Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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A crónica da semana passada terminava com a pergunta: Por que é que o acesso das mulheres ao ministério sacerdotal não teve sequer possibilidade de ser colocado no Documento Final do Sínodo sobre a sinodalidade, aprovado pelo Papa Francisco em Outubro de 2024? E prometia tentar na crónica de hoje explicar como esta é questão decisiva na Igreja.
A discriminação das mulheres pela Igreja oficial constitui um escândalo e um pecado. De facto, é contra os direitos humanos e a vontade de Jesus. Tentarei desfazer equívocos para ir ao essencial.
1. O próprio Papa Francisco tem impedido colocar a questão, argumentando que “o sacerdócio é reservado aos varões, como sinal de Cristo Esposo que se entrega na Eucaristia”.
Como responder? Sim, Jesus é a visibilização de Deus, mistério indizível, em humanidade. O Evangelho segundo São João escreve que o Verbo (o Logos, Palavra) se fez carne (em grego, sarx), humanidade frágil. Sim, Jesus é homem, mas, como faz notar Marta Zubía, o que o Evangelho quer dizer é que o Verbo se humanizou, não que se varonizou, que “se fez homem (anthropos, homo) e não que se fez varão (aner, vir). Deus não se humanizou na sexualidade de Jesus, mas na sua pessoa, na sua humanidade. Esta redução, agravada pelo uso exclusivo de linguagem e imagens masculinas, leva a considerar a masculinidade, pelo menos na prática, como uma característica essencial do próprio Deus.”
2. Neste sentido, há quem argumente também que na Última Ceia só havia homens, os Apóstolos - afirmação muito discutível - e que só a eles foi entregue o governo da Igreja. O teólogo Herbert Haag, talvez o maior exegeta do século XX, respondeu que então, uma vez que todos eram judeus, só se poderia ordenar judeus!...
3. Jesus trouxe por palavras e obras a melhor notícia que a Humanidade teve: Deus é bom, Pai/Mãe e todos os homens e mulheres são seus filhos e, portanto, irmãos. Isso era intolerável para os interesses do Templo e do Império, que se coligaram para o assassinar. Portanto, Jesus não foi vítima de Deus, mas dos homens. Que Deus seria esse que teria precisado da morte do Filho para aplacar a sua ira? Note-se que Joseph Ratzinger, quando era só professor, escreveu que recusava acreditar que Deus se tornou “misericordioso” só depois de ver satisfeita a sua “vingança”. Opondo-se à teologia da “satisfação” que situava a cruz “no interior de um mecanismo de direito lesado e restabelecido”, rejeitou a noção de um Deus “cuja justiça inexorável teria exigido um sacrifício humano, o sacrifício do seu próprio Filho. Esta imagem, apesar de tão espalhada, não deixa de ser falsa”.
4. Foi também Herbert Haag que mostrou que as primeiras comunidades cristãs celebravam a Eucaristia, um banquete festivo, recordando a memória de Jesus, o que Ele disse e fez, a sua morte e ressurreição, e aprofundando o seu compromisso na realização do Reino de Deus... Quem presidia era um cristão ou uma cristã com uma casa melhor para se juntarem. Foi com a interpretação da Eucaristia como sacrifício que surgiram os sacerdotes, com uma ordenação sacra, o que levou, contra a vontade de Jesus que disse: “sois todos irmãos”, à divisão em duas classes: clero e leigos...
5. Como mostro no meu mais recente livro - O Mundo e a Igreja. Que Futuro? -, a Igreja sempre teve carismas, funções, ministérios..., mas nem Jesus, nem os Apóstolos ordenaram sacerdotes. Ela precisa de uma profundíssima reforma, e a não-discriminação das mulheres é essencial.
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado no DN | 24 de janeiro de 2025
1. É sabido quanto o Papa Francisco se tem empenhado na renovação da Igreja, também no sentido de colocar mulheres em altos cargos de governo na Cúria. Mesmo assim, constituiu uma autêntica revolução o anúncio feito pelo Boletim da Santa Sé no passado dia 6, dia da Epifania: pela primeira vez na história do Vaticano uma mulher foi nomeada Prefeita (Ministra) do Dicastério (Ministério) para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. Trata-se da irmã Simona Brambilla, das Missionárias da Consolata, licenciada e doutorada em Psicologia pela Universidade Gregoriana.
