A VIDA DOS LIVROS
Imagem: Facebook da Brotéria
No momento em que a memória de Tereza e Vasco Vilalva está bem presente no nosso espírito com a reabertura do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, graças à maravilhosa extensão do Parque de Santa Gertrudes pela generosidade da família Eugénio Almeida e pela possibilidade de cumprir o desígnio artístico e cívico de Gonçalo Ribeiro Telles e António Viana Barreto com o projeto arquitetónico de Kengo Kuma e paisagístico de Vladimir Djurovic, foi entregue o Prémio Gulbenkian Património – Maria Tereza e Vasco Vilalva à biblioteca da Brotéria. Trata-se do reconhecimento da importância do Património Cultural imaterial, uma vez que a intervenção galardoada contempla a inventariação, preservação, restauro e disponibilização pública da biblioteca e do Fundo do Livro Antigo da revista Brotéria. O acervo bibliográfico da Brotéria foi sendo reunido ao longo dos últimos 100 anos, integrando atualmente 160 mil volumes, dos quais 4 mil do Fundo do Livro Antigo, publicados até 1800, dedicados à História da Companhia de Jesus, Filosofia, História, História da Igreja, Teologia, Patrística, Liturgia, Sermonística, Lexicografia, Gramática, Matemática, Astronomia e Pedagogia. A limpeza, estabilização e restauro de todos os volumes esteve a cargo dos melhores especialistas e o projeto abrange o estímulo à investigação, ao gosto da leitura, ao debate de ideias, à disponibilização de espólios bibliográficos de investigadores e o acesso digital a fundos documentais do Arquivo Romano da Companhia de Jesus e ao Fundo «Jesuítas na Ásia» da Biblioteca da Ajuda. O júri presidido por António Lamas destacou a metodologia exemplar para a valorização deste precioso fundo bibliográfico. Deve salientar-se ainda que pesou a ideia de dinamização cultural da Baixa-Chiado e Bairro Alto, no centro da cidade de Lisboa, envolvendo a Igreja e o Museu de São Roque, o Museu do Chiado, os Teatros de S. Carlos, de S. Luís, da Trindade e D. Maria II, a Faculdade de Belas Artes e o Conservatório Nacional. Aliás, entre as menções honrosas atribuídas esteve o Palácio de S. Roque – Casa da Ásia, que se insere na mesma dinâmica de ação cultural. As restantes menções couberam ao Seminário Maior de Coimbra e ao Convento de Santa Clara do Funchal.
O prémio deste ano interpreta, assim, com muita felicidade o objetivo de reconhecer intervenções exemplares em bens móveis e imóveis de valor cultural que estimulem a preservação e a recuperação do património cultural. E no caso da revista Brotéria, importa recordar a referência ímpar do Padre Manuel Antunes, durante muitos anos verdadeira alma da instituição. A casa da Rua Maestro António Taborda foi o seu refúgio, o santo dos santos onde recebia tantos dos seus discípulos e amigos, como mestre de muitas gerações. Sophia de Mello Breyner referia-se com muita admiração ao Padre Antunes e evocava sentidamente o antigo fundo clássico que animou a genialidade dos dois amigos. Quando lemos os textos que o crítico subscreveu, sob várias assinaturas, podemos compreender a sua visão da cultura e do património cultural como uma vivência ativa de criação e de compreensão. Afinal, Homero era-lhe “mais presente e mais íntimo do que muitos contemporâneos e até do que alguns conhecidos”. O cuidado com os livros estava no cerne da vida de quem eles albergavam. A poeta dizia: “O tempo onde ele mora / É completo e denso…”.
GOM