e até – mas não é caso único – com o incomparável sopro épico de Os Lusíadas.
Mas vejamos agora o Auto de El-Rei Seleuco, representado entre 1543 e 1549. Para alem da genialidade do texto, ou não fosse de quem é, traz-nos a curiosidade de dramatizar uma representação do próprio Auto em casa de Estácio da Fonseca, Cavaleiro Fidalgo de D. João III, almoxarife e recebedor das aposentadorias da Corte. Um alto funcionário, diríamos hoje.
E o auto inicia-se com o diálogo irónico do próprio Estácio com o seu moço-criado, acerca dos atores que iriam representar a peça:
«Estácio – São já chegadas as figuras? / Moço – Chegadas são elas quase ao fim de sua vida./ Estácio_ Como assim? / Moço - Porque foi a gente tanta, que não ficou capa com frisa nem talão de sapato que saísse fora do couce. Ora viram aí uns embuçadetes e quiseram entrar por força: ei-lo arrancamento na mão: deram uma pedrada na cabeça do Anjo e rasgaram uma meia calça ao Ermitão; e agora diz o Anjo que não há de entrar até lhe não derem uma cabeça nova, nem o Ermitão até lhe não porem uma estopada na calça. Este pantufo se perdeu ali: mande-o Vossa Mercê domingo apregoar nos púlpitos, que não quero nada do alheio/ Estácio– se ela fora outra peça de mais valia tu botares a consciência pela porta fora para a meteres em tua casa»…
Assim seria o chamado meio teatral no século XVI…
Ora, pela mesma época, entre 1545 e 1557, escrevia António Ribeiro Chiado o seu Auto da Natural Invenção. E também aqui se recorre a uma cena de presentação na Corte ou na alta classe mercantil. Temos aqui também o dialogo entre o dono da casa e o seu criado:
“Dono – Almeida!/ Almeida – senhor?/ Dono – Vem cá, vem cá!/ sabes se há –de tomar o porto/ hoje este auto, ou se é morto./ Almeida – E o autor onde está?/ Dono – Em casa de teu avô torto/ ou marmelo pela perna!/ Quem por rapazes governa/ sua casa é mais rapaz/ e rapaz que tratos traz, / com quem a malícia inverna./ Que te mandei todo hoje?/ Almeida – Que mandou vossa mercê?/ Dono – Já nada, pois que assim é, /Não mande Deus que te noja»…
Já havia pois, nesta época, comediantes profissionais e companhias. Aliás Camões, no Rei Seleuco cita o Chiado, quando o Escudeiro Ambrósio diz que “o Moço Lançarote (…) uma trova, fá-la tão bem como vós ou como eu, ou como Chiado”.
E pela mesma época, Jorge Ferreira de Vasconcelos, na comédia Aulegrafia também cita Chiado e põe na boca do personagem D. Ricardo este elogio ambíguo: “Em algumas cousas teve veia esse escudeiro”!
Termino com três citações.
Hernâni Cidade encontra nos Anfitriões de Camões uma “ternura que Plauto desconhece” (in Obras Completas de Camões vol.III); Clarice Berrardbnelli e Ronaldo Menegaz comparam a peça do Chiado com a de Camões, na convergência “de uma auto (B), dentro de um outro(A), mas enquanto Camões nos dá uma trama unida (…) o Chiado vai ao sabor da sua natural invenção traçando os fios e deixando as pontas soltas” (in Autos de António Ribeiro Chiado, ed. Rio de janeiro 1968); e Maria Odete Dias Alves assinala que Jorge Ferreira de Vasconcelos “povoa o palco de figuras portuguesas da sua época: é o ambiente de Quinhentos que vive nas suas paginas” (in A Linguagem dos Personagens de Jorge Ferreira de Vasconcelos - U Coimbra 1972).
Duarte Ivo Cruz
Obs: Reposição de texto publicado em 17.12.14 neste blogue.
Na celebração dos 450 anos da publicação de “Os Lusíadas” de Luís de Camões, importa não apenas recordar o épico e a sua obra, mas também o lugar que ocupa no desenvolvimento e afirmação da cultura da língua portuguesa.
UMA ESCOLHA SINGULAR Quem considera a escolha como símbolo da identidade portuguesa do nosso mais notável poeta, cuja data da morte foi escolhida para Dia Nacional, manifesta alguma surpresa, uma vez que segundo a regra da maior parte das nações essa escolha relaciona-se com um facto histórico, uma batalha, uma conquista ou uma revolução. A escolha de um vate é motivo de admiração. Mas há razões antigas para tal essa escolha. Não por acaso, pouco depois do início da monarquia dual, o recém entronizado Filipe I, quando veio a Lisboa, quis encontrar-se com o poeta, só então tendo conhecimento da sua morte. E Severim de Faria relata o sucedido: “sabendo que era falecido mostrara disso sentimento, porque desejava de o ver por sua fama, e fazer-lhe mercê”. O episódio leva-nos a lembrar como Camões não foi suficientemente reconhecido em vida, ao invés do que aconteceria depois da sua morte. E o certo é que, com o decurso do tempo, o poeta foi-se tornando um verdadeiro símbolo, venerado pelos admiradores do seu talento e da sua qualidade poética, mas também por quantos erigiram a sua obra épica como um sinal de resistência, de autonomia e de sentido de independência. E ainda Severim de Faria fala da importância da narrativa de “Os Lusíadas”, porque relata a viagem de Gama até à Índia e o seu regresso, incluindo no curso dos acontecimentos os episódios mitológicos, as referências fabulosas, como a da Ilha dos Amores, mas também notas científicas e alusões a uma plêiade de varões ilustres. E assim encontramos as lições de Virgílio e Horácio no tocante ao culto da Arte Poética, à fidelidade aos acontecimentos e à apresentação de imagens, capazes de motivar os leitores para a compreensão da importância de uma viagem que abriu novos horizontes na história do mundo. E se dúvidas houvesse, não podemos esquecer como Diogo do Couto admirou a obra de seu amigo Luís de Camões, que, com a “Peregrinação” Fernão Mendes Pinto, constitui um meio essencial para o conhecimento dos portugueses, mas, essencialmente, da humanidade.