2. No Documento Final do Sínodo sobre a sinodalidade, aprovado pelo Papa Francisco em Outubro de 2024, pode ler-se um belo texto sobre o lugar das mulheres na Igreja, Povo de Deus. Reza assim no número 60:
«Em virtude do Baptismo, homens e mulheres gozam de igual dignidade no Povo de Deus. No entanto, as mulheres continuam a encontrar obstáculos para obter um reconhecimento mais pleno dos seus carismas, da sua vocação e do seu lugar nos vários sectores da vida da Igreja, em detrimento do serviço à missão comum. As Escrituras atestam o papel de primeiro plano de muitas mulheres na história da salvação. A uma mulher, Maria de Magdala, foi confiado o primeiro anúncio da Ressurreição; no dia de Pentecostes, Maria, a Mãe de Jesus, estava presente no Cenáculo, juntamente com muitas outras mulheres que tinham seguido o Senhor. É importante que as passagens relevantes da Escritura encontrem lugar apropriado nos leccionários litúrgicos. Alguns momentos cruciais da história da Igreja confirmam o contributo essencial das mulheres movidas pelo Espírito. As mulheres constituem a maioria daqueles que frequentam as igrejas e são frequentemente as primeiras testemunhas da fé nas famílias. São activas na vida das pequenas comunidades cristãs e nas paróquias; dirigem escolas, hospitais e centros de acolhimento; lideram iniciativas de reconciliação e de promoção da dignidade humana e da justiça social. As mulheres contribuem para a investigação teológica e estão presentes em posições de responsabilidade nas instituições ligadas à Igreja, na Cúria diocesana e na Cúria Romana. Há mulheres que exercem cargos de autoridade ou são responsáveis pela comunidade. Esta Assembleia convida a dar plena implementação de todas as oportunidades já previstas no direito vigente relativamente ao papel das mulheres, particularmente nos lugares onde estas continuam por cumprir. Não há razões que impeçam as mulheres de assumir funções de liderança na Igreja: não se pode impedir o que vem do Espírito Santo. A questão do acesso das mulheres ao ministério diaconal também permanece em aberto. É necessário prosseguir o discernimento a este respeito. A Assembleia convida também a prestar maior atenção à linguagem e às imagens utilizadas na pregação, no ensino, na catequese e na redacção dos documentos oficiais da Igreja, dando mais espaço ao contributo de mulheres santas, teólogas e místicas».
3. Aqui chegados, permanece a pergunta de sempre: porque é que a questão do acesso das mulheres ao ministério do diaconado fica apenas em aberto?, mas sobretudo: porque é que a questão do acesso das mulheres ao chamado ministério sacerdotal não teve sequer possibilidade de ser colocada?
Esta questão constitui um problema central dentro da Igreja. Tentarei na próxima crónica explicar como ela é inclusivamente uma questão decisiva.
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado no DN | 17 de janeiro de 2025
1. Hoje, dia 8 de Março, é o Dia Internacional da Mulher. Mas dias da mulher são todos. Da mulher e do homem. Porque só com homens e mulheres, iguais e diferentes, há humanidade e futuro. Diferentes, mas com dignidade e direitos iguais. Só porque ainda se não reconhece ou, pelo menos, não suficientemente, essa igualdade de dignidade e direitos, é que é necessário haver o Dia da Mulher.
Também na Igreja, não existe, desgraçadamente, esse reconhecimento. O próprio Papa Francisco, recentemente, depois de declarar que o preocupa que continue a persistir “uma certa mentalidade machista, inclusive nas sociedades mais avançadas, nas quais há actos de violência contra a mulher, convertendo-a em objecto de maus tratos, de tráfico e de lucro” (pergunto: saberá ele que em Portugal neste ano de 2019 já houve 12 mulheres assassinadas em contexto de violência doméstica?), disse: “Preocupa-me igualmente que, na própria Igreja, o papel de serviço a que todo o cristão está chamado deslize algumas vezes, no caso da mulher, para papéis que são mais de servidão do que de verdadeiro serviço.”
