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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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OS PROBLEMAS DO VELHO TEATRO PORTALEGRENSE

 

Novamente são referidos pela imprensa e pelas autoridades locais os problemas relativos ao velho Teatro Portalegrense, que aliás já abordamos em diversas ocasiões. E no entanto, o Teatro Portalegrense, independentemente da qualidade e potencial do edifício e da sua cada vez mais difícil situação, merece referência mesmo na perspetiva do historial do teatro português: assim, José Régio ficou marcado pela longa atividade docente na cidade; atores de relevo, como designadamente Artur Semedo lá se estrearam; e lá subiu à cena pela última vez Amélia Rey Colaço, num espetáculo de despedida, precisamente com “EL- Rei Sebastião” de Régio.

 

Independentemente desse historial histórico-dramatúrgico, importa novamente referir que o Teatro Portalegrense foi inaugurado em 1858 segundo projeto arquitetónico de José de Sousa Larcher, nome ilustre, na época bem conhecido e de certo modo ainda hoje. O Teatro estreou-se com “O Alfageme de Santarém” de Garrett.

 

O Teatro Portalegrense foi arquitetonicamente inspirado no Teatro do Ginásio de Lisboa, na sua versão oitocentista. E como tal funcionou nessa fase em que os Teatros então chamados da Província mantinham uma dupla atividade: ou serviam para exibição dos espetáculos de Lisboa em tournée nacional ou de suporte a grupos e companhias locais.

 

 Em qualquer caso, como já se disse, foi lá que Amélia subiu pela ultima vez á cena, numa dupla homenagem: à atriz que assim se despediu da cena e ao Professor do Liceu de Portalegre, José Maria dos Reis Pereira que assinava a sua vasta obra literária como José Régio...

 

 E Régio cita “Portalegre cidade/ do Alto Alentejo, cercada/ De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,/ Morei numa casa velha/, Velha, grande, tosca e bela,/a qual quis como se fora/ feita para eu morar nela” e seguem mais 228 versos de uma beleza evocativa de amor à cidade. (in “Fado” – “Toada de Portalegre”). Citamos sempre este belíssimo poema.

 

E também já tivemos ocasião de recordar  que nos anos 80 do século passado  o Teatro Portalegrense foi destruído no interior para nele se instalar um ringue de patinagem, insolitamente rodeado de camarotes.

 

E depois foi Templo Evangélico, ao contrário, note-se, de tantas áreas públicas e de espetáculo, construídas e/ou adaptadas de antigos templos...!

 

DUARTE IVO CRUZ  

EVOCAÇÃO DOS TEATROS DE PORTALEGRE

 

A evocação de Portalegre como expressão, inspiração ou localização de uma tradição teatral alargada, envolve necessariamente, e desde logo, a referencia a José Régio e a Amélia Rey Colaço –  por razões obviamente diversas mas em certos casos convergentes.

 

José Régio, como se sabe, foi durante décadas professor do Liceu de Portalegre. Não espanta por isso que grande parte da sua obra tenha sido concebida na cidade. Aí se integra a dramaturgia, com o circunstancialismo de três peças referenciais.

 

Em primeiro lugar, a criação textual e de espetáculo da sua primeira peça conhecida, “Sonho de uma Véspera de Exame”, escrita e representada em 1935 por alunos finalistas do Liceu no Teatro Portalegrense. E é de assinalar que entre esses finalistas-atores estava o futuro grande ator Artur Semedo: aí se terá iniciado uma notável carreira.

 

E por outro lado, no Teatro Portalegrense, Amélia Rey Colaço efetuou a sua ultima aparição em cena, em 1985, no espetáculo único de “El-Rei Sebastião”, de José Régio, evocação-homenagem ao dramaturgo, falecido em 1969.

