Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Em 1965, a revista francesa Vogue, teve como capa um vestido sem mangas decorado com as cores primárias da Composição com Vermelho, Azul e Amarelo de Mondrian, concebido pelo estilista francês Yves Saint Laurent, parte integrante da Coleção Mondrian, tida como um golpe de génio. Nunca um vestido tinha feito tanto furor e fora tão copiado. Revolucionou o vestuário feminino e foi o grande lançamento e universalização da casa e marca Yves Saint Laurent.
Eis um exemplo de como o poder da visão estética de Mondrian e do neoplasticismo influenciou o mundo das artes em geral, neste caso o da moda, tida por muitos como uma arte menor, mas cada vez mais exposta nos melhores museus do mundo, o que por si só representa uma inversão da aludida menoridade em favor de uma gradual arte maior, algo impensável em tempos ainda recentes.
Na Coleção Mondrian, a exemplo do neoplasticismo, reduzem-se os elementos básicos da perceção visual à linha horizontal, à linha vertical, às cores primárias do vermelho, amarelo e azul, a zonas quadradas ou retangulares, incluindo o branco e o preto como fundo ou como corpo das linhas pintadas a negro, respetivamente, evocando planos horizontais e verticais de coordenadas e conotações simbólicas inerentes a toda a humanidade.
Yves Saint Laurent possuía no seu apartamento parisiense telas do holandês Piet Mondrian, cuja arte tinha como pura, considerando que ninguém podia ir mais longe, o que demonstra a influência que assimilou nos princípios artísticos defendidos pelo pintor.
Se para Mondrian menos é mais, pretendendo uma arte pura, depurada, esmerada, resistente, irredutível e irreduzível na sua simplicidade, também para Saint Laurent era preciso simplificar, numa moda de estilo simples, nítido e preciso, como um gesto, com linhas funcionais, limpas e simplificadas, baseadas em geometrismos e harmonias de planos de composições assimétricas, usando as cores primárias, neutralizadas pelo branco e riscas pretas, o que retratou nas suas criações, nomeadamente na Coleção Mondrian.
O vestido YSL mais famoso, foi o vestido tubinho (1965), em linha tubo, de cores primárias, de linhas pretas verticais e horizontais de vários comprimentos, achegado ao corpo, sem mangas, com comprimento até à altura do joelho, cuja estampa da parte frontal foi inspirada na pintura duma Composição com Vermelho, Amarelo e Azul, de 1921. Tido como um ícone do universo da moda e da alta costura da década de sessenta do século XX, copiado e adaptado em sucessivas variações de experimentação ao longo dos anos, foi rematado e vendido por 35 000 euros, num leilão da Christie`s, em Londres, em 01.12.2011.
YSL absorveu e inspirou-se em vários artistas para as suas criações, como Matisse, Picasso e Andy Warhol. Mas foi Mondrian quem mais o inspirou e celebrizou, inspirando outras formas artísticas que vão da decoração, brinquedos, fatos de banho, calçado, legos, borrachas, mobiliário, sacos e malas de mão, carros desportivos, ímanes para frigoríficos, iphones, até à escultura e arquitetura.
Lutando pela beleza, elegância e simplicidade, eis como ícones da alta costura estreitaram os laços entre a moda e a arte moderna, numa atualização permanente devidamente adaptada a tempos idos e aos nossos dias.
1. Movimento abstracionista, lançado na Holanda, com um grupo de artistas fundadores da revista De Stijl (O Estilo), publicada em 1917, na cidade de Leyden, de que eram expoentes Piet Mondrian e Theo van Doesburg, com grande influência sobre a arte, arquitetura e o design do século XX. Tinha ambições internacionais, publicando o seu manifesto de 1918, em quatro línguas. Os seus fundadores ansiavam criar um estilo internacional que trabalhasse pela formação de uma unidade internacional na Vida, na Arte e na Cultura.
