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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XLII - EXPRESSIONISMO

 

Movimento artístico alemão dramático e trágico, de grande densidade psicológica e reflexiva, cujos artistas supervalorizavam o eu e a necessidade de exprimir as suas ansiedades e conflitos pessoais, alguns com preocupações de denúncia social, havendo neles uma angústia de viver, ao invés da alegria de viver do fauvismo, apesar das suas semelhanças com o fauvismo francês.

 

Reagiu contra o naturalismo e o impressionismo, tendo como antecessores Cézanne, Gauguin, Jugendstil, Van Gogh, Hodler e Munch, recorrendo a cores fortes para a captação angustiante e dramática e a explicitação dos sentimentos e das vivências psíquicas, recebendo várias influências, à semelhança do fauvismo, entre elas a valorização do indivíduo, a atenção a civilizações primitivas e exóticas (Gauguin), as cores intensas e deformação da natureza (Van Gogh), a alucinação das figuras (Munch), a crítica à sociedade burguesa (Nietzsche).

 

A imagem é simplificada, deformada, brutalizada remetendo, por um lado, para modelos arcaicos, primitivos ou infantis, de pendor regressivo e, em contrapartida, tratando temas relacionados com a época de então, denunciando a civilização moderna e usando os instrumentos da crise contra a própria sociedade, produzindo-se uma contradição entre a forma e o conteúdo expresso.

 

Não foi um movimento unitário, tendo como representantes principais das várias manifestações expressionistas, Die Brucke (A Ponte), Der Blaue Reiter (O Cavalo Azul) e Der Neue Sachlichkeit (Nova Objetividade).  

 

Die Brucke (A Ponte) foi criado em 1905 por Heckel, Schmidt-Rottluff e Kirhner, ao qual se juntaram Emil Nolde, Max Pechstein e Otto Muller. 

 

Concebem a arte como uma conceção do mundo e não como uma mera exigência estética, manifestam-se contra a sociedade urbana, denunciam com angústia a crueldade e a corrupção, sacrificam a beleza pelas suas ideias, sentimentos e paixões sobre temas da vida quotidiana, em que as cores e formas usadas arbitrariamente nas suas telas  pretendem provocar no observador um sentimento de assombro, medo ou rejeição, como em Mulher ao Espelho, Cinco Mulheres na Rua e Rua com Mulher de Vermelho.

 

O português Cristiano Cruz foi expressionista com grande influência de Kirchner.

 

Der Blaue Reiter (O Cavalo Azul), nasce em Munique, em 1909, sendo herdeiro do simbolismo, misticismo russo e do expressionismo do Die Brucke, tendo como figura fundamental Kandinsky, além de Franz Marc, Kubin e Munster. 

 

É um expressionismo que não tem o sentido dramático e trágico do primeiro grupo (Die Brucke), que procura uma dimensão espiritual, não necessariamente metafísica, a par da emotividade e contacto com a natureza, onde impera uma expressividade emotiva e espiritual, dando um valor emotivo, por vezes irracional, à cor, sem perder a harmonia cromática. Exemplificam-no O Sonho (1912), de Marc, com cores usadas de modo arbitrário nas figuras e paisagem, sobressaindo os cavalos azuis, transmitindo uma sensação de calma, recolhimento e serenidade. Outro exemplo: Com o Arco Negro (1912), de Kandinsky.   

 

Der Neue Salichkeit (Nova Objetividade, regressa à pintura figurativa, sendo desapiedada e dura, após a experiência da guerra, retratando a miséria humana e a morte em contraste com a riqueza e ostentação das elites e do poder, tendo como representantes Max Beckmann, Otto Dix e George Grosz. Veja-se Cenas da Rua Kurfurstendam (1915), de Grosz.   

 

Além da pintura, o expressionismo estendeu-se ao ensaio, ao drama, à música e à literatura em geral.

