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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

SHAKESPEARE NOVAMENTE NO TEATRO EM PORTUGAL


Neste ambiente de retraimento, será oportuno referir as notícias de um espetáculo determinante no Teatro Municipal Mirita Casimiro, a cargo do hoje tradicional mas atual e prestigiado Teatro Experimental de Cascais – TEC. Trata-se então de uma montagem do arquiclássico “Hamlet” a partir do arquiclássico Shakespeare, dirigido por Carlos Avilez: e será então, como dissemos, referir a continuidade desta iniciativa, a centralidade tradicional de cultura urbana inerente e a sobrevivência, digamos assim, do próprio TEC.


Pois de facto vale a pena recordar a tradição histórica do TEC, a sua tradicionalíssima relevância urbana e cultural e a coerência com que motiva a cultura de espetáculo do seu meio.


O TEC vem de há dezenas de anos e mantém a seletividade de repertório e de abordagem de espetáculo. E mais: a direção artística, neste espetáculo mas antes ao longo de décadas, de Carlos Avilez, nome que, insista-se,  evoca também dezenas de anos de atuação, concilia-se bem com a exigência tradicional do TEC em si mesmo e da descentralização pública e cultural inerente: pois não é fácil  levar à cena  o “Hamlet”.


E nesse aspeto, será relevante insistir na qualidade e modernidade cénica e literária de textos e temas desta natureza, mas também, no que diz respeito ao tema agora aqui referido, da relevância que, numa perspetiva de história do espetáculo, gerou a criação do próprio TEC.


Precisamente, na “História do Teatro Português” que publiquei há exatos 20 anos, faço uma referência ao Teatro Experimental de Cascais e a Carlos Avilez, exemplo do que aí cito no âmbito de uma ação global de modernidade que refiro, insiste-se, como exemplo, e da transformação de grupos e companhias  independentes e experimentais em projetos estáveis, sólidos e consistentes de profissionalismo de exigência cultural.


Avilez é referido precisamente na sua ligação ao Teatro Experimental de Cascais. E como bem sabemos, o “Hamlet” de Shakespeare concilia a indiscutível qualidade cénica e literária com uma também indiscutível atualidade temática.


E cita-se agora a opinião de Luiz Francisco Rebello, designadamente no seu livro intitulado “100 Anos de Teatro Português (1880-1980)”, onde efetua uma análise relevante, pela autoria em si, mas também pela apreciação crítica da atividade.  Designadamente, escreve que os espetáculos criados por Avilez foram “quase sempre discutíveis mas nunca indiferentes”, o que em rigor constitui um elogio, concorde-se ou não com o respetivo conteúdo crítico.


E acrescentamos: não confundir esse livro acima citado com a “Breve História do Teatro Português” também de Rebello.


Finalmente, importa insistir na dimensão de pesquisa criacional de Luis Francisco Rebello: e as duas expressões, neste caso concreto, completam-se. Basta ter presente a vasta dramaturgia e também a vasta literacia, sendo a primeira sobretudo concentrada na dupla área de criação dramatúrgica e de pesquisa da História do Teatro, sendo certo que as duas dimensões se completam e são coerentes entre si…


E mais: nascido em 1924, Luiz Francisco Rebello surge em 1946 ligado à fundação do Teatro Estúdio do Salitre e em 1947 estreou a sua primeira peça conhecida, “O Mundo Começou às 5 e 47”.


E foram imensas as atividades ligadas à criação ou à gestão do mundo teatral…


A elas voltaremos.

 

DUARTE IVO CRUZ

EVOCAÇÃO DE LUIZ FRANCISCO REBELLO NAS “MEMÓRIAS DA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS”

 

Acaba de ser publicado o Tomo XL das Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, entidade prioritária a que me honro de pertencer.

 

Trata-se de uma edição em 2 volumes reunindo 54 textos de comunicações e colaborações de membros da Academia. E entre os textos, queremos aqui salientar duas comunicações de Luiz Francisco Rebello (membro da Academia) sobre temas ligados ao teatro português.

