Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
‘Aquela coisa que a Denise Scott-Brown também diz: ‘O caos é uma ordem não revelada.’ Essa é a atitude perante o mundo. É dizermos assim: ‘Não sei se isto é feio nem se é bonito, mas sei que com isto vou fazer qualquer coisa que a mim me interessa, com a qual me relaciono.’, Manuel Vicente em ‘Reescrever o Pós-Moderno. Sete entrevistas.’, de Jorge Figueira, 2006
Manuel Vicente (1934-2013) acreditava na possibilidade de poder dar vida a uma matéria inanimada através da criação. A arquitetura não é um mero objeto, é um constante diálogo, é uma extensão da relação do homem com o tempo e com o espaço. E por isso, a arquitetura, naturalmente implica o movimento do homem através da forma. E a arquitetura de Manuel Vicente abre o caminho do homem.
Arquitetura é assim, uma expressão formal de vida e que permite que a vida do homem que a usa, se cumpra. A forma deve transportar e dar vida, porque tudo o que é criado deve ajudar a preencher, a concretizar e a influenciar positivamente o homem.
Manuel Vicente manifesta um amor e um fascínio pela exuberância das formas mas concebe sempre uma arquitetura que se deixa apropriar – para ser estrutura e fundamento do homem, que deve sentir-se constantemente singular e único.
No Fai Chi Key (Macau, 1978-82) através de um sistema geométrico repetitivo, rígido e austero, Manuel Vicente desenha um bocado de cidade – a disposição dos blocos extensos e massivos possibilita a criação de ruas. De uma só vez, num gesto essencial, paralelo à península artificial, relaciona-se função e sítio. A síntese extrema trás a vontade de fazer o novo (ver Manuel Graça Dias em ‘Portugal. Arquitectura do Século XX’, 1997). É uma obra que, sobretudo revela uma disciplina capaz de se adaptar a uma realidade económica e social específica.
Manuel Vicente trabalha através de um processo de projeto aberto à mudança e ao inesperado, à invenção e à descoberta, à dúvida e à incompletude. Manuel Vicente acredita haver arquitetura em tudo. Acredita haver forma na linguagem dos poetas, dos pintores e dos músicos, nas imagens de um filme, nas memórias da infância – enfim em todas as inquietudes humanas. O conflito, o confroto fazem parte da evolução de uma ideia. É até mesmo possível criar arquitetura a partir daquilo que não se gosta – isto porque não há culpa no desejo de ver, pensar e fazer forma. Há sim plenitude no prazer da forma. E Manuel Vicente conseguia materializar este prazer em projetar através da obsessiva repetição, das alterações rítmicas de escala, da introdução alternada de arcadas e pórticos, da intromissão abstrata e da imposição de elementos artificiais imaginados.
'Sempre odiei aquele espírito vitoriano do pitoresco e do interessante. Que se apropria daquilo que vê, e depois fica a pensar sobre o que aquilo deveria ter sido. Acho que a visão do mundo não passa por aí. Acho que a cultura não passa pela erudição nem pela informação. São práticas muitas vezes remotas e longínquas em que estabelecemos conexões que racionalmente não somos capazes de explicar mais tarde.', Manuel Vicente em conversa com Jorge Figueira.
Há uma arquitetura feita na segunda metade do séc. XX que não é entendível de um modo linear - pelo contrário apresenta-se plural, diversa, múltipla, multiforme, complexa e híbrida.
Defender uma arquitetura verdadeira e autêntica, que valoriza o homem e a sua vivência implica claro, considerar o homem real como um ser que vive integrado numa comunidade mas que tem uma individualidade complexa marcada.
Associada a esta delicadeza do pensar está associada uma arquitetura longe de um saber absoluto. É uma arquitetura que se assume crítica em relação aos paradigmas do movimento moderno mais racionalista.
Ignasi de Solà-Morales pensa que talvez este modo de projetar esteja associado a um pensamento 'fraco', no sentido de que é altamente influenciável pelo contexto, pela história e pela memória. A arquitetura revisionista, crítica ou realista faz-se a partir do desaparecimento de qualquer tipo de referências absolutas (que de certo modo encerram o modo de saber e afastam o homem da realidade), porém em muito beneficia do conhecimento tectónico modernista. Há por isso, uma progressiva aceitação, da relação aleatória que existe entre a arquitetura e o lugar físico e social - aceitam-se sobretudo contradições e disjunções que distorcem e dissolvem a confiança do modernismo. Os arquitetos críticos perseguem assim o pequeno, o insignificante, o fragmento e o momentâneo. Álvaro Siza chega mesmo a afirmar que sempre que a arquitetura deseja ser mais profunda não pode basear-se numa mera imagem fixa nem numa evolução linear. A arquitetura resulta sim, de um processo muito vulnerável pois cada projeto transporta consigo um momento preciso de uma imagem flutuante.
A nova intensidade realista não mais produz objetos estáveis e unidimensionais.
'Estávamos interessados em fazer mais uma arquitetura interiorizada, que vem de dentro para fora. A forma resultava da pulsão de dentro para fora com a que viria de fora para dentro (mas esta não vem de uma geometria era vinda do sítio) por isso andava-se entre o sítio e as pessoas.', Nuno Portas em conversa com Nuno Teotónio Pereira
Nuno Teotónio Pereira sempre se dispôs a fazer uma arquitetura de dentro para fora, deixando o exterior informar o que se fazia lá dentro. É a grande exploração do desenho até ao pormenor que liga a arquitetura à vida real das pessoas. E o estudo do projeto através do corte dá complexidade e profundidade ao resultado final da arquitetura.
Nuno Portas afirma, assim que se deve basear a forma da arquitetura, no espaço, na vida do dia-a-dia e não num simples resultado visual - porque existem, sobretudo preocupações sociais. A arquitetura não muda a sociedade, mas é feita para as pessoas e as pessoas são contraditórias (N. Portas). A arquitetura tem de nascer complexa. O homem não pode ser simplificado - como fazia o racionalismo e Corbusier ao conceber a máquina de habitar. O homem é concreto e têm hábitos, dificuldades e contradições - e a arquitetura existe para proporcionar certos comportamentos e dificultar outros. Há sempre um desejo de nunca reduzir o problema à escala mais simples e de introduzir complexidade, resolvendo vários aspetos (até mesmo contraditórios) ao mesmo tempo. A complexidade não é o problema. A complexidade faz parte da solução.
Por isso se defende uma arquitetura realista e humanizada (que é por natureza complexa, por vezes até insignificante e contraditória) em oposição a uma arquitetura meramente teórica, simplista, universal, formalista, estática e monumental.