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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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MANDELA: A LIBERDADE E O PERDÃO

 

Em mais uma homenagem da Academia das Ciências a Nelson Mandela, no passado dia 20 de Novembro, também participei com uma comunicação, de que fica aí o essencial.

 

1. Há uma experiência de fundo: o ser humano não é objecto, coisa. Olhamos para as coisas como um “isso”, mas olhamos para os seres humanos como um “alguém”. Alguém que é um “tu” como eu e, ao mesmo tempo, um tu que não sou eu: outro eu e um eu outro, formando um “nós”. O outro, no seu rosto e olhar, impõe-se-me como um “alguém corporal”, a visibilidade de uma interioridade inacessível que se mostra e impõe.

 

A experiência radical de não se ser coisa dá-se na consciência da liberdade. Cada um, cada uma, faz a experiência originária de ser dado, dada, a si mesmo, a si mesma, experiência que se explicita na consciência de autoposse. Somos senhores e donos de nós. Muito cedo, a criança é capaz de dizer ao pai ou à mãe: não és minha dona, meu dono. Pertenço, antes de mais, a mim próprio, a mim própria.

 

Claro que a liberdade não é demonstrável. Aliás, se o fosse, não seria liberdade, mas coisa. A liberdade apresenta-se nesta experiência de autoposse e, consequentemente, na experiência de responsabilidade: respondo por mim e pelo que faço. Dada a neotenia — vimos ao mundo por fazer —, temos pela frente a tarefa essencial, constitutiva: fazermo-nos a nós mesmos, uns com os outros, no mundo. Poder-se-ia acrescentar que a experiência da liberdade é uma experiência transcendental: a liberdade afirma-se, mesmo na sua negação. De facto, se tudo estivesse sob o determinismo, não seria possível colocar a questão da liberdade e do determinismo enquanto tal.

 

A liberdade é o fundamento da dignidade humana. Perante alguém livre, impõe-se o respeito (de respicere: ver e ser visto no mútuo reconhecimento). Cá está: o ser humano não é coisa, não é meio; por isso, não tem preço, reflectiu Kant. Embora a liberdade humana seja finita e sempre em situação, a pessoa pertence ao reino dos fins. A dignidade co-implica direitos fundamentais, que se impõe reconhecer: não se trata de concedê-los, mas de reconhecê-los.

 

Uma vez que o ser humano se tem de fazer a si mesmo — fazendo tudo o que faz, está a fazer-se a si próprio, de tal modo que o resultado pode ser uma obra de arte ou um monstro —, está sempre sob a sua responsabilidade última. Daqui deriva a angústia que sempre nos acompanha. De tal modo que, como bem viu Dostoievsky, na lenda do Grande Inquisidor, em Os Irmãos Karamazov, há uma dialéctica fundamental entre a liberdade e a segurança, estando muitos — a maior parte? — na disposição de entregar o fardo da liberdade a quem queira ficar com ele, aproveitando-se disso. Entre a liberdade e a segurança, muitos preferem a segurança: a segurança da norma, do não risco, do não ousar.

 

Em síntese, a liberdade significa autoposse, de tal modo que cada um, cada uma, pode e tem de tomar decisões no quadro da realização-de-si-no-mundo-com-os-outros. A liberdade, mesmo se condicionada e em situação, implica, portanto, não sujeição total aos determinismos físicos, genéticos, psicológicos ou sócio-culturais. De facto, depois de todos os condicionamentos físicos, genéticos, culturais, ainda podemos perguntar: o que vou eu fazer de mim com tudo isso? Também não é liberdade a pura espontaneidade ou a arbitrariedade — não é liberdade, por exemplo, fazer pura e simplesmente o que apetece: paradoxalmente, isso é necessidade —, pois o que a “define” é a auto-determinação segundo razões, a tomada de decisões racionais, tendo por critério último a plena realização humana de todos os seres humanos. Assim, a liberdade é ao mesmo tempo liberdade de: liberdade de determinismos e constrangimentos que impedem a sua realização, e liberdade para: liberdade para a realização de valores nos vários níveis, a começar pelo reconhecimento da liberdade dos outros, pois a liberdade verdadeira quer liberdades. A liberdade não se limita à experiência da sua realidade transcendental e interior, pois exige condições de possibilidade da sua realização concreta nos diferentes domínios: condições económicas, culturais, políticas...

