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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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DEZ ANOS COM O PAPA FRANCISCO

  


Foi a 13 de Março de 2013 — faz agora 10 anos —, que foi eleito. E percebeu-se logo naquela tarde que vinha como cristão: simples, sem aparato, inclinou-se perante a multidão, e ficou gravada na memória de todos aquela sua saudação: “buena sera” (boa tarde), que o tinham ido “buscar ao fim do mundo para bispo de Roma” (ele não usará o título de Papa), e, antes de dar a bênção, pediu que fossem os fiéis a pedir a bênção de Deus para ele primeiro.


O nome escolhido era revelador: Francisco, lembrando Francisco de Assis a quem pareceu uma vez ter ouvido dos lábios de Cristo crucificado o pedido: “Francisco, repara a minha Igreja, que ameaça ruina.” Sim, o Papa Francisco chegou e, por palavras e obras, é o que tem feito: não foi viver para o Palácio Apostólico, utiliza um carro modesto, está com todos, começando pelos mais pobres, acolhendo prostitutas, sorrindo e abraçando,  brincando com crianças que lhe roubam o solidéu...


Era urgente reformar a Cúria, cujas doenças, a título de exemplo, elencou logo na saudação natalícia papal de 2014: tudo gira à volta da “patologia do poder”, e a primeira doença é “pensar e sentir-se imortal, indispensável” e lá estão “a rivalidade e a vanglória”, e a “esquizofrenia existencial”, o “Alzheimer espiritual”, “divinizar os chefes”... Francisco rodeou-se de uma equipa de cardeais para a missão da reforma e ela aí está na Constituição Apostólica Praedicate Evangelium (Pregai o Evangelho), onde, logo no título se diz o essencial: anunciar o Evangelho, a notícia boa e felicitante de Jesus para todos. Para que serve a Igreja se não anuncia e pratica o Evangelho?


Os escândalos do Banco do Vaticano eram outra fonte de terrível preocupação: para onde vão, como se utilizam, os dinheiros que vêm dos fiéis? Francisco tudo tem feito, inclusive apelando a regras internacionais, para impor a transparência.


Que dizer da ignomínia da pedofilia? Para ela, “tolerância zero”. E não apenas com palavras, mas com determinações seguras, também penais: a pedofilia não é só um pecado, é um crime... “Não posso começar sem pedir perdão uma vez mais. Nunca serão suficientes as nossas palavras de arrependimento e consolação para as vítimas de abusos sexuais por parte dos membros da Igreja. Pecámos gravemente: milhares de vidas foram arruinadas  por quem tinha o dever de cuidar delas e defendê-las. Nunca será suficiente o que fizermos para tentar reparar o dano que causámos.”


Francisco é combatente acérrimo contra o clericalismo e o carreirismo eclesiástico, uma “peste” na Igreja. Não quer “bispos príncipes” nem “bispos de aeroporto”. Contra a “casta” eclesiástica: “Há um profundo desprezo pelo povo santo de Deus. Já não são pastores, mas capatazes”. Mais uma vez, na sua recente visita ao Sudão do Sul, no encontro com os bispos, o clero e os religiosos, pediu aos pastores que fossem compassivos e misericordiosos, “não senhores do povo” . A Igreja de Cristo “situa-se no meio da vida sofredora do povo, e suja as mãos pelo povo”.


Bate-se pelo diálogo ecuménico e inter-religioso e pratica-o. Por exemplo, esteve na Suécia para participar na comemoração dos  500 anos da Reforma. “Creio que as intuições de Martinho Lutero não eram equivocadas: era um reformador. Talvez alguns métodos não tenham sido adequados, mas pensando naquele tempo vemos que a Igreja não era realmente um modelo a imitar: havia corrupção na Igreja, espírito mundano, apego ao dinheiro e ao poder.” É amigo de Bartolomeu, patriarca ortodoxo de Constantinopla, a quem até já pediu a bênção. Foi com o arcebispo anglicano de Cantuária, J. Welby, visitar o Sudão do Sul. Esteve em  vários países de imensa maioria muçulmana e assinou, em Abu Dhabi, juntamente com o grande imã da mesquita Al-Azhar, A. Al-Tayyeb, o “Documento sobre a Fraternidade Humana”.


Sobre a ecologia, escreveu uma encíclica que fica para a História: a Laudato Sí, defendendo uma “ecologia integral”, vinculando a urgência da defesa da Natureza e a dos mais pobres. A Terra é criação de Deus, e, sem a salvaguarda do ecossistema, o que  está em jogo é o planeta e a sobrevivência da Humanidade.


Desde o princípio, defensor acérrimo da paz, a sua intervenção política foi notada, a ponto de se ter tornado um líder político-moral global, talvez o mais ouvido.  Significativamente, a sua primeira visita fora de Roma foi a Lampedusa, para clamar a favor dos refugiados e uma política contra a “globalização da indiferença”. A quem o acusa  de “fazer política”, responde: “Sim, estou a fazer política. Porque toda a pessoa tem de fazer política”. A quem lhe chama comunista remete para o Evangelho e acrescenta: “Não condeno o capitalismo e também não estou contra o mercado”: o que defende é a “economia social de mercado”. “A mesa económica não funciona só com duas pernas. Com três, sim: o capital, o trabalho e o Estado como regulador.”


Entretanto, nestes dez anos, Francisco foi abrindo portas para uma nova compreensão e abertura no domínio da moral sexual, por exemplo, abrindo portas de acesso à comunhão de divorciados recasados, aos anticonceptivos, aos homossexuais...


A reforma decisiva da Igreja ficará historicamente definida com a sinodalidade e a superação do domínio patriarcal. Aí está uma razão essencial para não querer resignar antes de 2024: levar a termo o Sínodo sobre a sinodalidade.


E é feliz? “Estou feliz porque me sinto feliz. Deus faz-me feliz”, disse há pouco à America Magazine.

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 11 de março de 2023

O PAPA FRANCISCO VOLTOU A ÁFRICA

  


1.
A Igreja é, originariamente, a assembleia dos que acreditam em Jesus como o Messias Salvador. De facto, é também uma instituição e hoje, na realidade, a única instituição verdadeiramente global, com um chefe, que é também chefe de Estado. Assim, ergue-se, imensa, uma pergunta, formulada nestes termos por Paulo Rangel no Posfácio ao meu livro O Mundo e a Igreja. Que futuro?: “Que sentido faz que o chefe de uma Igreja seja chefe de Estado? Depois do Vaticano II, com a inauguração duma possível era republicana na cúpula da Igreja Católica, é admissível ou não a natureza político-constitucional e jus-internacional da própria Igreja e do seu vértice? Não seria altura de separar as águas e despir o Papa das últimas vestes de César? Não seria esse o próximo passo da Igreja no caminho do despojamento e do desprendimento?”


