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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

  


XCVII - DIVERSIDADE, IGUALDADE E RECIPROCIDADE


Se o combate pela diversidade cultural e linguística não pode ser isolado, porque feito com os que para ele sensibilizados, significa que essa partilha é uma participação em igualdade, que acautele e evite posições de preponderância de um dos parceiros.


É saudável e gratificante cultivar e manter a diversidade linguística, dado que cada língua tem um tipo de relação com a realidade, sendo perigoso e redutor poder apenas contar com uma.         


Sendo a língua um bem imaterial, da esfera do conhecimento, difícil de quantificar, o conhecer vários idiomas dá-nos mais probabilidades de encontrar mais e melhor, usando diversas ferramentas para pesquisar a realidade.   


Se é verdade que o princípio da igualdade linguística impulsiona, em sentido crescente, o respeito pela variedade cultural e das línguas, de igual modo, em contrapartida, o progresso e a globalização, resultante dessa reciprocidade, estimula uma uniformização cultural e linguística.     


Não podemos - consciente ou inconscientemente, por predisposição, inércia, paixão, ausência de amor próprio, provincianismo ou complexo de inferioridade - deixar que a nossa língua seja preterida ou dominada por uma estrangeira, revelando baixa consideração por ela.       


O princípio da reciprocidade tem aqui papel primordial, institucionalizando-a em reuniões bilaterais, trilaterais, ou similares, em termos políticos e governamentais, onde cada elite ou poder interveniente faz questão em usar, mediática e publicamente, o seu idioma, dignificando-o num patamar de diversidade e igualdade recíproca, por maioria de razão quando línguas de comunicação global e internacional, como a nossa, nem sempre acarinhada e favorecida, por nós, a esse nível, por quem tem o dever primordial de o fazer, por confronto com terceiros que não ocultam a sua dos ouvidos alheios, nem a têm em baixa estima, muito menos na própria casa.


10.03.23
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

  


XCV - MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA


O único Museu da Língua Portuguesa existente, até hoje, está em São Paulo, no Brasil. Embaraçosa a sua ausência em Portugal onde, pela ordem natural das coisas e seu sentido literal (língua portuguesa), faria cabimento que também existisse.


É no Brasil, antiga colónia, que é homenageada, museologicamente, pela primeira vez, em todo o espaço lusófono, da CPLP e a nível mundial, quando é tida, para tantos, como imperialista, colonialista, neocolonialista, xenófoba, racista, homo-hegemónica, que atua em nome da uniformidade, fixando a norma e anulando os dialetos.   


Embora haja quem alegue que Portugal transferiu para a língua, que tem como sua, um sentimento imperial, não se compreende que perdido o império, com a subsequente descolonização, expulsão e independência, se possa falar em “língua do colonizador” ou “neocolonialista”, quando foram os novos países (incluindo os africanos) que, voluntariamente, viram nesse idioma um instrumento de unidade e progresso adequado ao tempo presente, e não uma forma de exclusão e regressão.


Há que ultrapassar desconfianças e suspeitas de que tudo o que vem do ex-colonizador é mau por natureza, cabendo referir, por exemplo, Amílcar Cabral que reconheceu que uma coisa boa que ficou no continente africano foi a língua portuguesa.


Nem Portugal tem atualmente “força imperial “para a impor, pois além da língua ser de quem a fala, é de excluir uma presunção de superioridade do português europeu, dado que o futuro do nosso idioma já é, e será, protagonizado de fora da Europa, essencialmente a partir da América do Sul e de África, com a predominância atual do Brasil, havendo uma espécie de inversão, com o fim do colonialismo, dos antigos “colonizadores” em territórios “colonizados”.   


Quanto ao Brasil não foi pelo facto de, em tempos idos, ter sido colónia que se inibiu de ser pioneiro em homenagear a língua portuguesa, num museu interativo paulista, inaugurado em 2006, reconstruído e concluído em 2019, após um incêndio em 2015, apresentando a sua diversidade, numa viagem por textos escritos, imagens, sons, vídeos, exposições temporárias (algumas de escritores, como Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa e Machado de Assis).


