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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO


CXIV - GILBERTO GIL E AQUELE ABRAÇO


É mais um baiano que vem da fábrica de talentos da Bahia, para cantar e contar tanta coisa bonita, para sambar, valer, morrer de alegria, na festa de rua, no samba da roda, na noite de lua, no canto do mar. A ele se juntam baianos consagrados, seus amigos e conhecidos, como Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa (recentemente falecida), entre outros.


Em outubro deste ano, com 81 anos e permanecendo no ativo, esteve em Portugal, onde atuou em Lisboa e no Porto, acompanhado por filhos e netos. 


Recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Nova de Lisboa, por representar os valores de arte e cidadania e honrar “(…) a cultura que se expressa em português e a presença da língua portuguesa no mundo”.   


Esta distinta e merecida homenagem foi vista pelo agraciado como “Um gesto de amor, encharcado de afeto e carinho desse Portugal, que estreita os laços entre povos irmãos e culturas contíguas”.


Nascido em Salvador, Bahia, em 1942, no mesmo ano de Caetano Veloso e Milton Nascimento, começou a tocar acordeão, no início da adolescência, influenciado por Luís Gonzaga, transitando para o violão, o seu instrumento preferido, através da descoberta da música de João Gilberto, conhecendo Dorival Caymmi, que lhe abriu novos horizontes começando, desde então, a escrever poesia, a compor e gravar os primeiros discos, tendo decidido, em 1966, viver da música, indo para o Rio de Janeiro.


A bossa nova juntou-o a Caetano, Gal e Tom Zé, que com o impacto dos Beatles se envolveram na criação do movimento tropicalista, que defendia o transvasamento cultural entre a tradição musical brasileira e a cultura global e de massas das expressões de vanguarda e de sonoridade pop e rock, numa mistura, ora conflituosa, ora pacífica, de que a canção “Geleia Geral” (brasileira), de Gilberto Gil (GG) e Torquato Neto é exemplo, onde se assimilava e reinventava a experiência estrangeira com qualidades locais ineludíveis, com a possibilidade de funcionar, num confronto internacional, como um produto de exportação mundial e de promoção da brasilidade e da língua portuguesa, no português do Brasil.   


A difusão do nosso idioma por GG, mundializando-o e universalizando-o, está presente em canções como “Eu vim da Bahia”, “Expresso 2222”, “Geleia Geral”, “Roda”, “Procissão”, “Louvação”, “Chiclete com banana”, “Domingo no parque” e “Aquele abraço”, o que é redutor numa obra musical com mais de 600 canções, finalizada com uma bem sucedida carreira a solo, em vários géneros musicais, passando pelo baião, samba, bossa nova, música popular brasileira, pop, rock, funk, reggae, soul, blues, onde a terra mãe baiana, como território iniciático da brasilidade, devora informação nova importada de África e outros lugares, misturando-a e reinventando-a.   


A figura multifacetada de GG, desde artista, pensador, compositor, cantor, empresário (tem formação em administração de empresas), até embaixador da ONU para agricultura e alimentação e Ministro da Cultura do Brasil, torna compreensível as distinções recebidas da UNESCO (como artista da paz), em França, na Suécia, EUA, incluindo o título, entre nós, de Doutor Honoris Causa pela universidade de Aveiro e da Nova de Lisboa, a que acresce, recentemente, a eleição como Imortal da Academia Brasileira de Letras, reforçando ainda mais o seu contributo para a divulgação e disseminação da língua portuguesa e cultura lusófona pelo mundo.


E foi em tom festivo que atuou em outubro deste ano em Portugal, celebrando 60 anos de carreira, tendo a acompanhá-lo dois filhos e dois netos, todos de apelido Gil (Bem Gil, José Gil, João Gil e Flor Gil), não se esquecendo de cantar “Aquele abraço”, exemplo singular da cultura que se expressa em português, que teve como insólita inspiração o modo como os soldados o saudavam quando preso no quartel: “Aquele abraço, Gil”, que aqui e agora nos é gratificante retribuir.