 

Assim, no Volume I, a comunicação evocativa, precisamente intitulada “No Centenário da Morte de D. João da Câmara”. E no Volume II, a comunicação sobre o teatro e os teatros em Portugal na transição do século, esta intitulada “O Teatro na Transição da Monarquia para a República”.

 

Para além da óbvia qualidade das comunicações, importa referir a abrangência temática no que respeita então ao teatro: a escrita de peças, a referência a análises históricas e críticas e a relevância do historial de peças, textos, salas e edifícios e os próprios espetáculos. Nesse aspeto, trata-se pois de uma abrangência das artes ligadas ao teatro, abrangência em si mesma da grande qualidade, o que, dado o autor, não é minimamente de estranhar!...  E essa globalidade surge em ambas as comunicações.

 

De tal forma assim é, que o texto evocativo do Centenário da Morte de D. João da Câmara começa por citar e remeter e situar textos interventivos de Gil Vicente, D. Francisco Manoel de Mello, António Ferreira, Garrett, Eça, Oliveira Martins, Fialho, Raul Brandão, Lopes de Mendonça, Júlio Dantas, Luís Barreto e tantos mais escritores, dramaturgos e críticos e analistas, de uma forma ou de outra ligados à criação, à analise ou à crítica teatral.

 

E como bem sabemos, Luiz Francisco Rebello, além de excelente dramaturgo, marcou profundamente todas estas dimensões da atividade e criação da arte do teatro. Aí se inclui a dimensão de espetáculo, que é sobretudo desenvolvida como tal no outro estudo acima citado, “O Teatro na Transição do Século da Monarquia para a República”.

 

Salientamos sobretudo toda a referência analítica que encerra o estudo. Refere a reforma do Conservatório, que em 1911 autonomizou a Escola de Arte de Representar.

 

E Luiz Francisco Rebello dá um justo destaque a fatores que normalmente são esquecidos. Citamos.

 

De um lado, a reforma do Conservatório, por decreto de 22 de maio de 1911, “autonomizando a Escola de Arte de Representar e fazendo desta um dos estabelecimentos congéneres mais avançados do seu tempo”.

 

Já “a projetada reforma do Teatro Nacional veio a revelar-se pouco produtiva”. 

 

Pelo contrário, iniciada em 1911 “a campanha vicentina em que se empenhou o poeta Afonso Lopes Vieira que arrancou ao esquecimento em que jazia há anos o autor da trilogia das Barcas”.

 

Também relevante o Teatro ao Ar Livre levada a efeito no Jardim da Estrela pelo cenógrafo Augusto Pina “em que se representou uma versão da Oréstia de Ésquilo assinada por Coelho de Carvalho”.

 

Mas diz-nos ainda Luiz Francisco Rebello, o incremento de sucessivas salas de cinema, que “já desde 1904 se tinha inaugurado em Lisboa “a primeira sala de cinema, o Salão Ideal”: mas esse incremento de salas de cinema  terá sido “a mudança mais  significativa e inovadora que a República registou nas áreas de espetáculo”.

 

DUARTE IVO CRUZ

O TEATRO DE REVISTA EM PORTUGAL (IX)

teatro IX.JPG 

UMA DRAMATIZAÇÃO DA HISTÓRIA DA REVISTA

Temos recorrido com frequência aos estudos de Luiz Francisco Rebello sobre a história do teatro português, e designadamente, da revista. É pois oportuno evocar aqui uma das últimas peças de Rebello, “Portugal, Anos Quarenta” (1982), pois precisamente concilia, com forte expressão dramática, uma abordagem histórico-politica dos anos 40 em Portugal, pontuada pela evocação e transcrição – isto é, encenação - de diversas revistas da época, conciliando assim drama com comédia, e teatro declamado com revista.

