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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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O PRINCÍPIO DE ALBERTINA

  
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Em “Na aula de trabalhos femininos”, de autor anónimo, descreve-se uma discussão entre duas alunas e uma professora. A primeira aluna, “muito tímida e modesta,” gosta de arroz-doce e sabe fazer arroz doce. A segunda, Albertina, gárrula e imodesta, exprime predilecção por ovos moles. A professora interrompe-a: “E também sabes fazê-los?” “Albertina ouviu, ficou embaraçada, e disse que ainda não sabia muito bem.” A professora conclui secamente: “Pois é bom saberes.”

A professora manifesta uma opinião muito comum. Segundo essa opinião, gostar de uma coisa que não se sabe fazer é uma forma reprovável de gostar dessa coisa; e por isso é bom saber fazer as coisas de que se gosta. Exemplos de actividades reprováveis são: gostar da natureza e não gostar de sair de casa;  gostar de violino e não saber tocar violino;  gostar de romances e não ter a menor ideia de como se escrevem; gostar de política e não ter qualquer intenção de abraçar a carreira; e comer ovos moles feitos por terceiros. No meu caso sou culpado de cinco destes seis erros.

É verdade que numerosos progressos sociais e tecnológicos erradicaram o risco de não se conseguir fazer aquilo de que se gosta. Uma certa familiaridade com o violino pode ser conseguida sem dificuldade em cursos de doze lições, mesmo em cidades pequenas. No caso dos romances há sinais de que nem sequer são precisas lições. Ao contrário de Albertina, é assim concebível que se venha a chegar a uma situação em que as pessoas passem a gostar apenas das coisas que sabem fazer.

O princípio de Albertina faz apelo a emoções, sentimentos ou qualidades em vias de extinção. Entre estes conta-se a admiração por coisas que não sabemos fazer, por causa de não as sabermos fazer; e a admiração por pessoas que sabem fazer aquilo de que nunca seremos capazes. O princípio não equivale apenas à ideia de que há pessoas diferentes de nós, que na maior parte dos casos só é invocada para sugerir que ser diferente é indiferente. Equivale a outra ideia, muito menos comum: a de que muito possivelmente haverá pessoas melhores que nós.

Não é verdade que todos os consumidores passivos de ovos moles se limitem, como insinua a  professora, a viver à custa de quem os faz. Afinal de contas não admiramos aqueles à custa de quem vivemos por causa de nos deixarem viver à sua custa. A admiração e o respeito por quem é capaz de fazer certas coisas só podem ser suscitados em quem percebe que existe uma diferença importante entre aquilo que se admira e aquilo de que se é capaz. Perceber essa diferença é perceber que o mundo não começa nem acaba em nós. O princípio de Albertina parece-me por isso um princípio moral importante.


Miguel Tamen
Escreve de acordo com a antiga ortografia

CRÓNICA DA CULTURA

 

Constitui a consciência uma instância de apelo quando as certezas se inquietam?

 

Ainda que assim seja este apelo parece frágil se o confrontarmos com a evocação da Lei como sendo a melhor saída em sede de Moral.

 

Creio ser de nos debruçarmos sobre uma polémica que no séc. XVII opôs Pascal e os jansenitas – que tão só conheço como movimento teológico distinto dentro da Igreja Católica e que surgiu postumamente do holandês Cornelius Jansen - a um enorme número de católicos.

 

Não esqueço que na Igreja católica a Lei infalivelmente transmitida será e foi sempre a que levou à estrada da vida moral autêntica.

 

Contudo, parece poder-se afirmar que o que visa uma moral recta, num regime de uma sociedade, é o que leva ao recurso da instância da consciência, sem se poder admitir que não existem flutuações afetadas pelo relativismo pois que o recurso à fé não é o único pelo qual se optou, e, nem mesmo a fé, é sempre vivida como montanha de infraestruturas inabaláveis.

 

Gostava de chegar a tratar este tema com a profundidade que merece. Inquieta-me não saber ainda explicar com segurança e clareza o quanto sinto que as tradições não constituem já base de decisão, mas sim, devemos procurar dentro da articulação tão difícil da Ética e da Moral o compromisso que nos acuda, assente em consciências, que, afinal são em si, situações culturais e por onde cada um pode encontrar carreiro sensato.

 

Herdámos uma coexistência de sistemas morais. Cabe-nos fazer deles uma força e entendê-los nos seus paradoxos e nas nossas fraquezas.

 

Que todos nos saibamos submeter à prova de expor sem medo as regras da cidade de cada um, o que supõe um trabalho de discernimento de valores e seus opostos que irão ditar a nossa decisão face ao nosso projeto de vida, decidindo ou não recorrer à consciência como instância.

 

Permitam que assim deixe uma proposta.

 

Teresa Bracinha Vieira