O MLP, aquando da sua reabertura, em 2021, foi agraciado, pelo presidente da república de Portugal, com a primeira medalha da mais recente ordem honorífica portuguesa, a Ordem de Camões, destinada a: “(…) a galardoar serviços relevantes prestados à cultura portuguesa, à sua projeção no mundo, à conservação dos laços dos emigrantes com a mãe-pátria, à promoção da língua portuguesa e à intensificação das relações entre os povos e as comunidades que se exprimem em português”.   


Significativo também, nesta sequência, um texto conjunto do escritor angolano Agualusa e do moçambicano Mia Couto, que sintetiza o porquê e a importância do museu: “Ao mesmo tempo que ia sendo instrumento de dominação colonial, a língua portuguesa era já o avesso disso: componente fundamental na criação de identidades autónomas, no Brasil, em Angola, em Moçambique, em Cabo-Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau” (a que acrescentaremos Timor-Leste).   


Sugestivo ser em São Paulo a sua localização, urbe com o maior número de falantes de português.


Porquê a sua omissão em Portugal? Ou de monumentos, evocações, sem complexos, deslumbramentos ou sacralizações, mas sim com a dignidade e merecimento que merece? Será que o exemplo tem de vir de “fora”?


24.02.2023
Joaquim M. M. Patrício

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

  


XCIV - POLÉMICAS LINGUÍSTICAS


1. Steven Roger Fisher diz que no futuro o português desaparecerá e será substituído pelo portunhol, argumentando que os falantes de espanhol, que rodeiam geograficamente o Brasil, irão usar dizeres do nosso idioma na variante brasileira, embora sustente que há diferenças significativas entre o português de Portugal e Brasil, que indiciam a sua separação, se essa tendência crescer, ao invés de uma aproximação do inglês americano e europeu, dada a crescente influência dos Estados Unidos através de filmes, música, cultura em geral, programas radiofónicos, televisivos, de streaming, informática e novas tecnologias. 


Para Ivo de Castro: “a história da língua portuguesa pode ser resumida numa frase: falamos de uma língua que nasceu fora do nosso território (de nós, portugueses) e cujo futuro será em larga medida decidido fora das nossas mãos. A língua portuguesa, numa visão temporal ampla, acha-se de passagem por Portugal”.   


Qualquer idioma é uma realidade viva, surpreendente e geradora de soluções hipotéticas, não sendo os portugueses europeus a definir, no futuro, o percurso sobreveniente e imprevisível do português, dado serem os herdeiros, sucessores ou continuadores da antiga Europa imperial os novos impérios linguísticos vindouros, como está sucedendo.   


Se assim é e o futuro também depende de uma evolução gradual e profunda, sendo o português uma língua aberta, cosmopolita, flexível, integradora e transigente, é de questionar se faz sentido o seu desaparecimento ou substituição, segundo Fisher, ou mesmo o afastamento estrutural e irreversível da norma portuguesa e brasileira, que tornam ociosa qualquer tentativa de intervenção.    


2. O tema é polémico, mas também há argumentos que contrariam tais perspetivas.


Se tudo fosse tão simplista, o português europeu de Portugal já tinha desaparecido e sido substituído pelo espanhol, tendo presente que há centenas de anos a Espanha é o único país com que temos fronteira terrestre, que entre 1580 e 1640 correu o risco de ser absorvido pelo castelhano ou ser um idioma ibérico menor sendo, hoje, um dos mais globais e falados internacionalmente.


Corroborado por Portugal ser um Estado unitário e uma só nação, por antagonismo com uma Espanha não homogénea, de várias nações e realidades linguísticas diferentes, suficientemente fraturantes e impeditivas que o hino (espanhol) seja cantado. 


Também é redutor falar no seu desaparecimento no Brasil por estar rodeado por países falantes de espanhol, ou ser substituído por outro idioma, tipo portunhol, agudizado por se constatar falarmos de um país que tem 40% da população da América do Sul, o maior poder económico latino-americano, uma potência emergente e Estado-nação, potencialmente mais exportador (que importador) de mercadorias culturais. 


