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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

ANTOLOGIA

  


LITERATURA E MÚSICA
por Camilo Martins de Oliveira


Minha Princesa de mim:


"Regresso de Kyoto a Tokyo, mas não escapo às associações recreativas de senhoras japonesas. Num jantar na embaixada de França, fico à mesa presidida pela embaixatriz, ao lado da Senhora Totomi, próxima da família imperial e presidente de "Les Amies de la Langue Française", clube de senhoras da "alta", que reúne japonesas eruditas e outras francófonas do corpo diplomático. A dama é do tipo arredondado - de corpo e espírito - esperta e bem humorada. Fala-me do seu grupo de cultura e recreio, e desafia-me a entretê-las, num chá, com uma charla sobre literatura e música francesa. Animado pelo Château Margaux, digo-lhe que mais facilmente lhe diria sim se o grupo antes se chamasse "Les Joyeuses Filles de la Langue Française" ou "Les Parlantes de Français Galant"... Ri-se, com a mão gordinha, como terceira bochecha, a esconder-lhe a boca gulosa, e concede: "Chame-nos o que lhe parecer bem, mas tenha a gentileza de nos falar de literatura e música!" Assim me arrancou um assentimento condicional: proponho-me levar-lhes algumas poesias em várias línguas europeias, todas elas traduzidas em música, ou temas que a literatura e a música tenham coincidentemente tratado. E prometo não esquecer discos que as reproduzam. Não recorrerei sempre a libretos de ópera, nem a letras propositadamente feitas para canções... Assim se desenhou o programa que contigo aqui partilho. Apetece-me começar pelo alemão, não por me dirigir a francófonas, nem por me ser familiar, mas por me ocorrer a semelhança dos apelidos do poeta (Christian Schubart) e do compositor (Franz Schubert). Ou por me acontecer trautear a "Die Forelle" quando estugo o passo na pressa de ir fazer chichi. Brinco. O "lied" de Schubert - que ouvi pela primeira vez adolescente ainda - canta as palavras de Schubart, começando ledamente assim: "In einem Bächlein helle, / Da shoss in froher Eil/ Die launige Forelle, etc... Num límpido ribeiro, alegremente, a truta foge, viva, veloz e caprichosa. E eu na margem, em doce sossego observava o alegre banho da bela na clara água do ribeiro.  Ein Fischer mit der Rute, etc... Resumindo: esse pescador à linha, da margem vê o peixinho a mover-se, e o poeta pensa que ele não apanhará a truta com o anzol. Mas eis que esse ladrão, num movimento de onda, a prende, e o poeta sente, com o coração aos pulos, o debater da presa. Depois, o poema conclui com um aviso à juventude sobre o perigo da inconsciência, e com uma evocação erótica, que o "lied" de Schubert não retoma: "Denkt doch an die Forelle;/ Seht ihr Gefahr, so eilt!/ Meist fehlt ihr nur aus Mangel/ Der Klugheit. Mädchen, seht/ Verführer mit der Angel! Sonst blutet ihr zu spät...". Pensem pois na truta e se um perigo vier, fugi! A mais das vezes é por falta de prudência que pecais. Sede vigilantes, meninas de olhos doces, com os pescadores! Podereis sangrar tarde demais.


Uma das senhoras pergunta-me porque não escolhi antes a "Ode à Alegria" do Schiller, que é, afinal, um hino à amizade (seria então "An die Freunde" em vez de "Freude") que coroa a 9ª sinfonia de Beethoven. Respondo que "Die Forelle" me parece muito próximo do espírito da poesia japonesa pelo recurso à natureza como metáfora. E recito "tobu ayu no soko ni kumo yuku nagare kana", um "haiku" de Onitsura, que se pode traduzir mais ou menos assim: "um peixe voador...nuvens por debaixo, fluindo na corrente..." Ou seja: o peixinho, saltando, sobe o ribeiro (para ir desovar a montante)... e, refletindo-se nas claras águas, as nuvens parecem deixar-se levar para o mar... Alusão à efemeridade da vida: estes peixes ("sweetfish", em inglês) nascem no alto dos rios donde depois descem, na Primavera, até ao mar donde regressam, no Verão, para subirem contra a corrente e porem acima os seus ovos (como o peixinho do "haiku"). No Outono, regressam ao mar, para morrer. Vivem um ano só. Ponho a tocar no gira-discos "Die Forelle", cantada pela Elisabeth Schwarzkopf, acompanhada ao piano por Gerald Moore. E logo salto do alemão para o castelhano, da Germânia para a Hispânia. De Franz Schubert para Manuel de Falla, de peixes e nuvens, que as águas da vida percorrem, para flores e pássaros que a terra pára, porque é assim o tempo: corrente ou quieto, somos nós que passamos por ele. E ocorre-me a "arte poética" do Jorge Luis Borges: "Mirar el rio hecho de tiempo y agua / Y recordar que el tiempo es otro río, / Saber que nos perdemos como el río / Y que los rostros pasan como el agua." Antes de ouvirmos todos (devia dizer todas, sou o único homem na sala!) uns trechos de "La Vida Breve" do Falla, pela Orquestra Nacional de España, dirigida por Rafael Frühbeck de Burgos, e com Victoria de los Angeles no papel de Salud, leio-lhes uns versos da seguidilha, que são, como todo esse drama musicado por Falla, de Carlos Fernández Shaw: "Flor que nace con el alba / se muere al morir el dia. / Que felices son las flores,/ que apenas puen enterarse, / de lo mala que es la vía! / Un pájaro, solo y triste, /  vino a morir en mi puerta; / cayó y se murió en seguía. / Pa vivir tan triste y solo / mas le vale haberse muerto!" Enquanto as damas escutam, em concentrado arrebatamento, calado vou pensando no meu próximo passo, numa ponte para um tema japonês. E surge-me a "Glover Mansion", em Nagasaki, que se celebra como sítio do amor letal de Cio-Cio San por Pinkerton, na "Madama Butterfly" do Puccini: "mutatis mutandis" (a localização e uns pormenores) está ali o tema de "La Vida Breve". Que é, penso eu, mais do que o do amor humano " traído", o da perplexidade enquanto incredibilidade onde a esperança morre. Porque, afinal, nem Salud nem Cio-Cio morrem, muito embora partam deste mundo. Permanecem na memória de muitos corações e testemunham o desengano, essa pena terrível. Será isso o inferno: não haver esperança? As madamas da sala lembram-se logo da "Madame Chrysanthème" do Pierre Lotti, que também inspirou outra ópera: a "Lakmé" do Delibes. Uma das senhoras, todavia, alvitra que o fogo inicial da japonesa abandonada se acendera já no século XVI, por um português marinheiro... A ária mais conhecida da "Butterfly" - e quiçá a mais bonita - é um canto de esperança que lhe sai do fundo da alma: "Un bel di vedremo / levarsi un fil di fumo / sul estremo confin del mare. / E poi la nave appare - poi la nave bianca / entra nel porto, romba / il suo saluto. Vedi? / È venuto!" Aproveito a emoção inesperada daquelas senhoras instaladas em vidas onde o amor, muitas vezes, é um episódio passageiro ou uma convenção, para lhes falar de uma perspetiva escatológica, que lhes é culturalmente estranha: o amor humano, porque gerador e portador de esperança, é uma promessa. E promessa é compromisso. Para um cristão, adianto, é um sacramento, um sinal do que se há-de cumprir um dia. "Un bel di vedremo...". Com tanta conversa e música, esqueci o tempo e esse jeito de as mulheres japonesas levarem a água ao seu moinho. Ficou combinado voltar e falar-lhes do nome que se diz ou não deve dizer: de Turandot e de Lohengrin. Depois te contarei. Vou agora escrever ao nosso Camilo Português: penso dar-lhe conselhos, mas afinal desabafo-lhe inquietações. Envelheço.