08.12.23
Joaquim M. M. Patrício 

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

  

CXI - INTERROGAÇÕES LUSÓFONAS


Sendo o português uma língua neolatina, é legítimo questionar a raiz luso de lusofonia, desde logo por nacionalistas das ex-colónias, incluindo também os portugueses que têm dúvidas e dificuldades em associar-se a um vínculo luso de origem linguística.

O termo luso pode ser muito “português” e simplista para descrever uma realidade mais ampla e variada, que o conceito operativo de lusofonia pretende agarrar, baseado no reconhecimento de um cosmos comunicacional da língua portuguesa e na aceitação dos ganhos que as dinâmicas dos blocos linguísticos permitem, transitando de uma existência linguística, política e social formal, plasmada no anuir a uma língua comum como idioma oficial, para patamares económicos e culturais mais promissores, que o mero existir e confronto com outros blocos afins sanciona como útil.

Indicia-se ser cada vez mais consensual que a lusofonia (e a sua raiz) tem de ser percecionada, em termos substantivos e de conteúdo, como um espaço geolinguístico, tendo-se por ultrapassado perspetivá-la, apenas ou essencialmente, como imperialista, colonialista, neocolonialista ou de radicalismos ideológicos, sob pena de se menosprezar a imagem de uma organização pluricontinental e de união internacional, em benefício de interesses terceiros baseados no mesmo conceito geolinguístico e estratégico.     

A raiz luso, de lusofonia, sofre das mesmas suspeitas e inconvenientes dos detratores ou inconformados da anglofonia, francofonia, hispanofobia, russofobia e realidades de blocos geolinguísticos e geoestratégicos da mesma natureza. 

Em qualquer caso, concorde-se ou não, trata-se de termos consagrados na bibliografia internacional da área específica que investigam e representam, deixando de criar anticorpos sérios entre os seus membros que voluntariamente aderiram e se integraram nesses espaços.   

O que não exclui a evolução do termo lusofonia, adaptando-o em atualização com os tempos atuais, dado englobar, por exemplo, no seu sentido lato, toda a gama de literaturas lusófonas, quer em universidades e em livrarias, ao invés da parcialidade dos departamentos de literatura portuguesa ou brasileira, como se não fossem lusófonas.   

O presumível complexo de superioridade de Portugal (antigo colonizador) e do Brasil (atual potência lusófona “colonizadora”), deriva do seu maior grau de desenvolvimento e do poder que lhe está associado, por confronto com os demais países lusófonos, pelo que o incómodo manifestado por estes tem de ser superado por fazer valer os seus interesses e poderio, sem esquecer uma futura e inevitável mudança segundo a qual, dentro de 50 a 70 anos, a esmagadora maioria dos falantes de português serão, essencialmente, de origem africana, com as suas consequências na lusofonia, a começar pela formação das variantes africanas da língua portuguesa.   

Serão os descendentes da velha Europa imperial os novos impérios linguísticos do futuro, substituindo o eurocentrismo por outros centralismos.


17.11.23 
Joaquim M. M. Patrício 

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

  


CII - COMO VEÍCULO UNIFICADOR EM DIVERSIDADE CULTURAL E LINGUÍSTICA


A dimensão estratégica da língua portuguesa decorre de ter sido capaz de atravessar  espaços geográficos deslocalizados territorialmente por quatro continentes, via descontinuidade linguística (língua transcontinental, transoceânica, transatlântica, transnacional), ser partilhada por várias culturas que a democratizaram, enriqueceram e moldaram, dando-lhe novas colorações e valor acrescentado, como língua absorvida, apropriada, enriquecida, miscigenada, incorporando vocábulos africanos, ameríndios, formando crioulos ou protocrioulos (língua transcultural, dinâmica, migratória, mestiça), permitindo-lhe ser permanentemente atuante e viva (língua flexível e dotada de plasticidade), transitando de uma língua de comunicação internacional (de falantes de português como língua materna ou oficial) para uma língua de comunicação global (como idioma de exportação que vai para além do espaço geolinguístico e lusófono da língua portuguesa).   


