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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

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81. POSITIVISMO, JUSNATURALISMO E DIREITOS HUMANOS (II)

 

Embora continue a ser predominantemente positivista o ensino e a prática do Direito nas universidades e nos tribunais, há um conjunto variado de doutrinas, com especial enfoque para os jusnaturalistas, que recusam uma redução do Direito às suas manifestações empíricas, tendo como denominador comum que o direito “positivo” deve ser objeto duma valoração superior com referência a um sistema superior de normas e princípios.

Para os jusnaturalistas o Direito perdeu a “alma”, tornou-se demasiado técnico, determinista e rigoroso, despiu-se e descarnou-se do ideal de justiça decorrente da natureza humana e das coisas, facilmente manipulável pela razão, pela vontade política e estadual, pela prática dos juristas, sendo insuficiente um direito legal ou jurisprudencial juspositivado.

Preocupa-os que o direito fosse confiado e disponibilizado no essencial ao Estado, servindo-se dele como mais um meio de acesso ou de perpetuação do poder, querendo opor à lei humana injusta as leis naturais da consciência, defendendo que o Direito justo (natural), vale por força da sua justiça, e não por força da sua “positivação”, gozando de uma validade suprapositiva, havendo valores e princípios jurídicos que se antepõem e antecipam ao Estado ou qualquer poder, mesmo que legitimamente aceite e instituído.
As suas preocupações foram confirmadas e corroboradas por vários tiranos e formas de tirania exercidas e justificadas a coberto da legalidade, a começar pelos horrores do holocausto nazi, agudizados pela derrota do nazismo, que na sua qualidade de vencido fez sobressair iniquidades tão calculadas, malignas e devastadoras, que a nossa civilização entendeu não poderem ser ignoradas, sob pena de sobreviver a sua repetição.
Exemplo desse ideal é o imperativo e exigência de respeito pela dignidade da pessoa humana, princípio e fim do Direito, titular de direitos inalienáveis, que se antepõem a todo e qualquer Estado, e centro de todo e qualquer sistema jurídico.

Justifica-se, assim, após as duas grandes guerras mundiais, a necessidade de estabelecer novos mecanismos de tutela dos direitos humanos, não meramente dependentes da sua consagração pelos ordenamentos jurídico-internos e constitucionais, mas de alcance mais vasto, dada a sua dimensão internacional.

Surge a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, em 10.12.1948.

Acusada, por uns, de ser uma consagração e imposição ocidental dos direitos humanos, relativizados ou universalizados, para outros é um contributo decisivo, a ser atualizado, da crescente inevitabilidade de serem acordados valores e regras que sejam comuns a toda a humanidade.

 

16.07.2021
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

CRÓNICAS PLURICULTURAIS


80. POSITIVISMO, JUSNATURALISMO E DIREITOS HUMANOS (I)


A natureza messiânica da ciência e da técnica submeteram a realidade cognoscível à sua lógica e regras particulares, A realidade tinha de se apresentar como empiricamente observável e sujeita ao método da experimentação.  


Sendo este o espírito do tempo, os juristas defenderam não existir outro Direito que não fosse o direito positivo, baseado no cientismo, que tinha como única metodologia válida a das ciências empírico-naturais. As leis, os costumes, a prática dos tribunais, tudo o que se prestasse a uma observação empírica e fosse passível de repetir-se por meio de experimentação, eram o Direito. Ideias como o bem e o mal, o belo e o feio, o justo e o injusto, existência de uma dimensão axiológica do jurídico, foram afastadas, porque ideologias, fora do plano da ciência e não suscetíveis de serem objeto de conhecimento. 


Pretendendo expurgar a filosofia, o positivismo jurídico acabava por não a negar, dado ser o resultado por uma opção de filosofia: a positivista ou antimetafísica.


A atitude positivista é o Direito entendido como um sistema de normas, e nada mais do que isso, onde aqueles que o aplicam procedem a aplicações mecânicas silogísticas, onde figura como premissa maior o normativo legal geral e abstrato, que tem de subsumir-se a uma premissa menor que agarra mais de perto o caso concreto. 


Escreve Angel Latorre, em Introdução ao Direito
“O jurista pode e deve realizar a crítica do direito positivo, e esforçar-se por promover a sua reforma quando a considere oportuna, mas considera essa perspetiva fora do seu campo de ação como “cientista do Direito”. Um físico estuda o átomo ainda que condene totalmente os usos violentos da energia atómica e ainda mesmo que, como cidadão, lute para os impedir. Um jurista analisa objetivamente as leis, ainda que se esforce para que o direito do seu país se ajuste aos conceitos éticos mais perfeitos, tal como ele os concebe. A atitude positivista não pressupõe tão pouco negar a importância dos estudos de sociologia jurídica, isto é, das indagações sobre a atuação do Direito na realidade social, mas simplesmente afasta da ciência jurídica e da análise das normas este tipo de considerações”.    


O Direito como ordem vigente numa determinada sociedade, decorre de um ato de poder e vontade estadual, garantido por um aparelho repressivo, em que o primado da lei é garantia de certeza jurídica e salvaguarda dos destinatários contra a arbitrariedade, imperando a impessoalidade e a generalidade da lei.  


Mas, e sempre, um Direito datado, entendido e interpretado na medida das suas manifestações empíricas. 


Contra esta orientação, têm vindo a manifestar-se sobretudo (mas não só) os autores ou defensores jusnaturalistas.  

 

09.07.2021
Joaquim Miguel de Morgado Patrício