Adeus Princesa!"


A carta que Camilo Maria me escreveu e aqui refere manifesta a sua preocupação com a deterioração da consciência ética no governo das sociedades ocidentais. Publicá-la-ei, apesar de lhe sentir algum cansaço, que nem a ironia com que sempre nos fazia rir consegue disfarçar.


Camilo Martins de Oliveira


Obs: Reposição de texto publicado em 07.06.13 neste blogue

 

ANTOLOGIA

  


PROCURA DE HARMONIA…
por Camilo Martins de Oliveira


Minha Princesa de mim:


Onde li eu, sobre a música de Haydn, que nela nascia a harmonia, não de receita, mas como procura? Ou fui eu que o disse ou alguém o terá dito por mim... Ocorre-me agora essa reflexão, quando silenciosamente contemplo este jardim japonês. Voltei a Kyoto, a Primavera vai-se alongando, as pétalas de "sakura" vão-se espreguiçando pelo ar, como se dissessem "é tarde!", efémeras traviatas dançando ao sopro musical de brisas que as afagam e logo apagam, varrendo o chão em que adormecem. Este ano, a Primavera das cores teima e atrasa a vinda das chuvas que anunciam o Verão verde e húmido, respirando a terra... Hei de ir a Horiyuji, ao templo da cor escura do tempo, feito de madeiras milenárias, firmado no cinzento negro das lajes, levantado entre o verde poderoso da natureza que transpira para o céu a humildade dos homens... Pois é de humildade feita a harmonia das artes nipónicas. Da tigela de barro do artesão ao gesto caligráfico do erudito, procura-se, humildemente, essa respiração por dentro da natureza, em que o tempo de cada gesto seja, na alma, o tempo eterno do mundo. Circular, incessantemente retornando, ao ritmo das estações que obedecem aos astros, e levam a vida na morte e trazem a morte na vida. O que, para nós, é um destino escatologicamente realizável é, para eles, a repetição tentativa da harmonia inicial das coisas. A harmonia que se procura não é ordem, é a da coexistência necessária (diríamos nós: de tudo em todos) das forças díspares, e até antagónicas, que sustentam e constroem, de um caos que desconhecemos, um universo que ainda não vemos em plenitude. Reconheço que, ao dizer-te isso, me afasto da minha meditação japonesa e tenho a alma cheia da visão de uma missa sobre o mundo, da escatologia cosmo-genética de Teilhard de Chardin. Mas volto os olhos para este "meu" jardim japonês: é do estilo "Tsukiyama", uma espécie de microcosmo cultivado e arranjado, à volta e sobre um manto de água, como se fosse um mar semeado de ilhas, correntes e bosques. Poderia ser um "Karensansui", calvo e seco, em que a água se representa por pedrinhas ou areias penteadas em ondas, como nos jardins "Zen"... Assim também, na elaborada cerimónia do chá, a razão da natureza ensina a humildade. Não só pela porta de entrada na "chashitsu" (a sala da cerimónia do chá), chamada "nijiriguchi", com apenas 67 cm de altura e 60 de largura, de forma a impedir o ingresso de armas, armaduras e vestidos de espavento... nem porque se deixa o calçado lá fora. Mas porque ali se procura o ideal estético do "wabé", como despojamento "zen", simples e calmo. Ora este também se traduzirá na beleza, limpa de adornos, dos utensílios que servem uma cerimónia litúrgica que aliás, dizem, o grande mestre Sen no Rikyu, foi buscar aos ritos dos jesuítas portugueses no século XVI. A "chawan" (tijela ou chávena,sem asas nem pegas) é objeto de apreço, antes de muitas se term tornado objecto de preço. Ao rodá-la e mirá-la nas nossas mãos, antes e depois de a levar à boca, contemplamos a natureza que ela encerra nos quatro elementos que a conjugaram (ar, fogo, terra e água) e aqui nos serve o chá em sinal de igualdade e partilha entre os homens. Na "chashitsu", durante o "sadô" ou "cha no yu" (a cerimónia do chá) somos todos iguais e estamos em harmonia com a natureza. Há ainda, nessa comunhão natural (quiçá telúrica até, em país de vulcões, terramotos e outras erosões)  - que é um esteio tão vivo na tradição da cultura japonesa, mesmo em tempos modernos de motores e eletrónica  -  outros aspetos do pensamento e sensibilidade das gentes que se revelam pela visão estética: a economia de desenho e materiais na construção de utensílios, móveis e edifícios, por exemplo: o "design" japonês já no tempo medievo preconizava, com elegância fina e forte intuição abstrativa, o que, entre nós, seria, já no século XX "art-déco" e abstracionismo. Tal como, na viragem do século XIX para o nosso, os desenhos florais japoneses, nas artes decorativas, influenciaram as nossas "artes novas", e as gravuras japonesas os nossos cartazes. Mas o que, para o europeu, seria, quase sempre, um artifício, era, para o japonês, a estética enquanto sensação, sentido, percebimento, comunhão da natureza. Estética não é só, acho eu, a conceção da harmonia de um objeto ou superfície material, ou de um seguimento de sons... de acordo com leis que concebemos com a intenção de organizar ou reformar a natureza que se reproduz ou copia. A emoção estética - e afinal será isso que a arte procura - é, antes de tudo mais, o ato de contemplação, do artista, do artesão que, pela obra que a materializa, se comunica. Esteta, no seu grego de origem, é o que sente, o que percebe. Será, pois, o que está do lado inicial - que ele não começou - ou do lado final - que não se esgota aí  -  duma comunicação. Que é partilha. O artista que se exprime, no fundo se si, quer partilhar. Um percurso pela história da arte europeia, ajudar-nos-ia a entender o processo genético daquilo a que atualmente chamamos a liberdade de expressão artística. Receio que estejamos a enveredar por um processo autista, como se os "círculos de artistas" entrassem num remoinho. "Mutatis mutandis", lembra-me a decadência escolástica da nossa filosofia medieval ou o especiosismo maneirista no tratamento de tantos temas pela oficialidade católica... A "fuga para a frente" é, muitas vezes, o enrodilhar-se sobre si. Essas "descobertas", em sucessivas efemérides, de compositores e artistas plásticos contemporâneos, já não têm os pés no chão da natureza e dos homens, tal como certos pietismos e pretensões doutrinais da Igreja já não têm assento nas almas. Se eu chegasse ao fim deste século XX, talvez ainda visse o esplendor do barroco e da renascença nas salas de concertos, como sacramento da natureza num mundo de ruído automóvel e industrial, de poluição eletrónica, sonora e visual. Pois é sempre paradoxal a condição humana: como poderia eu discernir por aí o triunfo da vulgaridade na cultura das massas, se por aí também não encontrasse os contempladores de deuses?" Há, entre muitas outras cartas do Marquês de Sarolea à Princesa de... (isto lembra-me o título de um filme de que o João Bénard da Costa gostava muito: "Madame de..." não era?) uma, sobretudo, por onde deambula, através do Japão, um prazer estético incontido...


