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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Conto de Primavera - imensidão, vazio e inconclusão.

 

'A sensação de voar que se liberta em mim ajuda-me a ajustar melhor a mão quando conduzo o trajecto das minhas tesouras. É muito difícil de explicar. Diria que é uma espécie de equivalência linear, gráfica, à sensação de voar. Há também a questão do espaço vibrante.', Matisse

 

'O Periquito e a Sereia' (Matisse, 1952), oferece ao 'Conto de Primavera' (Eric Rohmer, 1990) o enquadramento estrutural e formal. O guache recortado de Matisse introduz ao filme a imensidão do espaço limitado, a dispersão das folhas, dos frutos e dos corpos, a abertura do fundo branco sobre o qual tudo gravita, a variação subtil mas imutável de todas as formas bem delimitadas e a intensidade das cores contrastantes. O elemento humano está diminuído e funde-se com todos os outros elementos. 

 

O filme passa-se na primavera, e tal como no guache recortado o elemento floral é dominante e vigoroso, uma alegria de viver (mesmo que tudo seja flutuante, transitório, sem efeito, mesmo que tudo seja uma dança interminável e sem razão de ser). 

 

Neste filme a primavera está associada a um novo começo, a um nascer de novo, a um crescimento iminente. Tal como Natacha, Jeanne está dividida entre dois apartamentos, e entre dois estádios diversos das suas vidas. 

 

'I wanted something really light, almost empty. The story begins very slowly, it almost does not begin my exposition scenes have often been long, here the film almost stays as an exposition seen until the end. At the moment when we think that something is going to happen, it doesn't happen: that is my aim in Conte de Printemps', Eric Rohmer.

 

O mistério do pensamento nunca é totalmente revelado. Nunca é conclusivo. Jeanne gosta de pensar sobre o seu próprio pensamento. É através do pensamento que Jeanne se distancia das próprias sensações e mesmo da sua existência. Existe em toda história, uma vontade imensa em encontrar uma ordem, uma razão, um sentido e uma reposta. Jeanne consegue contribuir para a clarificação do mistério do colar. E sente-se extremamente seduzida pela liberdade fabuladora da sua amiga Natacha. Mas termina presa a uma suposição irreal, que a permitia escapar ao seu ordenado universo.

 

'I always thought, if you asked me what was happening in this film, I could answer 'nothing', because in my other films there is always an outcome. Here things happen but there is no outcome. The only thing that happens is the frivolous one of finding this necklace. But the only thing that the story of the necklace implies is that all this is never finished. That's what I was interested in, that's what I wanted to show. It is this hole, this absence that got me interested in this subject.', Eric Rohmer

 

Apesar de mais compacto, os contos das quatro estações de Rohmer, apresentam a ainda a estrutura aberta e livre das Comédias e Provérbios. 

 

As personagens gravitam e nunca se confrontam de verdade. Jeanne e Natacha nunca se revelam na totalidade.

 

O filme termina no mesmo sítio onde começa - no apartamento desordenado do namorado de Jeanne. Nada mudou, está tudo no mesmo lugar, talvez somente o modo de ver/pensar se alterou. A firmeza inicial é afinal vulnerável, o desejo de ordem e de controlo é afinal ausência e vazio.

 

Ana Ruepp

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Matisse e as 'Notas de um pintor.' 

 

'A work of art must carry within itself its complete significance and impose that upon the beholder even before he recognizes the subject matter.', Matisse 

 

O texto 'Notas de um pintor' foram escritas em 1908, logo após Henri Matisse (1869-1954) ter-se estabelecido como principal mentor dos fauvistas.

 

Ora, no texto citado, Matisse afirma que numa pintura, acima de tudo, o mais importante é a expressão. O pensamento do pintor não pode separar-se da materialidade da pintura, pois o pensamento não vale mais do que a sua expressão. Segundo Matisse, a expressão será mais completa quanto mais profundo o pensamento. 

 

'I am unable to distinguish between the feeling I have about life and my way of translating it.', Matisse

 

Expressão, para Matisse, não se refere somente a manifestações de movimentos violentos. O todo da composição é expressivo - o espaço ocupado pelas figuras, os espaços vazios, as proporções. Tudo na pintura, tem a sua importância.

 

Composição é o modo de dispôr os diversos elementos de acordo com a sensibilidade do pintor. Todos os elementos da pintura são visíveis e têm um lugar específico e determinante. Matisse chega mesmo a declarar que a pintura, no seu todo, deve ser harmoniosa e que qualquer detalhe desnecessário substituiria, algum outro detalhe essencial, na mente do espectador. Uma pintura contém uma força expansiva, capaz de dar vida às coisas que a rodeiam.

 

'Nowadays I try to put serenity into my pictures and rework them as long as I have not succeeded. Charm, lightness, freshness - such fleeting sensations.', Matisse 

 

Ao pintar, Matisse deseja alcançar um estado de espírito e um estado de sensações condensadas. 

 

Matisse procura características na natureza, mais verdadeiras e mais essenciais, para que possa dar à sua pintura um significado mais duradouro. O movimento capturado durante a sua manifestação tem muito significado mas não pode estar isolado da sensação. Segundo Matisse, a realidade pode ser expressa de forma literal ou evocativa. O artista ao retirar-se de tentar mostrar a realidade tal como ela é, consegue obter resultados de grande beleza e profundidade.

 

'I must precisely define the character of the object or of the body that I wish to paint. I cannot copy nature in a servile way; I am forced to interpret nature and submit it to the spirit of the picture.', Matisse 

 

Para Matisse, todo o significado da pintura está já na conceção. Existe, desde logo, uma clara visão do todo - se existe ordem e claridade na pintura, significa que existe à mesma ordem e claridade na mente do pintor.

 

A cor por sua vez deve servir a expressão da melhor maneira possível. Os aspetos expressivos da cor, para Matisse, impõe-se de uma maneira puramente instintiva, através da observação, da sensibilidade e através da experiência.

 

É através da figura humana, que Matisse, encontra o seu maravilhamento pela vida pura e serena.

 

'The role of the artist, like that of the scholar, consists of seizing current truths often repeated to him, but which will take on new meaning for him and which he will make his own when he has grasped their deepest significance.', Matisse 

 

Ana Ruepp