Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
O verdadeiro sentido do habitar - a cidade como projeto de vida coletiva, segundo Manuel Graça Dias.
‘Se uma cidade é o artefacto humano que mais nos pode surpreender (não só pela sua construção física, pelos segredos sempre redescobertos, pelos esconderijos que lentamente se amontoam, pela glória da luz subitamente amanhecendo tudo, mas também por ser um contentor de vidas, de actores, de outros homens iguais a nós e tão diferentes, um cenário que é suporte do movimento das pessoas que o habitam e que tantas vontades cumprem lado a lado, respeitando-se, fazendo-se cidadãos), as diferentes casas construídas, retratando diferentes épocas, necessidades e objetivos, são a matriz mesma dessa complexidade e surpresa que só a cidade nos consegue oferecer.’, Manuel Graça Dias em ‘Manual das Cidades’
No livro ‘Manual das Cidades’ (2006), Manuel Graça Dias define a cidade como sendo um território conformado para a possibilidade da vida em comum. A cidade é a única enorme estrutura construída, capaz de fazer com que pessoas diferentes compartilhem e dividam o mesmo espaço. E esse espaço é, por excelência, coletivo. Por isso, múltiplo e polivalente, ao permitir o equilíbrio e o respeito em relação às diferenças entre as pessoas e oferece a possibilidade e a liberdade das pessoas tentarem ser quem verdadeiramente gostariam de ser.
A cidade é um espaço que deve ser construído em conjunto - só assim poderá garantir a absorção de toda a complexidade da vida humana.
‘A cultura europeia contemporânea procura esse nivelamento, essa igualização forçada, esse auto-contentamento fácil, construindo disponíveis consumidores.’, Manuel Graça Dias em ‘Manual das Cidades’
Para Graça Dias, os modos sucessivamente mais individualistas de viver, que têm vindo a manifestar-se na sociedade contemporânea, põem em causa a vivência comunitária que a cidade propõe - por exemplo as feiras são substituídas pelos centros comerciais isolados, as ruas são substituídas pelas estradas, a habitação coletiva pela habitação familiar isolada. Porém Graça Dias defende que a cidade é, acima de tudo um projeto de vida coletiva. Sendo assim, o planeamento urbano deve tentar não anular a complexidade e a diversidade da vida - o acidente, o acaso, o imprevisto, a surpresa e o maravilhamento pressupõem a interpelação social.
‘A cidade verdadeira, o verdadeiro “espaço público”, é um território de grande de liberdade e de imprevisto, de alguma dureza às vezes, de contrastes (de clima e de cheiros), de confrontos entre raças e classes, géneros e idades.’, Manuel Graça Dias em ‘Manual das Cidades’
A sociedade contemporânea tenta simplesmente fazer da cidade um fenómeno de massificação, de homogeneização e de simplificação. Porém para Graça Dias, a cidade deve sim ter a capacidade de acrescentar algo ao ato solitário de viver. Deve determinar e limitar espaços que permitam estarmos rodeados uns dos outros.
Graça Dias esclarece também que o espaço da cidade, deve ser um espaço constantemente mutável e em permanente recuperação - para que pare de crescer para fora dos seus limites, de qualquer maneira e para que nunca pare de ser vivida e habitada (a cidade não é um parque temático só para peões e turistas).
A cidade é, acima de tudo, um fenómeno coletivo muito importante para o nosso desenvolvimento individual com as suas ligações espaciais infinitas - ao estarmos rodeados uns dos outros temos referências, somos confrontados com a diferença e isso possibilita-nos ver quem somos. A cidade desenhada deve sujeitar-nos constantemente a confrontos, a dificuldades, a contradições e por isso a aprendizagens.
‘Gosto de falar da vida nas (das) cidades. Da vida que ainda pode ser generosa, complexa, imprevista, caótica, múltipla e dos diversos obstáculos que a tolhem.’, Manuel Graça Dias em ‘Manual das Cidades’
Manuel Graça Dias e Egas José Vieira - o elogio à vida e o fascínio pela descoberta.
‘Nós queremos ser todos iguais perante a lei, temos essa vontade e construímos edifícios organizativos que o garantam. A democracia é, onde conseguimos chegar, no mundo ocidental, no sentido de garantir a todos igualdade - o acesso à cultura e a todos os bens, à vida digna, ao trabalho... Mas, sentimos cada vez mais que somos profundamente diferentes uns dos outros e que essa gestão da vontade de igualdade passa também pelo respeito pelas nossas diferenças. E eu acho, sinceramente, que a cidade consegue, desde há muito tempo reunir todas essas diferenças e geri-las com alguma facilidade.’, Manuel Graça Dias, 2006
Ao fazer como mais ninguém faz, Manuel Graça Dias e Egas José Vieira concretizam de modo irrepetível, nos seus projetos, um constante elogio à vida. A paixão pelas formas construídas e pela cidade, permite-lhes descobrir a beleza e a harmonia, onde se suporia apenas encontrar o caos, a desumanização, a velocidade, a máquina, o artificial, o escuro e o despedaçado.
Manuel Graça Dias e Egas José Vieira (MGD+EJV) formaram, desde 1985, o atelier ‘Contemporânea’. E desde muito cedo, os seus projetos se formulam sempre num lugar real e concreto. A exploração claramente expressiva, dos elementos formais e construtivos, advém da enorme importância que é dada à diferença e ao particular; à fluidez entre o interior e o exterior; aos desfasamentos subtis; e ao construir no construído.
MGD+EJV resgatam o gosto pela cidade - compacta e não dispersa, aberta e não fechada - com todas as suas características e atributos, como sendo a plataforma ideal para a vida do homem que gosta de se estabelecer em conjunto com os outros.
