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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL

  


39. A INVÍDIA COMO SENTIMENTO UNIVERSAL E NACIONAL


Toda a literatura, o cinema, o teatro, a mais diversificada gama de manifestações artísticas e comportamentos humanos, tem a invídia (ou inveja) como um sentimento universal, extensivo a todos os países, povos e pessoas.   


É comum a toda a espécie humana, que estudos aprovam estar presente em outros animais, o que prova a sua natureza biológica. 


Um dos sete pecados capitais ou mortais, na tradição católica, segundo a sua doutrina, pode generalizar-se a todas as religiões, pela similar natureza humana de todos os crentes.


Pode gerar a ambição de ter o outro como referência para o igualizar, ou ser destrutiva, provocando angústia, ressentimento e tristeza pelo bem alheio.   


Transversal a todas as latitudes e longitudes, não é uma caraterística exclusiva ou preferencialmente portuguesa, sendo redundante afirmar estar intrinsecamente gravada no ADN português, não só pela sua génese biológica e genética, mas também porque inexequível medi-la científica, determinística e matematicamente, por confronto com a de outros povos, além de haver vários graus e tipos de inveja.


Legitima-se, então, perguntar, o porquê de uma crença pretensamente generalizada numa invídia estrutural, permanente e destrutiva entre os portugueses, veiculada por um número significativo de comentadores, intelectuais e imprensa em geral?   


Desde a coincidência de os Lusíadas findarem com a palavra “enveja”, o desejo de que alguém mais bem-sucedido ou o vizinho não viva melhor, quiçá vivendo sem escrúpulos ou à custa de quem vive mal, levando também a que os mais audazes, dotados, melhores, inconformados, criativos e reivindicativos emigrem. 


São generalizações sempre perigosas, boas ou más, positivas ou negativas.


É claro que a inveja nos é familiar e resulta da natureza dos portugueses, como é inerente e faz parte da essência e natureza de todos as outras sociedades, sem exceções, caso contrário, se assim não for, estamos a considerá-la restritivamente inalterável em nós, o que não faz sentido.     


Quem viajou, emigrou, viaja e emigra, sabe que há o bom e o mau em todos os lugares, incluindo a invídia destrutiva, mais grosseira ou elaborada, consoante o menor ou maior “benefício” civilizacional. Há que viver outras realidades fora do nosso pequeno mundo paroquial e, numa perspetiva mais neutra, ser ou ter sido emigrante de facto, mesmo que só “em casa”, através do olhar do Outro, em imagens, leituras, vídeos, filmes, redes sociais, na net. Mesmo que nada supere a experiência pessoal, havendo inúmeros testemunhos de emigrantes portugueses que têm a maioria dos nativos dos países onde estão - de presumir, na sua maioria, como mais evoluídos e de olhar menos destrutivo - tanto ou mais invejosos que nós. Lá fora, a conspirativa e tramada inveja é persistente, não só - mas também - por causa da genética da natureza humana. E que dizer dos horrores do Holocausto com ela interligados? Nem é verdade que sejam, entre nós, os “pretensos invejosos” que ficam por cá, um dos elementos decisivos da partida dos que emigram.     


Por outro lado, se atentarmos a que os carateres comportamentais são essencialmente resultado das condições sociais, terão de ser tidos como suscetíveis de modificação, podendo a invídia, nesta previsão, estar em grande parte dependente do grau de desenvolvimento económico e social, não podendo ser tida como um elemento iniludível dos portugueses. 


Será, também, uma querela sem sentido, se partilharmos a convicção da ausência de uma (ou qualquer) originalidade nacional no âmbito cultural, negando a existência de um “ser cultural português” como um dado adquirido na área do ser.   


Mas há um estereótipo que persiste, preconceituoso, tendencioso, redutor, simplista, que se tem como culturalmente correto e sem base científica, em que não nos revemos, ao arrepio de uma certa corrente, presumidamente culta, erudita e iluminada, que faz o culto de dizer mal de nós, onde impera o bota abaixo, com um gosto requintado e supremacista, tido como real, mesmo quando falso.


05.05.23
Joaquim M. M. Patrício 

MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL

  


38. O PAÍS COMO REALIDADE CULTURAL E LINGUÍSTICA


O reforço de Portugal, como realidade cultural e linguística, é o principal suporte da nossa reação aos desafios que a atual globalização nos coloca e à nossa existência como país.