Trata-se de uma abordagem política, a partir dos problemas existenciais e sociais da “família Meneses: Meneses, a Mulher, o Filho e a Filha”, ao longo da década de 40, concretamente “da entrada do novo ano de 1940” ao “Ano Novo, que acaba de entrar nos domínios do Tempo para receber das mãos do Velho Ano o comando de 1949”: e essa cena que abre a 10ª Sequencia (1949) da peça, constitui transcrição literal do “Quadro de abertura da revista Ora Agora Viras Tu” de Carlos Lopes, nesse mesmo ano estreada em Lisboa. E a longa transcrição do quadro inicial da revista contrasta com a expressão dramática do texto de Rebello.

Precisamente, esse contraste constitui, a essência da peça, ao longo das 10 “sequências” correspondentes aos 10 anos de evocação histórico-politica: e a alternativa sequencial é marcada pela citação recorrente de sucessivas revistas que mais acentuam o registo dramático, repita-se, eminentemente e essencialmente contrastante.

E esse contraste cénico e dramático, no sentido mais abrangente do termo, marca a problemática pessoal e política da peça, além de enquadrar uma conjunto importante de situações e cenas revisteiras que conferem uma relevância peculiar no historial do teatro português: e recorde-se as referências bibliográficas que temos feito sobre o teatro de revista, acrescentando agora os diversos volumes de “Parque Mayer” da autoria de Jorge Trigo e Luciano Reis, que assinalam a renovação do género ”sobretudo nos anos do pós-guerra” (ed. 2002-2006).

Importa então referir as revistas de que Rebello transcreve e de que integra cenas, numa alternância dramática com o seu próprio texto:

“Manda Ventarolas”; “Zé Povinho”; “De Fora dos Eixos”; “O Bacalhau a Pataco”; “Há Festa no Coliseu”; “Travessa da Espera”; “Sempre em Pé”; “Se Aquilo que a Gente Sente”; “Ora Agora viras Tu”…

E acrescem transcrições de poemas e outros textos dramáticos em prosa e verso, letras de canções e poemas de autores relevantes como designadamente Adolfo Casais Monteiro, José Gomes Ferreira, Lopes Graça, Reinaldo Ferreira, Júlio Dantas e Lorca, além de diálogos de filmes portugueses e das marchas e de canções populares da época.

Nessa linha, que se integra poderosamente na estrutura da peça, citam-se e transcrevem-se cenas e textos extraídos dos filmes “João Ratão”, “O Pátio das Cantigas”, O Costa do Castelo”, “Capas Negras”, além de citações literais ou dramatizadas de textos de imprensa, conciliando por forma teatralmente muito hábil as citações hoje históricas (já lá vão mais de 60 anos) com a temática de conflito histórico- politico que marcava o país: e nesse aspeto, são recorrentes, ainda, transcrições literais de discursos de dirigentes políticos nacionais e estrangeiros e mais textos e referencias a personalidades da época - Carmona, Salazar, Hitler, Afonso Costa, Pétain, o Duque de Windsor, Otto de Habsburgo, Saint-Exupéry, Carmen Miranda, Marica Rokk,  Sarmento Pimentel, José Rodrigues Migueis, Jaime Cortesão, Eva Perón,  Fernando da Fonseca,  Maria Barroso, Norton de Matos e muitos outros. 

 O próprio Rebello explica a estrutura e a metodologia de construção da peça: “Dramaturgicamente, a técnica de colagem pura e simples seria a solução mais fácil; por isso a rejeitei. Entendi que para o espetáculo cumprir a sua função didática (…) era necessário combinar o documento com a ficção, o testemunho com a memória, a linguagem literal e a linguagem audiovisual com a intertextualidade” (in “Todo o Teatro” INCM 1998; cfr. “O Passado À Minha Frente – Memórias” 2004).

E assim é esta interessante peça, que, independentemente dos conteúdos políticos , representa um belo texto dramático, misto de teatro declamado e de revista – e nesse aspeto, a recuperação de textos de revistas, como de poemas e diálogos de filmes, valoriza, no ponto de vista histórico, a peça em si.

O que é coerente com a notável obra de Luiz Francisco Rebello no âmbito da História do Teatro Português.


DUARTE IVO CRUZ