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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A FORÇA DO ATO CRIADOR

  


As formas estranhas permitem que as fronteiras entre nós e a natureza cessem de existir.


“Even as a child I had had at intervals a fondness for observing strange forms in nature, not so much examining them as surrendering myself to their magic, their oblique message.” (Hesse 2017, 84)


No livro “Demian”, Hermann Hesse escreve acerca das formas estranhas que existem na natureza. Estas ao misturarem-se com a nossa imaginação e com os nossos sonhos passam a pertencer ao nosso corpo - e assim passam a ser reconhecidas como nossas.


Hesse explica que, a consideração do irracional e a rendição ao estranho na natureza, produz uma sensação de harmonia do nosso ser interior com a vontade maior responsável por essas formas. As novas formas, e aquilo que nos é estranho demora tempo a fazer parte de nós. Mas assim que, nessas formas permanecemos, logo nos arriscamos a entendê-las como fazendo parte da nossa própria criação, invenção e imaginação.


Estas formas permitem que as fronteiras entre nós e a natureza cessem de existir. Hesse clarifica que, os limites entre nós e a natureza, ao estremecerem e se dissolverem fazem com que sejamos incapazes de decidir se os nossos contornos físicos resultam de impressões exteriores ou vindas de dentro de nós.


“Long tree-roots, coloured veins in rock, patches of oil floating on water, flaws in glass - all such things had a certain fascination for me, above all, water and fire, smoke, clouds, dust and especially the swirling specks of colour which swam before my closed eyes.” (Hesse 2017, 84)


Hermann Hesse sugere que as formas estranhas abrem a possibilidade de fazermos parte integrante da natureza e de ter a capacidade de criar com ela, em uníssono. Para Hesse, é através dessas formas que se descobre simplesmente o quão criativos somos e que o nosso corpo e espírito efetivamente participam no invento contínuo do mundo.


As formas da mundo completam-se em nós e nós completamo-nos através delas. Essas formas misturam-se com a nossa invenção, imaginação, com projeções, expetativas e desejos. Não existem assim puras em si mesmos, e não terminam nos seus limites designados. Vão para além do que está demarcado. E o irracional da natureza faz-nos ter consciência disso.


Hesse acredita, deste modo, que existe uma entidade indivisível que actua simultaneamente em nós e na natureza, e que se manifesta através da nossa capacidade de criar e imaginar, e que poderá até ter a capacidade de salvar o mundo, se este for destruído. Porém isso só acontecerá se cada forma da natureza encontrar um eco, uma ressonância e um reflexo em cada ser.


“For mountain and stream, tree and leaf, root and blossom, every form in nature is echoed in us…” (Hesse 2017, 85)


Hesse escreve que todas estas formas coincidem e realizam-se na eternidade que existe dentro de cada um de nós, e manifestam-se na capacidade que cada ser tem em criar.


Hesse acredita que natureza acrescenta-se e conclui-se com o sonho e a presença do ser humano. E por isso, Hesse escreve que as coisas que vemos são as coisas que já existem dentro de cada um de nós e acrescenta que cada ser humano contém dentro de si todo o conhecimento do mundo: “We always set too narrow limits on our personalities. We count as ours merely what we experience differently as individuals or recognize as being divergent. Yet we consist of the whole existence of the world, each one of us, and just as our body bears in it the various stages of our evolution back to the fish and further back still, we have in our soul everything that has ever existed in the human mind.” (Hesse 2017, 85)


Ana Ruepp

A VIDA DOS LIVROS

  

De 15 a 21 de maio de 2023


Em Yuste, foi entregue na passada semana o Prémio Europeu Carlos V. Recordamos aqui o marido da Imperatriz Isabel de Portugal, filha de D. Manuel I e a tradição bem portuguesa do Dia da Espiga, que invoca a Cultura da Paz e a salvaguarda do meio ambiente e da proteção da Natureza.



