CARTAS À PRINCESA DE AGORA E SEMPRE
Minha Princesa de sempre :
Não recordo, não registei, nem sequer medi o tempo decorrido desde a última carta que te escrevi. Talvez por me sentir mais desvinculado da duração de tudo, finalmente mais preso à memória das coisas e das vidas como essencial substância da minha consciência do presente... como se este mais não fosse do que passado imperfeito! Sou hoje o que fui mais o que não cheguei a ser. Quero assim dizer que prevaleço nesse sentimento de mim em que, mais do que eu e a minha circunstância, me surpreendo como eu e a minha imperfeição. Já me não conjugo no futuro, não consigo completar-me. Tampouco me habita qualquer sentimento de perda, muito menos desejo ou vontade de ser agora o que não fui no devido tempo. Nem sequer rumino vadios pensamentos de culpa minha ou alheia. Não vou gritar, como a Traviata, "É tarde!" Tudo na nossa vida tem o seu tempo oportuno.
Não é por deitarmos abaixo antigos ídolos ou antiquados símbolos que nos convertemos. Aquilo que for o ser novo e limpo, ou estará já dentro de nós, ou será mais um episódio da nossa imperfeição. Nesta nossa vida presente, queiramos ou não, há um tempo e um espaço que necessariamente nos condicionam quando agimos. O nosso estado de liberdade pertencerá sempre, por enquanto, a essa mística interior, alheia a qualquer espaço ou tempo que possa limitar-nos, algo tão misterioso que apenas podemos imaginar como o antiquíssimo futuro de nós...
Sempre te disse e escrevi, minha Princesa agora perdida entre estrelas de um universo em contínua expansão - que talvez seja a extensão do Deus desconhecido que procuramos - , quanto me deixa perplexo, mesmo para além de qualquer angústia, pensarsentir a contradição desta nossa condição humana, hesitação constante (interminável?) entre o finito e o infinito, talvez interrogação sem resposta certa na finitude da nossa temporalidade, mas fé e esperança que o amor dos outros (e de nós) desenha na intemporalidade do infinito que, afinal, dia após dia, incansavelmente vamos desejando e desenhando.
Talvez cheguemos a esta idade do fim do nosso tempo apenas para confrontarmos a nossa pequenez com a infinita grandeza de Deus. Momento difícil este, em que finalmente realizamos que Deus não tem tamanho nem tempo, e que o "mundo" que nos espera estará certamente fora de nós e do nosso muito imaginar.
No início calendarizado de mais um Ano Novo, e quando completo o octogésimo da minha vida presente, contemplo o meu rio envolto em nevoeiro e procuro a ponte que me levará para fora do tempo e do espaço...
Camilo Martins de Oliveira