Numa perspetiva económica e financeira, o escudo e a política monetário-cambial nacional desapareceu. Passámos a ter o euro como moeda e o Banco Central Europeu tomou o lugar do Banco de Portugal.   

Ao deixarmos de ter moeda própria, perdemos a capacidade de ter uma política de comércio externo, de impor ou não restrições às trocas externas, de introduzir taxas aduaneiras ou alfandegárias, ou outras restrições, a outros países, ficando dependentes de decisões dos órgãos da União Europeia.

A nossa política orçamental está condicionada e sujeita ao Pacto de Estabilidade e Crescimento.

As políticas nacionais estão, cada vez mais, subordinadas a Bruxelas, restando-nos poder ter capacidade para as influenciar. 

Portugal como economia é uma região, entre várias, da UE e da zona euro.

Sendo, cada vez menos, um país do ponto de vista económico e sendo-o parcialmente sob um prisma político, é-o ainda no sentido cultural, onde sobressai a língua e o património.   

Quando há uma tendência, com a integração europeia e a globalização, para a ausência de barreiras ao comércio e à mobilidade de pessoas e bens, é a nossa realidade cultural que sobressai, sendo imperioso reforçá-la, assegurando o apoio interno e a  internacionalização do nosso idioma, das nossas artes e centros  culturais,  fazendo mais pela manutenção e restauração dos nossos monumentos e pela divulgação de figuras representativas da nossa identidade e universalidade, sem que isso constitua um obstáculo a contactos com outras culturas.

Para que tudo não fique igual e se fortaleça a nossa especificidade como realidade cultural, enquanto espaço de autonomia e diversidade.    


Joaquim M. M. Patrício
20.01.23

MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL


37. ONDE FICAM AS FRONTEIRAS DE PORTUGAL?


A natureza mista e descontínua do território português manifesta-se no artigo 5.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, onde se lê: “Portugal abrange o território historicamente definido no continente europeu e os arquipélagos dos Açores e da Madeira”, incluindo Olivença, no território continental ibérico. 


Embora real a distinção entre o Portugal continental europeu e o insular, há subjacente a esta descrição uma encruzilhada de vários continentes, da Europa, a África e à América, dado o cruzamento e a tripla junção no nosso território das placas euroasiática (Portugal continental e as ilhas açorianas de São Miguel, Pico, Faial, São Jorge, Terceira e Graciosa), africana (Madeira, Porto Santo, Desertas, Selvagens e a ilha açoriana de Santa Maria) e americana (Flores e Corvo).  


Se tivermos como referência a parte continental europeia, o ponto mais ocidental de Portugal e da Europa é o Cabo da Roca. 


Mas não o é, mas sim o ilhéu açoriano do/e Monchique (apesar de situado na placa tectónica norte-americana, a oeste das Flores), se incluirmos também o Portugal insular e tivermos como Europa a totalidade do nosso país.  


Os arquipélagos dos Açores e da Madeira são a razão de ser de tão vasta dispersão territorial e geográfica, dispersando-se Portugal, no seu todo, uno e soberano, por três continentes, ao invés da versão mais oficial e comum, tendo-o apenas como europeu.


São também os Açores e a Madeira a razão que justifica a vastidão da zona económica exclusiva portuguesa, vinte vezes maior que o território terrestre, sendo a de Portugal continental mais pequena que a de cada um dos arquipélagos. Área que pode aumentar a atender-se às reivindicações marítimas portuguesas referentes à extensão da plataforma continental, vindo a ser, se exequível, vários milhões de Km2, por confronto com 92 000 km2 de terra habitável para humanos.


Embora o oceano seja apenas o Atlântico, a navegação do Mediterrâneo para a Europa do Norte, de África, da América do Sul, de uma parte da América Central e do Norte para a Europa passa obrigatoriamente pela zona económica exclusiva portuguesa, o que exige custos e meios, mas também mentes abertas e visões mais amplas. 


Há que ultrapassar perspetivas paroquiais, alicerçando o futuro de Portugal na riqueza proveniente dessa dispersão, diversidade e multicoloridade territorial e marítima, a ser defendida, adaptando-se e crescendo em consonância com novas conveniências e realidades estratégicas e geopolíticas, sendo cada vez menos sustentável convencionar que a fixação de fronteiras é mais aceitar o costume convencionado em geografia por mero interesse ou proveito político, que o cultural, civilizacional ou verdade geográfica que emerge em si e por si.


