Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Saber inglês é hoje uma ferramenta necessária para quem estuda, investiga, trabalha, viaja e tem de ter acesso ao mundo globalizado. Em todas as épocas há uma língua franca, sendo a de hoje o inglês.
Os avanços técnico-científicos permitiram uma globalização que possibilitou uma maior proximidade, em que o inglês foi promovido a língua dominante nas empresas que controlam a produção, beneficiando-o nos impressos e folhas de instruções, nas etiquetas, caixas, distribuição, transportes, publicidade, ou seja, em todas as apresentações e disponibilização do produto desde a origem ao consumidor.
Esta permissividade tem condições especialmente favoráveis em países que têm falta de autoestima ou uma fraca imagem de si em termos económicos, onde o estrangeiro associado aos mais ricos é que é bom, sinónimo de culto, moderno, desenvolvimento e prestígio. Por vezes há ausência de legislação obrigatória quanto ao uso da língua materna ou oficial nas instruções e nos rótulos dos produtos importados. E quando há legislação, nem sempre os entes competentes a fazem cumprir, sendo injustificável que se invoquem dificuldades na sua implementação ou fiscalização. Não fazer cumprir uma lei também é uma opção e estratégia, tida como uma mera exigência do politicamente correto, sem conteúdo prático.
Por questões de imagem e de redução de custos, a língua da empresa é a da casa mãe, que não se compadece com traduções, com perda de tempo e de dinheiro, o que é agudizado pelo facto de, no atual momento económico, a sua sede ter a maior probabilidade de ser num país anglófono, ou que tenha tão só o inglês como língua de comunicação global.
Opta-se quase sempre pelo idioma tido internacionalmente como mais conveniente, o das empresas multinacionais, em que a língua da empresa é a do país onde está a inovação criativa e o dinheiro, sendo a língua do poder.
Esta imposição do inglês como língua económica, cultural e política, é tida, por vários autores, como imperialismo linguístico e um vírus do anglicismo.
O uso de palavras ou frases estrangeiras no nosso dia a dia, por necessidade ou diversão, não é censurável. O seu abuso, sim, nomeadamente do inglês, sob uma capa apelativa da modernidade, como o exemplificam, entre nós, tantos concursos televisivos, desde o Big Brother, Got Talent Portugal, The Voice Portugal, The Voice Kids, Love on Top, All Together Now, Fama Show, TV Shop, Kitchen Team, Hell`s Kitchen, etc.
Agudizado pelo linguajar e a gíria que usa e abusa de anglicismos na economia, gestão, cultura, ensino, política, novos condomínios de luxo ou de topo, recentes urbanizações universitárias, muitos deles desnecessários ou por preguiça em não encontrar designação adequada no nosso idioma. Ou sem haver a preocupação de pedir ajuda a linguistas ou instituições vocacionadas para o efeito, embora estas devessem estar atentas e antecipar-se a uma cada vez mais virulenta massificação, fazendo falta uma academia que se ocupasse das respetivas traduções, quando necessário. Por que não o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, ou similar, no âmbito da CPLP?
Porquê ficarmo-nos cada vez mais por uma língua estrangeira em novos termos e expressões de avanços técnico-científicos, económicos, financeiros, de gestão, entre outras áreas?
O que é agravado pela abdicação a que chegou o público ao excluir, pela primeira vez, a língua portuguesa para o festival da eurodemissão.
Há que estabelecer regras e prioridades, não queiramos ser universais sem diversidade, pois a indiferença, o desdém e a tontice pela nossa língua, ignorando-a ou marginalizando-a, farão o resto.
Em textos anteriores qualificámos o português como uma língua de estratégia ou de vanguarda, falada, escrita, de difusão natural, de aprendizagem, flexível, dotada de plasticidade, intercontinental, transoceânica, dinâmica, miscigenada, cultural, pluricultural, pluricêntrica, migratória, de génese europeia e essencialmente não europeia em termos geográficos, bipolar, civilizacional, de assimilação, exportação, informatizada, internauta, flexível e em crescimento demográfico.
Para além de uma língua de comunicação internacional e global, é também, por força da sua distribuição geoestratégica, a terceira europeia de comunicação universal (a seguir ao inglês e espanhol), a quinta ou sexta língua materna mais falada, língua oficial, de trabalho ou de tradução em várias organizações internacionais.
Como idioma de comunicação global, é um diassistema, que une povos que a usam como veículo de um certo dizer e de um determinado pensar.
O que justifica que integre a galáxia linguística global, de que fala Abram de Swaan na obra Words of World, como pertencendo ao grupo restrito das línguas supercentrais (supercentral languages), que tem como centro o inglês, língua hipercentral, cujo papel conjunturalmente lhe cabe (hypercentral language), em torno do qual gravitam 12 línguas (supercentrais): alemão, árabe, chinês, espanhol, francês, hindu, italiano, japonês, malaio, português, russo e suaíli, de âmbito internacional, com mais de cem milhões de falantes cada, à exceção do suaíli. Em redor das línguas supercentrais gravitam 100 línguas centrais, frequentemente tidas como línguas nacionais (national languages), oficiais dos países ou zonas onde são faladas. Por fim, as línguas minoritárias ou periféricas, idiomas de memória e de fraca tradição escrita, constituindo 98% das línguas existentes e faladas por 10% da população mundial.
