Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Tem-se um assunto comum, há muitos anos, querer que o português seja um idioma oficial da ONU, a par do inglês, francês, espanhol, chinês, russo e árabe.
São recorrentes as propostas, recomendações, declarações de intenção, entre outras manifestações de vontade, reiteradas por sucessivos agendamentos formais que, até hoje, não se concretizaram.
Recentemente, na última Cimeira da CPLP, em agosto deste ano, em São Tomé, o presidente brasileiro, Lula da Silva, recebendo forte ovação, afirmou: “Temos de aproveitar termos um secretário-geral das Nações Unidas que fala português e acho que deveríamos entrar com informações e um pedido nas Nações Unidas para que a língua portuguesa seja transformada em língua oficial da ONU”, o que foi recebido e apoiado por unanimidade pelos presentes, mas é omitido na decisão final desta XIV sessão de países lusófonos.
Não foi a primeira vez, dado que já em 2016, em Brasília, na XI Cimeira da CPLP, foi aprovada por aclamação uma proposta para que o português seja língua oficial da ONU, apresentada pelo então presidente brasileiro Michel Temer, da qual também é omissa a declaração final da reunião.
Por entre aplausos, aclamações, ovações, felicitações, saudações, registos sonoros de boas intenções, recomendações, reforços e resoluções, nada ficou, por escrito, quanto à mais que merecida proposta para que o nosso idioma seja aceite, por mérito e direito próprio, como idioma oficial da ONU.
Sendo uma das línguas mais faladas a nível global, pluricontinental, pluricêntrica, a mais falada do hemisfério sul, a terceira do ocidente, de África e do continente americano, internacional, global, de exportação e com futuro, impondo-se por si como fator demográfico e geopolítico, é incompreensível ser uma candidata permanentemente adiada ao fórum de uma organização internacional universal como a ONU.
Lemos, que este ano, o Tribunal Centro-Americano de Justiça propôs ao Conselho de Segurança da ONU incorporar o português como seu idioma oficial, baseando-se na resolução de 2017 da Assembleia-Geral sobre a cooperação da CPLP com as Nações Unidas e o ser língua oficial da Conferência Geral da UNESCO, o que servia de base legal para solicitar a integração da língua portuguesa como língua oficial daquela organização e, posteriormente, poder ser aprovada na AG.
A corroborá-lo houve declarações de uma anuência, entre os líderes da CPLP, de falarem em português na AGNU, na grande maioria das reuniões e, sobretudo, em debates gerais, acrescentando-se que “(…) para falar em português temos que ter tradutores próprios, porque o sistema das Nações Unidas não tem tradutores de português”, salientando-se o imenso financiamento exigido para tornar exequível o português como um dos idiomas oficiais da ONU.
Quem paga e em que proporção, por certo será um dos problemas pendentes a resolver, sendo de presumir que caberá a Portugal e ao Brasil, maioritariamente ou na totalidade, esses custos, porque mais desenvolvidos e tidos potencialmente como os principais interessados e beneficiários, sem esquecer que os demais países da CPLP, recentemente descolonizados, poderão alegar tal facto, além de um nível de vida inferior, sem se esquecerem de invocar as suas sequelas como ex-colónias, embora o Brasil, em tempos idos, também o fosse.
Melhor que nada, mas pouco, convenhamos, por entre declarações elogiosas e proclamatórias de boas intenções, até agora não concretizadas, indiciando-se que o português continuará a ser menorizado e secundarizado, desde logo pela exiguidade de meios do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, exemplificando-o a recente verba anual de 310 000 euros (! …) que lhe foi atribuída.
Os desafios que as Nações Unidas põem a António Guterres novo Secretário-Geral das Nações Unidas são de uma complexidade que exigem ponderação, reflexão e trabalho.
UM PENSAMENTO PROFUNDO
Quando em julho de 1996 Michael Walzer, um dos mais importantes pensadores políticos contemporâneos, visitou Portugal para falar da cidadania numa sociedade em mudança, encontrou-se com António Guterres, então primeiro-ministro, e falaram longamente – sobre os efeitos do fim da guerra fria, sobre as oportunidades e as ameaças numa sociedade desigual e injusta, sobre a pobreza, sobre as economias de casino e sobre a necessidade de novas políticas sociais. No final da conversa, em S. Bento, o filósofo norte-americano de Princeton ficou deveras surpreendido. Não esperava ter com um governante, diretamente e sem intermediários, uma conversa tão aprofundada sobre os seus temas de eleição, a igualdade de oportunidades, a correção das desigualdades, a justiça complexa, a justiça como equidade de Rawls (com os desenvolvimentos mais recentes) ou o pensamento de Habermas… E, longe da teoria, Walzer quis saber o que era o rendimento mínimo, que dava os primeiros passos e com que ele concordava, ou como se concretizava a prioridade dada à educação – com ênfase no pré-escolar ou na escola a tempo completo… Nessa noite, a jantar no restaurante «Via Graça», tendo Lisboa a nossos pés, o filósofo voltou ao tema – tinha ficado impressionado e com uma grande admiração por Guterres, e considerava-o um dos políticos e governantes mais bem preparados de todos quantos conhecera, acrescentando que muito poucos se disporiam a ouvir e a ter uma conversa com um filósofo político, com recusa dos temas de circunstância. Lembrei-me deste episódio, quando, ao longo da candidatura a secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres demonstrou, de novo, uma capacidade extraordinária na defesa do seu pensamento na preparação e argumentação e na estratégia de não descurar nenhum dos atores relevantes para a decisão. À semelhança do que tinha acontecido com o pensador americano, também agora muitos dos que presenciaram as suas prestações ficaram certos das qualidades intelectuais, de experiência, de determinação e de entrega ao trabalho do antigo primeiro-ministro português. Se dúvidas houvesse, a estabilidade das votações e a clareza das mesmas atestam bem do reconhecimento das qualidades do candidato. Associaram-se, assim, as excecionais qualidades pessoais à ação de uma diplomacia, a portuguesa, de elevadíssima qualidade, que pôde ligar um programa eficaz a uma mobilização dos votos e dos equilíbrios necessários em todos os continentes e em todas as famílias de Estados.