 

2. Estive várias vezes na África do Sul, ainda no tempo do apartheid, da segregação racial. Ainda vi escrita, por exemplo, em bancos de jardim, ou indicação de praia, nas carruagens dos comboios, a ordem: “Whites only” (só para brancos). Se pude visitar o Soweto, foi porque o afável bispo católico de Joanesburgo, que não era racista, pediu ao pároco negro que me acompanhasse. E fui bem recebido. Mas a segregação estava sempre presente: nasciam em hospitais para negros, viviam em bairros exclusivamente de negros, iam à escola só para negros, levavam-nos a casa em autocarros exclusivamente para negros...

 

Muitas vezes me perguntei como é que aquela ignomínia iria acabar. Seria possível, sem um banho de sangue? Porque, ali, era o intolerável. A pessoa era ferida no mais profundo do seu ser: na sua in-finita dignidade de ser livre e auto-determinar-se.

 

Foi possível. Pacificamente, abriu-se o caminho para negociações em ordem à democracia no quadro da coexistência racial e do diálogo. Isso deveu-se certamente também à inteligência política e humana do presidente De Klerk, no novo contexto político e geoestratégico criado pela queda do muro de Berlim. Mas, para evitar a tragédia, o espírito e a acção de Mandela foram determinantes.

 

3. Está tudo na sua autobiografia: Long Walk to Freedom. Mandela não teve nenhuma “iluminação” ou “aparição”, mas a acumulação de ofensas, de indignidades, despertou nele “ira e rebeldia” e o desejo de combater o sistema que oprimia o seu povo. “Não houve um dia concreto em que dissesse: a partir de agora dedicarei as minhas energias à libertação do meu povo, dei por mim a fazê-lo simplesmente e não podia agir de outro modo”.

 

Objectivo da luta? Como se dizia na “Constituição pela Liberdade”, abolição da discriminação racial e a igualdade de direitos para todos. Era preciso destruir o apartheid, “a própria encarnação da injustiça”. Acabou “convertido, por lei, num criminoso”, mas não tinha a menor dúvida de que a posteridade reivindicaria a sua inocência.

 

Nestas situações, é legítima a violência até à luta armada? Os teólogos têm colocado a questão da guerra justa e a licitude do derrube do governo tirânico. Mandela confessava-se um homem não violento e explicava que não dependia dos negros renunciar à violência, mas do Governo; o seu propósito era atacar objectivos militares, não as pessoas. Apenas procurava a igualdade política e o princípio de “uma pessoa, um voto”, num Estado unitário sem homelands.

 

Depois de 27 anos de cárcere, viu Mandela finalmente a liberdade. E o “milagre” aconteceu. Quis despedir-se dos guardas, agradecendo-lhes “as suas atenções um a um”. Fora-se convencendo de que, afinal, mesmo aqueles que o tinham mantido na prisão durante vinte e sete anos e meio “eram essencialmente humanos”. Mandela confessava-se convictamente cristão. Esta sua condição terá sido decisiva para evitar o ódio e o ressentimento — as “paixões tristes”, como escreveu Espinosa. “Queria que toda a África do Sul visse que amava os meus inimigos, embora odiasse o sistema que nos tinha enfrentado.” Manteve a liberdade maior: o domínio de si. Afinal, tudo está naquele gesto de apertar a mão aos carcereiros e convidá-los para o banquete de inauguração da nova presidência da "nação arco-íris".