Sendo uma língua global, um diassistema, une povos que a usam como um veículo unificador de um dizer, assumindo-se como um vetor estratégico para todos os que por ela comunicam, não só como fonte crucial de apreensão e interiorização de um modo de vida, de agir e pensar, mas também de afirmação cultural e identitária. Registe-se, no Brasil, ter levado à unificação de um país continental. Ter sido essencial na unificação e pacificação de Angola e na afirmação de soberania em Timor Leste. 


Por sua vez, a existência de um idioma comum não equivale a uma inevitável nivelação das diversidades culturais e linguísticas próprias da cada um dos espaços que integram organizações como a CPLP, devendo promover-se e consolidar-se a unidade na diversidade, privilegiando o que é comum quando imprescindível, sem esquecer a heterogeneidade. Exemplos ilustrativos da não incompatibilidade do português como idioma oficial e comum a nível internacional, por confronto com falas locais, é a constatação, na primeira década deste século, do reconhecimento de quase duzentas línguas vivas no Brasil, quatro dezenas em Angola e Moçambique, 20 na Guiné-Bissau, 19 em Timor Leste, 4 em São Tomé e Príncipe e 2 em Cabo Verde (a que acresce o mirandês em Portugal).      


23.06.23
Joaquim M. M. Patrício

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO


C -
CHICO BUARQUE E O PRÉMIO CAMÕES


Surpreendeu ser Bob Dylan o vencedor do Nobel da literatura de 2016, dado o prémio ter sido, até então, primordialmente associado à erudição das letras e seus autores, a grandes escritores de todo o mundo, não a um nome tido como um músico e cantor mundialmente conhecido, tendo-se justificado a escolha por “ter criado novas expressões poéticas na grande tradição da canção americana”


Embora autor de alguns livros, não foi essencialmente por eles que lhe foi atribuída a distinção, mas sim pelo conjunto da sua obra, onde sobressai a poesia e um legado poético que o imortalizou como cantor, compositor e músico. 


Embora Dylan seja poeta e haver poetas ganhadores do Nobel da literatura, o seu nome está preferencialmente relacionado com a música, tendo-se transitado de uma interpretação restrita para uma mais ampla quanto à atribuição do prémio literário. 


Com as inerentes adaptações moldadas ao seu contexto, o mesmo sucedeu a Chico Buarque ao ganhar o prémio Camões de 2019, uma vez que pelo historial da distinção os premiados são escritores, poetas, ensaístas, com destaque para o romance, conto, novela, teatro, memórias, crónica, história, crítica literária e estudos literários, estando o nome do carioca comumente ligado à música, sendo mais tido como músico e cantor.


Sucede que o laureado além de cantor e músico, também é compositor, dramaturgo, escritor, poeta, ator, autor de obras de teatro de inúmeras canções, que justificam o galardão que lhe foi atribuído, porque contribuiu, num patamar acima da média, para o prestígio da língua portuguesa e do respetivo património cultural e literário.


Nem é apenas através da escrita que se prestigia e universaliza o idioma comum, como o prova CB, universalizando-o essencialmente por via oral, como intérprete de canções, com o mérito de ainda o ter prestigiado por escrito, incluindo via literatura (com vários prémios), corroborando um maior merecimento para ganhar o prémio Camões. Recebeu-o em 2023, quatro anos após a sua atribuição (2019), por recusa do então presidente brasileiro, o que se lamenta, pois há que saber distinguir e separar o valor intrínseco da obra da ideologia ou pensar do seu autor, o que deve ser algo transversal a toda a arte e grupos sociais, sendo indesmentível que CB dignificou, impulsionou e universalizou o Brasil, a lusofonia e a língua portuguesa.


