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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A TRADIÇÃO OITOCENTISTA DOS TEATROS DE ALCOBAÇA

 

Será algo contraditório referir uma tradição nas áreas de edificação urbana em Alcobaça sem partir da óbvia evocação do Mosteiro. Mas aqui, mais singelamente, referimos edifícios de teatros ou de cineteatros: e mesmo sem obviamente confundir as coisas, sem obviamente querer valorizar, no mesmo grau, monumentos ou edifícios de expressão arquitetónica e cultural, justifica-se, cremos, esta evocação seletiva de referências à infraestrutura de espetáculos na cidade de Alcobaça.

 

Ficou a memória de um então chamado Theatro Alcobacense, iniciativa de um grupo de alcobacenses que consideraram necessário dotar a cidade de uma sala de espetáculos. Sem embargo, evidentemente, da preponderância, a nível mundial do Mosteiro em si mesmo: e cabe hoje recordar que no próprio Mosteiro se efetuaram, ao longo dos séculos, manifestações dramática e musicais.

 

Mas, de qualquer maneira, evoca-se a iniciativa local de dotar Alcobaça de uma sala de espetáculos. Estamos em 1838, note-se: mas a iniciativa deve-se a um grupo de alcobacenses apoiados e estimulados por uma figura de destaque, o Conde de Vila Real, que muito contribuiu para a construção. E efetivamente, em 6 de janeiro de 1840 é inaugurado o então chamado Theatro Alcobacense, curiosamente incrustado no próprio Mosteiro.

 

A sala notabilizou-se pela sua dimensão e pela rentabilização do próprio espaço disponibilizado, numa arquitetura de interior adequada à época da adaptação: plateia, frisas, duas ordens de camarotes, galeria.

 

Mas nos anos 40 do século passado surge um Cine-Teatro de Alcobaça, assim mesmo designado, a partir de um projeto inicial do Arquiteto Ernesto Korrodi, que tantas vezes aqui temos referido.  Korrodi morre em 1944, mas a sua atividade é continuada e de certo modo renovada pelo filho, Camilo Korrodi. Nomes que, repita-se, temos muitas vezes encontrados nestas evocações de salas de espetáculo.

 

Adquirido pela Câmara Municipal em 1998 e sujeito a obras de restauro, o Cine-Teatro de Alcobaça comporta duas salas, então designadas como Grande Auditório, com para cima de 300 lugares, e Pequeno Auditório, este com cerca de 65 lugares. Internacionalizou-se a programação.

 

E finalmente: em 2010 a Câmara homenageou um cidadão alcobacense, acrescentando-lhe o nome. Passa a chamar-se então Cine-Teatro de Alcobaça João d’Oliva Monteiro.

 

Mas como veremos, não fica por aqui a infraestrutura de espetáculos de Alcobaça.

 

DUARTE IVO CRUZ  

EVOCAÇÃO DE UM TEATRO OITOCENTISTA EFÉMERO

 

Nesta alternância entre teatros “históricos” e salas de espetáculo contemporâneas, aí incluindo nas duas categorias a referência à respetiva permanência e atividade, evocamos hoje um Teatro oitocentista efémero, mas nem por isso menos relevante na época em que existiu e funcionou.

 

A tragédia que o destruiu foi aliás recentemente assinalada, pelo que mais se justifica esta referência.

 

Trata-se do Teatro Baquet do Porto, cujas obras de construção se iniciaram concretamente em 12 de fevereiro de 1858, foi solenemente inaugurado em 16 de julho do mesmo ano, mas que desapareceu, devido a incêndio, na noite de 20 de março de 1888, em plena atividade e durante um espetáculo. Resultou algo como 120 vítimas mortais, entre espetadores, artistas e demais pessoal.

 

 A designação do Teatro surge-nos hoje algo insólita, mas afinal decorre do nome do próprio responsável pela iniciativa e pela construção do edifício, o luso-francês António Pereira Baquet, alfaiate no Porto. Tinha loja em terrenos situados na mesma localização do edifício do Teatro. E terá contratado a companhia do Teatro do Ginásio de Lisboa para o espetáculo inaugural, a cargo do ator e dramaturgo José Carlos Santos, nome ilustre na época, da geração que marcou a atividade cénica a partir do então já muito relevante Teatro de D. Maria II.


