Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Como poderíamos aproximar-nos do términus deste folhetim, depois da presença tão forte de Carolina Michaëlis, sem chamarmos à ribalta Aurélia de Souza (1866-1922)? É uma das personalidades mais marcantes da arte portuguesa, na transição do século XIX para o século XX. A sua obra assume os grandes temas da pintura europeia da época, sendo de destacar a utilização continuada do autorretrato ou da autorrepresentação que se alarga, à semelhança com o que ocorre com os maiores pintores, à construção teatral e onírica de narrativas que envolvem a casa de família e as pessoas das suas relações. Acrescente-se que outro aspeto original da obra de Aurélia é a prática da fotografia como componente, com percursor grau de autonomia, do extraordinário trabalho da pintura.
Não obstante a sua ligação umbilical ao Porto, Aurélia de Souza nasceu em 1866, no Chile, filha de emigrantes portugueses. A artista mudou-se com a família ainda criança para o Porto, sendo sempre considerada à frente do seu tempo, todavia nunca casou, nem teve filhos.
Aurélia foi aluna brilhante da Academia de Belas Artes do Porto e completou a sua formação com uma estada em Paris onde frequentou a Académie Julian (acompanhada pela sua irmã, também pintora, Sofia de Souza). Bem relacionada com o meio artístico e cultural do Porto, participou em exposições em Lisboa, na atitude determinada de se afirmar como uma pintora profissional num meio predominantemente masculino em que as mulheres artistas em princípio não deviam ambicionar mais do que o estatuto subalterno de amadoras.
Aurélia de Souza é um caso especial no panorama da arte portuguesa de finais do século XIX e inícios de XX. Ao contrário de outras mulheres artistas, com quem compartilhou talento, esforço e coragem, a sua vida discreta apenas foi contrabalançada por uma obra que nos surpreende sempre. Uma recente mostra no Museu Soares dos Reis, com curadoria de Maria João Lello Ortigão de Oliveira, apresentou cinco núcleos. O primeiro, “Vidas”, tratou essencialmente do retrato na obra da pintora, correspondendo ao vetor fundamental da sua produção. No segundo, “Espaços”, integraram-se os locais de intimidade que refletiram o cenário a partir do qual teve lugar grande parte da vida de Aurélia de Souza e dos seus talentos na Quinta da China com vista para o Douro. No terceiro núcleo, propunham-se “Temas”, numa obra muito rica que registou uma grande variedade temática de acordo com a grande amplitude dos seus interesses. Finalmente, o último núcleo da exposição, “Cores”, dedicado à exploração do eu, do autorretrato e da autorrepresentação, permite entender a paleta plural usada pela pintora, perante a variedade das paisagens. E a produção de Aurélia de Souza atinge o auge no célebre “retrato do Casaco Vermelho”, finalizando o percurso de homenagem e tornando visível a vida e obra desta fantástica criadora.
Ao seguirmos a obra multifacetada de Aurélia de Souza, compreendemos simultaneamente a identidade cultural da cidade do Porto, de onde houve nome Portugal, o espírito independente da urbe, que foi a única cidade-estado existente em Portugal, o facto de ter sido, ao longo do tempo, capital política e cultural do País – desde a independência, passando pela crise de 1383, pela expansão, pela inserção europeia do comércio do vinho fino, até à vitória do constitucionalismo liberal, ao desembarque do Mindelo (que permitiu a vitória do Cerco do Porto, mas também deu nome à capital da ilha de S. Vicente em Cabo Verde) ao sucesso da causa de D. Pedro IV, à afirmação da liberdade política, económica e cultural, à Regeneração, à Liga Patriótica do Norte, ao 31 de janeiro, à Águia e à Renascença Portuguesa. A riqueza da obra da artista não foi produto do acaso, como não o foi a de Carolina Michaëlis, de Guilhermina Suggia, de Helena Sá e Costa ou de Agustina Bessa-Luís. Em todos os casos, o papel desempenhado por mulheres pioneiras significou a compreensão de que a sua emancipação tinha toda a coerência com o espírito da cidade invicta. E neste folhetim fantasmático, depois de virmos de Entre-Douro-e-Minho, e tendo palmilhado meio mundo, compreendemos que o dedo indicador de Aurélia aponta no sentido da liberdade e da independência. Eis como a arte pode tornar-se libertadora…
No centenário de José Saramago recordamos a sua viagem ao Porto em “Viagem a Portugal”.