A PENSAR EM PORTUGAL E NO MUNDO
Quem ler o livro de António Guterres «A Pensar em Portugal» (Presença, 1999) pode aperceber-se de como um homem essencialmente de ação, um político do terreno, um militante social pôde construir uma estratégia coerente, que contrasta com as cedências de curto prazo e de mera oportunidade, que têm posto em xeque a política do centro-esquerda e do socialismo democrático. No campo ideológico há uma grande clareza – que vai da recusa da idolatria do mercado à prioridade dada ao combate à pobreza e às desigualdades injustas. O fundo cristão associa-se à tradição socialista democrática. Registemos alguns pontos fortes desse pensamento. Antes do mais, a invocação da célebre afirmação de John F. Kennedy: «Se uma sociedade livre não pode ajudar os muitos que são pobres, não pode apoiar os poucos que são ricos». E ouvimos ainda a afirmação contra o populismo e a demagogia: «Mesmo aos mais egoístas eu lembro que (a pobreza) está em grande parte na origem do crime, do tráfico de droga, da intranquilidade nas ruas, de que todos nós e as nossas famílias podemos ser vítimas» (outubro de 1994). E sobre a economia e a riqueza ao serviço das pessoas disse: «não podemos permitir uma modernização conduzida sob o signo da tecnocracia. A modernização da nossa economia, o aumento da sua competitividade terão de ser compatíveis com o respeito da dignidade humana, em todas as circunstâncias, com a valorização e o reconhecimento dos direitos de quem trabalha e com um forte sentido de solidariedade para com aqueles que correm o risco de ir ficando para trás» (novembro de 1995). E quais as marcas que desejou evidenciar na política pública? Uma nova cultura democrática, assente na participação de todos e no diálogo; a Educação como a prioridade das prioridades, na ação do Estado e na vida em sociedade; a pobreza como uma preocupação central na sociedade portuguesa – não a escondendo, mas tornando-a uma causa de toda a sociedade. Na linha dos nossos melhores, como Garrett, Herculano ou Antero, tratar-se-ia de ultrapassar o atraso estrutural que nos separa do centro da Europa, através do desenvolvimento humano, da formação, da ciência, da cultura… «Tomando sempre como referência fundamental as pessoas e a sua realização», importa garantir que «os portugueses possam triunfar na vida e que Portugal possa triunfar no mundo» (novembro de 1995).
UMA MARCA DE LONGO PRAZO
Cada um destes pontos constitui uma marca de longo prazo, que mantém atualidade, sobretudo num momento em que há quem pense erroneamente que o pensamento político pode ser substituído por dizer o que as pessoas querem ouvir. Esse é o caminho do populismo que tem tido resultados desastrosos… Depois de dez anos como Alto-Comissário dos Refugiados, António Guterres reforçou a marca do militante social. E o seu programa agora põe a tónica no humanismo, no respeito e na salvaguarda dos direitos humanos e da dignidade. Daí a necessidade de potenciar o papel das NU na hora de prevenir as crises, o que obriga a uma profunda alteração cultural. «As causas das guerras estão cada vez mais ligadas à pobreza, à desigualdade, à violação dos direitos humanos e à degradação das condições ambientais». Daí que os governos devam coordenar estratégias e visões e mobilizar a diplomacia para afrontar os desafios coletivos – devendo o secretário-geral das Nações Unidas ser um facilitador e nunca alguém que quer dar lições… No livro, António Guterres fala ainda de três perfis de coragem – Salgado Zenha, Mário Soares e Olof Palme. Poderia também falar de João XXIII… São figuras que marcaram a sua vida política. De Salgado Zenha nota a referência moral do estoico, do iluminista e humanista cristão (mais na tradição luterana), que um dia lhe disse: «Muitos dos que estarão à tua volta não pretendem valorizar-te para serem melhores do que tu, mas querem apenas que tu nunca tenhas condições que te permitam parecer melhor do que eles». Quanto a Mário Soares, lembra que «levou por todo o mundo o nome de Portugal e os ideais dos portugueses, bateu-se pelos direitos humanos, agitou o universo da ciência, investiu razão e coração para trazer a cultura ao primeiro plano dos hábitos de todos os cidadãos». De Olof Palme recorda a afirmação significativa do governante sueco: «a minha adesão ao socialismo democrático não pode ser vista como a reação de um menino-bem contra o seu meio social. Cheguei ao socialismo através de um processo gradual com base em leituras e longas reflexões pessoais». Ao ler atentamente a invocação de Palme, sentimos um impulso pessoal e autobiográfico, de quem valoriza a dimensão internacional e as causas da paz e do desenvolvimento – e de quem, como agora fica demonstrado, de novo, assume com nitidez a «alegria da causa pública», ou seja, «the joy of politics». E essa paixão liga-se à emancipação das pessoas. Por isso, como nas antigas experiências do CASU, da Curraleira ou das inundações de 1967, foi ensinar Matemática na Quinta do Mocho quando deixou de ser primeiro-ministro, nunca esquecendo, afinal, o velho conselho de Tag Erlander: «num político o pensamento, a palavra e a ação devem sempre constituir um todo coerente».
Guilherme d’Oliveira Martins
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