De igual modo é de contestar que haja uma mais acentuada tendência de separação entre a norma portuguesa e brasileira, por confronto com a americana e britânica, porque o inglês europeu e americano se aproximam pelos programas televisivos, cinema, séries, filmes, músicas e eventos culturais que os Estados Unidos exportam em crescendo; dado que entre nós a influência cultural do Brasil está em ascensão e expansão, através da música, filmes, séries, telenovelas, crescente legendagem na vertente brasileira a nível do cinema, ópera, concertos (com uso crescente, por exemplo, do gerúndio verbal), notícias, textos e traduções nas redes sociais, na net, sem esquecer todo o tipo de obras e literatura em português, incluindo a tradução, na variante americana.   


A que se junta, recentemente e em permanência, a mais numerosa e nova vaga de imigrantes brasileiros, da mais alta à menos qualificada, em que uma língua comum é sempre determinante e uma mais-valia, independentemente do perfil de alguns que preferem ser vistos por “residentes estrangeiros” e não como “imigrantes”.


Sem ignorar demais países lusófonos e suas potencialidades futuras, que têm o português como língua oficial, lusófilos, seu potencial crescente demográfico e como idioma de exportação.


Para concluir que o eventual desaparecimento, separação ou substituição do português, vale o que vale, por redutor e simplista, como tantas outras previsões registadas ao longo da História, em alternativa com o seu reforço, via norma padrão ou não balcanização.     


O francês, por exemplo, era o idioma dominante e diplomático por excelência há cem anos, lugar que perdeu, nos tempos atuais, em benefício do inglês.   


Estamos perante uma realidade complexa, em movimento permanente, com raízes na Galiza, cujo futuro dependerá de muitos fatores, entregue a mecanismos históricos imprevistos e que, em qualquer caso, a nossa força de vontade e querer são o mais decisivo.


10.02.23
Joaquim Miguel de Morgado Patrício 

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

  


XCIII - OLHARES ESTRATÉGICOS LINGUÍSTICOS


Se em relação às línguas de origem europeia são os descendentes da velha Europa imperial os novos impérios linguísticos do futuro, como sucede, de momento, quanto ao inglês, por meio dos Estados Unidos, o mesmo ocorrendo, por analogia, com o português, via Brasil, isso significa estarem aquelas, numa visão temporal ampla, de passagem pelo velho continente.


Assim, não surpreende que o estudo do nosso idioma se deva essencialmente ao interesse pelo Brasil, seguido por Angola. 


Sendo o Brasil, com Portugal, os dois países, dos oito lusófonos, que têm uma ação de política de língua institucionalizada.   


À acusação de que o Brasil tem feito pouco pelo português, há uma tentativa de inversão desse diagnóstico, a que não será alheio, até hoje, um só Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, a que se junta, recentemente, o Instituto Guimarães Rosa, sob tutela do Ministério das Relações Exteriores, que tem por missão a promoção do português e a difusão e relançamento da cultura brasileira no exterior.


Considerando ter este instituto brasileiro (GR) por fim específico “promover a cultura e língua portuguesa de vertente brasileira pelo mundo” (sublinhado nosso), pode questionar-se se não será prejudicial para a difusão da cultura e o português de variante europeia, sendo a resposta, por nós, negativa. 


O IGR “peca” apenas por tardio, não sendo novidade como modelo de atuação tendo, como referências anteriores, o Instituto Camões, em Portugal, o Britânico, no Reino Unido, o Cervantes, em Espanha, o Goethe, na Alemanha, o Confúcio, na China, a Aliança Francesa, em França.


A que acresce o Wall Street English (sucessor do Wall Street Institute) e a American School of Languages, dos EUA, na variante do inglês falado na América, pelo que também não é original que haja um instituto que promova a variante do português falado no Brasil e em Portugal, o que não é inconveniente nem incompatível, pois podem ser uma mais valia para evitar uma balcanização da língua portuguesa.


Assim como é importante, para melhorar o idioma de forma mais global, conhecer o inglês na vertente britânica, mesmo que a intenção seja apenas aprender a variante americana, também o é conhecer o português na sua variante europeia, mesmo que haja só o querer na vertente americana, e o inverso. 


O que implica vontade prévia de cooperação entre o IC e o IGR no curto, médio e longo prazo, com contributos de falantes de português de outras latitudes, mesmo que o dificulte, quanto a estes, a ausência de uma política externa não institucionalizada.