Paulo Rangel reconhece que são muitos os que vão neste sentido de uma “despolitização” do Vaticano e da Igreja, que deveria entregar-se à sua missão puramente espiritual e pastoral. Mas, por outro lado, quando se olha para o contributo do Papa e da rede diplomática do Vaticano para a paz, para a justiça, na defesa da dignidade das pessoas (refugiados e marginalizados), na denúncia do capitalismo selvagem, das perseguições e violências, é preciso perguntar também: “O mundo estaria melhor e os humanos viveriam melhor se a Igreja não dispusesse deste “aparelho” estadual? É evidente que não”. E conclui: A Igreja, não há dúvida, precisa de se reformar e converter, mas essa conversão “não exige nem postula o abandono de um dos grandes ministérios de que dispõe para servir a Humanidade — a sua diplomacia em favor da justiça e da paz, decorrente do reconhecimento internacional da sua natureza de Estado. Pelo contrário, pode mesmo reclamar essa natureza e identidade  como forma supina de servir.”


2. Foi neste quadro que o Papa Francisco esteve, entre 31 de Janeiro e 5 de Fevereiro, na República Democrática do Congo e no Sudão do Sul, massacrados pela violência, pela exploração, numa dor sem fim. No Sudão do Sul, esteve acompanhado pelo arcebispo anglicano de Cantuária, J. Welby, e o moderador da Assembleia geral da Igreja da Escócia, I. Greenshieds, irmãos numa peregrinação ecuménica ao serviço da paz. Foi Welby que recordou aquele gesto inesquecível em Roma, em 2019, quando Francisco, num esforço fisicamente tão penoso, se ajoelhou diante dos três líderes do Sudão do Sul e lhes beijou os sapatos, suplicando um esforço para avançarem na paz.


E nestes dias juntaram-se multidões para saudar Francisco, ouvi-lo nas denúncias sem rodeios de tanta exploração económica e bélica mundial, suplicando pontes de entendimento em ordem à paz. O Papa, na sua debilidade física, em cadeira de rodas, mas firme na sua missão profética, foi exemplo evangélico, cristão, de entrega ao cuidado da Humanidade  na justiça, na fraternidade e na paz. Também se alegrou quando presidiu àquelas celebrações a que acederam multidões cantando e dançando num ritmo que só os africanos sabem e têm. E comoveu-se tantas vezes, no contacto com mutilados de guerra, e certamente nunca esquecerá aquela menina a oferecer-lhe uma esmola.


3. Também deixou recados para o interior da Igreja, nomeadamente para o clero. Assim: “Se vivermos para ‘nos servirmos’ do povo em vez de ‘servir’ o povo, o sacerdócio e a vida consagrada tornam-se estéreis. Não se trata de um trabalho para ganhar dinheiro ou ter uma posição social nem para resolver a situação da família de origem, trata-se de ser sinais da presença de Cristo, do seu amor incondicional, do perdão com que quer reconciliar-nos.” “Que não suceda que nos julguemos autossuficientes, muito menos que se veja no episcopado a possibilidade de escalar posições sociais e de exercer o poder. O espírito malvado do carreirismo! E, sobretudo, que não entre o espírito mundano, que nos faz interpretar o ministério segundo critérios de benefício pessoal, que nos torna frios e distantes.” “Não somos os chefes de uma tribo, mas pastores compassivos e misericordiosos; não somos os donos do povo, mas servos que se inclinam a lavar os pés dos irmãos e irmãs.”


O essencial da mensagem transmitida nos dois países foi retomado na conferência de imprensa, já no regresso a Roma. Assim:


“Vi no Congo muita vontade de avançar, muita cultura. Têm tantas riquezas naturais que atraem quem vem explorar o Congo, perdão pela palavra. É preciso abandonar a ideia de que África é para explorar. Dá dor: as vítimas dessa guerra, amputados, tanta dor, tudo para levar as riquezas. Não, não pode ser.”


“A violência é um tema quotidiano. É doloroso ver como se provoca a violência. Um dos problemas é a venda de armas. A venda de armas creio que é a maior praga do mundo. O negócio! Alguém me disse que, se não se vendesse armas durante um ano, se acabaria com a fome no mundo. Também é certo que se provoca a luta entre tribos vendendo armas  e depois  explora-se a guerra entre tribos. Isto é diabólico.”


“O mundo todo está em guerra (Síria, Iémen, Myanmar, na Améria Latina, quantos focos de guerra!). O mundo está em guerra e em autodestruição. Paremos a tempo, porque uma bomba traz outra maior e outra maior e, na escalada, não sabes onde acabarás.”


E a sua saúde? Felizmente, sempre com humor: ”Este joelho chato!, mas, como se sabe, erva ruim nunca morre!”. Continuará, pois, o combate contra “a globalização da indiferença, presente em todo o lado.”

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 11 de fevereiro de 2023

BENTO XVI MORREU. E AGORA, FRANCISCO?

  


Bento XVI morreu no passado dia 31 de Dezembro. As suas últimas palavras foram: “Senhor, eu amo-te.” Não há dúvida de que o seu grande legado para a História foi a renúncia, sinal de humildade e dessacralizando o papado. Para lá disso, fica também, como sublinhou José Manuel Vidal, “o milagre da coabitação e da transição tranquila”. Francisco punha fim a uma Igreja piramidal, clerical, carreirista, autorreferencial, e, agora, a caminho de uma Igreja sinodal, circular, “hospital de campanha”. E podemos imaginar o sofrimento de BentoXVI ao “ver como a sua obra era derrubada” ao mesmo tempo que era “duro para o Papa Francisco este trabalho de desmontagem  perante os olhos de Bento XVI… No entanto, de modo geral, a convivência durante quase dez anos foi delicada e até fraternal”. Seja como for, não se deve de modo nenhum ignorar a diferença entre Bento XVI e Francisco, bem clara ao ler a obra póstuma de Bento XVI, Che cos’è il Cristianesimo (O que é o cristianismo), onde, por exemplo, defende uma ligação, dir-se-ia intrínseca, entre a ordenação sacerdotal e a obrigação do celibato.


Durante o seu funeral houve quem pedisse a canonização rápida — lá apareceu o cartaz do tempo do funeral de João Paulo II com “Santo subito”.  Creio que isso não vai acontecer nem seria bom que acontecesse, como se prova ao pensar hoje na precipitação em canonizar João Paulo II. Nesse sentido se pronunciou o cardeal Walter Kasper, antigo prefeito do Dicastério (Ministério) para a unidade dos cristãos, usando até uma nota de humor: “Para o Céu não se vai em comboio de alta velocidade”.


Esta é mais uma iniciativa dos conservadores no sentido de “utilizar” Bento XVI contra Francisco, com a finalidade de precipitar a queda deste. É sabido que enquanto Bento XVI vivesse a renúncia de Francisco seria muito difícil.  Por isso, alguns ultraconservadores e opositores de Francisco apressaram-se na luta de ataques contra ele, a começar pelo secretário de Bento XVI, o arcebispo G. Gänswein, que se precipitou a publicar as suas  memórias no livro anunciado ainda antes do funeral: Nient’altro che la verità (Só a verdade). O arcebispo de Viena, cardeal Christoph Schönborn, criticou-o: “Uma indiscrição indecorosa. Não me parece bem que se publiquem coisas tão confidenciais, sobretudo por parte do secretário pessoal”. W. Kasper também disse que “seria melhor estar calado”.