A quinta-feira de Ascensão é, em Portugal, como aliás na Europa, um dia de grandes e antigas tradições. Se entre nós a data deixou de corresponder a um feriado, por troca com a festividade do Corpo de Deus, o certo é que grande parte dos feriados municipais tem essa invocação. No mundo rural havia mesmo o uso muito antigo de subir a um monte, como sinal de dedicação espiritual, de exigência pessoal e de homenagem à Ascensão aos céus do Senhor Jesus, quarenta dias depois da Páscoa e dez dias antes do Pentecostes. Mantém-se, porém, a tradição de feitura de um ramo que assinala o Dia da Espiga, que pode variar de região para região, mas tem a sua base definida. Em regra, é constituído da seguinte forma, por seis elementos: por uma Espiga de trigo, que corresponde ao desejo de fartura de pão; por Malmequeres, que simbolizam a abundância; por Papoilas que representam o amor e a vida; por um ramo de Oliveira pelo anseio de bom azeite e pelo apelo à paz; por um ramo de Videira, que almeja um bom vinho e muita alegria; e o Alecrim ou Rosmaninho que se ligam ao desejo de saúde e força. Diz-se que o ramo da Espiga deve ser guardado em casa, junto da porta de entrada, como sinal de bom augúrio, “não devendo ser perturbado na sua quietude, e apenas sendo substituído no ano seguinte por outro ramo de igual composição, mas mais viçoso”.


NATUREZA, DIGNIDADE E CULTURA DA PAZ
Esta simbologia, invoca três fatores de grande relevância e atualidade: o equilíbrio entre a humanidade e a natureza, a dignidade da pessoa humana como centro da vida comunitária e uma cultura de paz como base fundamental do aperfeiçoamento humano. Sendo a sociedade imperfeita, cabe-nos um esforço determinado no sentido da perfetibilidade. Pela experiência, pela aprendizagem, pela atenção e pelo cuidado, trata-se de usar o gradualismo como modo fazer da sociedade um lugar de diálogo e de emancipação. Esta ideia leva-nos à recente declaração do Secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, ao receber o Prémio Europeu Carlos V, que afirmou não ser a guerra coisa do passado, já que as divisões persistem e crescem, enquanto estamos a queimar a única casa comum. “Há famílias obrigadas a fugir de guerras ou de eventos climáticos extremos, numa escala não vista há décadas”. Urge compreender que “a paz é ilusória e a invasão da Ucrânia está a causar sofrimento e degradação do país e do povo”. Daí ser tempo de reinventar o multilateralismo, sem renunciar a uma identidade aberta – “em lugar das balas, devemos recorrer aos arsenais diplomáticos”.


As negociações, a mediação, a conciliação e a arbitragem têm de ser exaustivamente consideradas, a fim de se resolverem pacificamente os conflitos.   “O discurso de ódio, a polarização, o racismo e a xenofobia espalham-se à velocidade de um clique e perante o crescimento destes movimentos, é necessário defender a humanidade e rejeitar o discurso que explora as diferenças e mina a coesão territorial”. A pandemia expôs “fraturas chocantes” e, num olhar para a atualidade, as diferenças entre ricos e pobres e a crise do custo de vida estão a empurrar milhões para a pobreza. É urgente, assim, construir um mundo mais justo, mais inclusivo e digno que não deixe para trás ninguém. “Não pode haver paz duradoura sem solidariedade. Não há coesão social sem direitos humanos. Não há justiça sem igualdade”. De facto, importa articular as preocupações ligadas à paz na Europa e no mundo com a defesa e salvaguarda do meio ambiente e, no entanto, “uma ganância grotesca está a punir as pessoas mais pobres e vulneráveis, enquanto destrói a nossa única casa”.


A circunstância atual obriga a uma reflexão muito séria e determinada que permita integrar os grandes desafios humanos perante os quais nos encontramos. A guerra às portas da Europa é a ponta de um vulcão em atividade descontrolada. A situação da Ucrânia apresenta um perigoso impasse caracterizado pela persistência de uma perigosa destruição mútua. Desde o Médio Oriente ao Sudão, verifica-se a incapacidade de regulação por via diplomática. Contudo, além da força do ódio, prevalece o egoísmo suicida da sociedade do consumo e do desperdício, que afeta gravemente a sustentabilidade humana e ambiental. Algumas vozes, porém, reivindicando soluções imediatas e totais, apenas contribuem para arrastar os problemas e para justificar adiamentos dando espaço a quantos recusam solidariedade em relação às gerações futuras. Em lugar de medidas urgentes para garantir a justiça distributiva e preservar a equidade entre gerações persiste a ideia de que não vale a pena contrariar uma suposta fatalidade quanto à destruição do nosso planeta único…


