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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

Be the change that you want to see
Gandhi

 

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As realidades do mundo atual que envolvem as desigualdades crescentes, os colapsos climáticos, as crises que envolvem défices democráticos, as guerras cruéis, tudo numa amálgama de onde surge uma ausência de esperança e um pessimismo crescente face à nossa capacidade para reagir, implica, decisivamente, uma resistência criativa para que do facto consumado se reaja criando mundos que ainda não existem.

Uma busca com resposta é a que procura realizar futuros diferentes envolvendo novos processos de análise e reflexão na busca para o bem, corrigindo, igualmente, tanto quanto possível, os mais tremendos erros cometidos no passado.

O exercício de uma objetividade mais atenta pode permitir-nos ver como desfazer o que está mal ou criar alternativas credíveis a uma substantiva luta.

Julgamos que o presente reconhecerá os motivos da agonia se não imaginar apenas já ter ultrapassado  a mercantilização de muitos passados e se não recear deitar mão da utopia que tão necessária tem sido ao arranque concreto de tempos novos.

Necessariamente há que imbuir a razão de grande intuição e de sincera comoção a fim de que se não tropece num novo mundo fantasiado num hipotético topo, mas antes se esclareça que nunca devemos desistir de um mundo melhor, combinando crítica com imaginação.

Nestes tempos tão difíceis temos de conseguir entrever a forma de corporizar as alternativas e deitar mão à esperança, não permitindo que em nós cresça a desconfiança generalizada nas instituições democráticas, e no declínio dos valores humanos.

Precisamos de dar voz à voz e concretizar outras maneiras de ser, nomeadamente começarmos por ser a mudança que tanto desejamos, nunca permitindo a perda de um futuro para mundo.

 

Teresa Bracinha Vieira

 

 

CRÓNICA DA CULTURA

Desrespeitar a humanidade é impedir-lhe a sua ideia de liberdade

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   Allin Braund

Substituir a antiga opressão por outras opressões mais contemporâneas em nome de imperativas e perversas mudanças?

Criar formas de vigilância e censura mais agressivas usando o poder das máscaras com que se disfarçam?

Adubar o nascimento e o crescimento de quem gosta de ser mandado e não arrisca pensar sozinho?

Manter a ordem na não transformação e no não progresso do ser como se todos fossemos um enclave?

Mas não somos nós um palimpsesto vivo em que se entrecruzam diferentes processos históricos?

Mas não somos nós uma maioria na tentativa constante de um processo de emancipação?

Mas não somos nós nesse processo sempre dissidente, os que bem compreendemos o quanto desrespeitar a humanidade é impedir-lhe a sua ideia de liberdade, a sua experiência da existência singular?

Mas não somos nós natureza, cultura, extensão, nascimento, possibilidade, desabrochamento, condição de não cativo, ideal?

Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICA DA CULTURA

Não basta modernizar as linguagens dos lugares-comuns
 

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Aqui chegados, cremos que há que partilhar o quanto nos temos mostrado alheios ou distraídos do errado na sociedade contemporânea, sem que a nossa responsabilidade e empenho para uma genuína melhoria do bem-estar do Homem se tenha feito notar.

Precisamos, seguramente, de criar alternativas ao que no mundo tem condenado as gentes a aceitar que o bem-estar é para poucos.

Em rigor, já assistimos a horrores numa escala desconhecida, e que bem nos tem alertado à urgência de uma mudança significativa, à qual ainda não nos apresentámos com vigor e em conjunto.

De registar, que a nossa surpresa face a um “novo” império de crueldade mascarada de falsa beatitude, de apelativas e sedutoras inverdades, repousa e muito, na ausência da nossa força apostada nas melhorias dirigidas a quem sentia e sente, que nós já abandonámos o reflexo de dor humana.

Por óbvio que o “novo” poder escuro, inquisitivo, manipulativo, germinador de medos, nunca foi alheio às nossas falhas como berço do seu regresso.