De qualquer forma, no livro não há grandes revelações. Uma delas refere a dor de Bento XVI pelo facto de Francisco praticamente ter acabado com a possibilidade da Missa em latim. Pessoalmente, pergunto: porquê lamentar a proibição da Missa em latim? De facto, reclamar a possibilidade da celebração em latim e de costas para o povo é, nem que seja só inconscientemente, uma forma de clericalismo, pois só o clero (bispos, padres) teria a possibilidade de falar directamente com Deus, como se Deus só entendesse latim!


O cardeal Pell, entretanto falecido, apontou o pontificado de Fancisco como “um desastre”. E o cardeal Gerhard Müller, antigo prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, no seu novo livro de entrevistas com a vaticanista Franca Giansoldati, publicado ontem, In buona fede (Com boa fé), ataca frontalmente Francisco, também por causa da Constituição Apostólica sobre a reforma da Cúria, Praedicate Evangelium (Pregai o Evangelho). Para Müller, existe uma “tendência para reformar a Igreja no sentido protestante” e que deriva de “uma visão liberal que despreza a tradição”.


E Francisco vai resignar? Já afirmou: “Se vir que não posso continuar ou estou a causar dano ou a ser um estorvo, espero ‘ajuda’ para tomar a decisão de retirar-me e, chegado esse dia, prefiro ser considerado simples Bispo emério de Roma em vez de Papa emérito”. Note-se que, de facto, teologicamente, não é aceitável o título “Papa emérito”. E também disse a que gostaria de se dedicar: “Se sobreviver à renúncia, gostaria de fazer coisas deste tipo: ouvir as pessoas em confissão e ver doentes.”  


No entanto, a resignação não está para breve. Ele próprio acaba de declarar em entrevista à Associated Press que está “bem de saúde” e que a dor no joelho praticamente tinha desaparecido. De qualquer modo, “governa-se com a cabeça e não com as pernas.” Repetiu que, no caso de renúncia, seria “Bispo emérito de Roma” e viveria na residência para padres reformados da diocese.


Para já, continua com os seus compromissos: na semana próxima, visitará a República Democrática do Congo e o Sudão do Sul; em Agosto, está em Portugal para a Jornada Mundial da Juventude e já advertiu que a JMJ não pode ficar reduzida a turismo religioso e espectáculo, e eu, pessoalmente, estou convencido de que não gostará que a celebração da Eucaristia final seja num altar-palco com o custo de mais de 4 milhões de euros.


Dedicar-se-á intensamente à continuação da preparação e celebração do Sínodo dos Bispos sobre a sinodalidade em Outubro próximo, continuando no ano de 2024. De facto, a Igreja atravessa uma das suas mais dramáticas crises e precisa de uma mudança estrutural. Para ele, é bom haver críticas, “porque isso quer dizer que há liberdade para falar. A única coisa que peço é que mas digam na cara, porque assim crescemos todos, não é verdade?”


O legado de Francisco será precismente uma Igreja sinodal, caminhando todos em conjunto, sem “imperador” e “uma ditadura da distância”. 

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 28 de janeiro de 2023

A HERANÇA DE BENTO XVI

  


Na presente crise gigantesca da Igreja, impõe-se continuar com a reforma que o Papa Francisco pôs em marcha. Para ela, há que contar também com contributos e reflexões de Bento XVI, apesar das duras críticas que justamente se levantam contra ele. Não se pode esquecer que a primeira herança a ter em conta é justamente Francisco. Repare-se em algumas dessas reflexões, que mostram não ser possível contrapor pura e simplesmente Francisco e Bento XVI. Ficam aí alguns exemplos.


1. Ainda recentemente Francisco lembrou o seu antecessor, que dizia: “A Igreja não faz proselitismo, cresce muito mais por atracção.” Neste sentido, em 1969 o então professor de Teologia J. Ratzinger avançou com uma profecia: “Da actual crise surgirá uma Igreja que terá perdido muito. Será mais pequena e terá que recomeçar mais ou menos do início. Já não será capaz de habitar os edifícios que construiu em tempos de prosperidade. Recomeçará com pequenos grupos. Será uma Igreja mais espiritual, Igreja dos pobres.” Acrescentou: mas então as pessoas descobrirão que vivem num mundo de “indescritível solidão” e elas, que tinham perdido Deus de vista, verão “esse pequeno rebanho de crentes como algo completamente novo: descobri-lo-ão como uma esperança para eles próprios, a resposta que secretamente sempre tinham procurado.” Voltou à ideia em 1970 e 1971: A Igreja “tornar-se-á pequena. Com o número dos seus membros, perderá muitos dos seus privilégios… Conhecerá também certamente novas formas de ministério e ordenará como padres cristãos que deram provas, que têm a sua profissão”. Sobre o celibato: por um lado, a sua defesa; por outro, a ordenação dos chamados viri probati (homens de fé provada, casados ou não) parecia-lhe “ser o caminho para, com sentido e sem quebra da tradição, criar novas possibilidades.” Nessa altura admitiu também, no quadro de certas condições, a possibilidade da comunhão para divorciados recasados.


2. Ele que carregou com o que terá  constituído o seu maior pecado — a condenação de dezenas e dezenas de teólogos — também deixou escrito: “Acima do Papa encontra-se a própria consciência, à qual é preciso obedecer em primeiro lugar; se fosse necessário, até contra o que disser a autoridade ecclesiástica. O que faz falta na Igreja não são panegiristas da ordem estabelecida, mas homens cuja humildade e obediência não sejam menores do que a sua paixão pela verdade, e que amem a Igreja mais do que a sua comodidade da sua própria carreira.”


3. Contra uma Igreja centrada na Europa, confessou, já depois de ter abdicado e pensando na eleição de Bergoglio: “Papa é o Papa, não importa quem seja”. A eleição de um cardeal latino-americano “significa que a Igreja está em movimento, é dinâmica, aberta, tendo diante de si perspectivas de novos desenvolvimentos. É completamente claro que a Europa já não é o centro da Igreja mundial” e é evidente que ela “está a abandonar cada vez mais as velhas estruturas tradicionais da vida europeia e, portanto, muda de aspecto e nela vivem novas formas . É claro sobretudo que a descristianização da Europa progride, que o elemento cristão desaparece cada vez mais do tecido da sociedade. Portanto, a Igreia deve encontrar uma nova forma de presença. Estão em curso reviravoltas epocais.” A teologia precisa de renovar-se e admoestou os cardeais para “renunciarem ao estilo mundanao de poder e glória”.


4. E não tinha razão quando, nas Últimas Conversas, depois de confessar que “acreditar não é senão, na noite do mundo, tocar a mão de Deus e assim — no silêncio — ouvir a Palavra, ver o Amor”, perguntou:  Qual é “o verdadeiro problema deste nosso momento da História? Deus desaparece do horizonte das pessoas e, com a extinção da luz que vem de Deus”, a Humanidade é apanhada pela falta de orientação, “cujos efeitos se manifestam cada vez mais”.