E por que não uma colaboração e cooperação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, sobre o qual não há matéria pública relevante que se conheça?


03.02.23
Joaquim M. M. Patrício

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

  


LXXXVIII - SÍNTESE AO REDOR DA LÍNGUA E DA LUSOFONIA
3. ALGUMAS BREVES PERSPETIVAS LINGUÍSTICAS E LUSÓFONAS


Rumo a uma visão mais abrangente, escreve Adelino Maltez: “Consideramos, com efeito, que a Comunidade Lusíada é um passo para a recriação do espaço maior, exigindo uma nova leitura da respublica christiana com a Ibéria, a América de Língua Portuguesa, a América de Língua Castelhana e a África dos PALOP e, portanto, a criação de uma comunidade onde a união ibérica se extinguiria como fantasma, porque é mais aquilo que, pelo futuro nos une, do que aquilo que, no passado, nos dividia”.[1]


Temos responsabilidades históricas para com outros povos com que partilhamos um idioma comum, estando em causa o futuro da lusofonia, agudizado por Castela, com a sua mentalidade altiva e imperial, que dificilmente a abandonará. O que não exclui a recriação de um espaço maior predominantemente lusófono, liderado por um lusófono, potencialmente o Brasil, por se nos afigurar ser portador, em termos de ser e dever ser, de maior tolerância e humanismo, por confronto com uma hipotética liderança de raiz castelhana.


Refira-se o texto de uma autora polaca onde sobressai a ideia de que na Europa de leste se formou a crença de que “(…) o imperialismo e a Lenda Negra de Portugal não constituíam uma realidade tão grave como a de Espanha. A convicção apoiava-se em elementos da automitificação portuguesa incluindo a famosa “Carta de Pero Vaz de Caminha” que apresentava o primeiro contacto com os recém-chegados portugueses e os índios do Brasil como verdadeiramente excecional, produtivo e pacífico”[2] (em confronto com o relato desumano de Bartolomeu de Las Casas). E acrescenta: “Na Polónia, a Lenda Negra ligada a Espanha direcionou a nobreza para o exemplo da expansão portuguesa a Oriente, considerada menos culposa e mais atraente, especialmente devido às viagens de Vasco da Gama ou ao povoamento de ilhas desabitadas, mais do que a sua colonização na América do Sul”[3], além do contraste intra-ibérico das corridas de touros.


O que não significa que Portugal e demais mundo lusófono se devam sentir orgulhosamente sós. Justifica-se, sim, que possam dialogar com outros espaços, em igualdade, numa perspetiva de humanismo universal.


O conceito de lusofonia, além de ter em si o significado de um espaço geolinguístico, baseia-se no reconhecimento de um universo comunicacional real da língua portuguesa e no assumir dos benefícios dos dinamismos que um bloco linguístico-económico-cultural comporta, de uma realidade complexa plasmada na aceitação de um idioma comum como oficial, que outros blocos comprovam como útil, sob pena de se beneficiarem interesses de terceiros, também eles fundados no mesmo conceito linguístico-estratégico. 


Não se esgota no uso de uma língua comum, mas de tudo o que o diálogo por ela facilitado proporciona: na aproximação dos povos e países, na ciência, na economia, na política, no desporto, em todos os alinhamentos. 


Todavia, é óbvio que, por serem tais aproximações e parcerias facilitadas pela língua, ela assume uma importância básica e prévia a quaisquer entendimentos. Natural e lógico que as primeiras preocupações lusófonas se voltem para as questões linguísticas, da sua defesa, difusão, enriquecimento e ensino.


Se a adoção do português foi um ato de soberania, a do termo lusofonia não resultou de iniciativa própria ou comum de todos os seus destinatários. Se é verdade que o conceito de língua portuguesa é tido como objetivamente linguístico e politicamente neutro,  é verdade que não existe essa consensualidade no que toca ao de lusofonia.


25.02.2022
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

 

[1] Curso de Relações Internacionais, Principia, p. 341.
[2] Cieszynska, Beata Elzbieta, O(s) mito(s) da Península Ibérica na Polónia e em outros países do antigo “Bloco de Leste”, p. 56, no livro Europa de Leste e Portugal, Esfera do Caos, 1.ª edição, 2010, tendo como coordenadores José Eduardo Franco, Teresa Pinheiro e a autora ora citada.
[3] Ibidem, p. 60.