 

E finalmente: Benilde, protagonista da peça de Régio “Benilde ou a Virgem-Mãe”, publicada em 1947, ouve as suas vozes numa casa “em qualquer solidão do Alto Alentejo”, onde se situa “uma casa sinistra”...

 

Assinale-se então que em 1858 inaugura-se em Portalegre o Teatro Portalegrense, projeto do Arquiteto José de Sousa Larcher: um exemplar notável da geração de teatros que foram sendo construídos no interior do país. Tinha entretanto precedentes: José Martins dos Santos Conde refere pelo menos duas salas, ambas com nome de grandes atrizes da época: Emília das Neves, denominada a “linda Emília” por Brito Camacho, e Beatriz Rente, esta “de olhos grandes e lânguidos” escreveu então Sousa Bastos. 

 

Mas em 29 de setembro de 1953, Amélia e a Companhia Rey-Colaço – Robles Monteiro inaugura em Portalegre o Cine-Teatro Crisfal, projeto do Arquiteto Domingos Alves Dias e do Engenheiro Raul Dias Subtil. E o então já decadente Teatro Portalegrense acentua essa decadência: nos anos 80, um grupo desportivo nivelou o palco e a plateia, e “transformou” o teatro num insólito ringue de patinagem rodeado de frisas e camarotes!

 

Ora bem:  em 2007 abre ao público o Centro de Artes e Espetáculos de Portalegre, segundo projeto dos Arquitetos Manuel Gonçalves e Patrícia Rocha Leite. Trata-se de um edifício de espetáculo, notável pela modernidade e pela dimensão, pois comporta um conjunto de dois auditórios de 500 e de 170 lugares, o que permite uma rentabilização que a proximidade com Espanha de certo modo internacionaliza.

 

É de assinalar aliás um certo contraste ou heterogeneidade arquitetónica nas zonas de espetáculo. E desde logo porque o Centro Cultural comporta como vimos duas áreas distintas. Tal como já escrevi, o auditório maior retoma, de certo modo, e dentro de certos limites, a tradição da sala à italiana, aqui dominada por uma decoração moderna que ainda assim evoca certa linha de continuidade. E no exterior, um conjunto arquitetónico de corpos sobrepostos que confere uma nota de modernidade no conjunto urbanístico em que o Centro de Artes e Espetáculos se edificou.

 

Evoco, como já tenho feito, duas referências, das inúmeras que na sua obra, José Régio faz a Portalegre, cidade onde viveu dezenas de anos.

 

Desde logo, o longo poema intitulado precisamente “Toada de Portalegre”, publicado em “Fado”:

 

“Em Portalegre, cidade/ do Alto Alentejo, cercada/ De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,/ Morei numa casa velha,/ Velha, grande, tosca e bela,/a qual quis como se fora/ Feita para eu morar nela”. E seguem mais 228 versos – “verso musical, de rumores solitários, de angústias a meia voz”, como nos diz Urbano Tavares Rodrigues.

 

E no dia 5 de março de 1965, José Régio escreveu: “De regresso enfim a Portalegre; e que alívio! Retorno a minha solidão tão cheia, depois daquela brilhante balbúrdia tão vazia, exceto quendo, apesar de tudo, a minha solidão nela se insinuava”. 

 

E acrescento que hoje, José Régio não teria já qualquer pretexto para falar da “solidão” de Portalegre, a não ser da sua própria solidão!

 

(obras citadas: Sousa Bastos - “Dicionário do Teatro Português”-1903;  Urbano tavares Rodrigues – “O Alentejo” in” Antologia da Terra Portuguesa ”; José Régio – “Páginas do Diário íntimo” 2ª ed. 2002; José Martins dos Santos Conde - “Teatro em Portalegre”- 1989; Duarte Ivo Cruz - “Teatros de Portugal 2005 e “Teatros em Portugal- Espaços e Arquitetura” 2008; José Régio “Páginas do Diário Íntimo” 2ª ed.  - 2002).

 

DUARTE IVO CRUZ