07.10.22
Joaquim M. M. Patrício

MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL

  

 

36. TRIPLA JUNÇÃO DAS PLACAS EUROASIÁTICA, AFRICANA E AMERICANA


As fronteiras do nosso país restringem-se a Portugal continental e aos arquipélagos dos Açores e da Madeira, com uma localização singular da sua superfície terrestre.


Se a parte continental de Portugal se situa na placa tectónica euroasiática, vulgo placa europeia, tal não sucede com os arquipélagos madeirense e açoriano, cuja especificidade faz justiça à sua autonomia, sem questionar a sua identificação com o todo nacional. 


Enquanto a ilha da Madeira, do Porto Santo, as ilhas Desertas e as Selvagens se situam na placa africana, mais perto da costa de África que da europeia, há também uma ilha açoriana localizada nesta placa (Santa Maria), duas na norte-americana (Flores e Corvo) e seis na euroasiática (São Miguel, Pico, Faial, São Jorge, Terceira e Graciosa), numa tripla junção (ou espécie de cruzamento) de três placas litosféricas ou tectónicas. 


Não excluindo a controvérsia, há autores que falam numa microplaca dos Açores, com as ilhas do grupo central e oriental, ao lado de outros para quem São Miguel, Terceira e Graciosa estão edificadas sobre a placa euroasiática, estando o Faial, Pico, Santa Maria e as ilhotas das Formigas na placa africana. A que se juntam as dezenas de ilhéus em volta das ilhas.


Açores, Madeira, Canárias, Cabo Verde e o Noroeste Africano são parte da Macaronésia, englobando as ilhas do Atlântico Norte, perto da Europa e África, uma área de cooperação internacional entre vários países, com possibilidades de alargamento ou de uma cooperação especial com a União Europeia (Cabo Verde, por exemplo, por alinhamento e arrastamento com os Açores, Madeira e Canárias) ou União Africana (Madeira e Canárias).     


Não esquecendo a impressionante zona económica exclusiva daqui resultante para Portugal, mais impressiva se atendíveis as reivindicações marítimas portuguesas baseadas na extensão da plataforma continental. Sendo a ZEE açoriana e madeirense mais extensa que a de Portugal continental. 


Apesar da sua não dispersão geográfica descontínua por vários continentes e oceanos, sobressai nesta tripla junção ou cruzamento de três placas tectónicas um potencial de relevância geopolítica e geoestratégica que entra em rutura com convenções clássicas cada vez mais ultrapassadas, desde logo em termos geográficos, questionando-nos sobre onde começa e acaba a Europa, Portugal, a UE, África e a América e em que, curiosamente, centenas de anos após, o mar português se agiganta crescentemente como um valor acrescentado, em interligação com os portugueses continentais e insulares que o habitam em redor ou rodeados de água por todos os lados.  

 

30.09.22
Joaquim M. M. Patrício

MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL

Ilha das Flores _ CNC.jpg

 

35. ILHÉU DO/E MONCHIQUE

 

O PONTO MAIS OCIDENTAL DE PORTUGAL E DA EUROPA

 

Integra o grupo ocidental do arquipélago dos Açores a ilha das Flores e a do Corvo.

Em volta da ilha das Flores existem vinte ilhéus.

Um deles, é o ilhéu do/e Monchique.

É o ponto mais ocidental dos Açores, de Portugal e da Europa, tomando como referência o todo do arquipélago açoriano e do nosso país, e que todas as ilhas, ilhéus e ilhotas açorianas são europeias.

Dúvidas não há de ser o ponto mais a oeste dos Açores e de Portugal insular e continental, o mesmo não sucedendo se se considerar que o grupo ocidental açoriano se situa na placa litosférica e tectónica norte-americana.

Sendo, porém, todo o Portugal parte integrante da Europa, o mesmo se convencionou, até hoje, em relação à totalidade dos Açores.

Eis, então, que um grande e sólido rochedo oceânico de basalto, elevando-se e emergindo em dezenas de metros de altura de uma plataforma profunda, em frente à costa oeste da ilha das Flores, é o local e ponto geográfico mais ocidental do arquipélago açoriano, de Portugal e da Europa.