Pergunto: não consiste o desastre da presente situação de consumismo hedonista e de vazio no facto de já nem sequer se colocar a pergunta essencial, a pergunta pelo Fundamento, pelo Sentido último? Sem essa pergunta, onde fundamentar a dignidade do ser humano, “fim em si mesmo e não simples meio”, como teorizou I. Kant? De facto, só o Infinito é fim em si mesmo: para lá não existe mais nada. O que tem o ser humano de infinito senão precisamente a pergunta ao Infinito pelo Infinito, em última análise, a pergunta por Deus, independenetemente da resposta que lhe dê, pois, com honestidade, pode haver crentes, agnósticos e ateus?


5. Enfrentou a doutrina da “satisfação”: Deus mandou o seu Filho Jesus ao mundo para, com a morte na cruz como vítima expiatória, reparar a ofensa infinita feita a Deus pela Humanidade. Rejeitou a noção de um Deus colérico, sádico, “cuja justiça inexorável teria exigido um sacrifício humano, o sacrifício do seu próprio Filho. Esta imagem, apesar de tão espalhada, não deixa de ser falsa”, contradiz o Deus-Amor, revelado em Jesus.


6. Percebeu a necessidade, no contexto da interdependência de tudo e de todos, de uma Governança global: “Urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial, que deverá ser reconhecida por todos, gozar de poder efectivo para garantir a cada um a segurança, a observância da justiça, o respeito dos direitos”. 

7. Ficam para a História a denúncia da Cúria, um verdadeiro cancro da Igreja, e a resignação, que permitiu a eleição de Francisco, uma bênção para a Igreja e para o mundo.

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 21 de janeiro de 2023

FRANCISCO SOBRE O DIÁLOGO, AS MULHERES, OS CATÓLICOS ALEMÃES...

  


Entre 3 e 6 deste mês de Novembro, o Papa Francisco esteve no Bahrain, no Fórum a favor do Diálogo: Oriente e Ocidente pela coexistência humana. No regresso, no avião, deu, como é hábito, uma conferência de imprensa. É sempre enriquecedor dar atenção a essas conferências, até porque há temáticas múltiplas da actualidade e uma espontaneidade acrescentada. Seguem-se alguns temas.


1. Referindo o diálogo, acentuou que é uma palavra-chave: "diálogo, diálogo". Já tinha sublinhado, aliás, que os animais é que não dialogam, os humanos têm de resolver os seus problemas através do diálogo. Condição para dialogar é que se tem de partir da identidade própria, ter identidade afirmada, não difusa. Quando alguém não tem a sua própria identidade ou ela não é firme, o diálogo torna-se difícil, até impossível. A sua viagem foi uma viagem de encontro, porque o objectivo era estar em diálogo inter-religioso com o islão e ecuménico com os ortodoxos. Ora, tanto o Grande Imã de Al-Azhar, no Cairo, Ahmed al-Tayeb, como o Patriarca de Constantinopla, Bartolomeu, "têm uma grande identidade" e as suas ideias vão no sentido de procurar a unidade, respeitando as diferenças, evidentemente, em ordem ao entendimento e ao trabalho conjunto para o bem e a paz da Humanidade. Também se chamou a atenção para a Criação e a sua protecção: "isto é uma preocupação de todos, muçulmanos, cristãos, todos". Os crentes das várias religiões "devemos caminhar juntos como crentes, como amigos, como irmãos."


2. Na sua viagem, lembrou outro jornalista, "falou sobre os direitos fundamentais, incluindo os direitos das mulheres, a sua dignidade, o direito a ter o seu lugar na esfera social pública"...


Resposta de Francisco. "Temos de dizer a verdade. A luta pelos direitos da mulher é uma luta contínua. Há lugares onde a mulher tem igualdade com o homem, mas noutros não. Pergunto: porque é que uma mulher tem de lutar tanto para manter os seus direitos?" E falou na ferida da mutilação genital feminina: "isto é terrível". Como é que a humanidade não acaba com isto, que é "um crime, um acto criminoso! As mulheres, segundo dois comentários que ouvi, são material "descartável" - isso é mau, claro - ou são "espécies protegidas". A igualdade entre homens e mulheres ainda não é universal, e existem estes incidentes: as mulheres são de segunda classe ou menos. Temos de continuar a lutar. Deus criou-os iguais, homens e mulheres. Todos os direitos das mulheres provêm desta igualdade. E uma sociedade que não é capaz de colocar a mulher no seu lugar não avança." As mulheres têm uma capacidade de gerir as coisas de outra maneira, que "não é inferior, mas complementar". E uma constatação: "Vi que no Vaticano sempre que entra uma mulher para fazer um trabalho as coisas melhoram: por exemplo, o vice-governador do Vaticano é uma mulher e as coisas mudaram para bem." Só um exemplo.


Igualdade de direitos, mas também igualdade de oportunidades; caso contrário, empobrecemo-nos. Há ainda muito caminho para percorrer. Porque "existe o machismo. Venho de um povo machista. Lutamos não só pelos direitos, mas porque precisamos que as mulheres nos ajudem a mudar."


3. Quanto à Ucrânia. "O Vaticano está permanentemente atento". Ele foi à embaixada russsa falar com o embaixador, "um humanista", está disposto a ir a Moscovo para falar com Putin, falou duas vezes ao telefone com o Presidente Zelensky... O que lhe chama a atenção é "a crueldade, que não é do povo russo... Tenho uma grande estima pelo povo russo, pelo humanismo russo. Basta pensar em Dostoievsky, que até hoje nos inspira... Sinto um grande afecto pelo povo russo e igualmente pelo povo ucraniano".


E atirou, desolado: "Num século, três guerras mundiais! A de 1914-1918, a de 1939-1945, e esta! Esta é uma guerra mundial, porque é certo que, quando os impérios de um lado e do outro se debilitam, precisam de fazer uma guerra para sentir-se fortes e também para vender armas. Hoje creio que a maior calamidade do mundo é a indústria armamentista. Por favor! Disseram-me, não sei se está certo ou não, que, se não se fabricassem armas durante um ano, acabar-se-ia com a fome no mundo." E contou que sempre que vai a cemitérios e encontra o túmulo de um jovem morto numa guerra, chora.


4. Sobre os abusos de menores, reconheceu que houve secretismo e encobrimento. Agora, é a "tolerância zero". "Nisto hoje a Igreja está firme, pois, mesmo que só tivesse havido um caso, seria trágico."


5. Mesmo a terminar, Francisco mostrou alguma preocupação com o "caminho sinodal" da Igreja na Alemanha: "Aos católicos alemães digo: a Alemanha tem uma grande e bela Igreja evangélica; não quero outra, que não será (nunca) tão boa como aquela; quero-a católica, em fraternidade com a evangélica."


A Conferência Episcopal Alemã esteve no Vaticano e o caminho sinodal foi um dos temas centrais nos encontros com o Papa e a Cúria. Os bispos alemães apelam à "unidade" da Igreja. Mas o Presidente da Conferência, G. Bätzing, também foi lembrando que Roma foi e é "ponto de referência para a fé católica e para toda a Igreja", mas "não é a origem e a meta do caminho que tomamos na fé"; "a origem e a meta desse caminho é Jesus Cristo".