HONRAR O NOME DO PORTO
Para José Saramago na “Viagem a Portugal”, o “Porto, para verdadeiramente honrar o nome que tem é, primeiro que tudo, este largo regaço aberto para o rio, mas que só do rio se vê, ou então, por estreitas bocas fechadas por muretes, pode o viajante debruçar-se para o ar livre, e ter a ilusão de que todo Porto é Ribeira. A encosta cobre-se de casas, as casas desenham ruas e, como todo o chão é granito sobre granito, cuida o viajante que está percorrendo veredas de montanha”. Adivinham-se antepassados pescadores das mulheres que passam, e lembram-se ainda calafates, carpinteiros de barcos, tecelões de panos de velas, cordoeiros e, naturalmente, canastreiros. Daqui houve nome Portugal. A história antiga é de uma cidade-estado, a única portuguesa, fazendo parceria com Gaia e Vila Nova. A história está cheia de vicissitudes, desde a presúria de Vímara Peres à intervenção da Armada heroica dos gascões. Foi D. Teresa quem concedeu ao bispo D. Hugo o couto da cidade em 1111, o que permitiria uma durável autonomia. D. Fernando chamou-lhe Paraíso e o mestre de Avis teve o apoio dos seus povos e mesteres para a sua causa. Aqui se casaria D. João com D. Filipa de Lencastre e nasceria o Infante D. Henrique. E diz a lenda que o sacrifício imposto pela preparação da armada de Ceuta, deixou apenas as “tripas”, depois tornadas acepipe, para alimentação dos portuenses… E não se esquece a designação de Cidade Invicta, outorgada por D. Maria da Glória, a rainha que o povo adotou, a lembrar a heroica resistência no Cerco do Porto (1832-33), depois da chegada dos Bravos do Mindelo e da hospitalidade cidadã – a lembrar o que Garrett dizia: nós os do Porto podemos trocar os bb pelos vv, mas nunca a liberdade pela tirania… E D. Pedro não esqueceria esse povo extraordinário, oferecendo à população do Porto o seu coração, que a igreja da Lapa alberga.
PARTINDO DA SÉ.
«O viajante está no largo da Sé, olhando a cidade. É manhã cedo. Veio aqui para escolher caminho, decidir um itinerário. A Sé ainda está fechada, o paço episcopal parece ausente. Do rio vem uma aragem fria. O viajante deitou contas ao tempo e aos passos traçou mentalmente um arco de círculo, cujo centro é este terreiro, e achou que quanto queria ver do Porto estava delimitado por ele. Não tem, em geral, assim tantas preocupações de rigor. E provavelmente virá a infringir esta primeira regra. No fundo, aceita os princípios básicos que mandam dar atenção ao antigo e pitoresco e desprezar o moderno e banal. Viajar desta maneira por cidades e outros lugares acaba por ser uma disciplina tão conservadora como visitar museus: segue-se por este corredor, dá-se a volta a esta sala, para-se diante desta vitrina ou deste quadro durante um tempo que a observadores pareça suficiente e comprovativo das bases culturais do visitante, e continua-se, corredor, sala, vitrinas, vitrina, sala, corredor… (…) Por estar fiando estes pensares é que decidiu começar a sua volta descendo as Escadas das Verdades, aquelas que por trás do paço episcopal vão descendo, em quebra-costas para o rio. São altos os degraus, maus de descer, piores ainda de subir. Que razões terão sido a deste batismo, não sabe o viajante, tão curioso de nomes e das origens deles (…). Por estas encostas andam subindo e descendo gentes desde os tempos do conde Vímara Peres (…). Aqui em baixo é a Ribeira. O viajante passa sob o arco da Travessa dos Canastreiros, boa sombra para Verão, mas agora gélida passagem, e durante meia manhã andará por este Bairro do Barredo, a ver se aprende de vez o que são ruas húmidas e viscosas, cheiros de fossa, entradas negras de casas» …
TEATRO GRANÍTICO
O viajante deixa-se deslumbrar pela cidade acantonada no teatro granítico de socalcos a partir da Ribeira. Calcorreia as calçadas de granito e homenageia os artistas, no museu que leva o nome de Soares dos Reis, no Palácio das Carrancas. A “Virgem do Leite” de frei Carlos é talvez “a obra mais importante que se guarda aqui”, mas o coração do viajante tem um lugar especial para Henrique Pousão e Marques de Oliveira. E, de regresso à Sé, entra nos Clérigos e considera que a cidade não reconhece devidamente a importância de Nasoni. Se Fernão de Magalhães é eternizado por uma ampla avenida, Nasoni e a sua injustamente pequeníssima rua “riscou no papel viagens não menos aventurosas: o rosto em que uma cidade se reconhece a si própria”. E na Sé, mais do que a robustez e o