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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICA DA CULTURA


Estimado padre Jesuíno,

 

Sei que a esta hora segue já no comboio para Paris, mas, escrevo-lhe esta breve carta, na sequência da nossa conversa, pois queria ainda dizer-lhe que me lembrei - a propósito do nosso tema sobre o estudo da ciência da política -, de Dostoievski e do livro que me ofereceram um dia em Barcelona a Leyenda del Gran Inquisidor.

 

Recordo que as gentes se inclinam normalmente para a segurança, mesmo pagando por ela, o preço da sua renúncia à autonomia e à liberdade.

 

Ora, julgo que se partirmos de uma comunidade nacional e internacional, em que a justiça distributiva e os bens materiais e imateriais (instrução, integração social, futuro, oportunidades, etc.) constituem o bem-estar em sentido amplo, a democracia, como forma de governo, pode e deve clarificar-se de real ou formal e desempobrecer a realidade, expondo nomeadamente o dilema do livro de Dostoievski. Penso que se assim não for é a própria democracia que impõe uma lei de condicionamento mental.

 

Digo mais, no século XX talvez se não trate de verdadeiros condicionamentos como acima refiro, mas sim, de uma determinação moral imposta pela técnica, tornando a moral num sub produto de uma técnica político-social, de uma engenharia, junto da qual, a justiça se reduzirá a uma mera adaptação.

 

Refiro afinal a tecnocracia e a sua intrínseca neutralidade moral. Não sei padre Jesuíno como tirar de segundo lugar o que para a sociedade deve estar num primeiro ex aequo. Permita apenas que assim lhe deixe esta tensão, e que acredite que, rompida ela, possa surgir um marco para uma nova sociedade que não permita organizar a moral numa instituição.

 

Saudades a Montmartre

 

Teresa Bracinha Vieira

Junho 2017

CRÓNICA DA CULTURA

 

Julgamos poder dizer que a ciência da política é uma ciência que pretende conhecer a realidade do político por dentro, no mínimo, com anterioridade à sua aparência formal e mesmo institucional. Talvez por esta razão sempre foi necessário ter um olhar acutilante, analisando a política como facto real e não se afastar dessa objetividade.

 

Caminhávamos pelo Jardim da Estrela, como era hábito, depois de sairmos da Capela do Rato, e, dizia-me o padre Jesuíno:

 

Gosto muito, quando venho a Portugal de ir ver os meus amigos daqueles tempos. Os que entenderam a razão do meu casamento que muito tem a ver com a política, e os outros também, os que só me apontaram. E muito gosto de recordar as tuas “palestras” sobre o político e a política, acima de qualquer curiosidade, porque tinhas 13 anos e tentavas comunicar com os teus amigos, temas que não eram do seu agrado, nem do teu saber, mas a sensibilidade…o teu irrequieto…, mas sim, a ciência política, como dizes agora, deve devotar-se ao político por dentro, ao que ele tem e que ainda não é sabido mas é manipulado.

 

Padre, - vou chamar-lhe sempre assim, como sabe tropeço no Jesuíno sozinho – vamos tomar um café?

 

Olhei-o muito compenetrada no que lhe queria dizer e Aristóteles foi o primeiro pensador que se ateve ao Estado “possível”, sendo este o que tem mais segurança e estabilidade, e tomou como ponto de partida não a ideia de Estado perfeito, mas a ideia de Estado composto pelos diferentes povos e suas consequências em função deste corpo assim diferentemente constituído. Se este pensamento realista desapareceu? Sim desapareceu. Recordo-me da leitura de Julián Marías, La Etica nicomaquea, e só surge de novo este pensamento realista na época moderna com Maquiavel, Hobbes, Locke, Marx, Montesquieu entre outros.

 

É certo, diz-me Jesuíno, mas nem todos eram “realistas” no mesmo sentido. Basta pensarmos que muitos não se interessaram particularmente pelas mudanças do corpo do Estado, mas muito o afetaram, muito o condicionaram, o modificaram. Estou a pensar em Hobbes e também Marx, encarnações diabólicas para outros pensadores. Não achas?