Guilherme d’Oliveira Martins

Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença

CRÓNICA DA CULTURA

PRIMAVERA
Uma Vida No Nosso Planeta

  


Pensar que a primavera será sempre uma forma de rebelião das cores, um modo de recombinar resistências, é algo que nos conduz a sermos pedrinhas que começando a rolar, iniciam uma avalancha.

Transformar a habitação em edifícios sustentáveis, nomeadamente utilizando fontes renováveis de energia e possibilitando os benefícios dos moradores face às resistências térmicas apuradas, constitui a capacidade de entender o ambiente como um conjunto de flores, cujo significado está contido dentro de tudo o que é vida.

A degradação ambiental patente nos nossos dias, também tem lugar porque ninguém protegeu o desconhecido por razões desconhecidas.

Os hábitos humanos não priorizaram a proteção ambiental e o consumo sustentável.

O homem faz parte integrante da natureza e destruiu-a e destrói-a a ritmos nunca vistos.

A pandemia covid-19 lembrou-nos bem como natureza e humanidade estão ligados.

Também David Attenborough, nos alertou como nos estávamos a tornar cada vez mais tóxicos para o nosso planeta, e hoje, procuramos aqui e além, um manual de sobrevivência que, afinal, só pode residir na lança da proposição “we need to rewild the world”.

Que nos seja retirado o poder de impedir as primaveras e que toda a natureza possa retomar a sua vida.

O futuro radioso terá início na oportunidade que nos dermos enquanto espécie e parte de todas as espécies.


Teresa Bracinha Vieira

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  


122. (IN)TERMINÁVEL MOVIMENTO ENTRE VIDA, MORTE E NATUREZA


Schopenhauer defendia que os pensamentos humanos pouco podem contra a força da natureza. O ser humano crê ser o seu centro, do mundo e do universo, o que faz com que a ideia de morte, que é certa e não muito distante, não o perturbe, vivendo como se o pudesse fazer eternamente, como se fosse imortal.     

Acrescenta, porém, que à natureza não interessa o indivíduo em si, mas a(s) espécie(s), pelo que investe primordialmente na sua conservação através de uma pujante produção de sementes ou por uma generosa fecundidade. 

Assim, no momento em que pensamos na morte, deixamos de ser as pessoas individualizadas e autónomas que éramos e identificamo-nos, a partir daí, como um dos elementos de uma espécie, tornando-nos imortais, dado que uma espécie nunca morre e vive para sempre.   

Filtrando este pensar, é como dizer que o ser humano labuta, labuta sem parar, e a matéria, o tempo e a vida movem-se em perene movimento e nada perdura, muito embora o que chega e vem depois não seja diferente do que já findou.   

Morremos, os nossos descendentes continuam e são os sucessores das consequências e resultados do nosso trabalho, dos nossos ganhos e erros. Há um infindável movimento de ciclo, em que humanos, animais e coisas nascem e morrem, dia após dia, ano após ano, século após século e assim sucessivamente, sem se chegar a um resultado permanente, numa ininterrupção que transita de geração em geração, morrendo uns e vivendo outros, sobrevivendo a espécie.         

Só que há os fabricantes do terror absoluto, em que o poder nuclear pode destruir todas as espécies, incluindo a nossa e a própria natureza, em que o tido como adquirido e interminável movimento entre vida, morte e natureza pode ser transitório e terminável, sem vencedores nem vencidos.  

 

21.10.22
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

TRANSFUGA DA NATUREZA...