Deu por empréstimo o seu nome ao periódico O Monchique, da ilha das Flores, ao que consta extinto, em presumível homenagem aos tempos que o ilhéu foi ponto de contacto para acerto de rotas e verificação de instrumentos de navegação, com a ajuda de corpos celestes no espaço sideral, qual mensageiro de notícias das Américas e demais terras ao longe.

Sendo mais longo e tardio o tempo até à chegada de Diogo de Teive, achador ou descobridor das Flores, do Corvo e do ilhéu do/e Monchique, dada a dispersão das ilhas açorianas por uma extensa área geográfica.

Em que as duas ilhas mais ocidentais dos Açores estão mais a oeste que a Islândia, que as não supera, apesar da sua insularidade.

O Cabo da Roca, por sua vez, é o ponto mais ocidental do continente europeu, de Portugal continental e da Europa continental, sem incluir o Portugal e a Europa insular. Favorece-se, ainda, uma geografia convencional, embora esta se modifique e apele a outras leituras.

 

Joaquim M.M. Patrício
23.09.22

MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL

 

34. PRAXES


Estudantes de capas pretas desfilam em cortejos chamativos, ruidosos e cinzentos, coagindo e humilhando iniciandos que nos anos seguintes o farão a outros, numa sucessão temporal de décadas.    


Uns são a favor. Outros, contra. Há quem relativize.


É um ritual passageiro que faz parte da juventude, num grupo de ignorantes intolerantes, ou de todos fomos assim, consoante a opinião.  


Os que praxam e os que são praxados, na maioria estudantes universitários, serão as futuras elites do país, que fazem o culto da subordinação, humilhação e sofrimento como valor essencial, valorizando relações hierárquicas. 


Uma causa de exclusão da ilicitude, um costume consuetudinariamente reconhecido.


Estranha-se que os que são alvo de violência e de violações de direitos humanos o permitam, submetendo-se e sujeitando-se.  


Há, infelizmente, condições estruturais e sistémicas para tais submissões, que beneficiam uma cultura reverencial pelo poder, paternalista, paroquial, de ausência de escrutínio e de sentido crítico.  


A que acresce a possibilidade de os que foram praxados poderem, mais tarde, puxar dos galões e praxar os novos “caloiros”, compensando-se e perpetuando uma tradição de práticas desadequadas num país que se quer civilizado.


Por que não, em alternativa, atividades, eventos, cortejos, festivais culturais e desportivos, sem o aviltamento e sevícias das praxes?   


A vontade de praxar e ser praxado, de a praticar e aceitar, dando azo a exibicionismos e obscenidades barbaras e censuráveis, é um sintoma deprimente da nossa atual juventude, com reflexos de caraterísticas de permanência traduzidas numa forma atávica do nosso atraso como sociedade, por maioria de razão vinda duma geração universitária geradora de elites.  


03.12.21
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL

 

33. CIDADANIA ORIGINÁRIA E DERIVADA


Ascendência (ius sanguinis) e território (ius soli) são os elementos causais da cidadania originária.


Casamento, filiação, residência, naturalização, são exemplos de conexões relevantes para aquisição da cidadania derivada.


A cidadania originária relaciona-se com a nacionalidade, o que herdámos biologicamente, por via sanguínea, com o não escolhido, transmitindo-se de pais para filhos, de ascendentes para descendentes, enquanto consequência do sangue e do solo.


A cidadania derivada agarra mais de perto o âmbito do desejado, querido, aceite, contratado, consentido e não herdado.   


A retórica da cidadania como signo de identidade tem conteúdos primariamente conservadores: pátria, mátria, patriotismo, natureza, tradição, costumes, origens, raízes, terra.       


A da cidadania como símbolo de comunicação tem conteúdos basicamente funcionais e de substituição, usando-a por me ser necessária e útil.     


De um discurso tendencial e potencialmente sacralizador, (cidadania originária), transita-se para um dessacralizador (cidadania derivada).   


Vem isto a propósito da controvérsia sobre emigrantes e estrangeiros que escolheram Portugal para seu país agudizada, recentemente, pela nossa representação nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em que havia 19 atletas não nascidos em terras lusas.


