Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Em Veneza, uma guia italiana, num português gostoso de ouvir, falava fluentemente, quase sem mácula.
Curioso, interpelei-a para saber onde aprendera e porquê. Foi em Itália, respondeu, por amor à música brasileira, que sempre amou, acrescentou.
Invocou, de seguida, as vozes e as canções de Gal Costa, Caetano Veloso, Chico Buarque, Maria Bethânia, Gilberto Gil, João Gilberto, Elis Regina, bem como Vinícius de Moraes, Tom Jobim e Toquinho. Quanto a Gal, elogiou “Aquarela do Brasil “, “Gabriela”. E “Sonho Meu” (com Bethânia).
Pressentia uma necessidade vital de aprender a língua portuguesa.
Queria comungar, em pleno, aquela música apelativa, melodiosa e sensual, que tanto sentia e, ao mesmo tempo, compreender o que era dito e cantado em português.
A sua intuição premonitória concretizou-se e sentia-se feliz.
O que se fortaleceu por saber um novo idioma que lhe possibilitava ser guia para falantes de língua portuguesa, em especial portugueses e brasileiros.
Anos antes, na Polónia, outra guia (polaca) aludira à música popular brasileira e à bossa nova para aprender português, onde incluiu Gal Costa.
Pequenas grandes coisas que nos ficam retidas na memória e nunca esquecem.
Com a morte de Gal (em 09.11.22), esta lembrança, guardada em arquivo, desfraldou-se e flutuou, exaltando e celebrando em gratidão o que fez pela língua portuguesa no mundo, contribuindo para o seu conhecimento e reconhecimento como idioma de cultura, pluricultural e global.
Entre nós, há mais de 40 anos, foi um sucesso, que permanece, “Modinha para Gabriela”, que cantou para a telenovela brasileira, “Gabriela, Cravo e Canela”, numa adaptação de um romance de Jorge Amado.
Sendo o seu nome de batismo Maria da Graça Costa Penna Burgos, houve discussão quanto ao seu nome artístico. Eis como se expressa Caetano Veloso:
“Desde Salvador, escrevíamos Maria da Graça nos cartazes e nos programas dos shows (…) e a chamávamos de Gracinha no dia-a-dia e, carinhosamente, de Gau. Havia e há milhares de Gaus na Bahia: é o apelido carinhoso de todas as Marias da Graça ou das Graça de lá. (…) Maria da Graça era apenas o (…) nome artístico (…). Na intimidade, nós a chamávamos de Gau.
À data, Guilherme Araújo, empresário e produtor de espetáculos, “(…) achava Maria da Graça inviável como nome de cantora. (…) era belo e nobre, mas sugeria uma antiga intérprete de fados portugueses, não poderia servir para uma cantora moderna, muito menos (…) para uma nova rainha do iê-iê-iê. Ele gostava de Gau. Nós também. (…) Mas havia dois problemas: (…) achava vulgar e “pobre” artista de nome único (para ele era indispensável um sobrenome (…) e Gau, (…), com u, parecia-lhe pesado e pouco feminino. Como em todo o Brasil Gal e Gau têm pronúncia idêntica, achámos praticamente indiferente que a grafia fosse a escolhida por ele (que se referia a uma cantora francesa chamada Francis Gal como exemplo) (…) Gal Penna? Gal Burgos? Guilherme, não sem razão, preferiu Gal Costa. Este era mais eufónico do que os outros dois. (…) eu não gostei. Gal, simplesmente, era a melhor solução. (…) Mas a própria Gal, de quem afinal devia ser a última palavra, aceitou o nome e ele funcionou muito bem com a imagem pop que se criou para ela” (Caetano Veloso, Verdade Tropical).
Ficou Gal Costa, uma baiana que veio da fábrica de talentos da Bahia pra cantar, contar, sambar, valer, morrer de alegria, na festa de rua, no samba de roda, na noite de lua, no canto do mar.
E há a canção “Meu nome é Gal”, onde reiteradamente o declara.
Uma confissão, não assumida, de ser “Gal, simplesmente”, como era querer do seu admirador e amigo Caetano?
A noite de 26 de abril foi a mais dolorosa desde o seu internamento com Covid 19.
