Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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Três cientistas, dois homens e uma mulher, foram laureados com o prémio Nobel da Física de 2020, por provarem que os buracos negros existem.
Um buraco negro é tido como uma estrela morta, pode resultar do colapso de uma estrela maior que o sol, formando no espaço uma região tão compacta, que um corpo, lá caído, não tem modo de escapar do seu interior.
É uma superfície fechada aprisionada, sem retorno e sem luz, onde o espaço e o tempo ficam deformados, em que o tempo, como o conhecemos, para, não sendo suficientemente explicável pela teoria geral da relatividade de Einstein.
Para um observador, observando-o do exterior, um buraco é visto como negro porque nenhuma luz emite, nem a luz (a havê-la) consegue fugir do seu interior.
Há, por um lado, a sua singularidade interior desconhecida e, por outro, a sua observação exterior.
Se tem peso e ocupa espaço, é matéria, mas se nele o tempo cessa e não emite luz, provou-se que provoca efeitos, concluindo-se que no centro da Via Láctea há um buraco negro supermaciço, de quatro milhões de sóis, totalmente escuro e compacto, causa de incertezas: á volta do qual orbitam estrelas? Alimentando-as e produzindo matéria para produzir outros planetas, estrelas e galáxias? Transformando-as numa necrópole de estrelas mortas? Estrelas que morrem e não vão conseguir dar matéria para originarem outras estrelas, planetas e galáxias, gerando a morte fria do universo?
Presume-se que todas as galáxias têm um buraco negro no meio, girando tudo à volta do centro, como um carrossel cósmico.
A natureza está cheia de segredos escondidos, que escapam ao nosso modelo-padrão, à quantidade restrita de elementos que descrevemos e percecionamos.
Sabe-se que a colisão entre dois buracos negros maciços gerou a primeira prova de ondas gravitacionais, hoje tido como um fenómeno normal do universo.
Não podermos ter o prejulgamento ou a arrogância de que já conhecemos a história toda. De que apenas precisamos de confirmar a nossa, esta ou aquela teoria. Há tantas teorias que eram tidas como brilhantes, mas não confirmadas factualmente. Há que mudar de atitude, tendo presente que há um longo percurso entre o conhecimento e a experiência, entre a probabilidade de grandes descobertas e a garantia de que estejam garantidas.
A ciência pode investigar a natureza, mas é impossível tentar tornar compreensível o infinito.
Porque somos finitos e o infinito, por natureza, nos escapa.
Aceitando a incompletude, é assumir a incerteza que nos rodeia e a imperfeição que somos, sabendo antecipadamente que é humanamente utópico aceder a um saber completo quando olhamos para a terra e o céu.
Sabemos que o buraco e a sua matéria negra existem, que são necessários, mas desconhecemos a sua composição, inexistindo no modelo-padrão qualquer partícula que os possa descrever.
O QUADRADO NEGRO DE MALEVITCH
Em O Quadrado Negro sobre Fundo Branco (1913), de Malevitch, o branco e o negro, como cores, personificam a Terra no Universo, falando da vida e da morte, da luz e das trevas, esvoaçando o quadrado negro no espaço, não sujeito à força da gravidade, sinal de um cosmos ordenado ou de um buraco negro para o interior do qual foi sugada toda a matéria. E se é do branco que nascem as formas, o negro é um nada que representa o mundo inteiro, sendo do nada libertado, que vão nascer coisas. Também a linguagem artística, como expressão metafórica, quer ir mais além e ultrapassar toda a arte conhecida, num gradual avanço e permanente incerteza (ver texto nosso, neste blogue, As Artes e o Processo Criativo, VI - O Quadrado Negro de Malevitch).
Qualquer coisa imanente da natureza, da realidade, surge na representação figurativa deste Quadrado Negro sobre Fundo Branco, em paralelo com o/s buraco/s negro/s, numa antecipação metafórica da arte das descobertas atuais.
Se a incerteza e a imperfeição são claramente elementos da nossa substância, também o é a nossa debilidade, como o exemplifica a covid 19, um vírus que pode destruir qualquer pessoa na sua vida plena.
E se nós, humanos, somos frágeis e mortais, numa escala temporal de 80 a 90 ou 100 anos, planetas, estrelas, galáxias e buracos negros aparentam-se frágeis e podem desaparecer numa escala de milhares ou milhões de anos, indiciando-se partilharmos a mesma substância e mortalidade.
1. A linguagem artística é uma expressão metafórica. Nela é inviável isolar uma unidade, embora tenha havido tentativas. Há nela qualquer coisa que resiste nuclearmente, apesar de metafórica.
Também a obra de Malevitch, autor do suprematismo, sugere uma linguagem, numa busca permanente de uma linguagem abstrata, que nada devesse à luz natural do sol e afastando a representação de uma representação mimética.