Os falantes de uma língua periférica, quando necessitam de comunicar com falantes de outra língua da mesma natureza, usam em geral uma língua central como veicular. Os falantes de línguas centrais diferentes recorrem a uma supercentral, sendo o inglês veicular para falantes de idiomas supercentrais diversos.
Neste contexto, o português é uma língua supercentral, internacional, gravitando em redor do inglês, de disseminação por vários continentes, maioritariamente de populações e países jovens, com disponibilidade para crescer como língua estrangeira, de unidade nacional para vários países, em torno do qual gravitam línguas nacionais, que comporta uma mais valia não só linguística, cultural e identitária de vários povos, mas também uma dimensão política e económica, incluindo uma política estratégica externa nas suas várias vertentes.
XII - DA EUROPA IMPERIAL AOS NOVOS IMPÉRIOS LINGUÍSTICOS
Na época dos pioneiros da colonização, em que a língua devia ser a “companheira do império” (Nebrija) e em que nas colónias (periferias), à semelhança das metrópoles europeias, era necessário usar a língua do centro, a atitude dominante das soberanias europeias, até meados do século passado, era a de considerar que “a língua é nossa”, procurando implantá-la, ao mesmo tempo que transportavam com ela, para outros povos, a visão do mundo, dos valores e da vida que estruturalmente lhe eram inerentes. Era a política de assimilação.
Paulatinamente foram surgindo novas políticas com agrupamentos de vários países em blocos de poder, passando por diversas formulações até à formação de blocos linguísticos, aglutinados, no essencial, por uma língua aceite como comum. Surgem, neste contexto, organizações como o Instituto da Alta Cultura, o Instituto Camões, o British Council, a Alliance Française, o Instituto Cervantes, o Goeth Institut, o Instituto Confúcio, servindo não apenas para preservação e defesa das línguas a eles afetas, mas também para a sua expansão, invertendo-se a frase de Nebrija, uma vez que a partir daí é a língua que arrasta consigo o império, interpretando este num sentido simbólico.
Esta metamorfose deu-se em simultâneo com a ascensão de organizações internacionais e do Direito Internacional Público, superando a ideia tradicional de que os problemas linguísticos eram responsabilidade das academias, de acordo com a regra de que cada Estado soberano transportava esses modelos para os territórios de que era responsável. No que toca ao português, defendeu-se a existência de um organismo onde estejam em pé de igualdade todos os Estados que o adotaram, visando a definição e prossecução de interesses comuns. Veio daí a ideia do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) e da criação de uma organização internacional, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), instituições de debilidade similar, até agora. O que corresponde à transição de “a língua é nossa” para o conceito de que “a língua também é nossa”, de que fala Adriano Moreira, invocando Eduardo Lourenço. Ao arrepio de puristas defensores de sistemas de imobilidade norteados por uma visão patrimonialista da língua, a que se contrapôs uma conceção não patrimonial, consequência da mestiçagem ou crioulização a que as línguas estão sujeitas, convivendo com a corruptela decorrente do seu uso mundial, de tendência crescente à medida que aumenta o seu uso global.
No caso português, uma política pluricontinental da língua portuguesa pôs de fora o monocentrismo homogeneizador da norma metropolitana em benefício de um policentrismo da chamada lusofonia ou mundo lusófono, baseado na sua variedade de fatores geográficos, antropológicos, étnicos, culturais, linguísticos, económicos, sociais, onde dada a ausência de proprietários da língua, ninguém é senhorio dela, antes ela dona e senhora de quem a fala. De uma perspetiva lusíada chegou-se a uma perspetiva lusófona, também já insuficiente, a que acresce uma perspetiva lusófila e como língua de exportação. Trata-se de uma visão estratégica para dar maior unidade e visibilidade aos falantes de português, orientando-os para fazer frente à força globalizante de outros blocos geoestratégicos e histórico-linguísticos, como a anglofonia, francofonia, hispanofonia, iberofonia, falando-se recentemente em germanofonia, na sequência da queda do muro de Berlim.
Sendo a língua portuguesa um idioma intercontinental, transnacional e global, com centenas de milhões de falantes, na sequência da sua disseminação no decurso de séculos, verifica-se que tendo tido como ponto de partida Portugal, na Europa, está hoje predominantemente implantada fora da Europa, com especial incidência na América do Sul e África. Indicia-se, assim, que a maior consolidação e expansão da presente e futura globalização da língua portuguesa será revitalizada de fora da Europa para outros continentes, nomeadamente via Brasil, “o imenso Portugal”, cantado por Chico Buarque, país de escala continental e potência emergente.
Tendo como referência, no mundo ocidental, a liderança atual dos Estados Unidos da América, pode-se concluir que são e serão os descendentes da velha Europa imperial os novos impérios linguísticos do futuro. O que, por analogia, está a suceder com a língua portuguesa, com perspetivas de reforço.
Joaquim Miguel De Morgado Patrício 22 de Agosto de 2016