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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

De 22 a 28 de outubro de 2018

 

«Os Factores Democráticos na Formação de Portugal» de Jaime Cortesão (Livros Horizonte, 1964), com Prefácio de Vitorino Magalhães Godinho é um clássico da literatura portuguesa do século XX.

 

 

PENSAR NAS RAÍZES DE PORTUGAL
É da origem de Portugal e do seu desenvolvimento que trata, falando das raízes do que designamos como liberdade e como patriotismo. Quem somos? De onde vimos? Para onde vamos? A democracia é um conceito moderno com bases antigas. E é de um patriotismo prospetivo que aqui se trata! Leia-se, assim, este livro com olhos de futuro. Manuel Braga da Cruz no Relatório de Investigação sobre Nacionalismo e Patriotismo na sociedade portuguesa atual publicado em 1988 pelo Instituto de Defesa Nacional, afirma que «Portugal parece ter saído do processo de descolonização sem particulares problemas de identidade nacional, e parece ter entrado no processo de europeização e de regionalização com uma consistente adesão à soberania nacional e com uma equilibrada e solidária consciência cívica e nacional. Não só a representação da identidade, a vontade de soberania e a consciência cívica dos portugueses não estão em crise, como surpreendem os elevados índices de adesão que suscitam e pelo equilíbrio que manifestam quando analisados comparativamente. O que revela porventura algum ‘paroquialismo’ e um estado pouco ‘cosmopolita’ do desenvolvimento social e político, mas indica, também, e sobretudo, que são profundas e antigas as raízes e as razões do nacionalismo e do patriotismo português». Partimos daqui para a consideração dos fatores de coesão social, que normalmente são apontados como característicos da realidade portuguesa, articulando-os com as limitações existentes no tocante à vida das instituições da sociedade civil e à respetiva mediação, capaz de favorecer a mobilização cívica em torno da participação cívica, da representação e da responsabilidade cidadã. E aqui há fatores contraditórios a considerar – que relacionam os aspetos positivos referenciados e as fragilidades patentes na participação eleitoral até à inexistência de uma forte mobilização de instituições da sociedade civil. Assim, continuando a citar o coordenador do estudo: “quanto à temática da soberania nacional, os fatores de adesão e de distanciamento parecem não ser tão uniformes nem unidirecionais”. A regionalização (entretanto suspensa por um referendo não vinculativo) e a europeização não deixam, contudo, de levantar receios relativamente à ideia de soberania nacional. E aí os níveis de instrução e de integração social apresentavam influências antagónicas na perceção de riscos de integridade e de meios de defesa nacional. Com efeito, a sociedade portuguesa apresenta, desde muito cedo, elementos caracterizadores de configuração complexa que nem sempre são bem compreendidos.

 

ENTRE O ATLÂNTICO E O MEDITERRÂNEO
De que falamos? De uma homogeneidade identitária e linguística e da persistência de uma independência politica, caracterizada pela preeminência do Estado perante a Nação, pela força agregadora da costa marítima (por contraponto à continentalidade de Espanha, sobretudo depois de 1492), pela complementaridade entre o Atlântico e o Mediterrâneo, pela simultaneidade da construção da nacionalidade através de dois movimentos: um de Norte para Sul, característico da reconquista cristã, e outro de Sul para Norte, mercê da consolidação da influência moçárabe e moura (na expressão tradicional), o que fica bem patente na precoce consolidação do português como língua nacional e na confluência entre os falares do norte e do sul, sem a emergência de dialetos (já que o mirandês é uma língua, que resulta da influência do asturo-leonês. A decisão de D. Dinis ao adotar o português como língua oficial e dos tabeliães e ao criar o Estudo Geral revelar-se-á decisiva para a consolidação tão cedo do português como fator de unidade nacional – o que se soma às migrações internas devidas a uma distribuição irregular da população ao longo do território. Conhecemos o entendimento de Alexandre Herculano, segundo o qual a nação possuiria uma índole democrática (usando a expressão de Cortesão, que é algo anacrónica para o Mestre de “Eurico”), a qual proviria da organização municipal que durante a Idade Média se estendeu, favorecida pelas concessões dos monarcas, a todo o território nacional. No entanto, o historiador nunca terminaria esse estudo, faltando a demonstração das origens do nosso poder local no município romano e das continuidades nos impérios visigótico e árabe. Isto, enquanto diversas pistas eram seguidas e associadas à pergunta sobre as origens municipalistas, descentralizadas de Portugal.