Assim, pessoalmente, pergunto, por exemplo: o que impede acabar com o celibato obrigatório ou a ordenação de mulheres para presidirem à celebração da Eucaristia? Onde esteve afinal a igualdade de direitos?

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 19 de novembro de 2022

RELIGIÕES: "O DIREITO À ESPERANÇA, À BELEZA, AO CÉU". 2

  


O Papa Francisco esteve no Cazaquistão nos dias 13-15 de Setembro, para participar no VII Congresso de Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais. Coube-lhe o discurso de encerramento. Na continuidade da crónica do dia 22 de Outubro, esta quer ser uma síntese desse discurso.


Uma constatação: Aí está “o peso da insensata loucura da guerra; há demasiado ódio e divisões, demasiada falta de diálogo e de compreensão do outro; isto, num mundo globalizado, resulta ainda mais escandaloso e perigoso. Não podemos continuar conectados e separados, vinculados e divididos por tanta desigualdade.”  Evidentemente, “o terrorismo de matriz pseudo- religiosa, o extremismo, o radicalismo, o nacionalismo alimentado de sacralidade, fomentam ainda hoje temores e preocupações em relação à religião”, mas “eles não têm nenhuma relação com o autêntico espírito religioso e têm de ser rejeitados e condenados sem condições nem ‘mas’. Para lá do mais, porque Deus criou todas as pessoas iguais, independentemente da sua pertença religiosa, étnica ou social, e, por isso, nós (líderes das religiões) estivemos de acordo em afirmar que o respeito mútuo e a compreensão devem ser considerados essenciais e imprescindíveis no ensino religioso.”


Tema essencial é o da relação entre religião e política. Um vínculo são entre política e Transcendência, uma coexistência sã entre os dois âmbitos implicam “distinção, não confusão nem separação”. Impõe-se um “não” à confusão, para salvaguardar o bem do ser humano, que “precisa, como a águia, de um céu livre para voar, um espaço livre e aberto ao infinito que não esteja limitado pelo poder terreno”. Por outro lado, a Transcendência “não deve ceder à tentação de transformar-se em poder”, para que “o ‘além’ divino” não fique “apanhado pelo hoje terreno”. Por fim, um “não” ao corte entre política e transcendência, pois “as mais altas aspirações humanas não podem ser excluídas da vida pública e relegadas para o simples âmbito privado.” Está aqui presente toda a questão da liberdade religiosa: “quem desejar exprimir de modo legítimo o seu próprio credo que seja amparado sempre e em todo o lugar… Sobretudo é necessário comprometer-se para que a liberdade religiosa não seja um conceito abstracto, mas um direito concreto. Defendamos para todos o direito à religião, à esperança, à beleza, ao céu.” A laicidade, que exige que nenhum Estado tenha uma religião oficial, é essencial para garantir a liberdade de todos; por outro lado, a laicidade não pode ser confundida com laicismo, que pretende que a religião seja excluída do espaço público.


Pensando em todos os seres humanos, é necessário reconhecer que “as grandes sabedorias e religiões estão chamadas a dar testemunho da existência de um património espiritual e moral comum, que se funda em dois pilares: a transcendência e a fraternidade. A transcedência, o ‘além’, a adoração.  É bonito que a cada dia milhões e milhões de homens e mulheres, de diferentes idades, culturas e condições sociais, se reúnam para rezar em inúmeros lugares de culto. Essa é a força oculta que faz com que o mundo avance. E, depois, a fraternidade, o outro, a proximidade, pois não pode professar uma verdadeira adesão ao Criador quem não ama as suas criaturas.” Este é o espírito que impregna a Declaração do Congresso, e Francisco quis concluir destacando três palavras.


A primeira é um grito angustiado e exprime a meta do caminho: a paz, peace! “A paz é urgente, porque qualquer conflito militar ou foco de tensão e enfrentamenteo hoje só pode ter um nefasto ‘efeito dominó’ e compromete seriamente o sistema de relações internacionais. Mas a paz não é a mera ausência da guerra nem se reduz só ao equilíbrio das forças adversárias nem surge de uma hegemonia despótica; com toda a exactidão e propriedade, chama-se obra da justiça”. A paz “brota da fraternidade, cresce através da luta contra a injustiça e a desigualdade, constrói-se estendendo a mão aos outros.  Por isso, a Declaração exorta os líderes mundiais a acabar com os conflitos e o derramento de sangue em toda a parte. Pedimo-vos, em nome de Deus e pelo bem da Humanidade: comprometam-se a favor da paz, não a favor das armas. Só servindo a paz é que o vosso nome será grande na História.”


A segunda palavra é a favor das mulheres. “Se falta a paz é porque falta o cuidado, a ternura, a capacidade de gerar vida. Por isso, é preciso buscá-la implicando mais as mulheres. Porque a mulher cuida e dá vida ao mundo, é caminho para a paz. Por isso, apoiamos a necessidade de proteger a sua dignidade e melhorar o seu status social como membros da família e da sociedade com os mesmos direitos. Deve-se-lhes confiar papéis e responsabilidades maiores. Quantas opções que levam à morte se evitariam, se as mulheres estivessem no centro das decisões. Comprometamo-nos para que sejam mais respeitadas, reconhecidas e incluídas.”


A terceira palavra: os jovens. “Eles são os mensageiros da paz e da unidade de hoje e do amanhã. Eles são os que, mais que outros, invocam a paz e o respeito pela casa comum da criação.” No enquadramento de sonhos e esperanças da juventude, diz Francisco: “Assim também, religiosidades rígidas e sufocantes não pertencem ao futuro, mas ao passado”. E: “Nas mãos dos jovens ponhamos oportunidades de educação, não armas de destruição.” O futuro constrói-se não esquecendo “a transcendência e a fraternidade”. “Avancemos, caminhando juntos na Terra como filhos do Céu!”

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 5 de novembro de 2022

RELIGIÕES: "O DIREITO À ESPERANÇA, À BELEZA, AO CÉU". 1

  


1. O Papa Francisco esteve no Cazaquistão nos dias 13-15 de Setembro, para participar no VII Congresso de Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais. Coube-lhe o discurso de encerramento, no qual se socorre de várias citações da Declaração final do Congresso. O que aí fica pretende ser uma síntese dos momentos considerados essenciais dos dois textos, sendo o de hoje dedicado à Declaração. Mas começaria por sublinhar a importância decisiva destes encontros sobre as religiões, não só porque, como sublinhou o teólogo Hans Küng, “Não haverá paz entre as nações sem paz entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões sem diálogo entre as religiões. Não haverá sobrevivência do nosso planeta sem um ethos (atitude ética) global, sem um ethos mundial”, mas também para que as religiões reflictam, se convertam à sua essência, ao que verdadeiramente devem ser, e assim evitem barbaridades em nome de Deus. Por exemplo, no passado dia 25 de Setembro, o Patriarca Kirill, o representante máximo da Igreja ortodoxa na Rússia, no sermão de Domingo, afirmou que o sacrifício “no cumprimento do dever militar” na guerra contra a Ucrânia “lava todos os pecados”. E o que fez a Inquisição senão assar dissidentes na fogueira, apenas porque, com razão, divergiam da Igreja oficial? E a tragédia da pedofilia?  E as barbaridades em nome do islão?... Nas religiões, há o melhor e o pior…


2. A Declaração conjunta tem como ponto de partida “o facto imutável de que o Todo Poderoso criou todas as pessoas iguais, independentemente da sua filiação racial, religiosa, étnica ou de outro tipo ou da sua condição social, e, assim, a tolerância, o respeito e a compreensão mútua são a base de apoio de todo o ensino religioso.” Mais: “o pluralismo e as diferenças de religião, cor da pele, género, raça e língua são expressões da sabedoria da vontade de Deus na criação.” Por isso, a Declaração acentua que as religiões só podem ser factores de paz: “Cremos que o extremismo, o radicalismo, o terrorismo e todas as outras formas de violência e guerra,  sejam  quais forem os seus objectivos, nada têm que ver com a verdadeira religião e devem ser rejeitados do modo mais enérgico.”