Camilo Martins de Oliveira


Obs: Reposição de texto publicado em 24.05.13 neste blogue

REVOLUÇÕES XENAKIS


“Quando procurávamos um título, pensei que ‘revolucionário’ lhe ficava bem, em muitos domínios diferentes. Por isso, achámos que plural era mais forte” – afirma Mâkhi Xenakis, filha do poliédrico artista cujo centenário assinalamos – Iannis Xenakis, músico e pensador… E a palavra Revoluções surge num sentido próprio, como encontramos na matemática, na astronomia, na sociedade e na essência da Arte. Xenakis procurou durante toda a vida algo de novo, que permitisse conhecer melhor a vida – daí a paixão pelo elo fecundo entre Arte e Ciência. Deste modo, encontramos na Exposição que se encontra na Fundação Gulbenkian o inventor, o investigador, o músico, o engenheiro, o arquiteto e o pesquisador informático avant la lettre. No início da vida, há a forte presença da mãe, pianista dotada, e a música ficou na criança como memória e ânsia de perfeição. Depois, Iannis vai estudar para Spetses, ilha do mar Egeu, numa escola politécnica, pelo gosto da física e da matemática e o desejo de ser arquiteto e engenheiro. Em 1940, no início da guerra, participa nos levantamentos populares em Atenas e junta-se à Frente de Libertação Nacional. Depois da vitória dos aliados, participa na guerra civil, no movimento estudantil comunista. É desse tempo a explosão de que é vítima e que marcará o seu rosto para a vida inteira. Em 1947 forma-se em Engenharia Civil, mas dedica-se sobretudo ao estudo das relações entre os domínios científico e artístico. Será perseguido e condenado à morte na Grécia, exilando-se em Paris durante 27 anos, até 1974. No ateliê de Le Corbusier procura contribuir com a sua experiência de engenheiro, nos cálculos de resistências, mas sobretudo toma consciência da multiplicidade de fatores presentes, como no projeto do Convento de La Tourette, em Lyon ou no Pavilhão Philips na Exposição Universal de Bruxelas de 1958.    


A inovação corresponde a um processo semelhante para o cientista e o artista: cerebral, neuronal e sináptico (como ensinou Rita Levi-Montalcini). O conceito de “massas sonoras” envolve o meio, como o som das balas, os gritos, os silêncios e a guerra. Arte e vida são inseparáveis na compreensão da complexidade. Os interesses múltiplos correspondem à necessidade de atenção e cuidado. E a filosofia da antiguidade clássica, com os seus ensinamentos, está sempre presente na busca da compreensão do mundo e da natureza. “A música sempre foi, e continua a ser, simultaneamente som e número, acústica e matemática e é nisso que se baseia a sua universalidade”.


Madalena Perdigão foi uma entusiasta de Iannis Xenakis, confirmando o extraordinário papel que teve na abertura de horizontes na criação artística e na cultura, graças à sua rara sensibilidade. Em 1967, Claude Samuel pede apoio para Xenakis para a participação no Festival Internacional de Royan. Madalena concordou e iniciou-se uma longa ligação entre a Gulbenkian e Xenakis, no serviço de música, no CAM e no ACARTE. Em conversas com José de Azeredo Perdigão e sua mulher, Messiaen nunca escondera a admiração profunda por Xenakis, pelo seu talento e pelo entendimento de uma nova visão das Humanidades, na interceção entre o conhecimento científico e técnico, a música, o pensamento e a poesia. A originalidade de Xenakis chega à escrita da música e à sua apresentação. As massas sonoras motivam-no e mobilizam-no: a chuva, o granizo, as cigarras, as aves. Há uma globalidade em movimento – música visual, arquitetura sonora. “Pôr o som no espaço e pensar arquitetura e música como irmãs”. E agora, Mâkhi Xenakis e Thierry Maniguet conceberam uma extraordinária surpresa sonora e visual para os visitantes da exposição, criada e pensada a partir dos politopos (vários lugares). São minutos de movimento e êxtase e compreendemos a essência da obra como novo modo de cultivar a Arte como verdadeiro diálogo criador com a natureza, a humanidade, a ciência e a técnica.