orgulho militar, merece glorificação a galilé de Nasoni que tão bem integrada aparece no conjunto. E é Nasoni o herói, sem dúvida, desta visita: “este italiano, criado e educado entre mestres de outro falar e entender”, que “veio aqui escutar que língua se falava no Norte português e depois passou-a à pedra”. “O interior da igreja avulta pela grandeza das pilastras, pelo voo das abóbadas apontadas”. E saindo da Sé o viajante olha os telhados do Barredo e descobre a fonte do pelicano, temendo, porém, pela sua conservação e perenidade… “Quando o viajante estiver de partida, tornará a ir à Fonte do Pelicano, olhará aquelas iradas mulheres que presas à pedra se desafiam, saberá que há ali um segredo que ninguém lhe saberá explicar, e é isso que leva do Porto, um duro mistério de ruas sombrias e casas cor de terra, tão fascinante tudo isto como ao anoitecer as luzes que se vão acendendo nas encostas, cidade junta com um rio que se chama Doiro”…
200 Anos do Constitucionalismo - 24 de agosto de 1820
Celebramos duzentos anos da Revolução constitucional do Porto. Quando lemos de Manuel Fernandes Tomás os “Escritos Políticos e Discursos Parlamentares (1820 - 1822)” publicados por José Luís Cardoso (Imprensa de Ciências Sociais, 2020) percebemos que é na Revolução de 24 de Agosto de 1820 que se encontra a matriz perene de uma cultura de cidadania, de liberdade e de salvaguarda dos direitos fundamentais.
Acontecimentos
No dia 24 de agosto de 1820, na cidade do Porto, grupos militares dirigiram-se pacificamente para o Campo de Santo Ovídio (atual Praça da República) e, depois de uma missa campal, proclamaram solenemente o Manifesto aos portugueses, exigindo a convocação de Cortes para elaborar uma Constituição, na qual se consagrassem a autoridade régia e os direitos dos portugueses. Pedia-se ainda o imediato retorno da Corte, como forma de restaurar a dignidade da antiga Metrópole, além da restauração dos antigos direitos de comércio. Constituiu-se então a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, presidida pelo Brigadeiro António Silveira Pinto da Fonseca, e constituída entre outros pelo Coronel Sebastião Drago Brito Cabreira, pelo Coronel Bernardo Correia de Castro e Sepúlveda, por Frei Francisco de S. Luís, Fernandes Tomás, Ferreira Borges e Silva Carvalho. Em 15 de Setembro o movimento proclamar-se-ia em Lisboa, criando no final do mês a Junta Provisional do Supremo Governo do Reino.
Assembleia Constituinte
As Cortes reuniram-se solenemente em janeiro de 1821 para elaborar a Constituição. Enquanto a Magna Carta estava a ser redigida vigorou uma Lei Fundamental provisória que seguia o modelo espanhol da Constituição de Cádis. No decurso de 1821 a Corte retornou a Portugal, com exceção de D. Pedro de Alcântara, que permaneceu no Brasil como Príncipe Regente, já que persistia, desde 1815, o Reino Unido de Portugal, Brasil e dos Algarves.
Causas da Revolução
Os antecedentes que influíram no movimento de 1820 foram: o rescaldo das invasões francesas; a ausência da Corte no Rio de Janeiro e o sentimento de orfandade política existente; o domínio dos militares ingleses na Regência do Reino (sob o comando de Beresford), agravado pelo sacrifício dos mártires da Pátria em 1817, em especial o enforcamento humilhante de Gomes Freire; os ecos da Revolução espanhola de Cádis de 1812; o movimento sedicioso de Pernambuco de 1817 e a revolta liberal espanhola de janeiro de 1820 que forçou, sem sucesso o juramento da Constituição por Fernando VII.
Constituição de Cádis de 1812
Foi aprovada pelas Cortes extraordinárias em Cádis no dia 18 de março de 1812 e promulgada no dia seguinte (dia de S. José, daí a designação de “Pepa”, diminutivo familiar de Josefina). Foi a primeira Constituição aprovada na Península Ibérica e das primeiras do mundo ocidental, apenas precedida pelas Constituições da Córsega de 1755, dos Estados Unidos da América de 1787 e francesa de 1791.
Constituição de 1822
O mais antigo texto constitucional português iniciou o fim do Antigo Regime e do absolutismo, apesar de uma vigência fugaz, de setembro de 1822 a maio de 1823. Previa a soberania popular, a legitimidade dinástica, a separação de poderes, a independência dos juízes e a inviolabilidade dos deputados da nação no exercício das suas funções. A fragilidade do texto deveu-se à limitação dos poderes reais (tal como a de Cádis), pela ausência dos monarcas no momento da feitura das Constituições.
