Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Oh Lisboa Como eu gostava de ser O terceiro corvo do teu emblema Estar implícita na tua bandeira Negra e branca Como tinta e papel Como escrita e espaço!
Ser teu desenho Tua nova lenda Invenção deste século Que já não inventa E se interroga: Donde vieram estes corvos?
Como tu, Vicente, Eu também não sou de cá Não sou daqui Não pertenço a esta terra E talvez nem sequer Pertença a este mundo…
Porém estou aqui Nesta dolorosa praia lusitana Cheia de um tumulto inútil Que enegrece as tuas areias E polui o ventre do rio Que os golfinhos há muito desertaram
E olhando as nuvens dedilhadas pelo vento Sentindo a terna dor do teu sentir sentido Peço-te, Lisboa Surge de novo bela Reinventa A santidade perdida do teu emblema
in Itinerários, 2003
The Third Crow
Oh Lisbon I would so like to be The third crow in your shield To be implicit in your flag Black and white Like ink and paper Like script and space!
To be your drafted shape Your new legend Invention of this century That no longer invents And wonders: Where have these crows come from?
Like you, Vincent, I’m not from these parts Not from this place Not from this land And perhaps I don’t even Belong to this world…
Yet here I am On this sorrowful Lusitanian beach Full of a useless turmoil That blackens your sands And pollutes the river’s womb Long abandoned by the dolphins
And seeing the clouds fingered by the wind Feeling the gentle pain of your felt feelings I beg you, Lisbon, Rise again in beauty Reinvent The lost sanctity of your shield
e os humanos não cegaram na expectativa dos massacres.
Os humanos precisam de os testemunhar para que a visão da carniça seja sinal de que por nada mais terão de se incomodar, por ora.
Trancados no sem nada, os humanos, espreitarão os vídeos cujos registos abarcarão os gritos excruciantes do sangue expulso da vida.
A mortandade é geral: crianças, bichos por superioridade, plantas e água, de nada se faz apartação.
Destes cemitérios não há morte por excesso.
A morte aqui não indigesta.
Os humanos, só aguardam a notícia de que foram quase todos, definitivamente mortos, e os restantes humilhados - pedernalmente - para que prefiram sempre a pedra à folha.
Para os humanos estas mortes nunca vêm para um só morto, mas antes para uma classe de maioria, a mesma que é sempre recrutada de onde ninguém a viu voltar.
Os humanos não dizem, mas aguardam que posteriormente aos seus extremos, a sua ossatura fique mais forte que o esqueleto comum das suas almas.
Assiste-lhes a razão.
Depois, os humanos, de tão completos e complexos, realizam-se nos cemitérios gerais da estatística do tanto por tanto, humanizando-se em mortos de cifra e assim obedecendo ao dono.
Mas um dia alguém não dorme como se não fosse com ele.
Um dia, quero crer, a consistência rala dos humanos, irá expor um olhar inédito que não é algo vestido de branco nem de um deus.
É amor.
Um dia que não absolverá nem quem o pensa, nascerá num outro lugar
Persigo sobre a areia só e é fugaz e fugidia a deste deserto nas vagas impressões dos teus muito frágeis passos
São de outrora, de depois ou só de porvir conformes a tempos e modos de sentir porém de ti sempre
Porque como teus só os reconheço ou talvez por mim os adivinhe e me transformem
Já tanto de ti só no coração de Deus existe e eu estou fora ainda por pegadas de vento buscando na saudade o teu caminho
Quando um de nós se perde na demência, só num deserto estranho o outro o pode encontrar. Eis como a comunicação possível se torna monólogo e se inventa outra existência. Perdeu-se alguém, de tão brutal maneira que a própria ausência é impossível de se conceber. No fundo de mim, terei de criar uma presença nova e fazê-la comunicar, por um caminho do espírito que em si só, no seu mistério, guarda o seu segredo.
Quem morreu, sabemos que não está aqui, imaginamo-lo algures ou nenhures, mas sem nunca o ver, e a sua própria incomunicabilidade pertence à ordem natural das coisas. Não lhe pertence. Tortura maior é, sim, procurar quem vemos mas não nos fala, tentar escutar no silêncio o bater de outro coração, desvendar num segredo inacessível essa presença amorosa qe Deus nos esconde. Porquê? Saberás tu responder-me, ouvir-me-ás perguntar-te aonde vais?
Como escrevi, em carta com mais de sete anos, no passado domingo republicada pelo blogue do CNC, "o silêncio interroga o silêncio. E é mais sentida a ferida".