A gente pasma ao constatar que esta situação de subalternização e exploração continue, pois Jesus manifestou claramente a igualdade. Contra o que se via e praticava no seu tempo, teve, com escândalo de muitos, discípulos e discípulas — pense-se nos amigos íntimos Lázaro, Marta e Maria; pense-se na samaritana, a quem, apesar de estrangeira, herética, pecadora, se revelou como o Messias; pense-se em Maria Madalena, por quem teve uma predilecção especial e que, após a crucifixão, foi a primeira a fazer a experiência avassaladora de fé de que o Jesus crucificado está vivo em Deus e voltou a reunir os discípulos para que fossem anunciar a Boa Nova do Evangelho, de tal modo que até Santo Agostinho a chamará “Apóstola dos Apóstolos”...
Foi através de Jesus que veio ao mundo a ideia e a realidade da dignidade da pessoa e de que todos têm a dignidade de pessoa, com direitos divinos, respeitados pelo próprio Deus, que é Pai e Mãe de todos. Nesta consciência, São Paulo escreverá aos Gálatas: “Em Cristo, já não há homem nem mulher, judeu ou grego, escravo ou livre”. E na Carta aos Romanos menciona Júnia, “ilustre entre os Apóstolos”.
2. Também na Igreja, as mulheres estão em processo de emancipação e querem e lutam por libertação, contra a opressão. Teve imensa repercussão há uns meses aquela reportagem do suplemento feminino “Mulheres, Igreja, Mundo” do Osservatore Romano, diário oficioso do Vaticano, de que aqui me fiz eco, na qual várias freiras se queixavam e denunciavam situações de exploração laboral e subalternização por parte de cardeais, bispos e padres: “as irmãs não têm horário”, “o pagamento é baixo ou nenhum” e “raramente são convidadas a sentar-se à mesa de quem servem”. Simples criadas.
E houve agora um grito de alarme da União Internacional das Superioras Gerais, que representa mais de meio milhão de religiosas, exprimindo a sua “profunda tristeza e indignação pelas formas de abuso que prevalecem na Igreja”. O próprio Papa, no voo de regresso da sua viagem histórica aos Emirados Árabes Unidos, admitiu abusos sexuais e de poder contra as religiosas dentro da Igreja, reconhecendo que vêm de longe: “É verdade. Dentro da Igreja houve sacerdotes e bispos que fizeram isso. E julgo que ainda se faz. Há já algum tempo que estamos a trabalhar nisto. Suspendemos alguns clérigos... É preciso fazer mais? Temos vontade? Sim, Mas é um caminho que vem de longe.” Lucetta Scaraffia, a jornalista que dirige o já citado suplemento do Osservatore Romano, denunciou que realmente existem “muitos casos” de abusos laborais e sexuais que freiras sofreram por parte dos superiores: “É um problema muito grave, não só porque se trata de religiosas, mas porque à violência muitas vezes segue-se o aborto.”
Neste contexto, a teóloga Marinella Perroni, sublinhando o esforço que muitas religiosas fazem para que “a Igreja se transforme em expressão de liberdade feminina e não de marginalização e subordinação”, confessa: “A condição das mulheres dentro da Igreja reflecte a condição das mulheres na sociedade civil.”
A Igreja é constituída por homens e mulheres. Por isso, as mulheres não podem continuar marginalizadas, como se viu ainda recentemente de modo escandaloso no Sínodo sobre os jovens. Por um lado, o documento final pede uma maior “presença feminina nos órgãos eclesiais em todos os níveis”. Mas, por outro, facto é que nenhuma das 30 mulheres que participaram nos trabalhos sinodais teve direito a votar. Houve uma petição online para que o pudessem fazer, e em poucos dias recebeu mais de 7000 assinaturas. Mas, respondendo às críticas, o bispo holandês Everardus Johannes de Jong declarou: “Penso que a presença das mulheres é clara, escutamo-las. Mas Jesus escolheu homens como apóstolos.”
Fica a pergunta: e se as mulheres fizessem greve na Igreja?
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado o no DN | 8 MAR 2019