 

A sua angústia de viver, caraterizada pelo absurdo, ceticismo, desespero, pessimismo, crueldade, ansiedade e sentimentos de horror, repulsa, rutura e sofrimento, evasão da opressão, luta contra a desumanização, crítica da sociedade burguesa e troça do que é belo, fez surgir, pelo seu caráter multifacetado e variedade de géneros que desenvolveu, nomes marcantes no mundo literário, como Kafka, Brecht, Camus (O Estrangeiro),  entre outros.

 

08.01.2019
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

 

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

Georges_Rouault.jpg

 

XLI – FAUVISMO

 

No Salão de Outono de 1905, em Paris, um grupo de jovens novos pintores expõe telas marcadas pela agressividade das cores, onde a cor é empregue em tons puros, fortes e contrastantes, sem preocupações com a exatidão do tom local, usando formas e contornos indefinidos, composições planas e simplificadas. Foram denominados “fauves” (feras), uma vez se assemelhar a rugidos, a violência do seu trabalho, na distorção das formas e cores. Incluía Matisse, Derain, Puy, Manguin, Vlaminck, Rouault, a que se juntaram ulteriormente Dufy, Marquet e Van Dongen.

 

Este movimento artístico francês, conhecido por fauvismo, não aceita o papel representativo da pintura tradicional, apreciando a arte primitiva e infantil, liberta de convencionalismos, utilizando a mancha livre de cor, grandes saturações e contrastes cromáticos, em que o quadro não tem de ser fiel ao real e o tema é uma interpretação livre do artista.

 

O protagonismo dá-se ao nível da cor, brilhante e agressiva, usando preferencialmente cores primárias, de pinceladas vigorosas, soltas ou corpulentos empastes.

 

Faz o culto de uma maior alegria de viver, por confronto com o expressionismo alemão, mais dramático e marcado pela angústia de viver, embora parte integrante do expressionismo no seu todo, havendo quem fale do expressionismo francês, diferenciando-o do alemão.

 

Matisse foi o pintor fundamental do fauvismo, defendendo a harmonia cromática, desmistificando o retrato, apelando a uma ingenuidade e espontaneidade no olhar, à cor pura, ao decorativismo na arte, ao intimismo, num preenchimento total do espaço pictórico, com figuras simplificadas, um desenho de traços puros, grande saturação cromática, primitivismo, visão pura das coisas e uso da bidimensionalidade.

 

Em A Alegria de Viver (1905/6), exemplo conseguido do fauvismo, as figuras reduzem-se a manchas de cor que os contornos quase não delimitam, numa visão a cores de figuras excêntricas rudemente desenhadas, com alegres inovações cromáticas. Em A Dança (1910), sobressai a natureza expressiva das cores, que se impõem na plenitude, por entre formas muito simplificadas.

 

O fauvismo tem um sentido decorativo profundo, procurando a alegria de viver.

A experiência fauve, embora marcante, foi curta, sendo 1906 o ano em que se manifestou plenamente, com uma maior intensificação do cromatismo em Matisse, Marquet e Duffy, verificando-se a adesão de Braque e dos russos Jawlensky e Kandinsky, tendo os seus protagonistas adotado posteriormente outras linguagens pictóricas.

 

01.01.2019
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

 

 

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XL - PÓS-IMPRESSIONISTAS

 

Os impressionistas rejeitavam motivos de inspiração histórica, literária ou religiosa. Os seus temas eram os efeitos de luz e as vibrações atmosféricas produzidas pelo calor, em pinceladas fragmentadas e justapostas.  

 

Alguns pintores que inicialmente tiveram uma fase impressionista, acabaram por evoluir, demarcando-se e ramificando-se do movimento, num novo destino.

 

Têm em comum o gosto pela luz e cor, que usaram como instrumento da expressão íntima do artista, vindo alguns a influenciar o desenvolvimento posterior do fauvismo, simbolismo, expressionismo e cubismo, como Gauguin, Van Gogh e Cézanne.

 

Merece referência a obra destes três pintores, que influenciaram decisivamente a arte do século XX.