Não se volta atrás, não há regresso possível. O que era foi, sem repetição alcançável. Disse Ortega y Gasset que "el hombre es un transfuga de la naturaleza". E por isso, por em cada um de nós se iniciar e progredir sempre a consciência da liberdade de ser, somos, em música, uma fuga. Desenvolvemos um tema. Ou, em poética, glosamos um mote. À procura dessa qualquer harmonia, do que, à frente e para além, nos reconstitua na felicidade. Esta terá sido perdida - assim nos contam os relatos originais em textos religiosos e filosóficos - mas talvez volte a ser possível, não como regresso, só como porvir. Os homens são como as árvores: precisam de raízes para crescer, são uma semente cuja sombra possível ninguém conhece. Mas no advento de qualquer futuro - ainda que incógnito - de pessoas, instituições, nações, culturas ou civilizações, há sempre uma parte decorrente do exercício da nossa responsabilidade. E este é inalienável. Este ano, o Prémio Nobel da Paz foi atribuído à União Europeia. Qualquer "Nobel" vale o que qualquer pessoa lhe queira atribuir, é contingente como todas as coisas do mundo. Mas, em tempo de crise, este gesto dá que pensar: afinal, o que se destaca e premeia é a realização de alianças e instituições supranacionais que conduziram a Europa das guerras a décadas de paz; mas é também uma chamada de atenção para um projeto que, parecendo emperrado, terá de encontrar inspiração e caminhos para o futuro. Quando, sem grande surpresa, recebi a notícia de já se discutiria quem, de entre Barroso, Van Rompuy e Schultz, deveria ir a Oslo receber o prémio, encantou-me a sugestão da Comissária Cacilia Malmstrom: "Porque não enviar 27 crianças?" E ocorreu-me uma ideia de Jean- Louis Bourlanges que já aqui citei: "Não foi a Europa que fez a paz, mas a paz que fez a Europa". Na verdade, na sua memória histórica que lhe mostrou o quanto violou o princípio da paz, todavia bem presente na inspiração cristã das suas raízes espirituais, encontrou a Europa a razão da paz que a uniu. Mas é hoje necessário compreender como a paz só se mantem pela justiça e pela solidariedade. Na verdade, a frase de Bourlanges não se refere à paz no sentido inspirador com que dela aqui falamos, mas quer, sim, dizer que a CEE percursora da União só foi possível graças à pax americana, garantida pelo plano Marshall e pela proteção defensiva que os EUA asseguraram. Pessoalmente, penso que essa "entrega" da defesa europeia explica, em grande parte, quer a incapacidade de se constituir uma intervenção europeia independente e comum em palcos internacionais como os Balcãs ou a Líbia, quer o acento posto, pelos Estados Membros, na preferência por ações em que cada um considerava prosseguir objetivos de interesse ou prestígio nacional. Hoje, já não temos Plano Marshall e temos o euro. A continuidade da construção europeia, de modo a assegurar a harmonia interna e a sua irradiação, portadora de valores de justiça, esperança e paz, num mundo global, só será possível se os nossos povos e os nossos políticos tomarem consciência firme da riqueza espiritual da Europa, onde mergulham as nossas raízes comuns e ganham sentido propósitos de entreajuda e solidariedade social. É certamente necessário pôr cobro ao facilitismo de um despesismo imprudente ou irresponsável, seja dos indivíduos ou dos Estados. E aqui será indispensável corrigir os comportamentos e propostas, sobretudo os relativos a símbolos de riqueza ou de poder (v.g. a frota automóvel da classe política) e ao gosto do luxo e do supérfluo, que os noticiários e a publicidade todos os dias nos apresentam. Só porque o exemplo também manda nas mentalidades. Como é necessário que os Estados hoje menos afetados pela crise compreendam que esta, agravando-se, começa a bater-lhes à porta. E que não é com ressentimentos históricos (de que a Alemanha, p.ex., foi vítima entre as duas grandes guerras do séc. XX) que se cria o clima propício à correção de erros e à procura de um futuro melhor. Finalmente, teremos de tratar a res publica com sentido no bem comum, e jamais no modo doentio da prossecução de interesses particulares, classistas, sectoriais ou partidários, nem com o desejo de protagonismo que torna a ação dos nossos políticos num lamentável exercício de "marketing" político. Antes, e mais do que económica e financeira, a nossa crise é de cultura ética.

 

Camilo Martins de Oliveira

Obs: Reposição de texto publicado em 19.10.12 neste blogue.