Cortes Gerais da Nação Em 1824 com a Abrilada e a influência absolutista de D. Miguel verificou-se o regresso das instituições do Antigo Regime, contra a promessa de D. João VI em 1823.
Fernandes Tomás (Manuel) – (1771-1822) Foi o mais influente dos promotores da Revolução. Magistrado judicial de prestígio, foi o autor do Manifesto aos Portugueses de 1820. Designado como o “primeiro dos regeneradores” é o orador representado na Sala das Sessões do Parlamento.
Ferreira Borges (José) – (1786-1838) Membro ativo do Sinédrio, jurisconsulto prestigiado. Autor do Código Comercial de 1833
Gomes Freire de Andrade – (1757-1817) Como comandante militar serviu nos exércitos português, prussiano e francês. Comandou o regimento de Infantaria 4. Participou na Legião Portuguesa de Napoleão na Campanha da Rússia. Grão Mestre do Grande Oriente Lusitano. Condenado à morte na tentativa de golpe liberal de 1817, foi enforcado em S. Julião da Barra, quando um oficial general, se condenado, apenas poderia ser fuzilado.
D. João VI - (1762-1826) Vindo do Brasil em 1821, jurou a Constituição de 1822, mas suspendeu a sua vigência em 1823. Apoiou na prática seu filho D. Pedro na independência do Brasil, garantindo a unidade do País.
D. Miguel – (1801-1866) Combateu o novo regime constitucional, restaurando o Antigo Regime. Foi derrotado na Guerra Civil que o opôs a seu irmão D. Pedro, sendo banido do Reino pela Convenção de Évora Monte (1834).
D. Pedro IV – (1799-1834) Imperador do Brasil, proclamou a independência (1822). Outorgou a Carta Constitucional de 1826. Durante a Guerra Civil foi regente do Reino (1828-1834) em nome de sua filha D. Maria da Glória.
Porto Cidade onde teve lugar a Revolução de 1820, base da ação e da vitória das forças liberais de D. Pedro, depois do desembarque dos bravos do Mindelo (julho de 1832). Na Igreja da Lapa da cidade encontra-se o coração do Rei, doado ao povo da cidade invicta.
S. Luís (Frei Francisco de) – (1766-1845) Religioso beneditino, reitor da Universidade de Coimbra, futuro Cardeal Patriarca de Lisboa, conhecido como Cardeal Saraiva. Nasceu em Ponte de Lima e teve papel diplomático decisivo na causa liberal, representando uma corrente moderada.
Silva Carvalho (José da) – (1782-1856) Membro influente do Sinédrio e da Revolução. Foi o primeiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Perseguido pelos absolutistas sucederia a Mouzinho da Silveira como ministro da Fazenda de D. Pedro.
Sinédrio Criado no Porto a 22 de janeiro de 1818 por Fernandes Tomás, Ferreira Borges e Silva Carvalho, entre outros, foi a associação que preparou a Revolução de 1820 e a defesa dos ideais liberais.
Vilafrancada e Abrilada Em maio de 1823, as forças fieis a D. Miguel e ao Antigo Regime aproveitaram a imposição em Espanha pelas forças da Santa Aliança de Fernando VII como rei absoluto para pressionar D. João VI no sentido da suspensão da vigência da Constituição liberal de 1822. Tal aconteceu, apesar do rei prometer uma Carta Constitucional. No ano seguinte em abril de 1824 os absolutistas imporiam, porém, condições para o regresso absolutista.
Novamente abordamos o Teatro São João do Porto, agora no quadro das comemorações do centenário assinaladas para o próximo mês. Justificam-se pois as novas referências, que nos propomos fazer, desde logo a partir da questão prévia, que aliás já tivemos ensejo de aqui lembrar.
É que em rigor o Teatro São João, com este ou outros nomes, vinha do século XVIII.
Efetivamente, e tal como temos evocado, cantou-se ópera no Porto desde 1762, no então chamado Teatro do Corpo da Guarda, o qual se situava mais ou menos no local onde foi inaugurado, em 13 de maio de 1798, um Teatro D. João inspirado no Teatro de São Carlos.
O São Carlos, como sabemos, foi contruído em 6 meses e inaugurado em 13 de junho de 1793 com a ópera “La Ballerina Amante” de Cimarosa. E vale a pena lembrar também que o Teatro de São Carlos é inspirado diretamente no São Carlos de Nápoles, e deve-se ao arquiteto José da Costa e Silva.
O Teatro D. João ou São João do Porto é inaugurado então em 13 de maio de 1798 na sequência de um projeto do cenógrafo italiano Vicente Manzoneschi, com pano de boca pintado por Domingos António de Sequeira.