 

Paul Gauguin: foi um autodidata, desenhador, pintor, escultor, um europeu não satisfeito com a Europa, que se retirou para Taiti onde encontrou o paraíso, livrando-se da influência da civilização, aí produzindo telas exóticas, eróticas, coloridas e simples, estilizadas, decorativas, evocando uma pacífica e tranquila bem-aventurança tropical, em quadros primitivos e modernos, numa procura de espiritualidade primitiva, numa exuberante saturação cromática que amplia a vivacidade das cores ao serviço da narrativa de histórias, como em O Nascimento de Cristo (1896) e Duas Mulheres Taitianas com Flores de Manga (1899).   

 

Daí o seu misticismo e simbolismo, encontrando na vida primitiva exótica e nas conceções mágicas dos povos dos mares do hemisfério sul inspiração para novos temas e formas que transpôs para a pintura, tendo tido influência marcante sobre o fauvismo (com a sua pintura taitiana) e o simbolismo. 

 

Vincent Van Gogh: pintor holandês e desenhador, autodidata, de pintura apelativa, com um sentido cromático muito forte, contrastante e saturante, de pinceladas com marca expressiva, cromáticas e sucessivas, começando por paisagens, cenas rurais e do operariado, naturezas-mortas e retratos.

 

Em 1888, vai para Arles, no sul de França, onde fica maravilhado com a intensidade de matizes produzidos pela luz na Provença, aí alcançando o seu estilo próprio: contornos fortes, cores luminosas, uma pintura cósmica de pincelada agitada e febril. As cores têm um sentido simbólico muito próprio: por exemplo, o amarelo, a sua cor preferida, é a energia positiva, a vida; o azul é espiritualismo, universo, firmamento. 

 

Ao assumir uma abordagem cada vez mais subjetiva, pinta não apenas o que via mas o modo como sentia o que via, começando a deformar, distorcer e desumanizar as imagens para transmitir as suas emoções, exagerando para impressionar, fazendo lembrar a distorção das imagens de El Greco, 300 anos antes, embora de temática diferente. Telas como A Casa Amarela (1888), Girassóis numa Jarra (1888), Noite Estrelada sobre o Ródano (1888) e O Quarto (1888), A Noite Estrelada (1889), Campo de Trigo com Corvos (1890), são algumas obras-primas que nos deixou. 

 

Queria, como autor e criador, que as pessoas pensassem da sua obra: “Este homem sente profundamente”

 

Pouco conhecido no seu tempo, ao invés de agora, a sua influência foi decisiva para o expressionismo, ao distorcer a cor e a pincelada para exprimir o que lhe ia na alma.

 

Paul Cézanne: pintor, desenhador, aguarelista francês, que após trabalhar sob a influência do impressionismo, em especial de Pissaro, chegou a um impasse, acreditando que a mãe natureza daria a resposta, vendo nela coisas soberbas, decidindo fazê-las ao ar livre, procurando dissolver a perspetiva convencional através da pincelada cromática e encontrar a volumetria através da cor, o que era novidade, a que acresce uma abordagem analítica da representação, baseada na redução de pormenores visuais a formas geométricas, desde quadrados, retângulos, círculos, triângulos e losangos, em que uma pedra assume a forma de uma bola e um campo de um retângulo.   

 

Começou a notar que uma representação vista de um único ponto de vista é redutora e limitativa, porque mais imitativa, em que o ideal é introduzir vários pontos de vista, fragmentando os objetos, numa perspetiva bidimensional, tridimensional, etc.

 

Se vejo de cima, de lado, de baixo o mesmo objeto, tenho dele pontos de vista diferentes, representando-o de várias formas.

 

Começa a haver uma unidade planificada, uma só unidade, em que os objetos e o céu são pintados numa mesma unidade sob várias perspetivas, num abandono da perspetiva tradicional, como o exemplifica Natureza Morta com Maçãs e Pêssegos (1905), em que o amarelo quente e o frio azul contrastam sem sobressalto, apesar de opostos no jogo de cores. 

 

De um espaço equivalente com perspetivas e planos diferentes e sobrepostos, transita-se para planos e espaços fragmentados, estilhaçados, baseados em meras formas geométricas e estruturados com uma grande tensão rítmica, servindo de base ao cubismo.   