Procuravam uma estética diferente das anteriores, uma nova (neo) abordagem das artes plásticas (plasticismo), contestando o individualismo e empenhando-se pela criação de uma harmonia universal, exprimindo plasticamente o que todas as coisas têm de comum, em detrimento daquilo que as individualiza e separa.
A arte tinha de ser reduzida ao essencial: cor, forma, linha, espaço. A cor reduzir-se-ia, na sua forma mais pura, simplificada e estritamente essencial às três cores primárias: amarelo, azul e vermelho. As formas geométricas limitar-se-iam aos quadrados e retângulos. Elimina-se a linha curva, herdeira do barroco. Apenas linhas horizontais e verticais pintadas de preto e cruzando-se em ângulos retos, sugerindo equilíbrio e repouso. Não há ilusão de profundidade. Nem planos sobrepostos ou transições de tonalidade, mas superfícies planas de cores puras primárias.
Expressando inquietações e tensões entre os opostos da vida, as linhas horizontais e verticais expressam o feminino e o masculino, o negativo e o positivo, o bem e o mal, a luz e as trevas, a noite e o dia, a mente e o corpo, o espírito e a matéria, o mais e o menos, o alto e o baixo, o consciente e o inconsciente, a harmonia e desarmonia, o pacifismo e o belicismo. Da sua junção ou cruzamento forma-se um quadrado ou um retângulo.
A obra de arte devia obedecer a leis próprias e específicas que fixavam uma abstração geométrica, ordenada e racional que tendia para a universalidade, buscando a sua essência elementar, captando a criação pura do espírito revelada por relações estéticas puras manifestadas em formas abstratas, repudiando temas reconhecíveis e qualquer referência à natureza.
2. Os quadros neoplasticistas têm uma linguagem fria, matemática e racional, não descrevendo nem dizendo nada, nem transmitindo mensagens, excluindo as formas naturais (bloqueios à expressão artística pura). Apenas interessando obras que descobrissem a unidade através das relações entre o espaço, a cor, a linha e a forma, como Composição em Vermelho, Amarelo e Azul, 1930, Coleção Alfred Roth, Zurique, de Mondrian, em que linhas retas se cruzam em ortogonal delimitando retângulos ou quadrados pintados de cores primárias em superfícies planas de composição assimétrica. O mesmo em Composição C (N.º III), com Vermelho, Amarelo e Azul, de 1935.
O que valia como aplicação a outras manifestações artísticas, desde a arquitetura ao design de produtos, como o comprovou Gerrit Rietveld, com a sua Cadeira Vermelha e Azul, de 1923, (design aplicado a objetos de uso quotidiano), inspirada e integrando as linhas pretas e cores primárias do neoplasticismo.
A que também não foi imune o estilista Yves Saint Laurent (de que falarei), concebendo uma coleção/vestido/s à Mondrian, multiplicando-se por uma gama sucessiva de aplicações hoje tão comuns (capas de telemóveis, iPhones, etc).
Para Mondrian a arte era parte integrante da vida real, não fazendo sentido ser sua função imitá-la, acreditando poder compreender-se a vida unindo o interno e o externo, equilibrando harmoniosamente as forças universais antagónicas num equilíbrio dinâmico, que a sua crença na teosofia reforçava, podendo a arte atuar sobre a sociedade e criar um novo ser através de uma linguagem racional, diferente da irracionalidade da guerra.
Esta abstração racional e programada, embora criativa, inovadora e crucial, teve um percurso, revelado pelo modo gradual e experimental como Mondrian transitou do naturalismo para o abstracionismo, através de uma decomposição progressiva da imagem, numa sequência de quatro telas, tendo uma árvore como tema central: Tarde, Árvore Vermelha (1908), A Árvore Cinzenta (1912), Macieira em Flor (1912) e o Quadro n.º 2/Composição n.º VII (1913).
Theo van Doesburg, buscando novas experiências, afastou-se do purismo de Mondrian ao introduzir as linhas diagonais como elemento linear fundamental.