A iniciativa deveu-se a João de Almada e Mello e ao seu filho Francisco. Eram parentes do Marquês de Pombal.
Em qualquer caso, uma lei datada de 7 de abril de 1838 concede subsídios a dois teatros: o Teatro da Rua dos Condes, em Lisboa, e o Teatro São João do Porto.
E em 30 de janeiro de1846, um Decreto reconhece como “Teatros de Primeira Ordem” o Teatro D. Maria II, o Teatro de São Carlos e o Teatro São João do Porto.
E quanto a este, já tivemos ocasião de citar Camilo Castelo Branco, que descreve em “A Sereia” (1865) o funcionamento do Teatro e o público constituído sobretudo por “grupos de pedestres burgueses” e pela “fina flor da aristocracia e a burguesia aristocratizada”...
No início do século XX o Teatro assumia a designação de Real Theatro S. João. Uma gravura da época refere a realização de um espetáculo de ópera realizado em 22 de fevereiro de 1906.
Dizia o cartaz:
“Récita gentilmente oferecida pela Empresa em favor do cofre de pensões da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto com o obsequioso concurso dos célebres artistas Sig. Parsi-Pettinelli e Sig. J. Biel - A ópera em 4 atos do maestro Verdi - AIDA”.
Isto, repita-se, no início do século XX.
E veremos em mais textos a evolução do Teatro Nacional de S. João.
A imprensa divulgou o programa comemorativo dos oitenta e oito anos do Teatro e Cinema Rivoli do Porto. Já tivemos ocasião de aqui referir por mais de uma vez a atividade desta notável sala de espetáculos, que, como diversos cinemas e teatros que sobreviveram em atividade, alternam a produção de espetáculos, ao longo dos tempos.
No livro “Teatros de Portugal” (ed. INAPA – 2005) fazemos referência a esta sala de espetáculos, desse sempre assinalável também no ponto de visita histórico e arquitetónico.
Tal como então escrevemos, o Rivoli teve a antecedê-lo, no mesmo local, um então designado Teatro Nacional, que foi inaugurado em 1913 com uma opereta denominada “O 31”, da autoria dos compositores Tomás del Negro e Alves Coelho, sobre textos de Luís Galhardo, Pereira Coelho e Alberto Barbosa.
Este Rivoli iniciou a construção em 1928 segundo projeto arquitetónico de José Júlio de Brito. A certa altura passa a alternar espetáculos de teatro com a projeção de filmes, sendo nesse aspeto percursor de toda uma geração de salas no Porto e não só: como temos visto, muitos Teatros desta época foram sendo adaptados à exploração como cinemas: e alguns encerram portas nessa fase de transição.
Felizmente, o Teatro sobreviveu como tal, não obstante os períodos de encerramento e os períodos, por vezes dominantes, de maior projeção cinematográfica. Aliás, temos visto como essa adaptação a cinema é frequente nos teatros do início do século passado, um pouco por todo o país: coincide em muitos casos com o que temos denominado geração dos cineteatros, em salas adaptadas ou exclusivas do espetáculo cinematográfico.
Em qualquer caso, é sempre de realçar e recuperação e conservação destes grandes edifícios de vocação teatral/cinematográfica.
E a esse respeito, escrevemos também no já citado livro, que é de destacar, nas obras de renovação/adaptação a instalação, de um baixo-relevo alusivo às artes de espetáculo, da autoria do escultor Henrique Moreira, devidamente referido por Rute Figueiredo em “Portugal Património” (vol. I).
Em janeiro de 2015 fizemos uma referência desenvolvida ao Teatro São João do Porto, destacando sobretudo a tradição e situação urbana idêntica de espaços de espetáculo que vinha do século XVIII, a saber: o chamado então Teatro do Corpo da Guarda e dois Teatros São João ou D. João, que, dissemos nesse texto, antecedem no mesmo local o São João de hoje. E mais recordamos que o primeiro Teatro São João foi inaugurado em 1764 e não deixou grande memória: mas já o segundo São João erguido segundo a traça do cenógrafo italiano Vicent Manzoneschi, seguiu a traça do Teatro de São Carlos e valorizou-se com um pano de boca de Domingos António Sequeira.
Destes sucessivos Teatros São João ficou alguma documentação. Designadamente, por Decreto de 30 de janeiro de 1838, este Teatro São João considerado, juntamente com o Teatro de São Carlos, como o que na altura se chamou “Teatro de Primeira Ordem”, seja lá o que isso na época significava.
Em qualquer caso, uma Lei datada de 7 de abril de 1838 concede subsídios ao Teatro da Rua dos Condes em Lisboa e ao Teatro São João do Porto. E mais: em 1846, ano da inauguração do Teatro de D. Maria em Lisboa, o Governo reconhece como “teatros de primeira ordem”, assim mesmo, o D. Maria, o São Carlos e o São João.