 

Mandela percebera que os seus carcereiros eram seres humanos habitados pelo medo. Ora, o medo é do pior que há. O medo tolhe a razão e a capacidade de pensar. É preciso ter medo de quem tem medo, de tal modo que a primeira libertação tem de ser a libertação do medo. Também e sobretudo no universo da religião. Aterrados pelo medo de Deus, homens e mulheres que se julgam religiosos caminham fatalmente para desgraças tenebrosas. Por isso, a Bíblia é atravessada pela compreensão histórica lenta, que culmina em Jesus, através da sua experiência, palavras e acções, de que a única tentativa de "definir" Deus é (está em São João): Ho theós agapê estín (Deus é amor incondicional, Deus é Força infinita de criar e só sabe amar).

 

Como era cristão, Mandela sabia que se deve perdoar aos inimigos. Pelo Evangelho, também sabia que os romanos enquanto potência de ocupação podiam obrigar um judeu a transportar a bagagem na distância de uma milha, sendo neste contexto que se percebe o que Jesus diz: "Faz uma segunda milha de livre vontade." Talvez o romano começasse a conversar, e quem sabe se não acabariam por beber um copo juntos? A reconciliação, a solução pacífica dos conflitos é preferível à violência e à guerra. E Jesus, do alto da cruz, rezou: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.

 

De qualquer modo, o perdão é um milagre, também em política. Jürgen Habermas, agnóstico, talvez o maior filósofo vivo e o mais influente, que quereria uma filosofia que herdasse, num processo de secularização mediante a razão comunicativa, os conteúdos semânticos da religião e a sua força, reconheceu que há um resto na religião não herdável pela simples razão. Disse-o num discurso famoso, por ocasião da recepção do prémio da paz dos livreiros alemães e já depois dos acontecimentos trágicos do 11 de Setembro de 2001. Esse resto tem a ver nomeadamente com o drama do perdão.

 

O perdão, em última análise, já não pertence à ordem do jurídico nem do político. No perdão do imperdoável, é a razão humana enquanto capacidade do cálculo que é superada, pois nem o algoz tem direito ao perdão nem a vítima é obrigada a perdoar. Como escreveu o filósofo Jacques Derrida, perdoar o imperdoável aponta para algo que está para lá da imanência, "qualquer coisa de trans-humano": "na ideia do perdão há a da transcendência", pois realiza-se um gesto que já não está ao nível da imanência humana. Aí, começa o domínio da religião. "A partir desta ideia do impossível, deste ‘desejo’ ou deste ‘pensamento’ do perdão, deste pensamento do desconhecido e do transfenomenal, pode muito bem tentar-se uma génese do religioso."

 

4. Como escreveu Lídia Jorge, “Não há livro de instruções para salvar a vida. Só a literatura se aproxima desse imenso livro.” Isto significa que a liberdade leva consigo uma luta e uma história sem fim de libertação. Como insiste São Paulo, “foi para a liberdade que Cristo nos libertou”. Na presente situação do mundo, esta luta tem três exigências essenciais. Uma é a da libertação interior: conquistar-se a si próprio, naquele processo que as religiões chamam de conversão ao melhor de si e ao amor. Depois, como sublinha o teólogo Hans Küng, “não haverá paz entre as nações sem paz entre as religiões”, o que implica a urgência do diálogo inter-religioso e intercultural, colocando no centro o interesse da realização plena de todos os homens e mulheres enquanto pessoas. Para lá de outros pilares, este diálogo implica a leitura histórico-crítica dos textos sagrados, o Estado laico, separando Igreja e Estado como garantia da liberdade religiosa (a laicidade, que não se confunde com o laicismo, é uma conquista histórica da Humanidade) e um projecto de ética mundial. Num mundo globalizado, impõe-se terminar com a cisão entre, por um lado, os chamados mercados, poderes fácticos globais, e, por outro, a política, da ordem do dever-ser, ainda local ou, quando muito, regional. Algo que se aproxime de uma “governança” global, com instâncias políticas globais, para uma ordem económico-financeira justa e equitativa, é essencial, se se quiser evitar o abismo e a catástrofe.