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

  


LXXXVII - SÍNTESE AO REDOR DA LÍNGUA E DA LUSOFONIA
2. ANÁLISE CRÍTICA DAS CRÍTICAS (II)


Quanto ao argumento da pretensa superioridade da norma culta e literata do português padrão, vários povos se apropriaram voluntariamente da língua portuguesa de modos plurais, imprimindo-lhe a variedade das suas experiências e enriquecendo-a. Este idioma comum foi recriado em cada continente, adaptando-o e integrando-o nas particularidades locais, alterando-lhe o ritmo, modulação, pronúncia, sonoridade, diversificando-se na sua unidade. 

O que a lusofonia deve exprimir (e a CPLP institucionalizar) é essa globalidade de diferentes falares, não excluindo, se necessário, um acordo entre comunidades e países lusófonos, uniformizando o essencial, como no vocabulário técnico-científico. 

Em relação ao contra-ataque cultural de que a lusofonia (e CPLP) tem sido vítima, via celebração prioritária das literaturas portuguesa e brasileira, e só depois das africanas, refira-se que cada vez mais a atual literatura de ex-potências coloniais tem como protagonistas autores de origem africana e asiática. São novos escritores “europeus” usando a literatura como afirmação identitária e modo de interpelar o seu espaço de origem no país onde nasceram ou vivem. Veja-se, entre nós, o escritor Agualusa. Na música Mariza, Sara Tavares, a notória recetividade da música brasileira, a par do pintor moçambicano Roberto Chichorro. O mesmo em França, Inglaterra e Holanda. 

A crítica duma presumível superioridade do português europeu omite que o futuro da   globalização e internacionalização da língua portuguesa será operada maioritariamente de fora da Europa, no essencial a partir do Brasil e em África, mormente de países portadores de caraterísticas a potências emergentes. 

Num certo sentido, o fim do colonialismo transformou os pretéritos colonizadores em territórios “colonizados” pelas anteriores possessões coloniais, sendo estas uma certa continuidade daqueles e algumas delas as novas potências do futuro.    

 

18.02.2022
Joaquim Miguel de Morgado Patrício 

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO


LXXXVI - SÍNTESE AO REDOR DA LÍNGUA E DA LUSOFONIA

2. ANÁLISE CRÍTICA DAS CRÍTICAS (I)


Tendo uma perspetiva crítica sobre as críticas anteriormente expostas, é redutora uma visão segundo a qual a lusofonia é uma tentativa de Portugal manter o neocolonialismo, com sobranceria em relação aos demais países que falam português. 

O pretenso colonizador e o fictício império já não existem, sendo a língua  apenas também nossa, não se vendo que Portugal tenha força para uma legitimação neocolonialista e impor-se como “força imperial” através da “língua do colonizador”.[1]   

O poder de hegemonia colonial português nunca teve a densidade do inglês ou francês, com a agravante de que a defender-se haver uma tentativa neocolonialista portuguesa, é legítimo perguntar se faz sentido em relação a uma ex-colónia como o Brasil, sabido que, de momento, o futuro da lusofonia está essencialmente dependente do interesse que tal país tiver por ela.

O mesmo releva quanto a outras ex-colónias que no futuro tenham potencialidades para se afirmarem e concorrerem por essa pretensa hegemonia, como é o caso de Angola. Já existe uma ex-colónia britânica que se impôs à ex-potência colonizadora, caso dos Estados Unidos da América, não pertencente à Commonwealth. Por que não o Brasil em relação ao espaço lusófono? Será pelo facto de já ter sido colónia portuguesa que não se lhe pode aplicar tal raciocínio?     

Não  serão os “descendentes” da Europa os novos impérios linguísticos do futuro?

Acresce que, se tudo indicia tentativas neocolonialistas, há também quem contra-argumente que os lusófonos e países da CPLP mais pobres só se interessam por tais realidades na medida em que as possam instrumentalizar em seu benefício. 