Mas o Teatro São João ardeu em 1908, e só seria reinaugurado 12 anos decorridos, portanto em 1920, agora segundo projeto do arquiteto Marques da Silva. Valorizou-o os gessos e baixos relevos de Diogo de Macedo, Sousa Caldas e Henrique Moreira.
Foi adquirido pelo Estado em 1992, recuperado pelo arquiteto João Carreira, e classificado como Teatro Nacional.
Ora bem: na semana em que se escreve este texto, Pedro Sobrado, Presidente do Conselho de Administração do Teatro São João, apresentou um denominado Programa do Centenário do Teatro Nacional São João a desenvolver de 7 de março de 2020 a 7 de março de 2021. Aspeto de relevo que merece destaque será desde logo a descentralização da atividade da companhia, abarcando pelo menos todo o Norte e Centro do País.
E simultaneamente, será criada uma companhia que garanta não só a atividade sequencial do Teatro em si, como ainda, segundo foi referido, toda uma atividade teatral/cultural para assinalar de forma eficaz este centenário que, em rigor, representa a tradição de espetáculo cultural da cidade.
Nesta alternância entre teatros “históricos” e salas de espetáculo contemporâneas, aí incluindo nas duas categorias a referência à respetiva permanência e atividade, evocamos hoje um Teatro oitocentista efémero, mas nem por isso menos relevante na época em que existiu e funcionou.
A tragédia que o destruiu foi aliás recentemente assinalada, pelo que mais se justifica esta referência.
Trata-se do Teatro Baquet do Porto, cujas obras de construção se iniciaram concretamente em 12 de fevereiro de 1858, foi solenemente inaugurado em 16 de julho do mesmo ano, mas que desapareceu, devido a incêndio, na noite de 20 de março de 1888, em plena atividade e durante um espetáculo. Resultou algo como 120 vítimas mortais, entre espetadores, artistas e demais pessoal.
A designação do Teatro surge-nos hoje algo insólita, mas afinal decorre do nome do próprio responsável pela iniciativa e pela construção do edifício, o luso-francês António Pereira Baquet, alfaiate no Porto. Tinha loja em terrenos situados na mesma localização do edifício do Teatro. E terá contratado a companhia do Teatro do Ginásio de Lisboa para o espetáculo inaugural, a cargo do ator e dramaturgo José Carlos Santos, nome ilustre na época, da geração que marcou a atividade cénica a partir do então já muito relevante Teatro de D. Maria II.
E nesse sentido, podemos aqui evocar a própria estrutura do Teatro Baquet. No exterior, a gravura mostra a fachada muito da época, no conjunto de estátuas evocativas da comédia, da pintura e das artes em geral, sobre a grande varanda do que seria o foyer, como então (por vezes ainda hoje...) se denominava a sala de acesso e convívio do público.
Tudo isto desapareceu na noite de 20 de março de 1888, perante uma sala cheia que assistia a espetáculo de beneficio e homenagem a um ator. Mas não houve espetáculo. A orquestra suspendeu a execução, Segundo descrições da época, o público de início não percebeu o que se passava. E só com o fogo já praticamente incontrolado se deu uma debandada que não evitou a centena de mortes, entre espetadores, artistas e técnicos de palco.
Do Teatro Baquet do Porto resta a memória do desastre e a gravura, que Sousa Bastos incluiu em 1908 no “Diccionário do Theatro Português”, que temos citado e que aliás surgiu recentemente a propósito da evocação da tragédia...
Assinala-se a publicação de um conjunto de volumes evocativos da fundação do Coliseu do Porto, precisamente intitulado “O Coliseu e a Cidade: 75 Anos de História” (2018).
Trata-se efetivamente de uma evocação histórica em si mesma do edifício mas mais do que isso: o conjunto de publicações, editadas pelo próprio Coliseu, envolvem um vasto referencial de documentação de uma das mais relevantes casas de espetáculo da cidade, na perspetiva abrangente de arquitetura, urbanismo, atividade cultural e também de valores adjacentes no âmbito, insiste-se, da cultura e do espetáculo em si.
Porque de tudo isso historia e documenta o conjunto das publicações, a saber, um volume de introdução com 7 textos da autoria de Rui Moreira na qualidade de Presidente da CMP, e de Eduardo Paz Barroso na qualidade de Presidente do Coliseu do Porto, de Henrique Cayate-Designer, Luis Cabral- Bibliotecário, Miguel Guedes - Músico, Álvaro Costa – Comunicador e Bernardo Pinto de Almeida – Poeta e Ensaísta: as designações são do próprio livro, mas servem aqui para documentar com toda a justiça a amplidão do conjunto dos estudos.