 

25.12.2018
Joaquim Miguel de Morgado Patrício 

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XXXIX - IMPRESSIONISMO

 

1. Movimento artístico cujo nome advém da tela de Monet Impréssion, que repudiava a pintura académica e de estúdio de natureza clássica, recusando um estilo que idealizasse obras baseadas na mitologia, iconografia religiosa, história ou antiguidade clássica, contrariando uma técnica de pintura tida como adequada e precisa.

 

O impressionismo faz sobressair o reflexo da luz nos objetos e não os próprios objetos, com pinceladas urgentes, momentâneas, velocistas, com explosões de cor compactas, breves, ao ar livre, onde a luz muda permanentemente, captando a sensação de um momento passageiro, em que a informalidade e a velocidade era essencial, em oposição ao ambiente académico, artificial, controlado e solene do estúdio.   

 

Captavam o aspeto momentâneo, singular e continuamente em mudança das coisas, partindo dos efeitos óticos da luz e das cores, normalmente claras, decompondo-as em manchas e pinceladas finas e pequenas, que ao serem observadas a uma determinada distância, refletiam o jogo da luz e do cromatismo, sem dependerem, no essencial, dos contornos, volume corpóreo e da profundidade. 

 

Há quem diga que pinta o espaço que medeia entre nós e os objetos. 

 

O desenho torna-se secundário. É a cor que dá forma. 

 

Embora no contexto atual da arte moderna o impressionismo seja tido como adequado e encantador, por representar e retratar cenas reconhecíveis de uma maneira figurativa, por confronto com a desumanização do cubismo, abstracionismo, dadaísmo e arte concetual, não foi o que as pessoas pensaram aquando do seu aparecimento, dado que, na época, os impressionistas foram tidos como um grupo de arrivistas, rebelde e radical, pintando obras artísticas tidas como meras caricaturas não adequadas aos cânones da Academia, onde imperava o estilo neoclassicista do Renascimento. 

 

Baudelaire, no ensaio O Pintor na Vida Moderna, fez uma interpretação atualista e atualizada do que estava a acontecer, usando o seu estatuto de escritor e poeta consagrado para avalizar os impressionistas, pelo que muitas das suas ideias foram  incorporadas nos princípios básicos fundadores do impressionismo. 

 

Desafiando os artistas a distinguirem na vida moderna o eterno do transitório, tendo como fim essencial da arte captar o universal no presente do quotidiano, escreveu: 

 

“A modernidade é o transitório, o fugitivo, o contingente, a metade da arte, cuja outra metade é o eterno e o imutável. Existiu uma modernidade para cada pintor antigo; a maior parte dos belos retratos que nos ficaram de tempos anteriores estão revestidos de vestuário da sua época. São perfeitamente harmoniosos porque o fato, o penteado e mesmo o gesto, o olhar e o sorriso (cada época tem o seu porte, o seu olhar e mesmo o seu sorriso) formam um todo de uma completa vitalidade. Este elemento transitório, fugitivo, cujas metamorfoses são tão frequentes, não tendes o direito de o desprezar ou de o dispensar. Ao suprimi-lo, caireis forçosamente no vazio de uma beleza abstrata e indefinível, como a da única mulher antes do primeiro pecado”.   

 

2. Teve como principais representantes Manet, Monet, Renoir, Degas, Pissarro, Sisley e,  entre outras, como pinturas célebres Olympia e Almoço na Relva (1863, Édouard Manet), Impression, Soleil Levant (Impressão, Nascer do Sol, 1872, Claude Monet), A Aula de Dança (1874, Edgar Degas), onde são várias as influências sofridas, desde os paisagistas de Barbizon, os efeitos da luz natural do pintor inglês Turner e as xilogravuras japonesas coloridas e bidimensionais Ukiyo-e, com o seu significado de imagens de um mundo flutuante. 