E no que toca aos países africanos em especial (para além de Timor Leste, na Ásia), foram eles que voluntariamente viram na língua portuguesa um instrumento de inclusão, de identidade e unidade nacional, sobressaindo o exemplo angolano, em que após a independência era segunda língua, priorizando-se os idiomas nacionais, tidos como afirmação identitária, que acabaram por falhar.

O próprio Alfredo Margarido, ao falar no novo estatuto de “língua imperial” do nosso idioma, realça que foram também as elites africanas (e portuguesas) que se apressaram a organizar uma justificação para a força agregadora do português.

Amílcar Cabral reconheceu que o português foi uma coisa boa que os “tugas” deixaram,  questionando se tudo o que vem do ex-colonizador é mau.

 

11.02.2022
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

 

[1] Margarido, Alfredo, ibidem, Edições Universitárias Lusófonas, 1.ª edição, 2000, p. 76.

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO


LXXXV - SÍNTESE AO REDOR DA LÍNGUA E DA LUSOFONIA

1. CRÍTICAS À LUSOFONIA


Há quem entenda a lusofonia como um sonho inatingível, retórica imaginada que tem mais de ficção que realidade, uma tentativa de reconstruir um ente pós-colonial com capacidade para anular e compensar o efeito erosivo da globalização e a marginalidade portuguesa no seio da União Europeia, uma criação meta-histórica que funciona como sucedâneo do império perdido no imaginário coletivo português. 

Trata-se sempre, e no essencial, de uma quimera, de uma invenção, de uma imaginação, de um mito, pretendendo devolver aos portugueses a convicção de que, tendo perdido o império, a guerra colonial e as colónias, não deixaram de manter o seu centro e hegemonia, mesmo que reduzido a estruturas simbólicas.

Um novo centro de que Portugal se socorreu para contrabalançar a sua periferia europeia, havendo quem o veja como uma estrutura que tem por fim preparar as condições do neocolonialismo. 

Portugal tornou-se, a partir do século XV, numa potência mundial, fazendo com que o seu idioma se tornasse uma língua franca no âmbito da economia, comércio e diplomacia, o que fez com que os portugueses interiorizassem esse desígnio de grandeza histórica que os impede de ser contidos no apertado retângulo do seu território, mesmo após o desaparecimento de tal poder.

Independentes as ex-colónias, os interesses das ex-potências, incluindo Portugal, desenharam uma estratégia de continuidade com outra roupagem, configurando um novo modelo que tomou o nome de comunidade linguística.

Ao colonialismo clássico seguiu-se o neocolonialismo. 

Trata-se, quase sempre, de um discurso lusófono efusivo e de um comovente vazio, do Mundo que o Português criou, da ação civilizadora dos portugueses, garantindo-se que Portugal não pretende ser, a qualquer título, o centro do que quer que seja.   

Eduardo Lourenço, por exemplo, tendo como adquirida a ausência de um “destino” para o povo português, e, como corolário, que não é mais heroico, sábio ou virtuoso que outros povos, vê a lusofonia como um mito cultural português recente, uma nova projeção imperial, expurgando-o de teorias emotivas, míticas ou messiânicas.  

A celebrada alma portuguesa repartida, evocada por Camões, foi, sobretudo, língua deixada pelo mundo, que não é propriedade de ninguém, sendo sempre dona de quem a fala, razão pela qual não admitindo o espaço lusófono a unicidade de uma só cultura, tem de ser apenas o espaço da língua portuguesa. Na sua obra Imagem e Miragem da Lusofonia, diz que a comunidade luso-brasileira é um mito criado pelos portugueses, e que Portugal não tem lugar no mais sincero sonho brasileiro. 

Mais contundente é o ensaísta Alfredo Margarido. No seu livro A Lusofonia e os Lusófonos: Novos Mitos Portugueses, alude à redescoberta da língua portuguesa como uma força ou língua imperial, em que a retórica da lusofonia estabelece o ponto de observação privilegiado a partir do qual se fixam as formas corretas pelas quais se devem guiar todas as demais manifestações linguísticas.  

Língua imperial” equivalente a “língua do colonizador”, impondo-se como língua homo-hegemónica, em que a lusofonia atua em nome da uniformidade, fixando a norma e anulando os dialetos, preparando o neocolonialismo, neste caso português, à semelhança da mais recente época colonial, em que aos africanos não era dada a possibilidade de gerir o português ao seu modo.

