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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

  


Os desenhos de Phyllida Barlow ensinam a cair.


“…when you throw a stone into the water, it finds the quickest way to the bottom of the water. It is the same when Siddhartha has an aim, a goal. Siddhartha does nothing; he waits, he thinks, he fasts, but he goes through the affairs of the world like the stone through water, without doing anything, without bestirring himself; he is drawn and lets himself fall.”, Herman Hesse In Siddhartha


Os desenhos de Phyllida Barlow (1944-2023) revelam o que de mais puro e subtil existe nas suas esculturas monumentais.


Os desenhos de Barlow não são resultado de um progresso, são antes revelação de um processo, de uma transformação que se vai dando. Não são pinturas, porque são consequências de uma ação imediata. São desenhos porque estão muito próximos do pensamento. São imagens excessivamente metódicas, disformes e amorfas. São preparações primárias.


Os seus desenhos são como uma espera - uma espera para que algo de inesperado e de surpreendente aconteça. São uma queda desejada, para que se dê uma metamorfose que faz sentido, num momento fugaz e num instante único. 


“On of the most exciting things, for me, about sculpture, in a way I’m never completely satisfied with what I do (…) There is a sort of humbling process in that relationship with two sort of inevitable sourcers which are doubt and failure (…) The desire to find the unfindable is part of the chase.”, Phyllida Barlow In I am interested in the cycle of damage and repair, Louisiana Channel


Saber demasiado o que se quer encontrar, para obter um determinado resultado preconcebido, pode produzir resultados muito limitados. Por isso, Barlow deixa que os seus desenhos sejam sobretudo contemplações - para que se abram espaços improváveis entre pinceladas e preenchimentos. Estes desenhos são lentas satisfações, onde se decidem matérias, escalas e tamanhos. Correspondem a infinitas possibilidades imaginadas que permitem descobertas acidentais antes de esculpir. 


A realidade vista pela lente da memória e da imaginação é a condição que desencadeia e provoca. A fonte da incerteza e daquilo que não se encontra vem da captação de coisas familiares e reais. Estes desenhos de Barlow são testemunho de memórias, de experiências, dos sentidos, de impressões e de dispersões súbitas. As coisas do mundo são adaptadas e repensadas nos desenhos e o ato de lembrar e de esquecer permite o enriquecimento da transformação.


Os desenhos de Barlow, são entusiasmos permanentes, são um pôr-se em risco continuamente e são vontades em potência. São um meio para se encontrar uma intenção, que acontece aos poucos. Os seus desenhos surgem como um seguimento de uma eterna procura daquilo que quer ser e se quer formar - o encontro com a imagem do objeto desejado nem sempre se dá, porque a imagem do objeto nem sempre quer ser encontrada. Formar é, segundo Barlow, uma luta ininterrupta com aquilo que se quer obter e capturar. É um inevitável estado imparável de insatisfação e humildade. 


Os desenhos de Phyllida Barlow são, por isso, um espaço entre o imaginado e o desejado, entre um começo e um fim, entre a expectativa e a impossibilidade. E talvez até perpetuem estados de comunicação insuficiente, de insatisfação aceite, de produtiva ausência e de expectativa de coisa alguma. 


“But I think that, yes, the object that doesn’t want to be found is a fascinating concept that intrigues me… something that is ever present.”, Phyllida Barlow In I am interested in the cycle of damage and repair, Louisiana Channel


Ana Ruepp

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Phyllida Barlow e o ‘Objeto para uma poltrona’.

 

The urgency to get something done is very important in my work. I make work very quickly. I then need ages to understand what I’ve done, and that is an odd paradox (...) You’ve put everything into the work, and you look at the thing and you haven’t got a clue what it is. You’re left with this very raw thing.’, Phyllida Barlow

 

Ao sermos confrontados diariamente com o desejo de ser em plenitude, de ser outro, de viver outra vida, o ‘Objeto para uma poltrona’ de Phyllida Barlow (1994) introduz uma outra realidade, uma nova possibilidade no interior de uma privacidade. É um corpo inesperado que se ergue. A estranheza que o objeto provoca elimina qualquer tipo de idealização e obriga-nos a aterrar na realidade daquela sala, daquele espaço específico.

 

A introdução do objeto, naquela intimidade, tenta encontrar o equilíbrio entre o belo e o obscuro, entre o confortável e o bruto, entre o agradável e o cru, o tudo e o nada.

 

A escultora Phyllida Barlow (1944), na sua obra, revela sempre uma curiosidade em relação a qualidades abstratas como o tempo, o peso, o equilíbrio, o ritmo, o colapso e a postura flexível. No fundo, interessa-se por tudo o que se relaciona com o estado (do real e do agora) em que as coisas se apresentam num determinado momento.

 

Neste caso, o ‘Objeto para uma poltrona’ está dobrado, apertado, constrangido, atado, colado, quase a rebentar e em equilíbrio instável. É como que um teste de duração, de resistência e de persistência. Aqui procura-se talvez por uma precaridade, por uma nudez, por uma dimensão submersa, espessa, escondida. E é esse não saber, não entender que se torna verdade e que abre a possibilidade para todos os saberes.

 

‘I like that sense of my own physicality being in competition with something that has no rational need to be in the world at all.’, Phyllida Barlow

 

Barlow manipula os materiais mais acessíveis e primários (madeira, cartão, gesso, cimento, rede metálica, tela e tinta) e é nessa ação e nessa imposição física do fazer, e que provoca um determinado comportamento, que os objetos vão adquirindo conteúdo. Muito mais do que um produto finalizado e visual, Phyllida Barlow procura por uma ação física, real, dinâmica e interminável.

 

And when I say I don’t know what the subject is, I really don’t know. Therefore there is an ongoing chase to find that. I sort of know what the content is. And I can know what the form is (...) But what the subject within that is, I don’t know.’, Phyllida Barlow

 

 

Ana Ruepp