Naturais de Angola, Brasil, Cabo Verde, China, Camarões, Costa do Marfim, Congo, Cuba, Estados Unidos, França, Geórgia, São Tomé e Príncipe, Suíça e Ucrânia.


Com particular destaque para três dos quatro medalhados: Pedro Pichardo, Patrícia Mamona e Jorge Fonseca. Com ênfase para Pichardo, medalha de ouro, não nascido português, sendo naturalizado.


Sucede que a ideia de português (ou pátria portuguesa) não exige, nem reclama ou reivindica, uma herança ou transmissão por via biológica ou genética, antes sim, e cada vez mais, uma opção desejada, necessária, querida, sentida e útil, uma compensação e um reconhecimento tão ou mais poderoso que a cidadania originária de nascença, em favor de uma cidadania derivada de uma livre escolha, por imigração, mas não só.


Tendo presente sermos um país de emigrantes, de longas viagens e misturas, em que a atual noite demográfica, uma baixa taxa de natalidade e um envelhecimento demográfico, exigem medidas adequadas e proporcionais que razoavelmente as anulem.

 

26.11.21
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL


32. LIBERDADE E SEGURANÇA (II)


Com o 25 de abril democratizámos. 


Mas a nossa democracia não factualizou, embora a consagre, a liberdade como valor prioritário, mas sim a segurança.   


Por razões históricas, a antiga aceitação da liderança por instituições e pessoas onde o poder está estritamente concentrado, continuou após abril de 1974. 


Tal tolerância é uma tradição que tem raízes no passado, em fenómenos estruturantes de cariz totalitário, por contraste com menos anos de constitucionalismo liberal. 


O que tem reflexos no não culto do debate público e exercício do contraditório, não uso da reclamação, nem de expressões assertivas, francas, frontais e diretas, mesmo que incómodas.


E no não uso robusto da liberdade, com todas as inevitáveis e estruturais consequências danosas a nível da educação, ciência, investigação, criatividade e grau de desenvolvimento.


A que acresce a ausência duma classe média maioritária, pagadora de impostos, exigente, instruída, reclamante e reivindicativa. 


Se na luta entre fortes e fracos, quem governa tende a dominar os governados e se estes, mesmo assim, se conformam, não escrutinam ou dizem bem daqueles, não se justifica a liberdade, pois só nos interessa tê-la quando somos perseguidos pela nossa contundência e sentido crítico.


Dizer bem e concordar, não acarreta o perigo de perseguição, exílio, prisão ou morte, pelo que faz falta tal liberdade para podermos opinar sobre coisas não elogiosas, polémicas, escandalosas, que magoam e de que não gostamos, desde que não se opine ou publiquem notícias de consabida falsidade, falte à verdade ou se façam afirmações por maldade ou malvadez, ou grosseiramente investigadas por omissão. 


É esta liberdade que me possibilita, aqui e agora, não me sentir censurado ou espiado, que gostaria de ter permanentemente garantida e vivida, e não apenas formalmente consagrada ou restaurada por lei no meu país. 


Que não se baseia em messianismos fundados num milagre ou salvador que nunca veio, na desistência de pensar ou mero gerir da saudade, no bota-abaixo, de dizer mal de tudo e todos, festança e papança sem responsabilidades, de querer todos os direitos sem deveres. Embora proibir, condenar e mandar alguém para a prisão, por opinar e pensar mal, possa ser um atentado a essa liberdade.   


Trata-se dum itinerário com sucessivas viagens, em que a democratização foi um meio que nos aproximou da democracia pluralista da União Europeia a qual, mesmo em crise, nos exige como pressuposto e objetivo um pluralismo em liberdade, só assim garantido, de momento, entre nós, por confronto com a longa noite de fenómenos estruturantes, totais e totalitários do nosso historial.


Sem esquecer que quem está no topo aprecia predominantemente o status quo vigente, razão pela qual o exercício e garantia dos direitos fundamentais são uma defesa contra os excessos do poder estadual e dos poderosos, pois se perdermos a liberdade (liberdades fundamentais e direitos humanos, onde se integram a liberdade de expressão e o direito à informação), acabamos por perder também a segurança.

19.11.21
Joaquim Miguel de Morgado Patrício 

MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL


31. LIBERDADE E SEGURANÇA (I)


Uma opinião livre e esclarecida é essencial numa sociedade democrática.