 

04.02.2022
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

A VIDA DOS LIVROS

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   De 17 a 23 de maio de 2021

 

“Portugal – Ser e Representação” de Miguel Real (Difel, 1998) constitui uma reflexão crucial, no conjunto de uma obra que atinge os quarenta anos de persistente labor intelectual.

 

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PERMANENTE INTERROGAÇÃO

Os quarenta anos de Escrita de Miguel Real correspondem a uma permanente interrogação sobre o tema dos mitos e da essência da cultura. Eis por que razão a sua obra tem de ser analisada a partir do seu sentido crítico e não apenas através de uma identificação simplificadora das glosas que tem desenvolvido, por exemplo, a partir de Teixeira de Pascoaes, Jorge Dias, António José Saraiva e Eduardo Lourenço. De facto, o elemento dominante encontrado pelo ensaísta no homem português de “ser o que não é”, leva-nos à compreensão de que a riqueza do pensamento de Miguel Real é a sua capacidade de pôr em causa os lugares comuns e de assumir a complexidade. Tal como refere José Gil, sobre o “ensaísmo trágico”, relativamente a Eduardo Lourenço, Miguel Real não segue os dois caminhos tradicionais do pensamento filosófico – ora partindo dos grandes conceitos, com o horizonte reconfortante e estável das sínteses, como em Kant e Hegel; ora exercendo a análise pura e direta da decomposição das noções. Miguel Real prefere os conceitos, encarados como “figuras simbólicas”, a partir da função ontológica do mito. Com efeito, aceita que há dois tipos de existência – a empírica e a mítica, mas é a segunda que estrutura a primeira e fá-la consistente. A mitificação do empírico conduz-nos ao primado do sentido crítico, não havendo confusão entre a invocação dos mitos, o seu efeito, e a respetiva aceitação. Eis por que são importantes os mitos que a sociedade produz, assumindo a dupla dimensão de integração e renovação. De facto, o mito evolui e adapta-se à realidade e, simultaneamente, contribui para fazer alterar a própria realidade. Não por acaso, M. Real faz da crítica literária o seu terreno de eleição, a fim de compreender melhor a capacidade criadora. É a busca da complexidade hermeneutica, ontológica e histórico-sociológica que o preocupa. O “imaginário português” é, assim, o campo de ação do analista, como fator de liberdade, de independência e de diversidade. Ao aventurar-se no lugar dos outros e no campo do ser o que não se é,  depara-se, tantas vezes, com uma menor compreensão daquilo que verdadeiramente põe em causa. Pode, assim, aplicar-se-lhe o que Eduardo Lourenço afirma em “Heterodoxia – I”: “o homem é livre de aceder a uma visão geral da vida através duma reflexão incondicionada, cuja essência consiste na possibilidade de recusar ou discutir toda a espécie de postulados”. Por isso a distância em relação à ideia de sistema, e a evidente preferência pelo método ensaístico, tal como preconizado por Sílvio Lima. E assim eis-nos perante a interrogação exigente sobre o modo como somos e como imaginaríamos ou deveríamos ser. Daí uma especial coerência em recusar os temas circunstanciais ou as ilusões da moralidade – o que se evidencia nas incursões romanescas, com evidente sucesso, em que a singularidade dialoga com a comunidade, sem pretensão de uma qualquer conclusão edificante.

 