GOM

ANTOLOGIA


RECORDAÇÕES MUSICAIS E UMA PRINCESA…
por Camilo Martins de Oliveira


Três edições discográficas recentes e um livro que recebi ainda com cheiro a tinta trazem-me à memória uma pessoa querida de mim, logo direi quem. Os discos são recordações de géneros musicais (e não só) diferentes (graças a Deus!): um, que me chegou de Londres, dá pelo título de "18th-century Portuguese Love Songs"; o segundo reúne várias gravações de música do séc. XVI sob o tema do "Elogio da Loucura" de Erasmus van Rotterdam; o terceiro é uma interessante e sentida achega ao fado, não só enquanto expressão musical, mas como tradição de sensibilidades culturais e seu encontro. Também já veremos como. A pessoa recordada por mim foi - e é-me - muito próxima: pelo seu nome (incompleto) de batismo era meu homónimo: Camilo Maria, 15º marquês de Sarolea, nascido em 1900 e falecido em 1979. Confiou-me um perturbante espólio de cartas e apontamentos vários, alguns dos quais se referem às obras ou temas que acima invoquei. Os textos respetivos foram redigidos em várias línguas: francês, alemão, algum inglês, castelhano, italiano e português. Por vezes recheados de citações e trechos em latim e grego. Confesso que, muitas vezes, me inspirei neles para o que, ao sabor do gosto de dizer ou da necessidade íntima de fazê-lo, eu mesmo escrevi autenticamente meu. Hesitei em rever essa herança interior, por receio ao espelho. E mais ainda receei manifestá-lo, porque o pudor deverá ser discreto. Mas nem sempre resistimos à tentação de comunicar o que temos por indizível. Ao escrever estas linhas (quantas serão?), move-me um como reconhecimento da brevidade da vida, e o assentimento de que há um coração dos homens cuja idade não sabemos, talvez por ser na eternidade. Numa carta escrita a uma princesa que não ouso identificar, Camilo Maria cita estes versos de "modinhas" portuguesas de fins de setecentos ou princípio de oitocentos, as tais de que William Beckford dizia que "os que nunca as escutaram nunca conhecerão a música mais voluptuosa e feiticeira que existiu desde os Sibaritas. "Foi por mim, foi pela sorte /minha desgraça tecida/sou, ó céus, bem desgraçada / nem morro nem tenho vida!" Ou ainda: "Amor vem manso, mansinho, / no coração habitar. / E depois de estar de dentro, quer só ele as regras dar... / Ai amor, amor, amor / vocês zombam com amor / e não é para zombar..." Vêm as citações na sequência de uma referência circunstancial: "Achei-te triste e fechada esta manhã, eu que te estava (e estou!) tão grato por me teres visitado. Talvez depois da tua partida, pela tarde, o dia entristeceu e se fechou. Mas rezo e penso que as nuvens tão baixas nos trazem para perto o céu... e que esta chuva miudinha vai encharcando os campos de frutas e flores, de sombras futuras e benignas, e de cores, tantas cores, que ainda não vemos! Tudo afinal se cria no escuro silencioso do mistério, nesta promessa ininteligível do Deus que esperamos... É bom contemplar, neste despojamento húmido e incolor do inverno, o Ser que é e está além das aparências. Na saudade, que se exprime sempre em português, estás comigo, dou-te a mão e olho. E o que vejo é uma paisagem que se despe com um misterioso pudor, lento e manso, verde, amarelo, castanho, cinzento, melancólico e frio... tão cheio da graça que emprenha a terra e nos torna sublimes de esperança! Bem hajas!" Nenhuma correspondência entre Sarolea e a Princesa (de …)  é datada. Tampouco achei nela indicação de lugar ou destino. Mesmo a simples alusão a efemérides ou a tempos circunstanciais não me permitem datá-la ou localizá-la. Como se tudo se situasse fora do tempo e do espaço. Ou como se a atualidade de coisas passadas reclamasse a constância de algum modo de ser... Talvez o ser tenha, para além do ser-se, uma consistência própria. Uma densidade ignota, entre a gravidade e a graça, na alma de cada ser humano. Somos, como diz Ortega y Gasset, que tanto gosto de citar, trânsfugas da natureza... Mas seremos também, acredito, trânsfugas de nós mesmos. Há um qualquer território da nossa alma, dessa parte de nós que inconscientemente, por vezes, definimos arriscando dizer "sou eu mas não sei explicar"... há, em cada um de nós, esse território ou terra de ninguém. Onde Jacob lutará com o anjo. Ou onde, talvez, infelizmente, já não haja luta alguma. A ideia da condição humana como batalha, o desgosto do mundo a par da insatisfação com o silêncio de Deus, tudo isto marca a pessoa e os escritos de Camilo Maria que tantas vezes usava uma tradução italiana dum seu apelido alemão, apresentando-se como Vecchio Borgo. Veremos, se for eu capaz de os traduzir, outros passos de textos em que ele quis dizer um percurso espiritual que, todavia, para quem o conheceu "em sociedade", era insuspeitado. Estava simplesmente no lado de lá, no lado do silêncio. Transcrevo, de uma das cartas (de amor?) que sou tentado a revelar, este trecho: "Alheio, mudo, indiferente,/ nos leva o tempo o momento,/ o dia, a hora, a vida toda.../ na roda desse vento acordamos e sabemos/ a manhã que já foi ou já se irá embora!/ Peregrinos hoje e sempre.../ Em qualquer hora!


Camilo Martins de Oliveira

 

Obs: Reposição de texto publicado em 25.01.13 neste blogue.

ANTOLOGIA

  


RECORDANDO MOZART
por Camilo Martins de Oliveira


A Maçonaria, como muitas outras instituições, também tem os seus mitos fundadores: neste caso, teria sido fundada por Hiram, o arquiteto do templo de Salomão, em Jerusalém. Ou, ainda, ascende à criação do mundo pelo próprio Grande Arquiteto, momento fixado, num calendário maçónico, em 4 mil anos antes de Cristo... Mais prosaicamente, as ordens que hoje incluímos na designação genérica de Maçonaria, resultam da transformação, na Inglaterra do princípio do século XVIII, de corporações de pedreiros, que até aí existiam para defesa de um ofício e da classe que o exercia, em centros de reflexão filosófica orientada pela procura do aperfeiçoamento dos indivíduos e das sociedades, em conformidade com valores próprios do Iluminismo: autonomia das pessoas e do pensamento, racionalismo, solidariedade e universalismo. A iniciação na nova ordem não obrigava à renúncia da fé religiosa de cada um, nem à contestação da tradição eclesial ou da legitimidade do poder político, desde que fosse aceite o preceito de que aqueles não eram nem podiam ser isentos de crítica racional... A esse sentido junta-se uma oportunidade de promoção social que - num ambiente político e convencional diferente, em que as próprias instituições eclesiásticas se deviam sujeitar ao poder do príncipe "iluminado" - servia também as ambições dos músicos (Haydn e Mozart, p. exemplo), por vezes cansados do tratamento que lhes impunham os seus senhores temporais, fossem estes príncipes da Igreja (como Colloredo) ou seculares (como os Esterhazy). A adesão à Maçonaria, tal como a submissão ao novo poder imperial, traduzem sobretudo o desejo, e a cautela, de se manterem na crista da onda, mais livres como homens e como artistas, e poderem privar com uma elite de patrocinadores que já não corresponde ao padrão do senhor feudal que os tratava como lacaios... Mas não duvidemos da sinceridade e do entusiasmo de Mozart quanto aos ideais de racionalidade, liberdade e fraternidade com que a Maçonaria lhe acena: testemunham-no vários passos da sua correspondência familiar. E, ainda, os hinos ou cânticos escritos para várias solenidades ou efemérides maçónicas. Há um sentimento de emancipação que se contrapõe ao "jugo" do arcebispo Colloredo de Salzburg e à lembrança das vezes em que este terá humilhado e magoado o genial compositor que tinha ao seu serviço. É evidente que o reconhecimento da primazia da razão implica o da liberdade da consciência e, colateralmente, o da igualdade entre os homens e a afirmação da fraternidade como valor universal. Num tempo em que o absolutismo monárquico se afirmava e as igrejas cristãs, na esteira das lutas da Reforma e Contra-Reforma eram ferozmente apologéticas e afirmavam a sua autoridade sobre as consciências, tal reclamação da autonomia intrínseca aos seres racionais era, para muitos, fascinante. Aliás, já a própria evolução das corporações "operárias" para círculos mais especulativos contou com a presença influente de membros do clero, da nobreza e da alta burguesia que se pretendiam ou desejavam "esclarecidos". As designações das lojas maçónicas, como veremos acompanhando Mozart, são proclamações dos ideais acima apontados. Mozart, como Haydn e Leopoldo Mozart, iniciam-se na Maçonaria da Viena do imperador José II, quando esses ideais se manifestam com mais força na capital do império austríaco, em ascensão e expansão rápidas, mas finalmente breve. Se aquando da iniciação destes músicos praticamente no último dos 5 anos do apogeu das lojas vienenses, estas eram oito, em breve não seriam mais de duas, na sequência da determinação "Freimaurerpatent" de José II, com data de 11 de dezembro de 1785. O "despotismo iluminado", pressentindo a crise de que a Revolução Francesa seria a referência máxima, impunha a sua ordem. Com o encerramento de lojas como sua causa e efeito, as deserções aumentam: o próprio Ignaz von Born, Grão-Mestre da loja "Zur wahrer Eintracht" (da verdadeira concórdia), em que Haydn fora iniciado a 11 de fevereiro de 1785 (Mozart, nessa altura já com o grau de mestre na loja "Die Woltätigkeit" - o benfazer - assistiu à cerimónia) abandonará a ordem em 21 de agosto de 1786. A sociedade dos livre-pensadores e bem-pensantes vienenses que, ao abrigo do suposto liberalismo secular e crítico do imperador, se reunia e reconhecia nas lojas maçónicas, resignou-se. Os éditos imperiais visavam as lojas "deístas", mais fiéis à tradição britânica "newtoniana", como a "Zur wahren Eintracht", que muitos suspeitavam, ou mesmo acusavam, de materialismo e ateísmo, pelo que os respetivos membros não seriam nem verdadeiros católicos nem austríacos de verdade… A loja de Mozart, "Zur Wohltätigkeit", apesar da desconfiança dos seus relativamente ao que consideravam a hegemonia e autoritarismo da Igreja Romana sobre o pensamento e as consciências, apoiou as reformas de José II, vincando bem a sua fidelidade aos princípios e valores de um catolicismo "iluminado". O próprio Mozart compôs, em janeiro de 1786, dois hinos maçónicos ("Ihr unsre neue Leiter" e "Zerfliesset heut"), em celebração do encerramento da "Zur Wohltätigkeit" e da abertura da "Zur neugekrönte Hoffnung", resultante da fusão, conforme à determinação imperial, da loja em que fora iniciado com a "Zur gekrönte Hoffnung". A primeira é um apelo, no momento do encerramento, à colaboração de todos na continuidade da construção do edifício maçónico: "Vós que sois os nossos novos mestres/sede agradecidos também pela vossa fidelidade/guiai-nos constantemente pela senda da virtude/para que cada um se alegre com a cadeia/que o une a seres melhores/e lhe adoça o cálice da vida..." A segunda é claramente um aplauso às reformas josefinas: "Entregai-vos hoje, caros irmãos,/a arroubos de contentamento e cânticos de alegria/ porque a benevolência de José/ de novo nos coroou, a nós cujo peito/ arde de uma tripla chama,/ e coroou a nossa esperança..." Ambos estes cânticos foram escritos para solista (tenor),coro masculino e órgão, em jeito de cantata. Curiosamente, a música sacra composta por Mozart para celebrações litúrgicas católicas é bastante mais rica do que a maçónica: 19 missas (incluindo a de Requiem), vésperas, litanias, motetes e outras peças, além de muitas sonatas de igreja para órgão. Também as suas cartas testemunham, em vários passos a sua fé religiosa e crença firme na imortalidade da alma: "Dizes que não devo esquecer-me de que tenho uma alma imortal - escreve ele, em 1781 ,ao pai - e eu, não só me lembro disso como nisso firmemente acredito. Se assim não fosse, que diferença haveria entre os homens e os animais?". Homem do seu tempo, Wolfgang Amadeus não só não deixou de interrogar a sua fé, como deixou que esta interrogasse o tempo e o modo do mundo em que viveu... E neste a Maçonaria inspirava-se também do que alguém apelidou de "religio duplex", encontrando-lhe a presumível fonte na coexistência, no antigo Egipto, de uma religião exotérica (para todos) e outra esotérica (só para alguns iniciados). "A Flauta Mágica", pelo seu enredo e desfecho, como pelo recurso à evocação de divindades egípcias, é disso exemplo. Mas confrontado com a "reforma" josefina - que visou coartar o secretismo e a influência conspiratória que vocacionam organizações de "iniciados" - Mozart não hesitou em apoiá-la, por inspiração da sua fé católica.