 

AS CLASSES POPULARES E A NAÇÃO
Afinal, para Jaime Cortesão “o acesso das classes populares à administração local e pública e a sua ingerência na política da nação não representam herança ou doação, mas sim conquista revolucionária. Ao lado do carácter universalista que marca a Nação desde as origens, vamos encontrar na base das suas liberdades públicas e da própria independência nacional, a vivificá-las, a renovação das condições de trabalho e um espírito de autonomia em luta e oposição permanente contra o estrangeiro”. Esta ideia de conquista deve-se a uma evolução da economia e do funcionamento da sociedade, que obriga a assumir responsabilidades pelos novos agentes económicos, mercadores e mesteirais. Há o nascimento de uma aliança, na qual o reino de Portugal se baseia, entre o poder real e os municípios, numa lógica de reconhecimento da liberdade, que coexiste com o centralismo político do monarca. E S. Tomás de Aquino proclama que o atributo essencial da soberania “é o poder de fazer as leis, e este pertence a toda a multidão ou àquele que a representa. Num bom governo é necessário que todos tomem a sua parte”… Ora, com uma adequação da população ao território, como a organização do governo, com a definição dos poderes locais e com o surgimento das bases do Estado moderno são lançadas as bases do que Cortesão designa como “caboucos da democracia em Portugal”. Estamos perante os prolegómenos de uma legitimidade nova – e esses fundamentos não descem às profundidades da administração romana. As tendências universalistas foram desenvolvidas durante a Idade Média e eclodiram e triunfaram, em Portugal, durante a revolução que levou ao trono o Mestre de Avis, determinando a formação social predominante, a missão histórica e o carácter ideal da Nação. E é este humanismo universalista de raiz franciscana, também próximo de Joaquim de Flora, que Cortesão considera entre as razões do sucesso da independência portuguesa, das instituições, da mediação e do respeito pelas diferenças. E assim pode superar as profecias do Bandarra – proclamando, como o fará o Padre António Vieira, que o “Desejado” não é um morto e que o futuro português não é puro sonho. O “Desejado” era um vivo e existia, era D. João IV e as saudades do futuro exigiam a reconstrução audaciosa do País… E sem idealizações abstratas o que Cortesão faz, num caminho crítico, é dizer que estão no código genético de Portugal a exigência da liberdade e de uma articulação de esforços no sentido de um projeto de futuro, seriamente planeado e não sujeito ao improviso.

 

Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões - Ensaio Geral, Rádio Renascença

CARTAS DE CAMILO MARIA DE SAROLEA

Onésimo Teotónio Almeida.jpg

 

      Minha Princesa de mim:   

 

Recordo-me desse conceito de irrealismo prodigioso português, que Eduardo Lourenço invoca no seu O Labirinto da Saudade e Onésimo Teotónio Almeida retoma no seu recente A Obsessão da Portugalidade, livro em que inclui um texto escrito nos anos 90, por lhe parecer que essa tendência para o nacional ufanismo se voltava a manifestar. Na sua referida entrevista à revista LER (Primavera 2017), diz o professor açoriano da Brown University (EUA):

A entrada na Europa e o acesso aos fundos europeus, que supostamente permitiriam a Portugal recuperar o atraso gerado ao longo dos últimos séculos, provocaram um novo delírio. Reinstaurou-se no País um clima festivo, celebratório, completamente desligado do real. De um momento para o outro, Portugal parecia sentir-se truncado das suas raízes, como se fosse possível atirar-se pela janela com 500 anos de História. O País parecia acreditar de novo em fadas e estar a viver nas nuvens. Atingiu-se os picos do irrealismo por altura da Expo 98. Uma outra manifestação dessa mesma época que refletia esse tipo de atitude, uma vivência no mundo poético, foi a euforia com o caso de Timor-Leste...