QUALIDADES E DEFEITOS…

Portugal é visto com qualidades e defeitos, com avanços e recuos, com características próprias, as mais das vezes contraditórias: a Providência e o anti-clericalismo; a unidade e a diversidade; o conformismo e o inconformismo; o lirismo e o picaresco, a tragédia e a ilusão. Afinal, urge denunciar o “irrealismo prodigioso da imagem que os portugueses fazem de si mesmos”, como lemos no autor de “O Labirinto da Saudade”. Longe da placidez das explicações unívocas, encontramos no caminho da nossa História: os gestos traumáticos da independência nacional; a longa hesitação do Mestre de Avis; o desastre de Alfarrobeira; a tragédia do Infante Santo; a morte da esperança do Principe Perfeito; a loucura de D. Sebastião; a ambiguidade do Quinto Império; o efeito do Ouro do Brasil; a partida da Corte para o Brasil; a humilhação do Ultimato inglês; o colonialismo; a neutralidade colaborante do Estado Novo… Tudo se projeta na vida coletiva, na gestação e desenvolvimento dos mitos. “Os Lusíadas” são uma genial ficção, em que Camões segue os passos de Virgílio e põe-nos na linhagem de Eneias e dos heróis de Tróia. É uma ficção grandiosa que não esconde a excecionalidade de uma evolução dificilmente explicável de uma “existência crepuscular”. De facto, só a crítica, do mito e pelo mito, pode tentar encontrar uma chave para esse encontro com o destino difícil de explicar.

 

EUROPA E LUSOFONIA

Os mitos da Europa e da lusofonia obrigam, no fundo, à interrogação paradoxal sobre o velho continente e as relações ancestrais ambíguas que o tempo tem procurado resolver: depois de a Europa nos ter feito e de nós termos feito a Europa é tempo de assumir criticamente um sonho, apesar do desencantamento que resulta do confronto com a realidade. Afinal, Portugal e a Europa fazem-se mutuamente, designadamente através de uma relação ibérica inteiramente nova e absolutamente necessária… É de uma reconciliação connosco próprios que falamos, deixando de nos sentirmos marginais ou sós – com uma garantia de segurança e liberdade. De facto temos “Duas Europas”: uma, a nossa (em conjunto com a Espanha), castiça, do sul, arrastada pela má consciência de termos sido grandes; e a outra nórdica, avançada e acelerada… Já a “lusofonia” corresponderá a um espaço de língua, que não significa espaço de cultura unívoca. Tratar-se-á sempre de uma ligação de geometria variável, em que as complementaridades e as imperfeições serão muito mais importantes do que qualquer falso sucedâneo imperial. E Miguel Real diz-nos que, como nó central do imaginário português, o sebastianismo é um ativo cultural gerado pela consciência popular. Fernando Gil diz ser a alucinação um operador natural da evidência. O que obriga a que a crítica do mito se torne aguilhão de maior exigência futura. Prova póstuma de existência e desafio à lucidez. 

 

Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença

                                         

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO


LXXX - REPRESENTANDO O OFICIAL E O REAL


Nem sempre o número de países que cada potência colonial gerou é proporcional ao de falantes.  


Por exemplo, o francês tem menos falantes como língua materna ou segunda que o português, mas gerou quatro vezes mais países do que aqueles que têm o nosso idioma como oficial ou língua segunda, o que lhe dá maior projeção e prestígio nos fóruns e organizações internacionais permitindo-lhe, até hoje, ser a segunda língua oficial mais representativa a seguir ao inglês.   


Como consequência de um passado colonial ligado à França e à Bélgica, há entre 25 a 30 países que têm o francês como língua oficial. Além da França, Bélgica,  Luxemburgo, Suíça e Mónaco (na Europa), há mais de vinte países africanos, o Canadá (Quebeque), apesar de haver países árabes, colonizados pela França, que não adotaram o francês como língua oficial. 


Portugal, enquanto império colonial, defendeu a unidade administrativa e política das suas colónias, atendendo apenas à sua descontinuidade geográfica, o que se repercutiu no número de países gerado pela sua descolonização.  


Ao invés do processo de descolonização espanhol na América Latina, que originou uma pulverização nacionalista de vários países, o mesmo não sucedeu com o Brasil, apesar das tentativas no Rio Grande do Sul entre 1835 e 1845 e na então província do Grão-Pará, para bem da unidade brasileira, mas que do ponto de vista estratégico e pela frieza e natural força representativa dos números seria mais benéfico para a língua portuguesa. Não teríamos hoje, porém, um país com a dimensão continental e potencialidades que o Brasil tem.       


Há uma acentuada diferença entre o oficial e o real, daí resultando vantagens e desvantagens consoante o contexto, estratégia e perspetiva, com reflexos inerentes à representatividade linguística global dos vários idiomas.

02.04.2021
Joaquim Miguel de Morgado Patrício