Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
E se tal como aconteceu com a escravatura que foi abolida ao longo da história, se o mesmo acontecesse com as guerras na volta do mundo?
Como é evidente, há várias formas de escravatura e nunca se têm mostrado definitivas, mas os tempos em que as sociedades têm vivido com formas de liberdade não residuais, também não será de esquecer.
As evidências mudam as nossas ideias e, nomeadamente as que se referem às desigualdades sociais. Contudo, não existem muitos pensares escritos sobre o oposto do modelo em que vivemos.
Mostra-se difícil publicar o modo como um escadote pode ser subido ao contrário: de cima para baixo, sem o peso da bagagem que nos ensinou o oposto.
Fazemos silêncio quando os humanos vão contra as correntes tal como acontece nas artes e, porventura esse silêncio equivale a uma falta nossa, no não abordar as questões em perspetiva diversa da habitual.
Na prática, quando mudam as polaridades, os indivíduos registam dificuldades no reconstruir da maioria das ligações expressas pela criatividade.
O grau de confiança que se deposita no ato de criar depende da facilidade com que o mesmo é entendido.
De um modo ou de outro, vive-se aceitando ser membros de um séquito que se descodificou o suficiente para o não contestar em demasia, o que atrai invariavelmente a maioria das pessoas, ditas normais, a uma submissão paternalista.
Todavia, na volta do mundo, as organizações antecipam o colapso, mas não sem que antes, a todos nós-primeiros, tenha sido dada a opção de um outro primeiro passo.
1. Julgo que nunca a Humanidade enfrentou tantas e tão graves ameaças como hoje. Só exemplos: as alterações climáticas; guerras dispersas; a guerra nuclear; as NBIC (nanotecnologias, biotecnologias, inteligência artificial, ciências cognitivas, neurociências) na sua ambiguidade, pois há novas possibilidades, mas também perigos: frente às possibilidades do trans-humanismo e do pós-humanismo, é preciso reflectir sobre o que verdadeiramente queremos; as batalhas digitais; o controlo digital pelos Estados; bebés transgénicos; experiências com híbridos; migrações incontroláveis; as lutas tecno-económico-políticas pela supremacia global; as drogas; a injustiça estrutural global; o atropelo dos direitos humanos...
A questão é que estes problemas tão complexos são globais e a politica é nacional, quando muito regional, com Governos que governam para o curto prazo, para ganhar eleições, mas estes problemas são globais e exigem soluções a longo prazo. Não precisamos, portanto, de erguer uma Governança Global? Não digo, evidentemente, Governo mundial, mas Governança Global, já que os problemas enunciados e outros só com decisões ético-jurídico-políticas globais poderão encontrar solução.
Neste contexto, é preciso contar com o apoio da Igreja. A Igreja Católica é a única instituição verdadeiramente global: presente em todo o mundo e em todos os estratos sociais. É, pois, fundamental poder contar com o seu contributo decisivo enquanto voz politico-moral global. Evidentemente, por si mesma e também em ligação com as outras Igrejas cristãs e em diálogo com as grandes religiões mundiais. A pergunta é: que revolução é preciso operar na Igreja para ela poder desempenhar esta missão imprescindível?
É neste horizonte que se situa o meu mais recente livro, 479 páginas, com o título O Mundo e a Igreja. Que futuro?. Acaba de ser distribuído pelas livrarias.
2. Tem quatro partes.
2.1. Depois da Introdução a elencar as crises actuais — crise sanitária, crise ambiental, crise económica e social, crse migratória, crise política, crise das relações humanas, crise educativa, crise religiosa —, a primeira parte intitula-se: Tempo para pensar. Invadidos pelo achismo, a sida espiritual, a ganância do ter e do poder pelo poder, precisamos de parar para pensar. Isso: pensar, de pensare, pesar razões, ir ao mais fundo, para encontrar a sabedoria de viver e ser feliz, reflectir sobre as feridas e ameaças à Humanidade, sobre as finalidades humanas, as razões da esperança...
2.2. Segunda parte: O sofrimento, a morte e Deus. Parte-se de um conceito holístico de saúde e reflecte-se sobre os dados científicos que mostram como a prática religiosa influencia positivamente a saúde. Perante a morte, ergue-se a interrogação essencial, que está na base das artes, das filosofias, das religiões: o que é o Homem? Frente à morte, impõe-se, clara, a distinção entre bem e mal, entre o que verdadeiraemnte vale e tudo o resto. Ah, e a pergunta de Tolstói em A morte de Ivan Ilitch: “Onde estarei quando já não existir?” Qual é o Sentido último da existência? Há razões para acreditar que na morte não encontraremos o nada mas a plenitude da vida em Deus?
2.3. Terceira parte: Francisco, um cristão reformador. Como escreveu P. Seewald, seu biógrafo, Joseph Ratzinger, “o primeiro Papa do terceiro milénio” com o nome de Bento XVI, era, “do ponto de vista formal, o Papa mais poderoso de todos os tempos. Nunca a Igreja Católica estivera tão espalhada pelo mundo.” Mas os problemas eram gigantescos e os lobos não largavam a vinha do Senhor. No dia 11 de Feveiro de 2013, Bento XVI declarou a renúncia ao pontificado. O sucessor, Francisco, foi eleito no dia 13 de Março seguinte, e rapidamente conquistou o mundo. ‘Franciscano’ e jesuíta, é um líder político-moral global, hoje talvez o mais amado e influente. Simples, ele é um cristão. O que o move é o Evangelho de Jesus, a favor da dignidade de todos, da fraternidade e da paz, no quadro de uma “ecologia integral”. Enfrenta sem hesitar os escândalos na Igreja, da tragédia da pedofilia do clero à imensa corrupção no Vaticano. Quer uma Igreja à maneira de Jesus, que a todos acolhe, aberta ao diálogo ecuménico e inter-religioso. O protocolo manda dirigir-se-lhe como “Sua Santidade”, mas, na verdade, ele é “Sua Fraternidade”.
2. 4. A quarta parte quer enfrentar precisamente a urgência do caminho de uma revolução na Igreja: Uma Igreja outra. Urge a abertura a “uma Igreja em saída”, desconfinada de dogmas estéreis, clericalismos, tradições fossilizadas, ritualismos mortos, que não transmitem vida. Para isso, só há um caminho: que cada cristão volte a fazer uma experiência pessoal de encontro com a pessoa de Jesus Cristo e o seu Evangelho, notícia boa e felicitante, e não Disangelho, notícia má e de desgraça, como denunciou Nietzsche. Claro que alguma organização é necessária, mas não a que está em vigor, que leva à criação de duas classes na Igreja. Qual é a revolução que falta? A partir do facto de que Jesus não ordenou sacerdotes, que consequências tirar?
Estou grato ao Arquitecto E. Souto Moura pela capa, que apresenta de modo tão apelativo o livro à visibilidade pública. Os primeiros leitores foram Maria de Belém Roseira e Paulo Rangel, e devo-lhes o privilégio de uma leitura atenta e generosa, seguida de um Prefácio e um Posfácio, respectivamente, iluminantes, tão enriquecedores, com ideias fortes, originais e até inesperadas.
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado no DN | 6 de novembro de 2021