Também por isso, insiste encarecidamente com os governos nacionais e as organizações internacionais “para que prestem uma assistência integral a todos os grupos religiosos e comunidades étnicas que foram e são objecto de violação de direitos e de violência por parte de extremistas e terroristas.” Apela igualmente aos líderes mundiais para que “abandonem toda a retórica agressiva e destrutiva que conduz à desestabilização do mundo e para que cessem os conflitos e o derramento de sangue em todos os quadrantes do nosso mundo.”


Em ordem à resolução dos conflitos, pede a colaboração dos líderes religiosos e dos políticos: “Apelamos aos líderes religiosos e aos políticos de diferentes partes do mundo para que desenvolvam incansavelmente o diálogo em nome da amizade, da solidariedade e da coexistência pacífica”, defendemos “a participação activa desses líderes das religiões mundiais e tradicionais e das figuras políticas proeminentes na resolução de conflitos em ordem a conseguir a estabilidade a longo prazo.” Há “a necessdiade urgente de que os líderes espirituais e políticos trabalhem juntos para fazer frente aos desafios do nosso mundo.”


Não há dúvida nenhuma de que a religião pode contribuir para uma maior humanização, uma humanização integral, plena. Com uma condição: ser bem entendida. Reconhece-se que “o Congresso de Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais desempenha um papel importante na realização de esforços conjuntos para fortalecer o diálogo em nome da paz e da cooperação, bem como dos vlaores espirituais e morais.” Por isso, a Declaração adverte: “Esforçamo-nos por desenvolver um diálogo com os meios de comunicação social e outras instituições da sociedade para esclarecerem a importância dos valores religiosos para promover a alfabetização religiosa, a tolerância inter-religiosa e a paz civil”, continuando: “Constatamos que as pessoas e as sociedades que desestimam a importância dos valores espirituais e as directrizes morais são susceptíveis de perder a sua humanidade e criatividade.” Por isso, ao mesmo tempo que acolhem “com satisfação os progressos realizados nos campos da ciência, da tecnologia, da medicina, da indústria e outros âmbitos”, chamam a atenção para a necessidade da sua “harmonização com os valores espirituais, sociais e humanos.” Fundamental é “aumentar o papel da educação e da formação religiosa para reforçar a coexistência respeitosa das religiões e as culturas e desterrar os perigosos preconceitos pseudoreligiosos.” “Pedimos que se apoiem todas as iniciattivas práticas para levar a cabo o diálogo inter-religioso e interconfessional, em ordem a construir a justiça social e a solidariedade entre os povos. Solidarizamo-nos com os esforços das Nações Unidas e todas as outras instituições e organizações internacionais, governamentais e regionais, para promover o diálogo  entre civilizações e religiões, estados e nações.”


A família e sua importância fundamental não foram esquecidas, os direitos da mulher também não. “Prestamos especial atenção à importância de fortalecer a instiuição da família. Defendemos a protecção da dignidade e dos direitos das mulheres, a melhoria do seu status social como membros iguais da família e da sociedade.”

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 22 de outubro de 2022

FRANCISCO OLHANDO PARA O FUTURO

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Com as tremendas responsabilidades que pesam sobre ele, o Papa Francisco olha para o futuro: o seu futuro, o futuro da Igreja, o futuro do mundo…

 

1. Qual o futuro de Francisco? Ele sabe que tem 85 anos e que anda em cadeira de rodas e que há rumores de renúncia no ar, tão desejada por alguns sectores ultraconservadores que anseiam por ver-se livres dele. De qualquer forma, mesmo sentindo-se um pouco diminuído, não está nos seus planos a renúncia para breve. Disse-o recentemente a duas jornalistas mexicanas, María Antonieta Collins e Valentina Alazraki: “Não tenho nenhuma intenção de renunciar. Para já, não.”

Repetiu a mesma coisa na conferência de imprensa no regresso da recente “peregrinação penitencial” ao Canadá. Confessou que uma eventual renúncia “não é uma catástrofe: pode-se  mudar de Papa, isso não é um problema”. De qualquer forma, acrescentou, “não pensei nessa possibilidade. Isso não quer dizer, porém, que não venha a pensar nisso num futuro próximo.” Evidentemente, não poderá “continuar com o mesmo ritmo de viagens de antes. Com a minha idade e com esta limitação, devo poupar-me um pouco para servir a Igreja ou até pensar na possibilidade de me afastar”. De qualquer forma, declarou: “continuarei a fazer viagens e a estar perto das pessoas, pois julgo que a proximidade é um modo de servir.” Deu como quase certa a sua viagem ao Kazaquistão em Setembro — “é uma viagem tranquila, é um congresso” — e reiterou a sua intenção de ir à Ucrânia e realizar a visita à República Democrática do Congo e ao Sudão do Sul, prevista para os princípios de Julho e adiada por causa da recuperação do joelho.

 

2. Entretanto, a ida ao Kazaquistão, de 13 a 15 de Setembro próximo, foi confirmada pelo Vaticano. Para participar no VII Congresso de Líderes de Religiões Mundiais e Tradicionais.

Precisamente aí poderia dar-se o tão desejado encontro com o Patriarca de Moscovo, Cirilo, que, desgraçadamente, continua a abençoar a invasão e a guerra da Ucrânia. Francisco, pelo contrário, com mais de 70 intervenções a favor da paz, tem manifestado disponibilidade para visitar tanto Kiev como Moscovo, colocando a diplomacia da Santa Sé ao serviço de uma mediação em ordem a uma paz justa e duradoura. Como acaba de declarar o Secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin, à revista italiana de geopolítica “Limes”, “o Papa gostaria de ir a Kiev para levar consolação e esperança às pessoas afectadas pela guerra”, anunciando igualmente a sua disposição  para ir a Moscovo, “desde que haja condições que sejam realmente úteis para a paz.” Afirmou: “A diplomacia da Santa Sé não está vinculada a um Estado mas a uma realidade de direito internacional que não tem interesses políticos, económicos, militares. Põe-se ao serviço do bispo de Roma, que é o pastor da Igreja universal. A Igreja é pacifista porque crê e luta pela paz”. Parolin reconheceu que o diálogo entre Roma e Moscovo é “um diálogo difícil, que avança com pequenos passos e também experimenta altos e baixos”, mas “não está interrompido”.  