09.06.23
Joaquim M. M. Patrício

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

  


XCIX - RESPONSABILIDADES E RECIPROCIDADES LINGUÍSTICAS E INSTITUCIONAIS


Nas inúmeras visitas oficiais de Estado, do anterior e atual presidente do Brasil, sobressai o uso regular, ao que me apercebi permanente, do uso da língua portuguesa como idioma de comunicação global e internacional, no mesmo plano de igualdade e de reciprocidade, com os seus homólogos de outros países. Sucedeu nos Estados Unidos, na China, Rússia, Alemanha, França, Espanha, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Hungria, Argentina, Uruguai, Chile, Japão, entre outros, incluindo colóquios, palestras e entrevistas para a imprensa.   


Nem em inglês, francês, portunhol ou espanholês, apenas em português, em paralelo com o uso da língua materna dos seus interlocutores, com a respetiva tradução.


Também em recente visita do presidente gaulês a Angola, este expressou-se em francês, o seu equivalente angolano em português, usando este, de novo, o nosso idioma comum aquando da última viagem dos reis de Espanha, comunicando estes em castelhano. O mesmo em visitas congéneres com Moçambique.   


Entre nós, é frequente os nossos políticos, ao mais alto nível, em circunstâncias similares, falarem em inglês, francês, português, alemão (se o souberem), chegando a exprimir-se só em portunhol, ou em português e portunhol, em cimeiras, reuniões ou encontros bilaterais ibéricos, sem que haja reciprocidades dos nossos vizinhos, nem sequer quando connosco o atual rei espanhol, não obstante ter vivido vários anos em Portugal.   


Esta nossa não dignificação regular do nosso idioma, em termos bilaterais ou multilaterais, em conjugação com o contexto e a não obrigatoriedade do uso da língua global franca (hoje o inglês), não eleva a língua portuguesa num espaço de diversidade e igualdade recíproca, que merece por direito próprio, corroborado pela sua dimensão geolinguística, sendo uma das mais faladas pelo seu número global de falantes e dispersão intercontinental.       


Indicia-se, de igual modo, que são os “descendentes” linguísticos de Portugal que mais contribuem para a promoção internacional do português, como idioma, em termos de responsabilidade e reciprocidade linguística num patamar institucional, apesar das responsabilidades históricas lusas neste domínio, o que é um contrassenso. 


E os exemplos duma permissividade subserviente das elites tem reflexos na população em geral dos seus países, nomeadamente quando negativos e os seus esforços não têm correspondência recíproca e são inversamente proporcionais aos dos seus parceiros e destinatários, bilaterais ou outros. Mesmo políticos que falam fluentemente inglês, como o presidente francês e o chanceler alemão, são useiros e vezeiros na sua língua materna e oficial, que é menos falada que a nossa, para não referir o uso exclusivo do mandarim e russo pelos seus líderes, mesmo que não sejam fluentes noutra língua, o que não os embaraça, pois impulsionam os seus idiomas, o mesmo devendo ser feito para estimular e dar visibilidade condigna ao português, fale-se ou não outras línguas.   


Ou será que parte significativa das nossas elites caminha para o reforço de uma vocação essencialmente europeísta, abdicando aparentemente de uma promoção mais adequada do nosso idioma, mesmo que o proclamem internacionalmente como uma prioridade estratégica reforçada via CPLP?       


28.04.2023
Joaquim M. M. Patrício

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

  


XCVIII - POR UM IDIOMA COMUM SEM RESSENTIMENTOS


Eis algumas palavras da intervenção de Paulina Chiziane, escritora moçambicana e prémio Camões 2021, na abertura do festival literário da Póvoa de Varzim, este ano: “Começaria por um verso célebre: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. Mas que tempos? De que tempos falo eu, que vim de África? Falo (…) dos tempos de ódio até aos tempos de paz.” 