Os quadros suprematistas são uma forma de pura abstração, um modelo não-descritivo de pintura, removendo todos os indícios visuais do mundo conhecido, palpável, material, visível, em benefício da suprema experiência não-objetiva e da pura sensação, passando as pessoas a racionalizá-los e esperando que a mente inconsciente do observador fizesse luz e magia, tentando descobrir-lhes um sentido.
O suprematismo era tão audacioso, que queria ir mais além e ultrapassar toda a arte abstrata conhecida. As telas abstratas de Kandinsky, por exemplo, estavam esgotadas e eram insuficientes, mesmo se impercetíveis e impressionassem pela beleza cromática e eruptiva que irrompia emotiva e espiritualmente à superfície da tela
Malevitch começa a partir do zero até ao abismo das formas. Afirma, a propósito da sua chegada à abstração geométrica: “Transformei-me no zero das formas e afastei-me das velharias da arte académica”.
O Quadrado Negro sobre Fundo Branco (1913) tornou-se um dos grandes momentos sísmicos da arte, tido como o exemplo mais radical do espírito iconoclasta das primeiras vanguardas históricas da pintura no século XX.
O seu autor pensou que as duas cores, personificando a Terra no Universo, falavam da vida e da morte, da luz e das trevas, flutuando o quadrado preto no espaço, não sujeito à força da gravidade, sinal de um cosmos ordenado ou de um buraco negro para o interior do qual foi sugada toda a matéria.
O fundo branco funde-se na parede branca onde pendurado o quadro, sem moldura, sem fronteiras e limites, dando-lhe maior sensação de infinidade.
À semelhança das telas suprematistas, apela a que seja visto de cima, do espaço, numa perspetiva aérea, sem peso e sem orientação, em que o espaço branco é uma espécie de moldura onde estão os objetos, sendo também um abismo e infinito branco.
O quadrado negro representa um nada que representa o mundo inteiro.
Malevitch não sabia nem compreendia o que era o quadrado negro, embora soubesse que não era pintura (porque abolia a pintura até então conhecida) e que também o era (inovadora e extremista). É daqui que nasce a linguagem suprematista, o primeiro movimento radical de abstração geométrica.
É necessário, assim, que o quadrado negro seja um elemento plástico, desaparecendo o seu peso e perdendo a sua profundidade, passando a ser visto de cima como um quadrado plano, que se pode multiplicar.
Mundo do nada libertado ou sem objeto, é o que Malevitch encontra no quadrado preto. Ao vir à superfície, o quadrado negro reverte-se.
Mas é do branco que nascem as formas.
O quadrado negro é uma sensação, uma força que nasce do processo de reversão, do processo de libertar o nada. É da força do nada, do nada libertado, que vão nascer coisas, novas formas. Libertar o nada significa que o branco é a plenitude absoluta, sem objeto, como o deserto é um corpo sem órgãos, o branco do abismo, do infinito.
2. Tudo parece simples, uma brincadeira, um abuso, um disparate, uma falta de respeito para com as pessoas, dado que todos nós conseguimos fazer um quadrado preto numa tela branca. Todos conseguimos pintar um quadrado negro num fundo branco! Qual a criatividade? Isto é arte? Que desperdício, dir-se-á. Se assim é, qual a razão para a obra de Malevitch ser impactante e duradoura, até aos nossos dias? Pela sua originalidade de pensamento, por certo, a que acresce a sua autenticidade, criatividade, imaginação e raridade inerente à linguagem artística, em que o criador tem de entrar na imanência, na intensificação imanente. Por exemplo, o quadrado inicial, como centro e núcleo central, pode intensificar-se alargando-o, estirando-o, plastificando-o, heteronomizando-o noutros. Ao que não é alheia a textura das tintas, a contextura ou união íntima das partes do todo, na sua composição e equilíbrio. No processo criativo saber ser sensível à depuração, unidade e equilíbrio do conjunto e das partes, composição, combinação e tessitura das tintas, tela e brilho, contraste e pureza das cores é imprescindível, numa imaginação criativa que acrescenta sempre algo em termos de informação, visualização e de diferenciação de uma nova ordem pictórica (ou outra), que pode transformar as referências culturais até então conhecidas.
A arte abstrata de Malevitch é tida como elegante, inteligente, moderna, diferenciada e sofisticada pelo seu despojamento, minimalismo e simplismo, retirando o que há a mais, reduzindo a paleta de cores, simplificando e priorizando a forma e concentrando-se na sua pureza. Daí imensos designers, até hoje, terem sido por ele influenciados, incluindo estilistas, sem esquecer tantos logotipos de empresas e instituições onde a marca da arte abstrata do suprematismo é visível. Como o é em consequências quotidianas de permanente experimentação materializadas numa imagética decorativa nas nossas casas, no nosso vestuário e design associado a novas tecnologias.