 

A expressão nacional ufanismo - que, aliás, posso aplicar a uma qualificação das citadas frases sobre a ação de mudar os hábitos do mundo ou de ter a Ásia sob influência portuguesa - remetem-me para outra lembrança: essa, de que várias vezes te falei, das crónicas intituladas Lágrimas de Crocodilo (???), publicadas na revista Flama, na década de 50se a memória não me atraiçoa, por um tal Joaquim Silva Pinto: Que irão os estrangeiros pensar de nós? Eis o reverso da medalha: ao nacional ufanismo corresponde um exacerbado e receoso sentimento de detetável e fatal inferioridade...

 

Na verdade, creio, Onésimo Almeida põe, pelo menos, um dedo na nossa ferida histórica quando aponta para a impossibilidade de atirarmos 500 anos de História pela janela... Não se refere a glórias passadas, antes nos recorda o esquecimento dos séculos da "decadência" - aqueles sobre que se debruçou a "nossa" geração de 70, com destaque para a conferência [do Casino] de Antero de Quental, como tantos outros, então e mais tarde, em Portugal e na Espanha irmã (Miguel de Unamuno, por exemplo). A questão que se levanta não é, pois, a de saber porque é que a lembrança e consciencialização de "glórias passadas" não tem sido suficiente para apoiar a regeneração de sociedades anquilosadas. Já sabemos que assim não tem sido, antes deparamos, cada vez mais, crescentemente, com fantasias coletivas, alienações que nos levam a substituir o mito Gama pelo mito Ronaldo, qualquer vitória desportiva ou êxito festivaleiro sendo transformados em sacramento ou sinal "eficaz" da lusitana vocação para a superioridade. A grande interrogação a que nos cabe responder é a do porquê do desgosto por, ou quase ausência de espírito crítico e analítico em Portugal, ao longo de tantos séculos e hoje ainda. E não chega acusar a Inquisição nem o obscurantismo fatalista e beato do ensino tradicional da Igreja portuguesa - por muitos casos demonstrativos que se possam apontar - pois também todos sabemos que o último quase meio século de democracia "progressista" pouco conseguiu elevar o nível geral dos nossos debates públicos, diminuir a futebolice reinante, ou tirar fôlego às nossas inspirações mitómanas... 

 

Por obscura razão se pretende, entre portugueses, singularizar uma identidade nacional pela sua essencial diferença ôntica, essa alma lusíada que inspirou um povo a realizar obras inéditas: ser português é ser forte, fiel, façanhudo, fazendo feitos famosos. À nossa maneira, sempre original, com mais ou menos desenrascanço, a grande virtude nacional. E/ou a saudade no cerne da "nacional-filosofia"... Os chamados intelectuais, com variações, discordâncias e até polémicas, lá vão insistindo no labor de definirem uma identidade cultural pela diferença de ser, tal como a tradição popular nos remete para o fado, o "marialvismo" e a saudade, ou se considera o "milagre" de Fátima um sinal da especial estima mariana e divina pela nação lusitana. O patriotismo não pode ser um qualquer "ópio do povo", nem evasão "mística", fantasia épica ou efabulação de um ser ideal e acima de qualquer suspeita, menos ainda uma forma mesquinha de sentimentalidade, que o Eça tão bem caricaturou ao fustigar o clamor de "ó pátria, ó querida"! comparando-o a qualquer torpe declaração a "uma espanhola barata". Antes seja o patriotismo, como o amor, uma forma suprema da misericórdia de nós como comunidade histórica, isto é, passada, presente, futura. Somos portugueses entre todos os povos, com suas e nossas forças e fraquezas, tristezas e alegrias, originalidades, também, quiçá todas resultantes de encontros e heranças, de trocas e empréstimos... A mesma humanidade, e as suas caras. Cabe aqui, Princesa, a ida a outros passeios, novos devaneios das minhas cartas que, por isso mesmo, por serem cartas escritas ao correr da pena, ou seja, dos meus dedos sobre o teclado do computador, são só confidências ou partilhas amigas, destituídas de qualquer propósito de tratamento estruturado de ideias.

 

     Camilo Maria

 

Camilo Martins de Oliveira