E assim foi chegando o seu momento do tempo final do mundo. Que enfim, receba este nosso adeus, num até sempre!
Aldir, compositor, escritor, formado em Medicina, consagrou-se como “ourives do palavreado” por Dorival Caymmi. É também um dos compositores mais gravados por Elis Regina.
Em 2006 publicou o livro "Rua dos Artistas e transversais" pela chancela da Agir. Neste livro reuniram-se todas as suas inúmeras crónicas.
Aldir Blanc foi um homem à frente do seu tempo, corajoso, tudo denunciando, procurando ater-se ao significado da linguagem das ruas. Nunca viveu à sombra do medo de colocar o dedo nas feridas, mesmo sob condições muito adversas. Agora com as novas ameaças à democracia no país de Aldir Blanc, quando ele fez 70 anos disse, numa entrevista:
Eu vivo de adiantamentos, empréstimos e tal. Mas há muito canalha com casa em Búzios construída com os meus direitos de autor."
E noutra altura:
Quando uma escola de samba vence subvencionada pela mais antiga ditadura africana, o esquema todo está podre. Pode ser que a rua ajude, mas desconfio que não será fácil porque, como se viu recentemente em política, tudo é manipulado.
Amante do jazz, os seus favoritos, Duke Ellington, Coltrane e Mingus, nunca serão esquecidos nas horas de compor. Autor de tantos clássicos como “Mestre-sala dos Mares” ou “O Bêbado e o Equilibrista” Aldir está para sempre entre nós!
Aldir Blanc, verdadeiro património brasileiro, aos 73 anos, tem vivido num profundo e sabido desconforto material. Aldir, sempre tão lúcido, lembremos que o lema dele tem sido "colocar no mesmo barco realidade e poesia, rindo da própria agonia".
Lê-se que os seus amigos e familiares “fizeram uma vaquinha” para o ajudar nestes tempos de doença a fim de poder ser transferido para um outro hospital mais preparado para Covid 19. Solicitavam qualquer doação de qualquer quantia que junta a outra o pudessem ajudar.
Ouvi na TSF que há tempos, ele teria sublinhado deste modo, o facto de ter feito medicina e de se ter especializado em psiquiatria:
"Eu talvez tenha feito boa psiquiatria na época porque eu era, antes, músico, percussionista e letrista".
E se não como explicar a letra “Resposta ao Tempo” de Aldir Blanc?
"Resposta ao Tempo"
Batidas na porta da frente É o tempo Eu bebo um pouquinho pra ter Argumento Mas fico sem jeito, calado Ele ri Ele zomba do quanto eu chorei Porque sabe passar
E eu não sei
Num dia azul de verão sinto vento Há folhas no meu coração é o tempo Recordo um amor que eu perdi Ele ri Diz que somos iguais Se eu notei Pois não sabe ficar E eu também não sei
E gira em volta de mim Sussurra que apaga os caminhos Que amores terminam no escuro Sozinhos
Respondo que ele aprisiona Eu liberto Que ele adormece as paixões E eu desperto E o tempo se rói com inveja De mim Me vigia querendo aprender Como eu morro de amor Pra tentar reviver
No fundo é uma eterna criança Que não soube amadurecer Eu posso, ele não vai poder Me esquecer
“Resposta ao tempo”, um clássico, nunca não parou de atrair grandes vozes, como Milton Nascimento, Leila Pinheiro, Simone e Fafá de Belém.
E eis um mundo que muitos conhecem:
Um mundo mesmo
Cristovão Bastos / Chico Buarque / Paulo César Pinheiro / Paulinho da Viola / Abel Silva / Elton Medeiros
Edu Lobo ou Paulinho da Viola atrevo-me a dizer, que todos em força de espírito pediriam aos deuses que o apelo fosse até à sua cama de hospital e a canção fosse
Me Dá A Penúltima
Eu gosto quando alvorece Porque parece que está anoitecendo E gost quando anoitece,que só vendo Porque penso que alvorece E então parece que eu pude Mais uma vez,outra noite, Reviver a juventude (…)
Aldir, que contigo também aprendi o quanto sempre estive atraída por um ponto distante, íman à Bossa Nova também no Canecão.