 

Camilo Martins de Oliveira

Obs: Reposição de texto publicado em 18.01.13 neste blogue.

QUANDO SE CANTAVA ÓPERA NO PALÁCIO DE QUELUZ

  


Refere-se novamente a alternância entre teatros históricos, teatros românticos e neo-românticos, cineteatros e teatros contemporâneos, bem como a sequência de crónicas e evocações de edifícios de vocação de espetáculo e edifícios onde também se produziram espetáculos, mesmo que para tal não fossem especificamente concebidos e construídos.


E assim, nessa alternância de temas, descrições e evocações, citamos hoje um Palácio que constitui referencial histórico e arquitetónico de primeiro plano, e onde se produziram espetáculos de envolvimento cénico e musical.


Trata-se do Palácio de Queluz, não na globalidade histórica e monumental inerente, mas na realização, também na perspetiva histórica, de espetáculos cénicos, designadamente de componente musical. E evocamos três eventos dignos de registo.


Em primeiro lugar, a criação de um edifício de madeira, projeto do arquiteto Inácio de Oliveira Bernardes, onde a partir de 1790 se realizaram espetáculos de musica e teatro. De início foi episódica a sua atividade, e D. Maria I manda destruir o edifício, para se erguer no local o Pavilhão onde se instalou depois de enviuvar. Posteriormente, e durante largos anos, aí se alojaram figuras oficiais, designadamente Chefes de Estado estrangeiros em visita oficial.


Mas havia uma tradição de espetáculo que remonta a anos anteriores. E nesse sentido, e tal como já tivemos ocasião de escrever, ficou uma história no mínimo insólita, a do rei D. Miguel a interpretar o papel de D. Quixote na ópera de António José da Silva, com musica atribuída a António Teixeira.


Sabemos bem que se trata da primeira peça de António José da Silva, datada de 1733 com o nome de “Vida do Grande D. Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança”. E podemos acrescentar: o que até nós chegou da produção musical de António Teixeira (1703-1755?), hoje mais ou menos esquecido, permite-nos avaliar o que deverá ter sido o espetáculo.


Isto apesar de João de Freitas Branco não garantir a autoria da musica de cena do “D. Quixote”: mas refere-a em outros textos da António José.  


Certo é que a grande maioria das peças de António José da Silva foi executada com suporte musical de António Teixeira. Pode pois aceitar-se que também dele terá sido a música do “D. Quixote”, o que garantiria a qualidade!

 

DUARTE IVO CRUZ

Obs: Reposição de texto publicado em 05.01.19 neste blogue.

CARTAS DE CAMILO MARIA DE SAROLEA

 

Minha Princesa de mim: 


   Gabriel Fauré (1845-1924), compositor francês, foi mestre de capela na igreja da Madalena, em Paris. Gosto de o pensarsentir como um agnóstico de alma profundamente religiosa, e talvez seja no seu Requiem que ele assim tal qual mais se revela. Li algures - não me recordo de onde nem quando - a notícia de que essa obra foi executada pela primeira vez na própria igreja da Madalena, nas exéquias de um paroquiano. No final, o pároco perguntou a Fauré que peça era aquela, pois não a conhecia. O compositor respondeu que era uma missa de requiem sua, o que lhe valeu uma reprimenda e a injunção de não voltar a repeti-la ali, pois no acervo da Madalena já havia coisas dessas em número suficiente... Por outro lado, sei que a primeira intenção de Fauré foi comemorar a morte do pai, terminando a primeira versão da obra já para acompanhar a morte da mãe, dois anos mais tarde. Digo-te isto por sentir que a mansidão da música desta encomenda de almas se inspira muito na devoção de um amor filial. 


