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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE PEDRO MEXIA 

  


Vida de Cristo


No improvisado salão paroquial
velhas cadeiras desalinhadas anunciavam
um filme sobre «a vida de Cristo».
Éramos crianças, veraneantes,
figueirenses, crianças comungantes
mas ainda sem tormenta e com os adultos
curiosos ou tomados de fastio
fomos, oito da noite, para a vida de Cristo.
Mas alguém trocou os filmes
ou espalhou carnavalesco engano,
e logo na primeira bobine entendemos
que não era a Palestina
que o facho de luz poeirento projectava
no écran tão amador
que só podíamos chamar pantalha.
E aos poucos entrámos na narrativa.
Vera Cruz, western heráldico, napoleónico,
quase operático. Morria gente
(que ressuscitava fora de campo)
e houve quem achasse que não sendo sobre
Cristo era a fábula imprópria
antes de dormirmos.
Mas o acampamento estival das crianças
tomava partido, vitoriava,
abraçava com braços pequenos
o efeito de alienação, as sombras humanas.
Julgo que brilhavam no fim
os nossos olhos infiéis,
belicosos, inimigos de Maximiliano.
Esvaída para sempre a surpresa, a pureza,
o motim de fascínios, a noite clara.
Nunca mais foi a mesma, a vida de Cristo.


in Menos por Menos – Poemas Escolhidos, 2011


Life of Christ


In the improvised church hall,
disordered rows of chairs announced
a film on ‘the life of Christ’.
We were children, on holiday
at the seaside, who still took communion
untroubled, and in the company
of curious or loafing adults
went at eight sharp to the life of Christ.
But someone mixed up the films
or set up a mischievous prank,
and from the start we knew
it was not Palestine
that the dusty beam of light projected
onto such a makeshift screen
that we could only call a sheet.
And soon enough the story swept us on.
Vera Cruz, heraldic western, napoleonic,
almost operatic. People died
(and resurrected out of sight)
and someone thought that not being
about Christ it was an unsuitable tale
for us to see at bedtime.
But the children’s summer camp
took sides, prevailed,
embracing with full, small arms
the alienation effect, the human shadow.
In the end, I believe our eyes
had the shine of Maximilian’s
treacherous, belligerent enemies.
Forever gone the surprise, the purity,
the mutiny of fascination, the clear night.
It was never the same, the life of Christ.


© Translated by Ana Hudson, 2011
in Poems from the Portuguese 

 

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE PEDRO MEXIA

  


As gavetas


Não deves abrir as gavetas
fechadas: por alguma razão as trancaram,
e teres descoberto agora
a chave é um acaso que podes ignorar.
Dentro das gavetas sabes o que encontras:
mentiras. Muitas mentiras de papel,
fotografias, objectos.
Dentro das gavetas está a imperfeição
do mundo, a inalterável imperfeição,
a mágoa com que repetidamente te desiludes.
As gavetas foram sendo preenchidas
por gente tão fraca como tu
e foram fechadas por alguém mais sábio que tu.
Há um mês ou um século, não importa.


in Menos por Menos – Poemas Escolhidos, 2011


Drawers 


You should not open closed
drawers: they were locked for a reason,
having now found
the key is a happenstance you can ignore.
You know what you’ll find inside drawers:
lies. Many paper lies,
photographs, things.
Drawers are home to the world’s
imperfection, the unalterable imperfection,
the sorrow that repeatedly feeds your disillusion.
Drawers have always been packed
by people as weak as you
and locked by someone wiser than you.
A month ago, never mind a century.


© Translated by Ana Hudson, 2011
in Poems from the Portuguese 

 

PEDRO MEXIA

 

Coordenador da coleção de poesia da Tinta-da-China, cronista, crítico literário, é um dos membros do Governo Sombra, foi diretor interino da Cinemateca Portuguesa, é um extraordinário poeta, tradutor excelente e entre múltiplas atividades exercidas com a qualidade que lhe é prumo constante, organizou também um volume de ensaios de Augustina Bessa-Luís, Contemplação Carinhosa da Angústia e, Deus como interrogação na Poesia Portuguesa com Tolentino Mendonça.

 

Escuto-o com atenção e leio-o, tendo sempre presente que lhe encontro uma certa tristeza inescapável que, para mim, lhe serve de fundamento à verdade, estando esta na base da sua perceção num mundo extenso de curiosidades quase todas escolhidas. Às vezes, quando nos identificamos com as posturas de alguém é porque surgem similaridades que temos como reais e “partilhadas”. Em mim a melancolia e a capacidade para a superar são a base da vida do intelecto e creio sentir esta realidade em Pedro Mexia.

 

Ando mão na mão com o seu livro uma vez que tudo se perdeu.

Releio

 

Amigo Inimigo

|Dylan Thomas|

 

(…) tu meu amigo

(…) que escondias a mentira quando ousadamente devassavas

o meu segredo mais desamparado

(…) Convoco-te agora para que te assumas como ladrão

(…) Foste outrora aquela criatura tão franca, tão alegre,

um parente que nada exigia

e que eu nunca quis defraudar,

enquanto deslocavas a verdade na atmosfera.

 

E sobre a poesia de Thomas Hardy, pode ler-se neste livro:

«o tempo passa nos poemas. O tempo é o meio através do qual o presente se torna irrecuperável, e no qual a observação se torna memória.(…)

a esperança e a felicidade destruídas, simplesmente porque o tempo passa»

 

E

 

Quarenta e Dois

 

(…) Escrevo, mas tudo o que escreva está submerso pelo queixume

dos pássaros que enchem as arvores e se ouvem no futuro.

 

Inelutavelmente, as nossa futuridades também surgem de profiláticas autoilusões, e bem creio que Pedro Mexia sabe que de um modo ou de outro a esperança sofre de um vício de frustração e ainda assim é a responsável pela luz da madrugada.

 

Este o modo como leio a escrita deste poeta de que tanto gosto: Pedro Mexia.

 

Teresa Bracinha Vieira

Junho 2017