Marc Hendrickx: Cohen, uma linguagem que compreendo
Marc Hendrickx que desde 2005, preside à Associação de Escritores da Flandres propõe-nos um livro em que aposta no confronto da obra do cantor e poeta judaico-canadiano Leonard Cohen.
A problemática do pensar a felicidade, a fé, a consciência, o amor, a velhice e a morte, é-nos sugerida numa abertura de horizonte no caminho de um interpretar amplo da vida de Cohen, de onde se não arreda a sua passagem pelo mosteiro Zen da Califórnia que, constituiu refúgio do poeta, algumas vezes. O legado de Cohen é um legado de contínuo regresso à preocupação com as palavras e dentro destas a recordação da maturidade em crescimento de cada uma.
A proposta de Cohen no determinar quais as passagens das recordações a reter, enquanto paisagens íntegras, ao longo do caminho da vida, e, sem receios de que as escolhidas se encontrem em confronto com a corrente dominante, é temática não descurada por Marc Hendrickx, sobretudo quando descobre na obra de Cohen a curva da tensão no seu “nós” indefinido.
Quem somos e de onde vimos quando os nossos heróis estão vivos e depois de todos eles nos faltarem? Também nos poemas de Cohen, a solidez desta questão atravessa os tempos colocando o dedo na ferida da própria doença, da fealdade, da deslealdade, da decadência, da memória que nos ajuda a explicar quem somos afinal e quanto o distanciamento temporal e espacial são importantes ao relato correto também de nós próprios e do que vivemos. Da inveja, da falta de amor e da frustração enjaulada e encapotada resultam seres viciados em recordações tentaculares e de dramatismos das oportunidades perdidas, como se as suas atuais verdades tivessem uma só medida: a medida da sua interpretação, devidamente adaptada à importância que a si mesmo atribui o supostamente tê-las vivido assim, como a descrevem, num agora à medida de fato com pregas e bainhas q.b.
As histórias moldadas de cada um não determinam a paisagem da recordação, antes a enésima notícia que nos damos, homenageia a consciência que queremos ter, independentemente das circunstancias que se viveram não conseguirem lidar com essas imagens da verdade do agora.
Repara Marc Hendrickx que a teimosia do excesso acima descrito conduz ao que Cohen explica nas suas canções como sendo o caminho do vazio, mesmo que se tenha mão certeira às anotações da obra impossível, que, se diz e muito se transmite ter vivido.
E tudo nos conduz a Leonard quando comparou o ser humano na sua procura desesperada, a uma ave pousada no arame que tanto adverte como consola.
Que cada um encontre em si o despertar de um Cohen que não nos pertence, ou a viagem de cada um não fosse apenas a de cada um, numa relativização da verdade e não do seu dito sonho ou realidade polvilhada com a luz que reflete e que raramente se expressa como luz própria.
Numa edição da Guerra e Paz em 2008 eis a proposta.
Teresa Bracinha Vieira