MGD+EJV, através dos seus projetos, fazem parecer que o mundo é fluído e todas as coisas se complementam. Talvez, por isso concebam uma arquitetura que se predispõe a ter um lugar concreto, que deseja pertencer a alguém e que anseia ser óbvia, acessível e inclusiva.
MGD+EJV olham o existente e a banalidade como um potencial. Introduzem a arquitetura como uma nova forma que valoriza a cultura urbana, o seu ritmo, a sua mudança e a sua artificialidade. Acreditam que arquitetura é uma oportunidade de recuperar, de emendar e de estimular novas relações com um território (que, idealmente, se quer sempre solidário e compartilhado).
‘Atravessar a pé uma enorme avenida larga, por uma ponte aérea, percorrer um túnel, mesmo que só de automóvel, ocupar o espaço com as pegadas de um viaduto terá (pode e deve ter) sempre que ser encontrado em estruturas que nos redimam desse esforço, desse incómodo, desses rasgões, dessas barreiras que o excesso dos modos individuais reclama e, tão desastrosamente a cidade contemporânea tem vindo a aceitar. Tentámos sempre associar um fator lúdico (de desperdício, de contemplação) a ações tão pequenas, tão pobres, tão redutoras; combatemo-las com o seu oposto.’, MGD+EJV, 2006
Os projetos de MGD+EJV desejam descodificar a arquitetura e as suas diversas camadas de complexidade. É uma arquitetura, obviamente planeada, desenhada, detalhada e refletida, mas que, por um lado, se relaciona com o seu tempo e com os lugares mais banais e que por outro lado, dá uma dimensão mais profunda ao existir do homem no espaço (nos recantos, na luz, na cor, nos volumes que sobressaiem).
A curiosidade, a descoberta pelo novo, pelo desconhecido, pelo inesperado e pelo inconstante advém de uma permanente insatisfação. MGD+EJV conseguem descobrir arquitetura em muita coisa que não é arquitetura e acreditam que o acontecimento/objeto mais banal se pode tornar de repente fascinante, com outras e várias leituras - porque tudo é passível de ser transformado e utilizado como referência e inspiração. E talvez por isso, MGD+EJV não produzam o espectável, as suas soluções saiem da norma e permitem o cruzamento de diversos temas, sensibilidades, assuntos, mas onde transparece também uma grande admiração pela arquitetura dos outros (as referências não precisam de ser propriamente eruditas).
O conhecimento, que permite a arquitetura de MGD+EJV, alcança-se em permanente diálogo com os outros e com as coisas construídas - numa tentativa de não cultivar o lugar comum, nem as ideias preconcebidas, colocando sempre em causa o pré-estabelecido. MGD+EJV criam por isso uma arquitetura para o quotidiano, que pode oferecer a possibilidade de transcendência, de exaltação, de emoção e até de provocação - a sua forma inclui tudo o que está à volta, numa adaptação constante a uma realidade concreta, usando aquilo que está ali, à mão.
Em texto recente, assinalámos a recuperação do Teatro Luís de Camões, hoje modernizado e designado Teatro LU.CA de Lisboa, segundo projeto e orientação dos arquitetos Manuel Graça Dias e Egas José Vieira.
E entretanto assinalou-se a morte de Manuel Graça Dias, ocorrida em 24 de março último.
O artigo constitui assim como uma homenagem a este grande arquiteto, que tão qualificadamente projetou e acompanhou a realização de diversas salas de espetáculo e demais edifícios de função artística e cultural.
Mas já referimos também outros edifícios de teatro e de cultura construídos segundo projeto de Manuel Graça Dias.
Além do Teatro LU.CA, analisamos aqui o Teatro Azul de Almada, inaugurado na temporada de 2005/6, notável na sua estrutura complexa, pela qualidade arquitetónica, pela modernidade mas também pela atividade artística que desde logo o marcou.
Tal como marcou, inclusive na denominação, o revestimento em mosaico cerâmico, de cor obviamente azul, o qual deu leveza ao edifício situado numa rua estreita e desnivelada, o que não facilita a atividade e até a implantação de uma sala de espetáculos.
Na descrição que aqui fizemos, e que agora em parte retomamos e desenvolvemos, realçou-se essa topografia desnivelada, a qual enquadra uma empena curva e cega até à cobertura, numa espécie de triângulo abaulado, que se prolonga até ao telhado.
Estes Teatros são pois projeto arquitetónico de Manuel Graça Dias, que aqui se evoca.
Mas em Almada a tradição de espetáculos e edifícios de espetáculo não fica por aqui. Vale a pena referir designadamente o Forum de Espetáculos que a Câmara Municipal denominou Forum Romeu Correia, projeto do arquiteto João Lucas da Silva, situado próximo do Teatro Azul.
E sem confundir ainda mais a análise dramatúrgica com a infraestrutura de espetáculo que obviamente lhe é estruturante, refira-se que esta homenagem a Romeu Correia é muito justa tanto no aspeto da dramaturgia em si, como nas raízes locais que expressa ou implicitamente se fazem sentir. E como noutro lado escrevemos, muitas peças são específicas da sua terra tanto num realismo nem sempre ortodoxo como em evocações e reconstituições de teatro popular, ou até de evocações históricas localizadas. (cfr. as referências que fizemos a Romeu Correia no subcapítulo “A Exceção de Romeu Correia” in “História do Teatro Português” - ed. Verbo 2001 e no subcapítulo “Almada – Um Teatro Azul” in “Teatros em Portugal – Espaços e Arquitetura” ed. Mediatexto 2008).
E se quisermos completar a referência a esta rede de instituições e salas tradicionais de Almada, poderemos citar a Sociedade Filarmónica Incrível Almadense, que foi fundada a 1 de outubro de 1848!...