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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

  


Os objetos de Nathalie Du Pasquier, na Villa Savoye, não hierarquizam, não ordenam - acomodam-se.


“Ce qui me plaît dans cette maison, c’est toute une série de détails, des petites choses. J’aime par exemple les chants des étagères qui sont peints d’une autre couleur.”, Nathalie Du Pasquier (Entretien avec Yvon Lambert et Virginie Gadenne)


A Villa Savoye (1928-31) de Le Corbusier é interpenetração espacial acentuada pela afirmação da ‘promenade architectural’. Os objetos da pintora Nathalie Du Pasquier (1957) são unidades geométricas que surgem a partir de um processo de assemblagem intuitiva. As suas pinturas, falsamente tridimensionais, erguem-se sobre caixas, prismas e painéis.


Foi a escala modesta da casa que aproximou Pasquier de Le Corbusier, na exposição ‘Chez eux’ em 2022.


O prisma abstrato, plano, uniforme, puro e branco da Villa Savoye, que flutua sobre finos pilotis, cria no seu interior oculto uma possibilidade de desmaterialização e de improvisação plástica. É a fachada livre que permite que, um sistema independente de qualquer organização espacial, se crie no seu interior. Os objetos de Nathalie Du Pasquier, espalhados pela casa, acentuam essa organização interior livre, assimétrica e mais subjetiva.


O prisma quadrangular branco da casa apresenta uma certa austeridade e uma rigidez. Mas do exterior consegue-se talvez adivinhar um interior liberto e colorido, que contem diversos sentidos, perceções, proporções e medidas. Os objetos de Nathalie du Pasquier ajudam a determinar essa oposição entre o exterior contentor e o interior formado por perceções não vinculadas - e permitem sustentar essa múltipla penetração da forma-espaço-objeto-cor.


A Villa Savoye foi concebida intencionalmente com quatro frentes abertas o horizonte, onde todos os planos e espaços têm a mesma importância. Os objetos de Nathalie Du Pasquier também não hierarquizam, não ordenam - acomodam-se. Todas as partes desejam afirmar-se unitárias dentro de uma continuidade espacial.


A presença oblíqua da rampa da casa ajuda a determinar um espaço interior sem restrições, e a pôr a descoberto as diferentes perspetivas e os múltiplos movimentos contínuos, comunicantes, integrantes e circundantes. Os objetos de Pasquier antecipam construções geométricas coloridas sem constrangimentos, pois cada composição permite diferentes leituras e combinações. A capacidade destes objetos fazerem parte deste espaço, completa a casa. Está-se perante um objeto total.


A escala humana de cada objeto e de cada pintura de Pasquier acentua a presença dos corpos que se movem incessantemente no espaço. Cada objeto é um mundo uno, que resulta da interseção, da junção, da disposição e da disponibilidade das formas geométricas primárias, que se leem claramente.


Os objetos são pinturas. As pinturas são objetos. A sua escala delicada poderia ser uma maquete de uma nova Villa Savoye.


Nathalie Du Pasquier ao participar da Villa Savoye, revela um interesse pela arquitetura como experiência física e sensorial, que tem de ser transposta. O dentro tem de ser apropriado para ser compreendido. Os objetos de Pasquier parecem assim, nesta casa, reunir e combinar diversas perceções - o essencial e o excedente, o plano e a perspetiva, o dentro e o fora, o superficial e o penetrante, o singular e o composto. Estes objetos mobilam, mas acima de tudo completam, acrescentam, referenciam, acentuam e dão escala à Villa Savoye.


Ana Ruepp