 

As últimas consequências da técnica impressionista, desenvolveram-se com o neoimpressionismo (pontilhismo), a partir de 1885, nomeadamente com Seurat e Signac. Desenvolveu-se paralelamente ao processo físico visual, uma distribuição produzida por refração da luz através de um modo prismático das tonalidades, donde deriva o divisionismo, representando-as na tela via uso das cores puras aplicadas em forma de pequenos pontos aplicados uns contra os outros, formando uma espécie de teia.

 

Seurat era também artista gráfico, além de pintor, ficando conhecido por telas figurativas e paisagísticas, de grande força luminosa e estrutura matemática, enquanto Signac, além de pintor, foi escritor e artista gráfico, pintando paisagens com o movimento de redemoinho das cores.         

 

Na escultura, há que referir Rodin, com trabalhos em gesso, mármore e bronze, alusivos a formas plásticas de jogos permanentes de luz e sombras, exemplificando-o O Beijo (1866) e Os Burgueses de Calais (1884).

 

Reproduzindo, de igual modo, temas atuais e novos temas relacionados com a vida boémia e burguesa de Paris, o impressionismo opôs-se à pintura histórica e de género idealizada e tida como adequada para a época, tendo em atenção as inovações provocadas pela fotografia, estudos químicos sobre a cor do químico Chevreul, a pintura paisagística inglesa do século XVIII e do ar-livre fomentada e praticada pela escola de Barbizon. 

 

18.12.2018
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XXXVIII - NATURALISMO

 

Na continuidade do realismo, surge o naturalismo, aproximando-se da natureza, aquele mais da fotografia.

 

O realismo preconizava a objetividade na mimetização da realidade e a necessidade de o artista não idealizar o real, mas tão só, provido de certo rigor científico, observá-lo com agudeza e isenção, fazendo artisticamente um retrato fiel do que observou na vida da sociedade.

 

Os naturalistas eram influenciados por conceitos da biologia, fisiologia, sociologia, especializados em ciências naturais, como a botânica e a zoologia, assim se diferenciado melhor dos realistas embora, como estes, mantivessem objetividade em relação à realidade.

 

Daí que a literatura naturalista seja expressão dos progressos científicos da fisiologia, bilogia e outras ciências, descrevendo as emoções através das suas manifestações físicas, demonstrando que os factos psíquicos estão sujeitos a leis rígidas, como os fenómenos físicos, não se limitando a observar e expor (como os realistas), o que levou o escritor Zola, por exemplo, a uma conceção determinista da existência humana, influenciado pelas teorias de Darwin e Haeckel sobre a hereditariedade.

 

Eça de Queirós, expoente da literatura realista em Portugal, alheou-se dos processos biológicos e fisiológicos para explicar o carater das personagens dos seus romances, tendo sido seguidores de Zola, entre nós, Júlio Lourenço Pinto, Abel Botelho e Teixeira de Queirós.

 

A Escola de Barbizon, em França, com a sua pintura ao ar livre, de ar-livrismo, teve muita importância na caraterização do naturalismo, cujo nome mais conceituado foi Théodore Rousseau.

 

Esta estética naturalista, aliada do realismo, teve forte impacto na pintura portuguesa, ao invés da literatura, onde vingou o realismo.

 

Em Portugal, ao nível da pintura, transitou-se do romantismo para o naturalismo, com uma breve passagem pelo realismo, por exemplo, com Miguel Lupi.

 

José Malhoa foi o pintor mais popular, conhecido e procurado. Maria de Lurdes de Melo e Castro a sua mais fiel discípula.

 

Não era pintor do regime, embora a sua obra efabulatória, de um certo Portugal paradisíaco, possa propiciar essa interpretação.

 

Preferia ambientes exteriores, ao sol, na rua, com figuras populares e o seu meio, preferindo o contacto popular. 

 

Pintor de paisagem, de género e de costumes, assim o qualificou Ana Ramalho Ortigão.  Em 1955, Egas Moniz, prémio Nobel da Medicina, considerou Malhoa como o maior pintor português de todos os tempos, o que mostra a dificuldade de outros pintores poderem singrar, caso de Almada Negreiros e Amadeu de Sousa Cardoso.