Quanto maior o grau e o valor da liberdade, mais democrática é a sociedade.  

Ser tido como o menos mau de todos os sistemas, começa pelo direito de fazer perguntas, aceitar a interpelação, o contraditório, a incerteza, a dúvida adequada e responsável.

Os portugueses, em geral, lidam mal com a discordância, agravada se crítica, chocante, contundente, frontal.

Valorizam bastante o pessoal e a segurança, privilegiando esta em desfavor da liberdade. Consequência de mais anos de absolutismo, inquisição, autoritarismo, ditadura, tiranetes, ruralismo, ultramontanismo religioso, do manda quem pode e obedece quem deve, no abrigo obediente e acomodado que garante a segurança e uma sociedade que pouco pensa e renova. 

A maior mais-valia do 25 de abril, para muitos, foi a liberdade, no seu respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades individuais, onde pontuam a liberdade de expressão e o direito à informação. 

Liberdade que é inerentemente antiautoritária e aberta ao não sectarismo, à mudança, à crítica, ao debate, à publicação livre e à troca de informações.

Onde há níveis mais elevados de ciência, investigação, educação e literacia, maior a propensão para a liberdade e graus mais elevados de democracia. 

Os países mais livres e apologistas da liberdade, sempre foram os mais capazes em empreendedorismo e inovação, a nível democrático, de conhecimento e saber, e em termos científicos.  

 

12.11.21
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL


30. JOSÉ MATTOSO (II)


Quanto à alegada incapacidade de planeamento dos portugueses, aliada ao talento para a improvisação, JM desmistifica-a dizendo tratar-se de um fenómeno normal numa sociedade semiperiférica, o que desapareceria com a generalização de um ensino racional e a preferência pelo valor da previsão mais do que do imediato e do inesperado, pondo de lado uma acentuada concentração de poder e recursos de uma minoria que gira em redor do Estado, gerando uma permanente convicção da inutilidade das previsões, da impossibilidade de assumir responsabilidades sociais e a não capacidade de participar nas decisões, concluindo:

“Se,…, o sucesso - não só económico e político, mas também cultural - estava praticamente garantido mas só para alguns, qualquer que fosse a sua competência, não seria mais rentável para os outros (para a maioria) exercitar os dotes da improvisação, a habilidade para viver o dia a dia, quando não o jeito para a pequena fraude, a economia paralela, a  fuga aos impostos, a “cunha”, o clientelismo? Ou, no melhor dos casos, descobrir o fascínio de viver intensamente o dia a dia, momento a momento, aproveitando as coisas boas da existência, como o convívio e a afetividade, ou as mais emotivas, como a paixão, a intriga ou o jogo, com tudo o que ele tem de aleatório? Confirmar-se-ia, assim, uma das caraterísticas mais típicas dos portugueses, uma daquelas,…, que mais entusiasmou Agostinho da Silva. Mas será só deles? Não existe também noutras sociedades da Europa meridional, ou mesmo naquelas que não alcançaram o “benefício” da civilização e não se renderam à racionalidade?”.  

Embora tais críticas, argumentos e observações possam ser empírica e objetivamente aceitáveis (algumas bem atualistas na nossa sociedade), dentro dum relativismo determinista das coisas, sem prejuízo de, em rigor, tudo poder ser tido como subjetivo (no sentido de todos os nossos conhecimentos e opiniões são fruto da perceção individual de cada um de nós); parece assertivo questionarmo-nos de que o mesmo não possa ser extensivo, em maior ou menor grau, a qualquer outro povo ou grupo social estável em termos de regularidade, o mesmo quanto à emotividade, irrealismo e sonho das chamadas teorias providencialistas, míticas e messiânicas, para além de que nenhuma teoria se pode arrogar totalmente “determinista” (incluindo as míticas, messiânicas, utópicas), porque o que é tido como “determinista” hoje pode não o ser amanhã. Não pode o sonho ser “uma constante da vida tão concreta e definida como outra coisa qualquer”? (poema de António Gedeão cantado por Manuel Freire). 

Por que também há uma dimensão espiritual em tudo, mesmo em democracia e no Estado de Direito (que podem ser vistos como uma religião laica).

 

05.11.21
Joaquim Miguel de Morgado Patrício