 

5. É neste contexto que há muito propugno algo de parecido com um Plano Marshall para a África. Sob a protecção de “São” Nelson Mandela, porque, como diz o Professor Adriano Moreira, Mandela não é um santo canonizado pela Igreja, mas é um santo da Humanidade.

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN | 1 DEZ 2018

A VIDA DOS LIVROS

 

De 23 a 29 de julho de 2018

 

Lembramos Nelson Mandela, autor de “Um Longo Caminho para Liberdade” (Planeta, 2012), na passagem do centenário do seu nascimento.

 

 

CIRCUNSTÂNCIAS ESPECIAIS
Há circunstâncias históricas aparentemente fortuitas que podem tornar-se decisivas ou pelo menos ter consequências significativas para o curso dos acontecimentos. O que a seguir se lembra é um bom exemplo do que acaba de se dizer. Na biografia de Mário Soares, Nelson Mandela surge ligado a um momento dramático da sua vida, aquando do acidente ocorrido com João Soares e que o levou à África do Sul, depois de ter completado exemplarmente as visitas de Estado à Hungria e à Holanda. O que aconteceu então foi que, apesar das condições muito difíceis que rodearam essa ida a Pretória, Mário Soares pôde contribuir, no plano político, para a evolução sul-africana. Havia que romper com a experiência do apartheid e suscitar uma evolução democrática. O Presidente Botha tinha-se demitido em agosto de 1989 e tinha sido substituído por De Klerk. Logo no Aeroporto, quando o Presidente português chegou, profundamente preocupado com a saúde do filho, Pick Botha convidou Mário Soares para almoçar com o Presidente De Klerk. O momento era muito difícil. A evolução da saúde de João era muito incerta e problemática. No entanto, Soares assim que compreendeu que as coisas poderiam ter um caminho positivo, aceitou o encontro, no qual foi acompanhado por Maria de Jesus e pelos Embaixadores José Cutileiro e João Diogo Nunes Barata. O que sabemos desse encontro permite-nos dizer que foi muito significativo – depressa se tendo passado do formalismo para uma troca de ideias com evidente sentido e consequência políticos. Naturalmente que o ponto de partida das autoridades sul-africanas era muito tímido, receoso e conservador, considerando a própria história complexa da África do Sul. Tudo aponta, porém, para que a experiência do prestigiado político português se tenha revelado fundamental. Mário Soares começou por lembrar: “quando o professor Marcelo Caetano substituiu o ditador Salazar, por incapacidade física deste, prometeu ao País fazer uma liberalização. Mas não teve a coragem de a fazer, ficou-se apenas por superficiais mudanças de nomes. Cinco anos depois foi destituído por uma revolução militar que veio já demasiado tarde para permitir uma transição democrática gradual e controlada, tanto da política interna como da colonial”…

 

COMPREENDER A DEMOCRACIA
O testemunho é-nos dado pela indispensável biografia de Maria João Avillez. A evolução é conhecida, devendo acrescentar-se o segundo exemplo suscitado por Mário Soares na altura, provinha de Espanha: “o Presidente Adolfo Suárez, em visita a Lisboa assegurou-me (disse M. Soares) estar disposto a fazer a ‘transição democrática’ no seu País. Quando, porém, lhe perguntei se tencionava legalizar o Partido Comunista, respondeu-me que não poderia fazê-lo, porque os militares nunca o autorizariam. Disse a Suárez que, nesse caso, nunca lograria assegurar uma verdadeira transição para a plena democracia. Expliquei-lhe que o Mundo estava à espera de uma rutura com o passado, que passaria simbolicamente pela legalização do Partido Comunista. Sem ela as suas boas intenções nunca ganhariam credibilidade nem consistência. Dias depois, o próprio Presidente A. Suárez teve a amabilidade de me telefonar, dando-me conta de que tomara a resolução – que ia publicamente anunciar – de legalizar o Partido Comunista Espanhol. Percebi que o corte com o passado ia ser consumado e que a Espanha entraria num período novo”. Depois destas duas referências, Mário Soares dirigiu-se a De Klerk e disse-lhe que só se pusesse Nelson Mandela em liberdade e se comprometesse publicamente a renunciar à política do apartheid a Europa, os Estados Unidos e o Mundo acreditariam na vontade de uma verdadeira transição democrática – mas se hesitasse e ficasse pelo meio caminho por falta de coragem, alguém, um dia, mais tarde ou mais cedo, o iria fazer por si. O Presidente sul-africano agradeceu a franqueza e ficou impressionado com os argumentos. Quando Soares deixou a África do Sul, Pik Botha veio despedir-se e trazia uma mensagem do Presidente De Klerk. Haveria uma verdadeira transição, uma rutura, iria ser anunciada a libertação dos presos políticos, sendo Mandela libertado dois ou três dias depois e o apartheid seria banido do País…