   É verdade que, como muito bem aponta Lionel Salter na apresentação do registo da peça na EMI (entre os Great Recordings of the Century), interpretada pela Orchestre de la Société des Concerts du Conservatoire e os Choeurs Elisabeth Brasseur, sob direção do belga André Cluytens, e com os solistas Victoria de los Angeles (soprano espanhola) e Dietrich Fischer Dieskau (barítono alemão), este Requiem se afasta muito dos modelos clássicos, de Mozart a Cherubini, da ênfase teatral do Requiem dramático de Verdi, em que o homem tremendo de terror fala, balbuciando, em morte eterna, e sobretudo da visão apocalíptica grandiosa de Berlioz, com as suas "fanfarras fulminantes"... O próprio Gabriel Fauré disse, em carta a um amigo, que o meu Requiem é tão meigo como eu. O meu Requiem... já alguém disse que ele não exprime o susto da morte, já lhe chamaram uma cantiga de embalar a morte. Mas é assim que sinto a morte: como feliz libertação, aspiração à felicidade do além, mais do que um trânsito doloroso. Compreendo Fauré:  todo ele, pensossinto eu, se exprime essencialmente nessa prece pelo descanso do coração na mão de Deus, na sua mão direita, como sonhou o nosso Antero, e que o breve Pie Jesu exprime: Pie Jesu, Domine, / dona eis requiem. / Pie Jesu, Domine, / dona eis requiem sempiternam. Escuto hoje esse sereno pedido de ternura («piedoso Jesus, Senhor, dá-lhes descanso, / misericordioso Jesus, Senhor, dá-lhes eterno descanso») na voz de Victoria de los Angeles e, já noutro registo, nas dos meninos do Choir of New College de Oxford, sob a direcção de Edward Higginbottom (ERATO). Na verdade, fui buscar ambos os discos, para me acompanharem na reflexão sobre a primeira das Cinq méditations sur la mort - autrement dit sur la vie, de François Cheng (Albin Michel, Paris, 2013). A morte, afinal, terá o mérito de – traduzo - nos levar a tomar consciência do que é, na essência, a noção de vida. Vem-nos ao espírito uma palavra que parece caracterizar essa noção: a palavra «devir». Sim, é isso a vida: algo que advém e que devém. Logo que vinda, entra em processo de devir. Sem devir, não haveria vida: a vida só é vida enquanto devir. A partir daí, compreendemos a importância do tempo. É no tempo que aquilo se passa. Ora, é precisamente a existência da morte que nos confere o tempo. Vida-tempo-morte: eis um todo indissociável, a não ser que seja morte-tempo-vida. Façamos os malabarismos que quisermos, não conseguiremos escapar a essas três entidades concomitantes e cúmplices, que determinam qualquer fenómeno vivo. Pois se o tempo nos parece um terrível devorador de vidas, ele é simultaneamente o seu grande fornecedor. Sujeitar-nos ao seu domínio é o preço que temos de pagar para entrar no processo do devir. Esse domínio manifesta-se por incessantes ciclos de nascimentos e de mortes; fixa a condição trágica do nosso destino, condição essa que também poderá ser fundação de uma certa grandeza. 


   
Nesse sentido, para o sino-francês François Cheng, refugiado em França aos vinte anos, sem saber uma palavra da língua local, hoje membro da Académie Française, poeta e pensador que respira uma espiritualidade alimentada de taoísmo e cristianismo (que descobriu, anos depois de chegar à Europa, em Assis, pelo exemplo da São Francisco), a morte corporal, que tanto nos angustia e assusta, pode revelar-se como a dimensão mais íntima, mais secreta, mais pessoal, da nossa existência. Pode ser esse núcleo de necessidade à volta do qual a vida se articula. Neste sentido, é mesmo revolucionário o Cântico das Criaturas de S. Francisco de Assis, que à morte corporal chama «nossa irmã». Abre-se-nos então uma mudança de perspetiva: em vez de encararmos a morte como um espantalho, a partir deste lado da vida, poderíamos encarar a vida a partir do outro lado, que é a nossa morte. Nessa postura, enquanto estivermos em vida, a nossa orientação e os nossos atos serão sempre impulsos para a vida. 


   
O mesmo Cheng conta, no seu opúsculo Assise - une rencontre inattendue (Albin Michel, Paris, 2014) como, em 1971, no momento em que se naturalizava francês, teve o privilégio de escolher um nome próprio: François. É certo que tal nome tem o condão de significar «francês», minha nova cidadania. Mas a razão mais determinante foi que, dez anos antes, em 1961, me tinha encontrado com o irmão universal que todo o Ocidente conhece, e no qual qualquer ser, mesmo vindo de longe, se pode reconhecer: Francisco de Assis. 


   
O autor deste encantador livrinho, Princesa de mim, que te aconselho a ler, fez questão em publicá-lo anexando-lhe o Laudato si´... esse canto franciscano das criaturas, que acaba assim: 


               Louvado sejas, meu Senhor,
               pela nossa irmã, a Morte corporal,
               a quem nenhum homem vivo pode escapar.
               Infelizes os que morrem
               em pecado mortal;
               felizes aqueles que ela surpreende
               a fazer a tua vontade,
               pois não lhes será ruim segunda morte.
 


               Louvai e bendizei o meu Senhor,
               dai-lhe graças
               e servi-o com toda a humildade!
 


   
Fiz esta tradução da versão francesa de François Cheng, por dele falarmos agora. Lembro-me todavia de já te ter enviado outra minha versão para português, essa diretamente feita do dialeto úmbrio original, em que foi composto o Laudes Creaturarum - ou Cantico di Frate Sole, assim chamado por virtude da 2ª estrofe (versos 5 a 9) - provavelmente em 1224-25, em São Damião (Assis), onde Cheng também se demorou, 736 anos depois. Para ilustrar o que se diz a seguir, deixo-te hoje, sem tradução, essa estância, como São Francisco a cantou: 


               Laudato sie, mi´Signore, cum tucte le tue creature,
               Spetialmente messor lo fratre sole,
               Lo qual´è iorno, et allumini noi per lui.
               Et ellu è bellu e radiante cum grande splendore:
               De te, Altissimo, porta significatione.
 


   
Pelos vistos, Princesa de mim, o nosso Sto. António não teria tido grande dificuldade em traduzir o seu português alfacinha para um dialeto italiano... Quiçá menos ainda em comungar nesse amor universal, divino, telúrico e humano. Já muitos autores observaram também como o texto franciscano «os laços que tece com a cultura latina, essa escrita ornamentada com rimas e assonâncias, poderosamente ritmadas pelo modelo dos salmos...» (Danielle Boillet) ou sublinharam, como Frédéric Ozanam (Les Poètes franciscains en Italie au treizième siècle, Paris 1882), o «valor humano e religioso deste texto». Traduzo: 


   O poema de São Francisco é bem curto, e todavia nele encontramos toda a sua alma: a sua fraterna amizade das criaturas; a caridade que guiava esse homem humilde e tímido através das querelas públicas; esse amor infinito que, depois de ter procurado Deus na natureza e de o ter servido na humanidade sofredora, a mais não aspirava do que a encontrar a morte. 
 