Mas mais do que isso: independentemente da larga qualidade e abrangência dos aspetos analisados, há que valorizar a documentação gráfica e fotográfica, passe a redundância que aqui é propositada, em dezenas de fotografias devidamente legendadas e documentadas, e que, no conjunto, constituem uma vasta referência do edifício e da sua atividade cultural ao longo destas dezenas de anos.
E curiosamente, o livro de imagens abre com uma reprodução fotográfica do requerimento, em papel selado como então se impunha, redigido numa linguagem que em tudo documenta o ambiente político, administrativo e cultural da época:
“Exma. Câmara Municipal do Porto:
A Empresa Artística S.A.R.L. com sede na rua de Passos Manoel, Jardim Passos Manoel, desejando reconstruir no seu terreno, uma nova casa de espetáculos, conforme o projeto junto, de forma a que esta seja inaugurada oficialmente durante as Festas do Duplo Centenário , contribuindo assim na medida do que lhe é possível, para o brilho e esplendor das mesmas nesta Cidade, aguarda que a Ex.ma Câmara do Porto, animada do mesmo desejo, faça a sua aprovação o mais rapidamente possível e autorize o inicio das obras imediatamente. Assim, contribuiremos todos para o prestígio do Estado Novo e mostrar-nos-emos atentos ao apelo de Sua Exa o Sr. Presidente o Conselho”.
O requerimento é datado de 1 de março de 1939. A linguagem e o ambiente político mostram-no bem!... E ainda mais, se tivermos presente que a ideia de contruir um edifício destinado a espetáculos vinha já de 1937 e passou por vários projetos e arquitetos. Acaba por prevalecer um projeto de Cassiano Branco.
E depois de variadíssimos episódios, será inaugurado em 19 de dezembro de 1941 com um concerto da Orquestra Sinfónica do Porto, dirigida pelo maestro Pedro de Freitas Branco tendo como solistas a pianista Helena Moreira de Sá e Costa e a cantora Maria Amélia Duarte de Almeida.
O Coliseu do Porto sofreu alterações e esteve a certa altura para ser encerrado e demolido, Mas reabriu em Novembro de 1998 com uma récita da “Carmen” de Bizet. E até hoje se impõe numa heterogeneidade da espetáculos, como o livro acima citado amplamente descreve.
E em boa hora conserva a estrutura e ambiência do edifício e da grande sala principal.
É interessante constatar e existência de dois Teatros homónimos, separados por dezenas de anos e centenas de quilómetros, e ambos evocando um nome que não é propriamente uma grande referencia atual às artes cénicas. Referimo-nos aos Teatros Sá da Bandeira do Porto e de Santarém.
Realmente, não se diga que o nome de Sá da Bandeira contem hoje um significado especifico nas artes do teatro. E no entanto, os dois Teatros Sá da Bandeira que hoje aqui evocamos assumem função de relevo local e nacional.
O Teatro Sá da Bandeira do Porto é o herdeiro de sucessivas salas de espetáculo que, primeiro com o nome de Teatro(s) do Príncipe Real, marcaram a atividade cénica da cidade e mesmo, pode-se dizer, do país. Sousa Bastos, escrevendo em 1908, regista a existência, no local, de três sucessivos Teatros denominados do Príncipe Real: entende-se que a partir de 1910 a designação mudou. Mas em qualquer caso, estamos perante a mesma sala, ou melhor, perante a localização e a tradição de sucessivas salas de teatro, música e artes circenses, que no mesmo local marcam a vida sócio-cultural do Porto.
A primeira dessas salas não passava de um barracão de madeira vocacionado para o circo. Resistiu alguns anos, mas foi substituído por um edifício agora “de pedra e cal”, com 21 camarotes e 2 frisas. Este já servia alternadamente para companhias dramáticas, equestres e ginásticas. Passados anos foi de novo demolido para se fazer o que hoje existe” diz-nos então Sousa Bastos em 1908. Escusado será de referir que mudaria em breve de designação…
E é com o nome de Teatro Sá da Bandeira que esta sala referencial do Porto mantem atividade tendo aliás beneficiado de sucessivas alterações e melhorias no interior.
Mais moderno é o Teatro Sá da Bandeira de Santarém, este inaugurado em 1924 e construído sobre as ruínas de um antigo hospital denominado João Afonso. A fachada ostentava um arco que fazia lembrar, dizem as crónicas, o politeama de Ventura Terra, esse inaugurado cerca de 10 anos antes. Vocacionado desde a origem para espetáculos de teatro e cinema, o Sá da Bandeira de Santarém funcionou numa primeira fase até cerca de 1977.