Continua este poder que é medo dos medos, a aprofundar uma descrença palpável do homem em si mesmo, um mistério sobre a sua ignorância que muito convém adubar, colonizando famintamente toda a vida quotidiana a fim de que se instale um domínio mecânico.

Não tem este poder, uma ideia que construa uma verdadeira visão alternativa para aquilo que a vida deveria ser em humanidade.

Questionemos, pois, o que poderemos fazer agora para mitigar a ausência de empatia, o que poderemos fazer que nos faça merecer a honra do belo que o homem é capaz de gerar, do belo que já provamos que o homem é capaz de multiplicar, sobretudo quando vai para além das estatísticas dos mínimos indispensáveis.

O imperativo de nos melhorarmos quotidianamente é o que segura todas as experiências que possam gerar vida digna; todas as situações em que o presente não descure o entender o passado, e que aprenda, o quanto para findar a agonia não basta modernizar as linguagens dos lugares-comuns

E o início da passagem far-se-á por aí.


Teresa Bracinha Vieira

PESSOAS E NÊSPERAS 

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Apesar de não comermos uma nêspera boa há pelo menos trinta anos o nosso amor pela categoria nêspera não sofre qualquer revés. A decepção reiterada com nêsperas não atenua a constância da nossa afeição pela espécie. Não é de espantar: demoramos a mudar de opinião sobre generalidades. 
 
Com pessoas parece ser diferente. “O meu amor”, declarou um escritor, “é por indivíduos.” Poucas pessoas gostam de pessoas em geral. O amor genérico tem à primeira vista inconvenientes: parece insuficientemente afectuoso; e por outro lado é impreciso: não sabemos bem de quem estamos a falar quando falamos da espécie. A maioria gostará por isso prudentemente de algumas pessoas, seis ou sete; e tem cuidado em não se comprometer com generalidades, justamente porque lhe acontece muitas vezes mudar de opinião a respeito dos outros. 
 
Quem passa a vida a mudar de opinião não tem no entanto opiniões: tem inclinações temporárias. Não lhe é impossível ser um misantropo de manhã e um filantropo ao pôr do sol. Basta-lhe encontrar um ser odioso ao acordar, e uma criatura amável à hora de ir para a cama. Perguntado sobre a espécie humana, diria em rápida sucessão que é odiosa e amável e odiosa. “A humanidade,” observa com astúcia, “é neste momento detestável.” Quando começa a tentar justificar-se, porém, já mudou de ideias; passou-lhe a inclinação. 
 
A quase ninguém admira que as nossas teorias sobre a humanidade mudem com as nossas companhias. Muitos mais se admirariam que nossas opiniões sobre gravidade, os números primos, ou aliás sobre nêsperas mudassem sempre que víssemos um balão, considerássemos o número 1, ou comêssemos outra nêspera má. A quase ninguém repugna o facto de sermos constantes a respeito de nêsperas; e de sermos volúveis a respeito de pessoas. 
 
Podíamos experimentar ser mais constantes a respeito de pessoas; e que pelo menos falássemos das outras pessoas como quem fala de nêsperas. O nosso amor genérico por nêsperas não é incompatível com avaliações severas ou entusiásticas de nêsperas individuais, e com uma grande atenção às características de cada uma. A regra é porém a de continuar a gostar de nêsperas mesmo depois de uma série longa de decepções frutícolas. A nossa opinião sobre nêsperas é fiel, como aquelas que temos sobre as leis da física, certas praias, e o princípio do terceiro excluído. Altera-se tão devagar como a posição relativa dos continentes; e, como esta, não se altera por causa de impressões pessoais. 
 
Devíamos tratar as nossas opiniões sobre pessoas como tratamos as nossas opiniões sobre tudo o resto, incluindo sobre nêsperas. É justamente porque a nossa experiência do género humano é no fundo parecida com a nossa experiência dos outros géneros, incluindo o das nêsperas, que não parece boa ideia deixar que as nossas inclinações temporárias se transformem em teorias. Nenhuma série de maus anos agrícolas pode justificar a misantropia.
 
Miguel Tamen
Escreve de acordo com a antiga ortografia