Goste-se, ou não, a pesquisa de uma linguagem pictórica autónoma feita por Malevitch foi decisiva para a pintura minimalista dos anos sessenta e setenta do século XX e o minimalismo em geral.
Com a sua austeridade, frugalidade e desnudamento, em oposição ao barroco, faz lembrar o despojamento linguístico atual, com reflexos na retórica e escrita, desde logo em termos de custos e de tempo, o que é defendido por muitos, corroborado pela dinâmica velocista da tecnologia.
De exigência e num confronto muito acima da média com o observador, numa aposta intelectual em que o artista fixa todas as regras com irreverência e sem subserviência, a arte de Malevitch, sem concessões, haveria de conduzir ao pontozero do Quadrado Branco sobre o fundo branco (1918).
Movimento artístico russo, criado por Malevitch por volta de 1913, teorizado em 1920 no seu tratado O Suprematismo, ou o mundo da minha representação. Permanece indissocialvelmente ligado ao nome do seu fundador, para quem a arte apenas deveria desenvolver uma sensibilidade plástica pura, privilegiando formas geométricas como o círculo, o quadrado, o triângulo, o retângulo, a cruz. Rejeitando o preexistente, opta por uma opção não-convencional ao não retratar o convencional e a vida real, expurgando a arte de contar uma história, examinando a cor e suas tonalidades, o peso e textura das tintas, o espaço, equilíbrio e movimento da composição.
Para o cidadão comum, sendo a arte uma linguagem visual, compete-lhe contar, descrever, relatar ou retratar, aludindo a qualquer coisa compreensível e visível, doando ao observador uma narrativa, nem que seja sob uma configuração ou alegoria de um simbolismo musical, como a própria arte abstrata de Kandinsky oferecia.
O não querer uma abordagem musical, espiritual, ou qualquer outra, da arte abstrata, excluindo qualquer noção de um tema, material ou imaterial, restringindo-se tão só aos aspetos técnicos e físicos de uma obra de arte e da sua relação com o universo, o cosmos, a terra, a vida e o infinito, exigia um corte radical com a tradição artística e reavaliar o papel da arte e expetativas dos seus destinatários, rumo a uma nova ordem mundial, revolucionária e de formas absolutas.
Procurando informação e inspiração, assimilando ideias, modos de pensar e estilo, muitos artistas russos viajaram por toda a Europa, pensando que cubistas, futuristas, Picasso e outros eram bastante ambiciosos, mas não o suficiente. Criaram o grupo de São Petersburgo. Queriam ser originais. Questionaram e tentaram ultrapassar os seus colegas do ocidente. Surge o suprematismo, com nomes como Lissitzky, Lyubov Popova e o empenho criativo de Malevitch, após ter participado nas experiências do cubo-futurismo. Uma forma de abstração pura, em que sobressaem os quadros suprematistas de Malevitch, em que quadrados, retângulos, círculos, triângulos de várias cores são bidimensionalmente e geometricamente dispersos e pintados num fundo branco, para que o observador pudesse fruir da supremacia da sensação pura inerente à não-objetividade. Expurgando a arte do objeto, dos elementos do mundo conhecido, o observador tentaria alcançar um significado, interpretando e racionalizando o quadro.
Se a arte abstrata de Kandinsky já tinha alcançado um patamar elevado no abstracionismo, que dizer da arte abstrata não-objetiva de Malevitch? Se as telas abstratas de Kandinsky, mesmo que incompreensíveis, eram um encanto visual para as pessoas, procurando analogias com o domínio das emoções, que dizer de um quadrado preto, numa tela branca, do Quadrado Preto, de Malevitch?
“A cor e a textura em pintura são fins em si”, rematava Malevitch.
No seu quadro Suprematismo, de 1915, no Stedelijk Museum Amsterdam, com um pequeno quadrado vermelho em cima de faixas retangulares amarelas e castanhas, linhas retas e essencialmente retângulos de várias cores e diferentes comprimentos e larguras num fundo branco, não há tema reconhecível. Mas o fundo branco aberto, comunicativo, expansivo, efusivo, quiçá lembrando o abismo ou o infinito, pode provocar no observador um sentimento cósmico ou um reflexo do movimento quotidiano e permanente do universo, da interação e rotação entre estrelas, astros, planetas, suspensos e em equilíbrio pela força da gravidade, de trajetória em órbita ou à conquista do infindo espaço, em paralelo e à semelhança da influência recíproca entre todos os seres (humanos ou não) no seu dia a dia. O mesmo emana da sua tela Suprematismo Dinâmico, de 1916, do Museum Ludwig, em Colónia. Para Malevitch é uma arte pura, em que a tinta de óleo dita a cor e a forma, através de um abstracionismo geométrico ou abstração geométrica.
Mas é com o Quadrado Negro/Preto sobre um fundo branco (1913), de que falarei em texto próximo, que Malevitch cria o primeiro projeto de reconhecimento das formas absolutas.