   
E é por este santo pobre de Deus que o intelectual, e também poeta, chinês, François Cheng verá em Jesus Cristo a Via (dao) do seu taoísmo de raízes milenares. A fechar esta carta, Princesa, traduzo-te um trecho significativo do Assise - une rencontre inattendue, onde, através dum chinês que escreve em francês também eu experimento um encontro meu que, louvado seja!, é sempre inesperado: 


   O que ele vê diz-lhe que, apesar de tudo, há sempre razão de louvor. E que outra coisa louvar, se não a própria Criação, com o esplendor do céu estrelado e a magnificência da terra fecunda, essa Criação que, certo dia, a partir do Nada, fez advir o Tudo? Ao louvar, vemos desenrolar-se todo o processo do advento, uma doação total, pela qual só podemos e devemos dizer o nosso reconhecimento. Ele reconhece o facto de que milagrosamente o Ser é, e de que graças a esse facto primeiro, ele mesmo, por minúsculo que seja, ele é. Ao louvar, mergulha totalmente no infinito, no Aberto. Sabe-se parte legítima de uma imensa aventura em devir, a da Vida, com tudo o que ela comporta de desafios e paixões, de dores e de alegrias, de corridas para o abismo e de elevação para a transcendência. Os sofrimentos de cada um e de todos só podem ser ultrapassados no abandono constante à marcha da Via, a única que não nos trairá. Por experiência, Francisco sabe que o que move a aventura da Vida não se limita à potência material, antes é o próprio amor. Por isso, depois de ter louvado as criaturas, cada uma enquanto dom único, ele distingue em particular o destino humano: «Louvado sejas tu, meu Senhor, pelos que perdoam por amor de ti; que suportam provações e doenças; felizes os que se mantêm em paz, pois que, por ti, ó Altíssimo, serão coroados!» 


   
Eis o que cantam os versos 23 a 26 do Laudes Creaturarum: 


               Laudato si´mi´Signore, per quelli ke perdonano per lo tuo amore
               Et sostengo infirmitate et tribulatione.
 


               Beati quelli ke´l sosterrano in pace,
               Ka da te, Altissimo, sirano incoronati.
 


   
Há muita vida, Princesa, para além da vanglória e do conforto, da desilusão e do pessimismo, de tudo o que afinal é esse individualismo tacanho que ensombra os nossos dias... 


Camilo Maria   

Camilo Martins de Oliveira


Obs: Reposição de texto publicado em 24.06.18 neste blogue.

NÃO POR RECEITA; MAS COMO PROCURA…


Haydn portrait by Ludwig Guttenbrunn      

  

Franz Joseph Haydn, quartetos e sinfonias, sonatas, "A Criação!" O equilíbrio em tudo, não por receita, mas como procura. Até nas admiráveis "Sete últimas palavras de Cristo na cruz"! Assim, ao som da música, nos balançamos entre a vida e a morte, o sofrimento e o perdão, entre o que julgamos saber e o que definitivamente ainda não conhecemos, entre a escassez e a plenitude. Tudo é graça neste concerto do ser que aspiramos com o estar que somos. Humano é desafiar o caos, o absurdo. Há sempre música na vida quando no silêncio encontramos a música inicial que nos harmoniza. Há sempre uma qualquer hora em que, em cada um de nós, se revela, tão intimamente que só cada um o pressente, esse mistério antigo que levou Antero a falar na "mão de Deus, na sua mão direita" ou Pessoa da "noite antiquíssima e idêntica...igual por dentro ao silêncio"... E fez o Eça exaltar os "regatos espertos" e outros assombros dos campos de Portugal que, ele mesmo, Zé Maria, de tão longe saboreou...


João Ameal não terá sido um historiador maior. Mas, há mais de meio século, deixou no prefácio à sua “História de Portugal” uma afirmação que nunca esqueci: "A História é a nossa vida antes de nós". Lembro-me de ter lido, por essa altura (teria já quinze anos?), da biblioteca da minha Mãe, um livro intitulado "Le Prestige du Passé", que me abriu os olhos para o facto de, no liceu, andar a estudar uma história que prestigiava o passado e enaltecia os nossos antepassados...


Todavia, hoje ainda, esse facto me não incomoda. Marcou um tempo da minha vida, tal como os movimentos culturais, com os seus conhecimentos científicos e técnicos, as suas ideologias e sistemas políticos e sociais, as suas religiões, como relação ao transcendente e aos outros (amigos e inimigos), marcaram o tempo das civilizações na história. Para mim, com maior ou menor prestígio, mais ou menos enaltecido, o passado que a investigação histórica nos vai revelando, desta ou daquela maneira, é sempre "a nossa vida antes de nós". Fui lendo com gosto as histórias da vida privada que, na senda de Georges Duby, tantos historiadores por esse mundo foram percorrendo; entre nós, ainda incipientemente e recentemente, com impulso de José Mattoso, Apesar da escassez de crónicas que registem o quotidiano com a ênfase que outras dão aos factos e feitos militares, políticos, científicos e religiosos, com a ajuda de alguns pormenores que vão surgindo, da arqueologia de sítios de habitação de objetos utensílios de uso comum, bem como das obras de arte e literárias ilustrativas de modos, hábitos e costumes, é possível ir imaginando e reconstruindo, com alguma fidelidade, atitudes e comportamentos, condições de vida, valores e organizações sociais.


Sobretudo, vamos entendendo como o engenho humano foi reagindo e resolvendo situações de abastança e de penúria, de saúde e de doença, na paz e na guerra, em períodos de fixação ou de migração. Desses afrontamentos se tiraram valores orientadores da vida de todos os dias, bem documentados no acervo dos nossos provérbios e ditados. Estes tantas vezes a merecerem o entendimento e a concordância de recém-chegados à nossa terra. Por vezes, através de pequenos ensaios monográficos, tenho-me aberto à perspetiva que junta o quotidiano à "Grande História": a narração de aventuras reais a partir de objetos representados numa pintura de outro tempo pode levar-nos à descoberta de mundos que um olhar, atento ao quotidiano que nos rodeia, encontra... Que prazer me deu ler, por exemplo, o "Vermeer´s Hat" de Timothy Brook!


A escrita e a leitura da História já não são, como na perspetiva romântica da afirmação das nacionalidades, uma exaltação do ego étnico, político ou popular, mitológico. É, sim, cada vez mais, a descoberta de um passado com feitos melhores e piores, com as suas contradições e as suas esperanças, a experiência dessa dialética da condição humana, onde nascem e se transmitem os valores em que nos reconhecemos. Também, o exercício contemporâneo da historiografia tem vindo a recorrer a fontes externas às propriamente nacionais, facultando-nos um entendimento de nós pelo olhar dos outros: Kirti Chauduri ou Sanjay Subramanyam e outros ajudam-nos a compreender melhor situações e figuras históricas que julgávamos só nossas, mas que são mais universais e complexas. Maiores por isso. A chegada dos portugueses à India, que já existia e se agitava quando o Gama lá aportou, surge também, vista do outro lado, como um tecido de encontros, conflitos e alianças, fidelidades e traições, enganos e desenganos, afrontamentos e aculturações que foram construindo a casa-mundo que habitamos. Goa não existe sem Portugal e a Índia. Portugal não é inteiro sem Goa. E quanto, quanto, da Índia só em Goa se revela? 