Francisco vive sobremaneira preocupado com o perigo nuclear. Por isso, não se cansa de declarar como doutrina oficial da Igreja que “o uso e a posse de armas atómicas são imorais”.

 

3. Francisco deixa uma marca indelével na Igreja. Ele não quer uma Igreja “autorreferencial”, ela tem de estar aberta ao mundo, “em saída”. A liturgia tem de ser viva, não um ritual seco. Contra uma Igreja piramidal, centrada na hierarquia, afirma uma Igreja sinodal, na qual todos têm voz, sem tabus. Certamente a Igreja tem de ser fiel à tradição, mas uma tradição viva, contra o imobilismo... E, aqui, voltando à citada conferência de imprensa, fica um exemplo de abertura. Uma das perguntas incidiu sobre os contraceptivos. E Francisco aproveitou para reflectir sobre o dogma e a moral em vias de desenvolvimento, citando S. Vicente de Lérins, no século X: “a verdadeira doutrina para avançar e desenvolver-se não pode ficar parada, isto é, consolida-se com o tempo, mas sempre em contínuo progresso”. “Uma Igreja que não desenvolve o seu pensamento em sentido eclesial é uma Igreja que recua, e este é o problema hoje de tantos que se dizem tradicionais”, impedindo que a Igreja avance, apenas “porque sempre se fez assim.” São “tradicionalistas”, “retrógrados”. Deste modo, Francisco mostrou a abertura actual à contracepção.

Ainda sobre a renúncia. Francisco é jesuíta, e há um ponto essencial para um jesuíta: o discernimento. Ele irá, portanto, segundo as circunstâncias, discernindo, para tomar a decisão certa. Como ficou dito, irá ao Cazaquistão em Setembro. Em 28 de Agosto, visitará Aquila, cidade italiana onde se encontra o túmulo de Celestino V, o último Papa, antes de Bento XVI, a renunciar. Mas, logo no dia seguinte, os cardeais todos do mundo estão convocados para uma reunião. Francisco quer aconselhar-se sobre a reforma da Cúria e, sobretudo, o processo sinodal.

É minha convicção que ele, excepto no caso de total incapacidade, não renunciará enquanto Bento XVI viver. E tudo fará para poder estar presente, em Outubro de 2023, no Sínodo sobre a sinodalidade. 

 

4. Como ele próprio disse, quando vir que “não posso continuar ou prejudico ou sou um estorvo”, espera “ajuda” para tomar a decisão de retirar-se. E, retirado, não será “Papa emérito”, mas “bispo emérito de Roma”. E que fará? “Gostaria de atender confissões e ir visitar os doentes”.

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 13 de agosto de 2022

FRANCISCO NO CANADÁ EM "PEREGRINAÇÃO DE PENITÊNCIA"

  


1. Não tenho dúvidas em afirmar que Jesus trouxe ao mundo por palavras e obras a melhor notícia que a Humanidade ouviu e viu. Por isso se chama Evangelho, que vem do grego (notícia boa e felicitante): Deus é bom, Pai/Mãe de todos. Jesus morreu para dar testemunho disso: da Verdade e do Amor.


Esta mensagem deu frutos através dos séculos. Cito Antonio Piñero, agnóstico, grande especialista em cristianismo primitivo. Depois de declarar que Jesus afirmou a igualdade de todos enquanto filhos de Deus, escreve que, a partir deste fermento, “se esperava que mais tarde chegasse a igualdade social. Se compararmos o cristianismo com todas as outras religiões do mundo, vemos que essa igualdade substancial de todos é o que tornou possível que com o tempo se chegasse ao Renascimento, à Revolução Francesa, ao Iluminismo e aos direitos humanos. Isto quer dizer: o Evangelho guarda, em potência, a semente dessa igualdade, que não podia ser realidade na sociedade do século I. O cristianismo está, à maneira de fermento, por trás de todos os movimentos igualitários e feministas que houve na História, embora agora não o vejamos claramente, porque o cristianismo evoluiu para humanismo. Mas esse humanismo não se vê em religiões que não sejam cristãs. Ou porventura o budismo, por si, chegou ao Iluminismo? O xintoísmo? O islão? Os poucos movimentos feministas que há nas religiões estão inspirados na cultura ocidental. E a cultura ocidental tem como sustento a cultura cristã. Embora se trate de uma cultura cristã descrida, desclericalizada e agnóstica, culturalmente cristã.” O mesmo dizem muitos outros filósofos e historiadores, incluindo agnósticos e ateus. Não se pode duvidar de que o cristianismo foi e é fermento de bondade, de alegria, de fraternidade, de tomada de consciênicia da dignidade infinita de ser ser humano, de esperança e sentido, Sentido último.


Mas há aquela máxima: “corruptio optimi pessima”, que, infelizmente, também se aplica à Igreja: “a corrupção do melhor é o pior”. Isso acontece quando se esquece o serviço e se procura o poder enquanto domínio. É que o poder é o maior afrodisíaco, disse-o quem sabe: Henry Kissinger. Aí está o clericalismo, a peste da Igreja, como não se cansa de repetir o Papa Francisco. E, aqui, pode ajudar a bela síntese do teólogo José I. González Faus: é fundamental saber que a palavra grega kleros não significa clero, mas sorte, parte de uma herança. É assim que a usa o Novo Testamento referida a todos os cristãos. Quando a Igreja cresceu, precisou de estruturar-se; indo acriticamente ao Antigo Testamento, aplicou aos servidores ecclesiásticos a palavra sacerdote, que o Novo Testamento nunca lhes tinha aplicado, porque é título de grande dignidade que só pode dar-se a Cristo. Deste modo, o ministério ecclesiástico sacralizou-se, revestiu-se de grande dignidade e aplicou-se-lhe em exclusivo a palavra kleros, como se fossem os únicos participantes dessa herança divina. “O clericalismo designa assim uma situação de dignidade e de superioridade, merecedora de todos os privilégios. Boa parte dos dramas de abusos parece ter derivado daqui.”


Então, é preciso percorrer o círculo para voltar à fonte. E aí estão, por exemplo, os que o filósofo Paul Ricoeur chamou “os mestres da suspeita”:  Karl Marx, Nietzsche e Freud. Foi Nietzsche que se apercebeu do perigo de transformar o Evangelho em Disangelho, uma notícia desgraçada, contra o Evangelho, contra a vida.


2. O Papa Francisco estará de 24 a 30 de julho, no Canadá. Numa “peregrinação penitencial”, como ele próprio disse, pois o objectivo, ao percorrer 19.246 quilómetros, é manifestar “indignação e vergonha” e pedir perdão e reconciliação aos povos indígenas: Primeiras Nações, Métis (mestiços), Inuit, pelos horrores sofridos em 139 internatos, as chamadas “escolas residenciais”, ao longo de 150 anos (meados do século XIX até ao final do século XX). Por essas escolas, financiadas pelo governo canadiano, mas geridas pelas Igrejas cristãs, portanto, também por ordens religiosas católicas, passaram 150.000  crianças, que eram tiradas às famílias e  “educadas” e “instruídas” com duras disciplinas e dentro de um plano sistemático de autêntico “genocídio cultural” (não podiam falar a sua língua nem viver segundo a sua cultura e costumes), como mostra o relatório da Comissão para a Verdade e a Reconciliação, constituída pelo Governo e com a participação de indígenas, escutando mais de 7.000 testemunhos de sobreviventes, que relataram os maus tratos e abusos de vária ordem. Umas 6.000 crianças desapareceram e o seu destino poderá ter sido o de valas comuns.