Acrescenta:   
Estamos aqui nas Correntes d`Escritas, todos chamados a conviver apenas numa língua que é a Língua Portuguesa. Estão aqui todas as raças. Viemos de vários países. Temos várias histórias, algumas de opressão, outras de opressores, outras de lutas de libertação. O que aconteceu para estarmos aqui? O que nos uniu? Mudaram os tempos”   

Prosseguindo, responde: 
“As Correntes d`Escritas provam-nos que, (…), o mundo pode ser melhor. O opressor de ontem pode ser o amigo de hoje. As Correntes d`Escritas: este movimento que nos uniu e tirou de casa, de diferentes continentes, para estarmos aqui. Se, ontem, a língua portuguesa era para nós a língua do opressor (…) hoje é a língua do “bontu” (…) que significa língua de humanidade, (…) de harmonia, (…) de fraternidade. (…) Deixou de ser língua de opressão para ser língua de união. (…) os tempos podem mudar para melhor. (…) E, para o amanhã, na língua portuguesa, podemos construir um mundo melhor.”       

Outro moçambicano, Mateus Katupha, quando antigo ministro da Cultura, em 1999, declarou: “A língua portuguesa já não é mais só dos portugueses, é universal”. 

Linguagem só surpreendente para quem defende que os portugueses transferem para o idioma devaneios, quimeras e sentimentos imperiais, porque a língua nasceu em Portugal, pertence aos portugueses, que não aceitam o princípio simples de que pertence àqueles que a falam, tratando-se de uma visão em que o nosso país, por ter sido o ex-colonizador, tem de ser sempre o mau da fita.   

Por mais que se diga que este idioma comum pertence, em primeiro lugar, aos respetivos falantes em igualdade de partição e uso, que Portugal não programou qualquer estratégia neocolonial, nem tem poder para, doravante, por si só, se impor como “força imperial” através da língua (voluntariamente escolhida pelas ex-colónias), que os antigos impérios coloniais europeus são cada vez menos eurocêntricos, dada a emergência e ascensão, a todos os níveis, de algumas das suas ex-colónias, há sempre quem entenda, por ressentimentos, no mínimo, que tudo o que se herdou do ex-colonizador (e do ocidente) é sempre mau, incluindo a língua, por muito útil e funcional que seja, mesmo que, por mera opção dos mesmos, em qualquer momento, deixe de o ser.   

É, pois, gratificante o reconhecimento feito, sem ressentimentos, a esta língua comum, por vozes africanas, neste caso de Moçambique, nomeadamente por um dos nomes consagrados da literatura moçambicana e lusófona (Paulina Chiziane) que, juntamente com Mia Couto e Craveirinha, também a promovem internacionalmente, e a quem o português muito deve, em novas palavras e vocábulos, originários do continente africano.    


21.04.2023
Joaquim M. M. Patrício

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

  


XCVII - DIVERSIDADE, IGUALDADE E RECIPROCIDADE


Se o combate pela diversidade cultural e linguística não pode ser isolado, porque feito com os que para ele sensibilizados, significa que essa partilha é uma participação em igualdade, que acautele e evite posições de preponderância de um dos parceiros.


É saudável e gratificante cultivar e manter a diversidade linguística, dado que cada língua tem um tipo de relação com a realidade, sendo perigoso e redutor poder apenas contar com uma.         


Sendo a língua um bem imaterial, da esfera do conhecimento, difícil de quantificar, o conhecer vários idiomas dá-nos mais probabilidades de encontrar mais e melhor, usando diversas ferramentas para pesquisar a realidade.   


Se é verdade que o princípio da igualdade linguística impulsiona, em sentido crescente, o respeito pela variedade cultural e das línguas, de igual modo, em contrapartida, o progresso e a globalização, resultante dessa reciprocidade, estimula uma uniformização cultural e linguística.     


