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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CADA ROCA COM SEU FUSO

o mestre dos automóveis - jean graton.jpgJean Graton, Michel Vaillant | Auto, Desenho

 

O MESTRE DOS AUTOMÓVEIS – JEAN GRATON

 

Jean Graton, criador da personagem Michel Vaillant, morreu aos 97 anos em Bruxelas. É uma das grandes referências da escola franco-belga da “linha clara”, com Hergé, Greg, Tibet, Jacques Martin, E.P. Jacobs, Franquin, Albert Uderzo e René Goscinny. Nascido em Nantes em 1923, Jean Graton cultivou duas paixões - arte e desporto – transformando-as em grande sucesso nas pranchas da banda desenhada, ao criar em 1957 o piloto de Fórmula 1 Michel Vaillant (Miguel Gusmão em Portugal).

Os começos nas histórias de quadradinhos deram-se na revista Spirou (“As Mais Belas Histórias do Tio Paulo”). No ano de 1953, já na revista "Tintin", publica "A primeira corrida", traduzida em português, no "Cavaleiro Andante" no mesmo ano. Era a primeira de muitas narrativas curtas de temática desportiva.

"Michel Vaillant" estreou-se em 12 de junho de 1957, em histórias de quatro páginas, tendo "A 24.ª hora" sido publicada em português no "Falcão". "O grande desafio" (1958, "Cavaleiro Andante" n.º 357) seria a primeira de 70 histórias longas, que levariam o piloto francês, filho de um construtor de automóveis, a competir na Fórmula 1, em motas, stock cars, ralis e karts. A opção pelo mundo da competição automóvel, segundo Jean Graton escreveu no primeiro volume integral da série, surgiu porque "gostava de desenhar automóveis e conhecia bem o mundo das corridas". Por isso, "o meu herói foi um piloto".

O portal Lambiek, dedicado à banda desenhada, que eu frequento muito, refere que o artista francês era muito rigoroso no tocante ao desporto automóvel e fazia bastante pesquisa, incluindo idas a corridas, a fábricas e encontros com especialistas e pilotos. "Jean Graton participou em corridas e ralis em quase todo o mundo, tendo-se apaixonado pelo Rali de Portugal e ganhando a amizade de Alfredo César Torres, grande nome do automobilismo em Portugal. É impressionante a documentação que foi recolhendo, o que dava uma grande verosimilhança às ilustrações e às narrativas. Desde 1982 que Jean Graton tinha a titularidade plena dos seus direitos de autor, tendo criado a sua própria editora, Studio Graton, com a participação do filho, Philippe Graton, que se tornou, entretanto, argumentista das histórias de Michel Vaillant, que continuam a publicar-se. Quando Jean Graton se reformou em 2004 tinham sido já editados cerca de 70 álbuns da série com o piloto.

jean graton.jpgÉ muito difícil de explicar aos neófitos o extraordinário sucesso de Jean Graton em todo o mundo, mas em especial no caso de Portugal. Vários são os álbuns referem Portugal, podendo dizer-se que teve na divulgação turística entre nós um papel fundamental. Duas das suas aventuras decorrem inteiramente no nosso país: "Rali em Portugal" (1969) e "O homem de Lisboa" (1984), e esta última com um enredo de base policial.

Ao longo de quase 50 anos, a série aos quadradinhos foi um reflexo da realidade desportiva, com o herói a manter-se jovem e a acompanhar não só a evolução dos automóveis como a de várias gerações de pilotos com quem confraternizou e competiu como: Graham Hill, Jackie Stewart, Jacky Ickx, Niki Lauda, Ayrton Senna, Michael Schumacher ou o português Pedro Lamy (em "A prova", 2003). Perdemos um grande amigo de Portugal e um mestre da Banda Desenhada.

Agostinho de Morais

A MAGIA DE UM PILOTO SEM ROSTO…

 

TU CÁ TU LÁ

COM O PATRIMÓNIO


Diário de Agosto * Número 
9

 

Jean Graton (1923) criou e desenhou a partir de 1957 para o “journal Tintin” as aventuras de um corredor de automóveis, Michel Vaillant, que depressa se tornou admirado pelos leitores portugueses, seguidores da Banda Desenhada (BD). Quando a lei portuguesa determinava que os heróis das aventuras traduzidas deveriam adotar nomes portugueses, o jovem corredor chamou-se Miguel Gusmão e viu as suas primeiras aventuras publicadas essencialmente no “Cavaleiro Andante”, a partir de 1958, ainda que “O Falcão” tenha tido a fugaz prioridade logo em 1957. Não me lembro francamente dessa primeira publicação, já que só quando comecei a ler o “Cavaleiro Andante”, na minha primeira classe (1958-59), me tornei fan do “Piloto sem Rosto”. E posso dizer que, só mais tarde viria a convencer os meus professores de português sobre as virtualidades da boa BD para o conhecimento da língua. Nessa altura vivíamos na clandestinidade, mesmo quando recusávamos as más traduções e o pouco cuidado da revisão. Devo dizer que as equipas de Adolfo Simões Müller, como depois as de Dinis Machado e Vasco Granja, tiveram sempre uma muito apurada consciência sobre a exigência quanto à comunicação e à língua. Só nos meus doze anos comecei a convencer os meus professores no Pedro Nunes de que as Histórias aos Quadradinhos (HQ) eram um bom estímulo para a língua e para a cultura. Afinal, líamos a Ilíada e a Odisseia nos textos de João de Barros, não confundíamos as coisas. Tudo se complementava (como agora com o Afonso Cruz). Como o António Mega Ferreira tem dito, a escola do “Cavaleiro Andante” e do “Tintin” belga foi utilíssima para abrir horizontes de cosmopolitismo, conhecimento e ligação às artes – e até de cidadania. Por outro lado, os milagres que os gráficos faziam e o cuidado com a legendagem foram-me, aliás, relatados pelo José Ruy – e constituem uma história fantástica. Hoje falo-vos de Michel Vaillant pela qualidade e rigor do desenho e pelo culto de um certo espírito de cavalaria no mundo dos automóveis. O pretexto, no entanto, é a magnífica imagem de Lisboa e de um avião da TAP. Mas poderia dar muitos outros exemplos.

 

E como não lembrar Álvaro de Campos? Ao volante do Chevrolet pela Estrada de Sintra!

 

«Na estrada de Sintra ao luar, na tristeza, ante os campos e a noite,
Guiando o Chevrolet emprestado desconsoladamente,
Perco-me na estrada futura, sumo-me na distância que alcanço,
E, num desejo terrível, súbito, violento, inconcebível,
Acelero…
Mas o meu coração ficou no monte de pedras, de que me desviei ao vê-lo
sem vê-lo,
À porta do casebre,
O meu coração vazio,
O meu coração insatisfeito,
O meu coração mais humano do que eu, mais exato que a vida.

Na estrada de Sintra, perto da meia-noite, ao luar, ao volante,
Na estrada de Sintra, que cansaço da própria imaginação,
Na estrada de Sintra, cada vez mais perto de Sintra,
Na estrada de Sintra, cada vez menos perto de mim…»

 

Agostinho de Morais

 

 

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A rubrica TU CÁ TU LÁ COM O PATRIMÓNIO foi elaborada no âmbito do 
Ano Europeu do Património Cultural, que se celebra pela primeira vez em 2018
#europeforculture