O primeiro-ministro do Canadá, J. Trudeau, falou da situação como “dolorosa lembrança” de um “capítulo vergonhoso da história do nosso país”, e pediu que a Igreja Católica “assuma as susa responsabilidades”. É isso que Francisco quer fazer, correspondendo também à exigência que a citada Comissão fez em 2015: que fosse pessoalmente pedir desculpa.


Observação
. O Papa Francisco é uma bênção para a Igreja e para o mundo. Um dos seus combates mais duros é contra o clericalismo e, para isso, voltou ao Concílio Vaticano II, que é preciso aprofundar, pois muitos dos seus adversários e inimigos “só se lembram do Concílio de Trento”. Em Outubro próximo, celebra-se o sexagésimo, e não o quadragésimo aniversário da sua abertura, como, numa desatenção imperdoável, escrevi no Sábado passado. Peço imensa desculpa.

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 23 de julho de 2022

O PAPA FRANCISCO VAI RESIGNAR?


A notícia percorreu mundo e nenhum dos grandes meios de comunicação social internacionais terá ignorado a notícia sobre a possibilidade de o Papa Francisco resignar em breve, abrindo caminho à sua sucessão à frente da Igreja Católica. Isso concretamente a partir do momento em que foi visto numa cadeira de rodas e em que se viu obrigado a adiar a sua viagem nos princípios de Julho à República Democrática do Congo e ao Sudão do Sul.


Para os rumores sobre a renúncia contribuíram sobretudo três factores.


Em primeiro lugar, sabe-se que Francisco está doente, sofre concretamente de dores no joelho da perna direita, que o impedem de estar em pé e o obrigam a andar em cadeira de rodas e de bengala. Ora, ele próprio já dissera a propósito de uma operação ao intestino: “Sempre que o Papa está doente corre brisa ou furacão de conclave”; de qualquer forma, acrescentou, “não lhe tinha passado então pela cabeça renunciar.” De qualquer modo, já em 2014 afirmou que “Bento XVI não é caso único”, o que faz pensar que não exclui a resignação no caso de se sentir impossibilitado de exercer o cargo.


Outro fundamento para os rumores assenta em que durante as conversas de preparação para o conclave no qual Francisco foi eleito ficou claro que uma das tarefas essenciais para o novo Papa era uma reforma funda da Cúria Romana. Ora, essa reforma, preparada durante nove anos de ponficado, é o tema da Constituição Apostólica “Praedicate Evangelium (Pregai O Evangelho), que entrou em vigor no passado dia 5 deste mês de Junho. Levada à prática, poderá constituir uma  autêntica revolução na Igreja, já que deixa de ser uma Igreja auto-centrada, auto-referencial, para ser uma Igreja em saída, aberta ao mundo, uma Igreja que deixa de ser piramidal para ser uma Igreja sinodal, em que verdadeiramente todos participam, segundo o princípio: “o que é de todos deve ser decidido por todos”.


Por outro lado, Francisco convocou um consistório para a nomeação de 21 novos cardeais, 16 dos quais possíveis eleitores. Isto significa que, no caso de um conclave, a maior parte dos cardeais eleitores já são da responsabilidade de Francisco. Significativamente, este consistório para o qual estão convocados todos os cardeais realizar-se-á nos dias 27 e 28 de Agosto, também com a intenção de estudo e aplicação da nova Constituição. Para acentuar os rumores, Francisco anunciou que no dia 28 de Agosto participará na celebração do “Perdão”  em Áquila, no centro da Itália. Que tem de especial este anúncio? Essa celebração foi instituída por Celestino V, e é em Áquila que se encontra o seu túmulo. Ora, Celestino V é o Papa que, passados pouco mais de quatro meses de pontificado, renunciou ao cargo em 1294, retirando-se para uma vida contemplativa. Mais: por coincidência ou não, Bento XVI, pouco tempo antes de anunciar a sua resignação, também foi visitar o túmulo de Celestino V.


Entretanto, Francisco, apesar de ter adiado a viagem a África e ter cancelado, nesta passada Quinta-Feira, a Missa e a Procissão do Corpo de Deus, continua a trabalhar. As viagens anunciadas continuam na agenda, nomeadamente ao Canadá no final de Julho, onde quer pedir perdão a grupos indígenas maltratados pela Igreja Católica, e ao Cazaquistão em Setembro, também para poder, pensando na tragédia da Ucrânia, encontrar-se com Cirilo, Patriarca Ortodoxo de Moscovo... Por outro lado, dadas as resistências na Cúria — dizia recentemente Óscar R. Maradiaga, o cardeal que presidiu ao grupo de cardeais que prepararam a Constituição “Pregai o Evangelho”: “É preocupante: perante a reforma que a Constituição quer há uma greve de braços caídos na Cúria”  — Francisco, que já uma vez disse que é “mais difícil reformar a Cúria do que limpar a esfinge do Egipto com uma escova de dentes”, quererá discutir com o colégio cardinalício a necessidade da implementação da reforma. E certamente terá ainda a intenção de presidir ao Sínodo sobre a sinodalidade em Outubro de 2023.  


Depois, há convergência de opiniões, referindo que dificilmente Francisco renunciará enquanto Bento XVI viver. E pode-se pensar no Presidente Roosevelt que numa cadeira de rodas governou durante a Segunda Guerra Mundial. De qualquer modo, Francisco não está a pensar renunciar em breve. Os testemunhos de figuras muito próximas vão nesse sentido. Assim, Maradiaga veio esclarecer que “os rumores de renúncia são telenovela barata”, não passando de “notícias falsas”. Também Guillermo Marcó, ex-porta-voz de Francisco enquanto cardeal, declarou depois de um encontro recente: Francisco continua “com muito bom ânimo, superatento e conduzindo com energia e coragem a Igreja; para lá do problema no joelho, que está em pleno processo de superação, o Papa encontra-se perfeitamente bem e não está de modo nenhum a pensar em renunciar”.


Seja como for, mais tarde ou mais cedo, a renúncia virá. E é agora a ocasião propícia para pensar na situação em que fica um ex-Papa, não só quanto ao seu estatuto mas até do ponto de vista da residência, pois, por mais liberdade que o ex-bispo de Roma queira, não é fácil, pensando na responsabilidade em termos da sua segurança, encontrar um Estado disposto a acolhê-lo.


É evidente que o Papa Francisco foi e é uma bênção para a Igreja e para o mundo e a História não vai esquecê-lo. A pergunta é: quem se segue a partir de um conclave próximo?  Pessoalmente, gostaria que fosse o cardeal Luis Tagle, que vem da Ásia e segue as pegadas de Francisco.

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 18 de junho de 2022