E nesse sentido, podemos aqui evocar a própria estrutura do Teatro Baquet. No exterior, a gravura mostra a fachada muito da época, no conjunto de estátuas evocativas da comédia, da pintura e das artes em geral, sobre a grande varanda do que seria o foyer, como então (por vezes ainda hoje...) se denominava a sala de acesso e convívio do público.

 

Tudo isto desapareceu na noite de 20 de março de 1888, perante uma sala cheia que assistia a espetáculo de beneficio e homenagem a um ator. Mas não houve espetáculo. A orquestra suspendeu a execução, Segundo descrições da época, o público de início não percebeu o que se passava. E só com o fogo já praticamente incontrolado se deu uma debandada que não evitou a centena de mortes, entre espetadores, artistas e técnicos de palco.

 

Do Teatro Baquet do Porto resta a memória do desastre e a gravura, que Sousa Bastos incluiu em 1908 no “Diccionário do Theatro Português”, que temos citado e que aliás surgiu recentemente a propósito da evocação da tragédia...

 

DUARTE IVO CRUZ  

A TRADIÇÃO OITICENTISTA DOS TEATROS DE ALCOBAÇA (II) - O CENTRO CULTURAL

 

Na crónica anterior, referimos a tradição de teatros e salas de espetáculo de Alcobaça, com a evocação e descrição do velho Theatro Alcobacense, de 1838, do Cine Teatro de Alcobaça, este inaugurado nos anos 40 do século passado.

 

Uma coincidência fez-nos agora evocar o Auditório do Centro Cultural Gonçalves Sapinho de Benedita – Alcobaça precisamente no contexto da morte do autor do projeto, o arquiteto Raul Hestnes Ferreira (1931-2018).

 

Autor de uma vastíssima obra ligada à infraestrutura cultural, Raul Hestnes Ferreira era filho do escritor e dramaturgo José Gomes Ferreira e essa circunstância permite uma associação cultural à larga criatividade arquitetónica que ao longo da vida desenvolveu. De assinalar designadamente que José Gomes Ferreira (1900-1985) publicou em 1978 cinco peças em um ato, a que chamou no conjunto “Caprichos Teatrais – Manhã Morta, O Subterrâneo, O Patamar, O Comércio, Os Novos e os Velhos”.  E se referimos aqui esta circunstância cultural-familiar, é porque nela se pode reforçar o adequamento da criação arquitetónica do filho, designadamente nos projetos ligados à arte do espetáculo.

 

Justamente: entre eles, evocamos agora o Centro Cultural Gonçalves Sapinho de Benedita-Alcobaça, Externato Cooperativo com uma vasta abrangência de património e de atividades culturais, e com destaque para a sala de espetáculos.

 

Trata-se de um auditório com lotação de 370 lugares e com um palco de 15 metros de largura por 7 metros de profundidade, o que é de registar. Pois estes valores marcam um espaço de potencialidade que transcende muitas salas de espetáculo como tal constituídas e utilizadas. E como tal excede nessa dimensionalidade funcional o próprio Cine-Teatro de Alcobaça que aqui referimos no artigo anterior.

 

Posto isto: Alcobaça é justamente “dominada” pelo esplendor e pelo prestígio monumental, na mais vasta abrangência do termo, que o Mosteiro determina. E no entanto, o conjunto concilia essa obra dominante com uma harmonização que   singulariza toda a região e que chega obviamente às localidades que a rodeiam e entre elas a Benedita.

 

Citamos aqui uma referência de Luís Forjaz Trigueiros a Alcobaça:

 

“O lirismo natural desta região privilegiada não lhe afeta a sua vitalidade. Alcobaça, todos o sabem, é uma terra de bom gosto, em que a arte e a industria vivem de mãos dadas. A abundância e a cor – eis na verdade dois símbolos desta terra farta e clara, que gosta de oferecer ao viandante a dupla imagem de uma fartura e do seu trabalho: frutas, cerâmica, tecidos e vinhos são forais, títulos de nobreza, para a história da vila, que tão bem sabe ser fiel ao passado, sem descurar o futuro”. (in “Sombra dos Tempos”)

 

Palavras proféticas, pois, publicadas há mais de 50 anos, “adivinham” a modernidade espetacular do Centro Cultural...    