Não podemos - consciente ou inconscientemente, por predisposição, inércia, paixão, ausência de amor próprio, provincianismo ou complexo de inferioridade - deixar que a nossa língua seja preterida ou dominada por uma estrangeira, revelando baixa consideração por ela.       


O princípio da reciprocidade tem aqui papel primordial, institucionalizando-a em reuniões bilaterais, trilaterais, ou similares, em termos políticos e governamentais, onde cada elite ou poder interveniente faz questão em usar, mediática e publicamente, o seu idioma, dignificando-o num patamar de diversidade e igualdade recíproca, por maioria de razão quando línguas de comunicação global e internacional, como a nossa, nem sempre acarinhada e favorecida, por nós, a esse nível, por quem tem o dever primordial de o fazer, por confronto com terceiros que não ocultam a sua dos ouvidos alheios, nem a têm em baixa estima, muito menos na própria casa.


10.03.23
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

  


XCV - MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA


O único Museu da Língua Portuguesa existente, até hoje, está em São Paulo, no Brasil. Embaraçosa a sua ausência em Portugal onde, pela ordem natural das coisas e seu sentido literal (língua portuguesa), faria cabimento que também existisse.


É no Brasil, antiga colónia, que é homenageada, museologicamente, pela primeira vez, em todo o espaço lusófono, da CPLP e a nível mundial, quando é tida, para tantos, como imperialista, colonialista, neocolonialista, xenófoba, racista, homo-hegemónica, que atua em nome da uniformidade, fixando a norma e anulando os dialetos.   


Embora haja quem alegue que Portugal transferiu para a língua, que tem como sua, um sentimento imperial, não se compreende que perdido o império, com a subsequente descolonização, expulsão e independência, se possa falar em “língua do colonizador” ou “neocolonialista”, quando foram os novos países (incluindo os africanos) que, voluntariamente, viram nesse idioma um instrumento de unidade e progresso adequado ao tempo presente, e não uma forma de exclusão e regressão.


Há que ultrapassar desconfianças e suspeitas de que tudo o que vem do ex-colonizador é mau por natureza, cabendo referir, por exemplo, Amílcar Cabral que reconheceu que uma coisa boa que ficou no continente africano foi a língua portuguesa.


Nem Portugal tem atualmente “força imperial “para a impor, pois além da língua ser de quem a fala, é de excluir uma presunção de superioridade do português europeu, dado que o futuro do nosso idioma já é, e será, protagonizado de fora da Europa, essencialmente a partir da América do Sul e de África, com a predominância atual do Brasil, havendo uma espécie de inversão, com o fim do colonialismo, dos antigos “colonizadores” em territórios “colonizados”.   


Quanto ao Brasil não foi pelo facto de, em tempos idos, ter sido colónia que se inibiu de ser pioneiro em homenagear a língua portuguesa, num museu interativo paulista, inaugurado em 2006, reconstruído e concluído em 2019, após um incêndio em 2015, apresentando a sua diversidade, numa viagem por textos escritos, imagens, sons, vídeos, exposições temporárias (algumas de escritores, como Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa e Machado de Assis).


O MLP, aquando da sua reabertura, em 2021, foi agraciado, pelo presidente da república de Portugal, com a primeira medalha da mais recente ordem honorífica portuguesa, a Ordem de Camões, destinada a: “(…) a galardoar serviços relevantes prestados à cultura portuguesa, à sua projeção no mundo, à conservação dos laços dos emigrantes com a mãe-pátria, à promoção da língua portuguesa e à intensificação das relações entre os povos e as comunidades que se exprimem em português”.   


Significativo também, nesta sequência, um texto conjunto do escritor angolano Agualusa e do moçambicano Mia Couto, que sintetiza o porquê e a importância do museu: “Ao mesmo tempo que ia sendo instrumento de dominação colonial, a língua portuguesa era já o avesso disso: componente fundamental na criação de identidades autónomas, no Brasil, em Angola, em Moçambique, em Cabo-Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau” (a que acrescentaremos Timor-Leste).   