  

Camilo Martins de Oliveira 

A MÚSICA ENTRE MUITAS ROTAS

 

Num texto introdutório a "S. Francisco Xavier - A Rota do Oriente", produzido por Jordi Savall, escreveu Rui Vieira Néry: "Como reagiram todas essas diferentes culturas ao impacto da música ocidental, e como reagiram os músicos peninsulares aos sons desconhecidos das tradições locais? As vihuelas e as guitarras que iam a bordo estabeleceram contacto com outros instrumentos de corda dedilhada como o sarod indiano ou a biwa japonesa. Os tambores europeus encontraram-se com a ampla gama de virtuosísticas percussões africanas e a sofisticada tradição da tabla indiana. A flauta e a flauta doce, que podem ter acompanhado facilmente os marinheiros peninsulares, descobriram a atmosfera poética do shakuhachi japonês." Que resultou daqui?” - continua Néry: "Eis o desafio deste disco: seguir os passos de Francisco Xavier e visitar os diversos mundos musicais que ele atravessou: canto e polifonia sacra, canções e danças populares da Península, o reportório profano cosmopolita dos principais centros urbanos europeus, os sons da música africana, indiana, japonesa e chinesa, assim como o entrelaçamento musical de tudo isso, na base de um diálogo entre músicos de diferentes tradições culturais."


No seu "Tratado em que se contêm muito sucinta e abreviadamente algumas contradições e diferenças de costumes entre a gente da Europa e esta província do Japão", o jesuíta Padre Luís Froes (séc.XVI) considera que a música japonesa "é a mais horrenda que se pode dar", mas também reconhece que "todos os nossos instrumentos lhes são insuaves e desgostosos"... Já o dominicano Frei Gaspar da Cruz, no seu "Tratado das cousas da China" que, publicado em Évora em 1570, é a primeira monografia sobre a China a ser impressa na Europa, escreve: "Os instrumentos que usam para tanger são umas violas como as nossas, ainda que não tão bem feitas, com as suas caravelhas para as temperarem, e há umas de feição de guitarras que são mais pequenas, e outras à feição de viola de arco que são menores. Usam também de doçairias e de rabecas, e de uma maneira de charamelas que quase arremedam as de nosso uso. Usam de uma maneira de cravos que têm muitas cordas de fio de latão; tangem-nos com as unhas que para isso criam; soam muito e fazem mui boa harmonia. Tangem muitas vezes muitos instrumentos juntos concertados em quatro vozes que fazem muito boa consonância." Um século depois da publicação do "Tratado" de Frei Gaspar, um jesuíta português, o Padre Tomás Pereira, era pessoa notável em Pequim, e muito estimado pelo imperador Kangxi. Um jesuíta belga, o Pe. Verbiest, escrevia em 1680: "Construímos um carrilhão numa torre da igreja e noutra colocámos um órgão fabricado com tubos de estanho conforme as regras da música. Todos querem visitá-lo e creio que, no Oriente inteiro, não há um de tamanha grandeza. Estas duas obras de arte, devidas à habilidade e engenho do Pe. Pereira, músico muito habilidoso, são de uma perfeição acabada"... E em 1735, o Pe. Du Halde escrevia: "A facilidade com que, por meio das notas, retemos uma ária logo à primeira audição, surpreendeu o falecido imperador Kangxi. No ano de 1679, mandou que viessem ao seu palácio os Padres Grimaldi e Pereira, para tocarem um órgão e um cravo que outrora lhe tinham oferecido. Saboreou as nossas árias da Europa e pareceu ter gosto nisso. Em seguida mandou que os seus músicos tocassem uma ária da China num dos seus instrumentos, e ele mesmo o tocou com muita graça. O Padre Pereira tomou nota da ária inteira enquanto os músicos a cantavam. Quando terminaram, o Padre repetiu-a sem falhar um tom, e como se há muito já conhecesse. O Imperador ficou muito surpreendido, custou-lhe a crer. Teceu grandes louvores à precisão, à beleza e à facilidade da música da Europa. Admirou sobretudo como o Padre em tão curto tempo aprendera uma ária que tanto lhe havia custado a ele e aos seus músicos..."


Ocorrem-me duas reflexões: A primeira sobre o modo como, em tempos passados, de guerra conquista, ganância e exploração, sempre surgiram os que procuraram transmitir a ciência que tinham e também conhecer a dos outros. Houve, para além do proselitismo religioso, o desejo de dialogar: teriam esses missionários dos séculos XVI e XVII menos razões para crer, apesar da fé inabalável nas verdades da sua própria religião, na superioridade da sua cultura? Não seria, afinal, a vocação de comunicar mais forte do que a aparente necessidade de impor modelos? E, perante as sevícias impostas pelos senhores da guerra e do dinheiro a gentes estranhas, quantos missionários protestaram em defesa do valor divino do humano... A segunda sobre o valor universal e redentor da música: o "Quarteto para o fim do tempo", que Messiaen compôs em 1940 num campo de prisioneiros de guerra, onde foi estreado em instrumentos de fortuna, e que é ainda hoje tocado por violino, clarinete, violoncelo e piano, é um exemplo superior da arte do compositor francês; ou o concerto para a mão esquerda, que Ravel escreveu para o pianista austríaco Wittgenstein que, amputado da mão direita, o tocou em Viena em 1931; ou Lorin Maazel a dirigir a New York Philarmonic na Coreia do Norte; ou o concerto dado em Ramalah pela orquestra Divan, composta por palestinianos e israelitas, dirigida por Daniel Barenboim... Em 1975, José António Abreu, um luso-descendente, jesuíta, famoso professor de música e economia, ensaiou com jovens de bairros da lata da Venezuela, o primeiro concerto de uma nova orquestra, numa garagem abandonada de Caracas. Hoje, 370 mil crianças pobres da Venezuela já aprendem, tocam e ensinam música... Entre elas, já nasceram "estrelas" como a Orquestra Simon Bolivar e o seu maestro Gustavo Dudamel, que atuam nas mais afamadas salas do mundo!


A fechar este passeio por memórias, lembro a minha emoção quando, há 20 anos(?), vivi o silêncio de inúmeros japoneses que, no Suntory Hall, em Tóquio, escutavam Maria João Pires tocar Mozart, ou sinto ainda Carlos Paredes em Nova Iorque e Osaka, Fernando Alvim com Mário Pacheco ou Zina Torre do Valle em Tokyo e Seul. E nunca esquecerei o Coro Gregoriano de Lisboa, com a saudosa maestrina Maria Helena Pires de Matos, em Kobe, no bairro mais devastado pelo terramoto de 1995, e também num cântico pela paz, com monges da ordem Shingon, no mosteiro budista de Tere Dera... Tal como sempre guardarei no coração esse ceguinho desconhecido que tangia uma guitarra, na rua do Salitre, debaixo das janelas das salas de aula do Colégio de Clenardo». 


Camilo Martins de Oliveira

 

Obs: Reposição de texto publicado em 10.08.2012 neste blogue.