O EXEMPLO DE CAMÕES Ao longo dos séculos, o exemplo de Camões foi-se fortalecendo. Nos alvores do romantismo e da defesa da liberdade, Bocage e Garrett apontaram com clareza o papel fulcral desempenhado pelo genial poeta, cuja obra congregava qualidades essenciais para a emancipação dos portugueses. E entende-se por que razão, em 1880, num momento em que à decadência havia que saber contrapor uma nova Renascença, liberais, democratas, republicanos e socialistas reclamaram mudanças, levantando a bandeira de Camões, como sinal de emancipação, progresso e humanidade. E assim Luciano Cordeiro, secretário perpétuo da Sociedade de Geografia e jornalista, deu início aos preparativos de uma verdadeira celebração cívica, com extraordinários efeitos sociais e políticos. A partir desta iniciativa, a imprensa lisboeta tomou a dianteira na defesa de uma causa emancipadora, pela divulgação por meio de jornais e revistas da ideia de que urgia comemorar Camões, pois esta era uma "festa na nação" e não uma festa de partido, de escola ou de grupo. Segundo os promotores, o evento "tinha o objetivo de estabelecer a convergência de todos os indivíduos em torno da Pátria de que Camões era símbolo".
UMA MENSAGEM EMANCIPADORA E como se chegou ao ano de 1880 e ao dia 10 de junho, em vez do que se entender, como até então, no esteio da ideia de Gonçalo Coutinho, a ideia de que o ano da morte era o ano de 1579? Luciano Cordeiro baseou-se nos documentos encontrados nos arquivos, segundo os quais a 24 de setembro de 1571, Camões obteve de D. Sebastião o alvará que lhe permitiu imprimir “Os Lusíadas” por um período de dez anos, saindo a obra em 1572, em Lisboa, em casa do impressor António Gonçalves. Em 28 de julho desse mesmo ano, D. Sebastião concederia ao poeta uma tença anual de 15000 réis, a pagamento desde 12 de março, pelos serviços que este lhe havia prestado na Índia, e não apenas para o compensar pela publicação de “Os Lusíadas”. A tença foi paga irregularmente, mas sempre na sua totalidade, dela beneficiando, por ordem de Filipe I, rei de Portugal, a mãe do poeta, que ainda vivia. Foi graças a esta documentação que ficou a saber-se que a morte de Camões ocorreu na cidade de Lisboa, a 10 de junho de 1580. E foi essa chave que se tornou decisiva para assumir plenamente a celebração do grande símbolo cultural, que o Brasil também comemora, lembrando a proclamação libertadora de Joaquim Nabuco. Eduardo Lourenço disse, por isso: «Camões não é apenas um poeta com mais talento que outros para adaptar à ainda inadaptada língua nossa a música de Petrarca filtrada por Garcilaso, e com que consumado brilho e artificio, pois sem eles não se pertencia à juventude dourada e boémia que, por breves e eternamente lamentados momentos frequentou. Felizmente (para nosso egoísmo póstumo), os mais famigerados erros, a inconstante fortuna e o amor ardente impuseram-lhe a errante vida que aprofundando e trasmudando em ouro o destino mundano a que porventura estaria votado o converteram no autor de “Os Lusíadas”». Como afirma Ivo de Castro, Camões é o criador de uma obra superiormente comprometida com um estádio decisivo da língua pátria. É a maturidade poética do português que aqui se encontra, gerada na confluência dos valores da tradição medieval peninsular (num idioma afirmado originalmente na criação trovadoresca), das inovações quinhentistas e da capacidade e originalidade renovadora do genial poeta. Afinal, a obra épica revela-se premonitória na compreensão de outras culturas e civilizações e na legitimação de novas tendências nas trocas transcontinentais. Conhecem-se hoje pouco menos de quatro dezenas de exemplares de “Os Lusíadas” com data de 1572 espalhados por diversas bibliotecas de Portugal e do Mundo. A edição prínceps deverá ser a que apresenta o pelicano do frontispício virado para a esquerda, tendo o sétimo verso da primeira estância a redação “E entre gente remota edificarão / Novo Reino que tanto sublimarão”. Mas segundo Kenneth David Jackson, da Universidade de Yale, as diferenças que encontramos no interior das coleções encontradas poderão dever-se à introdução de correções nas provas tipográficas no processo longo de impressão da obra por António Gonçalves. Como diz José Carlos Seabra Pereira, o legado próximo de Camões atesta a “qualidade interpelativa e gerativa do épico”. Camões tornou-se figura projetada em mito. Não entraremos, porém, no debate sobre o mistério da edição (e de uma eventual contrafação), mas verificamos que a paixão existente neste debate demonstra bem a importância icónica de uma obra tornada símbolo nacional.