Sugestivo ser em São Paulo a sua localização, urbe com o maior número de falantes de português.


Porquê a sua omissão em Portugal? Ou de monumentos, evocações, sem complexos, deslumbramentos ou sacralizações, mas sim com a dignidade e merecimento que merece? Será que o exemplo tem de vir de “fora”?


24.02.2023
Joaquim M. M. Patrício

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

  


XCIV - POLÉMICAS LINGUÍSTICAS


1. Steven Roger Fisher diz que no futuro o português desaparecerá e será substituído pelo portunhol, argumentando que os falantes de espanhol, que rodeiam geograficamente o Brasil, irão usar dizeres do nosso idioma na variante brasileira, embora sustente que há diferenças significativas entre o português de Portugal e Brasil, que indiciam a sua separação, se essa tendência crescer, ao invés de uma aproximação do inglês americano e europeu, dada a crescente influência dos Estados Unidos através de filmes, música, cultura em geral, programas radiofónicos, televisivos, de streaming, informática e novas tecnologias. 


Para Ivo de Castro: “a história da língua portuguesa pode ser resumida numa frase: falamos de uma língua que nasceu fora do nosso território (de nós, portugueses) e cujo futuro será em larga medida decidido fora das nossas mãos. A língua portuguesa, numa visão temporal ampla, acha-se de passagem por Portugal”.   


Qualquer idioma é uma realidade viva, surpreendente e geradora de soluções hipotéticas, não sendo os portugueses europeus a definir, no futuro, o percurso sobreveniente e imprevisível do português, dado serem os herdeiros, sucessores ou continuadores da antiga Europa imperial os novos impérios linguísticos vindouros, como está sucedendo.   


Se assim é e o futuro também depende de uma evolução gradual e profunda, sendo o português uma língua aberta, cosmopolita, flexível, integradora e transigente, é de questionar se faz sentido o seu desaparecimento ou substituição, segundo Fisher, ou mesmo o afastamento estrutural e irreversível da norma portuguesa e brasileira, que tornam ociosa qualquer tentativa de intervenção.    


2. O tema é polémico, mas também há argumentos que contrariam tais perspetivas.


Se tudo fosse tão simplista, o português europeu de Portugal já tinha desaparecido e sido substituído pelo espanhol, tendo presente que há centenas de anos a Espanha é o único país com que temos fronteira terrestre, que entre 1580 e 1640 correu o risco de ser absorvido pelo castelhano ou ser um idioma ibérico menor sendo, hoje, um dos mais globais e falados internacionalmente.


Corroborado por Portugal ser um Estado unitário e uma só nação, por antagonismo com uma Espanha não homogénea, de várias nações e realidades linguísticas diferentes, suficientemente fraturantes e impeditivas que o hino (espanhol) seja cantado. 


Também é redutor falar no seu desaparecimento no Brasil por estar rodeado por países falantes de espanhol, ou ser substituído por outro idioma, tipo portunhol, agudizado por se constatar falarmos de um país que tem 40% da população da América do Sul, o maior poder económico latino-americano, uma potência emergente e Estado-nação, potencialmente mais exportador (que importador) de mercadorias culturais. 


De igual modo é de contestar que haja uma mais acentuada tendência de separação entre a norma portuguesa e brasileira, por confronto com a americana e britânica, porque o inglês europeu e americano se aproximam pelos programas televisivos, cinema, séries, filmes, músicas e eventos culturais que os Estados Unidos exportam em crescendo; dado que entre nós a influência cultural do Brasil está em ascensão e expansão, através da música, filmes, séries, telenovelas, crescente legendagem na vertente brasileira a nível do cinema, ópera, concertos (com uso crescente, por exemplo, do gerúndio verbal), notícias, textos e traduções nas redes sociais, na net, sem esquecer todo o tipo de obras e literatura em português, incluindo a tradução, na variante americana.   