 

UM MOMENTO INESQUECÍVEL
Mário Soares acolheu a mensagem com muita alegria, comprometendo-se a convidar o Presidente De Klerk para visitar Portugal logo que esses objetivos fossem concretizados. E assim o Presidente português considerou o Presidente sul-africano “como um dos mais lúcidos e corajosos do nosso tempo, cuja estatura política não deve ser esquecida quando se enaltece, muito justamente, a figura ímpar e humaníssima de Nelson Mandela”. Continuando a seguir o testemunho de Mário Soares, lembramos o que disse nos momentos imediatos à libertação do resistente sul-africano. “Quando li o discurso proferido por Mandela, ao ser libertado, percebi imediatamente tratar-se de um homem excecionalíssimo de nunca cair na tentação de vingança, tendo passado por perseguições e violências sem guardar o mínimo ressentimento”. Trata-se de seguir o melhor exemplo de quantos no fim da grande guerra, ao saírem dos Campos de Concentração, foram capazes de dizer e de ser coerentes com tal afirmação – que deveriam esquecer a vingança e o ressentimento contra os autores de violência, para impedir a escalada do terror; e que deveriam lembrar onde chegara a barbárie e a cegueira, para que tal não voltasse a acontecer. Esquecer e lembrar são igualmente deveres éticos, para romper com o rancor e o ressentimento e para prevenir o regresso da violência. Em maio de 1994, Mário Soares deslocar-se-ia a Pretória para assistir à tomada de posse do já então Presidente Nelson Mandela e a sua recordação é inesquecível: “Fiquei extremamente impressionado com o discurso que ouvi nessa cerimónia. Proferiu palavras extraordinárias, porque revelaram a sua nobreza de carácter, o seu sentido de dignidade, o seu espírito humanista. Apesar dos longos anos que viveu na prisão, mostrou não sentir qualquer ressentimento, sublinhando que o que mais importava era construir a paz, colaborar no progresso do País, implantar um espírito de tolerância e de sã convivência entre todos. Teve, inclusivamente, palavras de afeto para com dois dos seus carcereiros, que convidara para o banquete oficial, colocando-os ao lado das inúmeras personalidades mundiais presentes”. Mais tarde, Mário Soares integraria o júri que atribuiu a Mandela e a De Klerk o Prémio Houphouet Boigny, tendo ambos sido também laureados com o justíssimo Prémio Nobel da Paz… Nobreza de carácter, sentido de dignidade e espírito humanista – eis o perfil que deve ser realçado, como um modelo para a vida política e cívica. Num tempo em que há tantas nuvens ameaçadoras no horizonte, em especial no tocante ao medo das diferenças e à falta de coragem no sentido de lançar pontes para o diálogo, é indispensável ter bem presente o exemplo de Nelson Mandela, como herói do nosso tempo. Para usar uma expressão cara a Emmanuel Mounier, “o acordar da África Negra” obriga a uma consciência de liberdade, responsabilidade e respeito mútuo, que o exemplo de Mandela bem representa…   

 

Guilherme d'Oliveira Martins
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