Há, porém, uma diferença entre a arte abstrata de Kandinsky, Malevitch, Tatlin e o neoplasticismo, dado que com este movimento se alcançou uma forma de arte abstrata mais pura.
'Une idée etait de faire un filme sur un fond noir et gris avec des taches des couleurs vives.', Eric Rohmer
Num filme em que domina o preto e o cinzento, o vermelho, o amarelo e o azul não podemos de deixar de nos lembrar das pinturas de Mondrian. Numa entrevista a Eric Rohmer (1920-2010) ouve-se que toda a imagética do filme 'Noites de Lua Cheia' (1984) tivera como influência duas das composições do pintor modernista - uma das reproduções aparece na sala de Rémi.
Ora, 'Noites de Lua Cheia' é um filme que reflete tendências pós-modernistas, e traz referências antigas (escolhidas por Pascale Ogier) tais como a Bauhaus e De Stijl.
'Personellement je suis de la génération qui se à détacher de Mondrian, qui à assumi cette influence a sa jeunesse et qui à essayer de réagir contre l'abstraction. Mon goût aux cinema et une réaction contre l'abstraction. C'est assez curieux de voir que la jeune génération reviens à Mondrian.', Eric Rohmer
O filme desenvolve-se sob uma grande espontaneidade e naturalidade - há desencontros, mal-entendidos e equívocos - mas os objetos, os móveis, as lâmpadas e as roupas estruturam-se sistematicamente e compõem imagens luxuosamente pensadas e ordenadas.
O filme conta a história da frágil e etérea Louise (Pascale Ogier), dividida entre Marne-la-Vallée e Paris. Louise é uma personagem deslocada, não em sentido espacial mas em sentido temporal. As duas casas de Louise revelam um controlo absoluto sobre os objectos no espaço, porém afirma-se em simultâneo uma grande distância entre o discurso e o comportamento da personagem.
'Camille: Je t'ai apporté ces catalogues (Memphis Milano). Je pensais que ça t'intéresserait.
Louise: Oh, c'est formidable! Où est-ce que tu les a trouvés.
Camille: À Milan. Je rentre d'Italie. Tu ne savais pas? C'est lá que tu travailles?
Louise: Oui. Enfin, je fais des lampes avec des tubes incroyables, qui sont nouveaux, avec tout un système de mirroir, tu vois, qui réfléchit la lumière... Et puis j'ai fait peindre des petits embouts, un pied. Je travaille sur les couleurs.'
Nas pinturas de Mondrian é dada sobretudo importância aos valores mais primários: a linha, o plano e a cor. Mondrian, ao contrário dos cubistas, desejava passar a uma síntese formalmente rígida e ordenada (em que predominam as cores elementares, o branco, que é luz e o preto, que é não-luz). Argan acredita que Mondrian desejava revelar que as pinturas devem fazer transparecer a estrutura constante da consciência, apesar de todas as diversas e complexas experiências da realidade. Mondrian tentava reduzir ao mínimo a matéria complexa da realidade (em termos de cor, luz, e distância). O pintor transformava fenómenos em ideias feitas, 'que tinham a clareza, o carácter absoluto e a verdade intrínseca do pensamento pensado.' (Argan, 1992)
Para Mondrian, o artista tinha o dever de demonstrar (e de levar a todos) como descobriu uma verdade - porque acreditava que a pintura é um projeto de vida social, capaz de resolver as suas contradições diárias.
Mondrian demonstrava, sobretudo, que ao contrário do que se pensa, as sensações não são confusas, são antes do domínio da lógica e podem ordenar-se.
Sendo assim, o tão magnífico equilíbrio visual da fotografia de 'Noites de Lua Cheia', que contrasta mas ordena a desorientação e as contradições de Louise, é conseguida, tal como nas pinturas de Mondrian, através de uma forte unidade de cores (estas adquirem diferentes significados ao longo do filme) e de uma rigorosa organização espacial.