A Câmara Municipal adquire-o e a partir de 2000 inicia um vasto projeto de restauro orientado pelo arquiteto Alberto Mendonça Gamito. E tem interesse assinalar que o interior sofre uma total remodelação. Pelo contrário, a fachada conserva muito da estrutura original, em arcos sucessivos encimados por uma varanda com elementos de art-deco.
Hoje o Teatro Sá da Bandeira de Santarém ostenta uma lotação de cerca de 200 lugares e, tal como já escrevemos, além da sala de espetáculos propriamente dita, alberga uma sala estúdio, um piano-bar, uma galeria e uma sala de convívio. Foi instalado um teto em gesso e a sala revestida por painéis de madeira. A teia foi aumentada, designadamente pela integração de um edifício contíguo.
Mas mais interessante: o Teatro recuperou vestígios do claustro do antigo hospital.
Em 1897, Manuel da Silva Neves, empresário no Porto, toma a iniciativa de edificar o primeiro Teatro Carlos Alberto, inaugurado em 14 de outubro daquele ano com a opereta, hoje esquecida, denominada “O Diabo”. O Teatro tinha na época 252 lugares de plateia, 299 lugares de geral e ainda mais 500 lugares do que na altura se denominava galeria, isto, além de 32 camarotes, numa lotação total de mais de 1200 espetadores, o que é assinalável.
Não identificamos os autores da opereta, mas é de registar a iniciativa em si mesma, expressão de uma renovação do urbanismo de espetáculo, à época marcante em todo o país, e por maioria de razão numa cidade como o Porto.
Estaria ainda presente a lembrança do incêndio que, em 20 de março de 1888, destruiu o portuense Teatro Baquet, também durante um espetáculo de opereta, provocando algo como 120 mortos. Daí que este primeiro Carlos Alberto fosse construído ainda na memória da tragédia, mas também homenageando o Rei Carlos Alberto do Piemonte, que morreu exilado no Porto.
Este primeiro Teatro Carlos Alberto seria o que na época se denominava Teatro-Circo, com palco à italiana, como na época (e em rigor ainda hoje) se dizia, portanto preparado para espetáculos de teatro declamado, mas também com a versatilidade de transformação da plateia em pista de circo, o que desde logo eliminava o declive da sala.
Importa entretanto frisar que os sucessivos Teatros Carlos Alberto, que entretanto foram reconstruídos no local, mantêm a implantação e a estrutura do edifício, com alterações do interior e da fachada, mas sem grande mudanças da sala de espetáculos propriamente dita. Ainda assim, é de assinalar as alterações decorrentes da elevação da zona do palco e a reforma do átrio, bilheteiras e áreas de acesso do público. Mais relevante foi a supressão dos camarotes, ocorrida nos anos 30 do século passado, para maior adaptação ao cinema que, durante décadas dominou e exploração do Carlos Alberto: e bem sabemos que não foi o único…
Nesse sentido, assinalam-se duas grandes fases de transformação, ambas decorrentes da municipalização do então Cine-Teatro Carlos Alberto, ocorrida em 1993.
Desde logo a “transformação” em Auditório Municipal Carlos Alberto, assumindo uma mais vasta polivalência cultural.
Mas mais relevante terão sido as transformações e alterações decorrentes dos investimentos e programas no âmbito da celebração do “Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura”. O Teatro Carlos Alberto reabre então e retoma atividade como Teatro Nacional. Beneficia de obras de restauro e modernização, da autoria do Arquiteto Nuno Lacerda Lopes.
Assim, procede-se à renovação do foyer aberto, no sentido de uma maior ligação do público com a sala de espetáculos em si mesma. Procurou-se reforçar a complementaridade arquitetónica com a sala, através da utilização do vidro para maior acessibilidade das imagens vindas do palco. A sala ganhou também uma maior convertibilidade aos formatos de arena ou à italiana. O equipamento foi modernizado: e sobretudo, aumentou-se a rentabilização do interior do Teatro em função da potencialidade do espetáculo em si.
E procedeu-se a outras alterações significativas, sem com isso desvirtuar a tradição oitocentista do edifício. A zona de produção é modernizada. A sala foi “transformada” em dois auditórios: o chamado Grande Auditório, com 374 lugares, e o chamado Pequeno Auditório, com 150 lugares. E mais: criou-se um anfiteatro ao ar livre, uma sala de exposições e uma chamada teatroteca.
E assim se “edificou” um Teatro Carlos Alberto bem moderno, sem destruir o Teatro Carlos Alberto que vem da tradição do século XIX!