A que se junta, recentemente e em permanência, a mais numerosa e nova vaga de imigrantes brasileiros, da mais alta à menos qualificada, em que uma língua comum é sempre determinante e uma mais-valia, independentemente do perfil de alguns que preferem ser vistos por “residentes estrangeiros” e não como “imigrantes”.


Sem ignorar demais países lusófonos e suas potencialidades futuras, que têm o português como língua oficial, lusófilos, seu potencial crescente demográfico e como idioma de exportação.


Para concluir que o eventual desaparecimento, separação ou substituição do português, vale o que vale, por redutor e simplista, como tantas outras previsões registadas ao longo da História, em alternativa com o seu reforço, via norma padrão ou não balcanização.     


O francês, por exemplo, era o idioma dominante e diplomático por excelência há cem anos, lugar que perdeu, nos tempos atuais, em benefício do inglês.   


Estamos perante uma realidade complexa, em movimento permanente, com raízes na Galiza, cujo futuro dependerá de muitos fatores, entregue a mecanismos históricos imprevistos e que, em qualquer caso, a nossa força de vontade e querer são o mais decisivo.


10.02.23
Joaquim Miguel de Morgado Patrício 

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

  


XCIII - OLHARES ESTRATÉGICOS LINGUÍSTICOS


Se em relação às línguas de origem europeia são os descendentes da velha Europa imperial os novos impérios linguísticos do futuro, como sucede, de momento, quanto ao inglês, por meio dos Estados Unidos, o mesmo ocorrendo, por analogia, com o português, via Brasil, isso significa estarem aquelas, numa visão temporal ampla, de passagem pelo velho continente.


Assim, não surpreende que o estudo do nosso idioma se deva essencialmente ao interesse pelo Brasil, seguido por Angola. 


Sendo o Brasil, com Portugal, os dois países, dos oito lusófonos, que têm uma ação de política de língua institucionalizada.   


À acusação de que o Brasil tem feito pouco pelo português, há uma tentativa de inversão desse diagnóstico, a que não será alheio, até hoje, um só Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, a que se junta, recentemente, o Instituto Guimarães Rosa, sob tutela do Ministério das Relações Exteriores, que tem por missão a promoção do português e a difusão e relançamento da cultura brasileira no exterior.


Considerando ter este instituto brasileiro (GR) por fim específico “promover a cultura e língua portuguesa de vertente brasileira pelo mundo” (sublinhado nosso), pode questionar-se se não será prejudicial para a difusão da cultura e o português de variante europeia, sendo a resposta, por nós, negativa. 


O IGR “peca” apenas por tardio, não sendo novidade como modelo de atuação tendo, como referências anteriores, o Instituto Camões, em Portugal, o Britânico, no Reino Unido, o Cervantes, em Espanha, o Goethe, na Alemanha, o Confúcio, na China, a Aliança Francesa, em França.


A que acresce o Wall Street English (sucessor do Wall Street Institute) e a American School of Languages, dos EUA, na variante do inglês falado na América, pelo que também não é original que haja um instituto que promova a variante do português falado no Brasil e em Portugal, o que não é inconveniente nem incompatível, pois podem ser uma mais valia para evitar uma balcanização da língua portuguesa.


Assim como é importante, para melhorar o idioma de forma mais global, conhecer o inglês na vertente britânica, mesmo que a intenção seja apenas aprender a variante americana, também o é conhecer o português na sua variante europeia, mesmo que haja só o querer na vertente americana, e o inverso. 


O que implica vontade prévia de cooperação entre o IC e o IGR no curto, médio e longo prazo, com contributos de falantes de português de outras latitudes, mesmo que o dificulte, quanto a estes, a ausência de uma política externa não institucionalizada.


E por que não uma colaboração e cooperação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, sobre o qual não há matéria pública relevante que se conheça?


03.02.23
Joaquim M. M. Patrício