    

E a terminar: Gonçalves Sapinho foi Presidente da Camara Municipal de Alcobaça. Faleceu em 2011, no desempenho de outras funções: mas é relevante esta homenagem que a cidade lhe prestou, ao atribuir o seu nome ao Centro Cultural.

 

DUARTE IVO CRUZ

A TRADIÇÃO OITOCENTISTA DOS TEATROS DE SANTARÉM

 

Assinalamos aqui uma, chamemos-lhe “tradição oitocentista” de edifícios de teatros e /ou cineteatros na cidade de Santarém: mas refira-se que o mais significativo, no ponto de vista urbano, técnico e arquitetónico, está abandonado, mais ou menos arruinado e dele restará, mal, a fachada – e isto, apesar da tradição, da memória e inclusive, da organização recente de movimentos de cidadãos para o restauro daquilo que resta.

O que resta é a fachada do Teatro Rosa Damasceno, projeto do arquiteto Amílcar Pinto, inaugurado em 1938 e de certo modo inspirado no Eden lisboeta. Mas assinala-se que este Teatro, ou melhor, este cineteatro de Santarém, ou o que dele resta, situa-se rigorosamente no local onde, em 1884, se inaugurou um então chamado Teatro de Santarém, com 800 lugares de plateia, 60 camarotes e geral. E esse é que, em 1893, passa a chamar-se Teatro Rosa Damasceno, homenagem à atriz que viria a falecer em 1904 e que inaugurou o Trindade de Lisboa.

O projeto original do Teatro Rosa Damasceno de 1884/1893 deve-se ao arquiteto José Luís Monteiro e inspira-se de certo modo no velho Teatro Gymnasio de Lisboa.

Jorge Custódio, num relatório elaborado para a Camara Municipal de Santarém e que cito em “Teatros de Portugal” (ed. INAPA 2005 págs. 65/66) compara os dois Teatros Rosa Damasceno numa perspetiva de análise arquitetónica.

Assim, no primeiro, (1884) “nota-se a influência clássica assumida na organização da fachada, na modelação de frontões circulares e quebrados das janelas e no apontamento das pilastras decorativas que ritmam o 1º piso”.

Isto, no que se refere pois ao primeiro Teatro Rosa Damasceno. Porque, quanto ao segundo, Jorge Custódio sublinha a diferença de estilos arquitetónicos:
“Se na primeira sala o teatro responde ao gosto romântico, eclético rebuscado de arquitetura e arte de belle époque, a nova sala procura romper com a tradição oitocentista da arquitetura de Santarém, enveredando claramente pela arte moderna, pelo internacional style, pela art deco (…) uma obra-prima”…

E este segundo Teatro Rosa Damasceno, de que resta apenas a fachada, merece destaque encomiástico de José Manuel Fernandes, documentado por uma fotografia: “assume uma qualidade invulgar quer no desenho e volumetria exterior, quer no ambiente interior. Projeto de 1939, de Amílcar Pinto, apresenta interessantes desenhos de luz nos foyers e camarotes e uma luminosa geometria nos envolvimentos da fachada” – que foi o que restou… (in “Cinemas de Portugal” ed. INAPA pág. 128).

E deve-se referir ainda uma tradição de teatros e de espetáculos em Santarém, que descrevo no meu livro acima citado. Assim, refiro um Teatro S. João de Santarém ou São João de Alporão, que entre 1849 e 1876 ocupou e transformou a velha Igreja de São João de Alporão, onde se instalaria o Museu Arqueológico. E já antes se produziram espetáculos na Igreja de São Martinho, em 1810/11, no quadro das invasões francesas; ou uma representação do “Frei Luís de Sousa” em 1847, a que Herculano teria assistido…

E cito para terminar algumas referências expressas e ambientais a Santarém no teatro português: desde logo “O Alfageme de Santarém” (1842) e “Falar Verdade a Mentir” (1845) de Garrett, onde uma das invenções compulsivas do protagonista Duarte é “ter sido recebedor em Santarém”; ou “A Tomada de Santarém por D. Afonso Henriques” (1846) de José Maria Bordalo, ou tantas mais peças de Salvador Marques, Alves Redol, ou, até pelo, pseudónimo, as peças de Bernardo Santareno!

 

DUARTE IVO CRUZ