 

Acho padre Jesuíno, sobretudo aqui sentada neste jardim, acho que as pessoas não gostam que se destrua o confortável idealismo quando não, porque esse facto dá a cada um, uma ideia muito satisfatória de si mesmo, proporcionando igualmente um contentamento pela comunidade a que cada qual pertence. Contudo o realismo deixa de ser descritivo e passa a dinâmico com uma direção histórica precisa. Julgo que continuarei a dizer que a ciência da politica tem por objeto o estudo da sua estrutura e do seu funcionamento. É uma ciência descritiva, objetiva, pelo menos inicialmente, assim penso. Hoje, é indiscutível a mudança, bem como a força sociológica e jurídica em toda esta análise, considerando o respeito pelo Direito, a real força da legitimidade.

 

Avançam corpulentas estas árvores deste jardim, Padre. Crescem vaporosas na Antropologia cultural de um mundo, silenciosas e regadas de uma moral e de um direito, verdadeiras armas da luta política, e porque não da luta das suas folhas pelo sol. Há que não esquecer que a personalidade fanática ou democrática é tão-somente a representação de uma realidade mais ampla e da qual depende. O poder e o seu funcionamento constituem a realidade política. E poder, pode ser «Estado» ou «Governo.» Pode ser árvore.

 

Gostaria de me candidatar a um cargo político, disse Jesuíno.

 

Teresa Bracinha Vieira
Maio 2017

CRÓNICA DA CULTURA

 

Caro padre Jesuíno;

 

Respondo-lhe mesmo antes de ler o livro que tão gentilmente me enviou.

 

Creio, padre Jesuíno que se sabe muito bem o que está por fazer, porque quase tudo está por fazer.

 

Observo que nos encontramos tão distantes do que entendemos por prosperidade de uma nação, por bem-estar generalizado que, durante muito tempo, não cairemos no risco de vivermos num país desenvolvido. Talvez por estas razões entre outras, a frustração dessa falta de comodidade mínima de vida, pode-se definir não como tendo na base uma acesa causa económica, mas antes por falta de uma enorme sova moral, não distribuída ou não auto atribuída ao esforço de todos e de cada um, como efeito de agulha no plano da ética pessoal e social que gerasse o início do trabalho que conduzisse à felicidade possível.

 

Só através de um caminho pessoal e institucional se conduz as pessoas individualmente consideradas a não se sentirem impotentes face ao Leviatã, tão difícil de descortinar atualmente, quando os próprios Estados e os grupos de pressão, em vivência de globalização de comunhão adquirida, aderiram a um pacto de sujeição morno quanto baste, e que impede a luta contra o conformismo e contra o marasmo, o que conduz a um sentido bem expresso da necessidade da atividade dos intelectuais.

 

Padre Jesuíno, quando nas anteriores cartas lhe referi o quanto receava a moral e a ética reféns das instituições da política contribuindo para a dificuldade do estudo da ciência da política nos dias de hoje, era exatamente a este ponto que queria chegar: o consumidor, o consumidor de tudo, dos bens materiais, do amor, da religião, da juventude, da criação, da saúde, da solidariedade e a consequente perda de mira de todos os olhares, constituem o mais conseguido Leviatã que Hobbes pensaria poder gerir.

 

Deito mão de um papel que encontrei (tenho tantas destas anotações!) por entre as páginas de um livro meu, onde uma frase escrita por alguém que me despertou interesse, sem que o livro me pertencesse, e eu, deste modo guardava memória, e que, infelizmente neste caso concreto não anotei o nome, tão só sei tratar-se de um jornalista espanhol que escreveu:

 

«no tiene condiciones para ser verdadeiramente dichoso un país en que los infelices son tan ricos de alma que prefieren cuatro horas de sol a cuatro pesetas de jornal.»

 

E afinal hoje nem se poderá ser tão livre assim?…

 

Saudades a Paris

Teresa

 

Teresa Bracinha Vieira