 

No retrato, temos Columbano Bordalo Pinheiro como o mais ilustre, sobretudo de análise psicológica.

 

Retratista de excelência, mais de intelectuais, como o de  Antero de Quental, tido como um ícone, onde o importante é o rosto, a cabeça, a inteligência, simbolizando a metafísica, correspondendo à parte iluminada do retrato, ficando na penumbro o resto do corpo.

 

A que acresce o retrato de Teófilo Braga, Bulhão Pato, Teixeira de Pascoais, Viana da Mota, António Ramalho, todos intimistas, introspetivos, de interiores, com forte presença psicológica, contraste de luz e sombra, luminosidade e penumbra, com chapas de luz criadoras de dinamismo na pintura, dando-lhe uma perceção dinâmica. É célebre a pintura a óleo O Grupo do Leão retratado, em 1885, por Columbano, com Henrique Pinto, Ribeiro Cristino, Malhoa, João Vaz, Alberto de Oliveira, Silva Porto, António Ramalho, Rafael Bordalo Pinheiro, Columbano, António Monteiro, entre outros. Além de retratista, foi pintor muralista, integrando a segunda geração naturalista.

 

O grande escultor do naturalismo português foi Teixeira Lopes, do realismo Soares dos Reis. 

 

11.12.2018
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XXXVII - REALISMO (II)

O IMORAL E O CRITICAR PARA CORRIGIR EM MADAME BOVARY

 

O romance de Gustave Flaubert, Madame Bovary (1857), é tido como pioneiro da estética realista na literatura.

 

À semelhança dos romances realistas, propunha-se fazer um inquérito à sociedade francesa, como Eça de Queirós, mais tarde, influenciado pelas ideias importadas de França, se propôs fazê-lo à sociedade portuguesa.

 

Pelo seu pioneirismo e escândalo, na época, o processo movido contra Madame Bovary, é exemplar pelo confronto entre a acusação, a defesa e a sentença final.

 

Autor, editor e impressor foram acusados de delitos de ofensa à moral pública, religiosa e aos bons costumes, em especial Flaubert, o réu principal, qualificando de imoral tal romance o advogado/delegado imperial do Ministério Público, rebatendo a objeção geral de tal obra, no fundo, ser moral, dado que o adultério era punido, alegando: 

 

“Para essa objeção, duas respostas: suponhamos que, por hipótese, a obra é moral - uma conclusão moral do romance não basta para amnistiar os pormenores lascivos que nele se encontram. E depois afirmo: a obra, no fundo, não é moral”.

 

Acrescentando: 
“Digo, meus senhores, que pormenores lascivos não se podem cobrir com uma conclusão moral, porque a ser assim podíamos contar todas as orgias imaginárias, descrever todas as torpezas de uma mulher pública, desde que o fizéssemos depois de morrer numa enxerga de hospital. Seria lícito mostrar todas as suas posturas lascivas! Isto seria ir contra todas as regras de bom senso”

 

Após classificar a obra como imoral, do ponto de vista filosófico, reconhecer que a protagonista morre envenenada, que sofreu muito, alega que “morre no dia e hora que escolheu, e morre, não porque é adúltera mas porque quis morrer”, além de dominar o livro em tudo, havendo que recorrer à moral cristã para explicar e reforçar a imoralidade da obra, dado ser em nome desta que “o adultério é estigmatizado, condenado, não por ser uma imprudência que expõe a desilusões e pesares, mas porque é um crime contra a família”.   

 

Concluindo: embora compreensível que a literatura realista, como arte, pinte o feio, o mau, o ódio, a vingança, o amor, dado que o mundo vive disso, é inadmissível que estigmatize a moral, uma vez que a arte sem regra deixa de ser arte, pelo que impor à arte a regra única da cedência pública não é subordina-la, é honrá-la, só se progredindo com uma norma.

 

O advogado de defesa, nas suas alegações, questiona:

“Este livro, posto nas mãos de uma senhora jovem, poderia ter o efeito de arrastá-la para os prazeres fáceis, para o adultério, ou pelo contrário, de mostrar-lhe o perigo dos primeiros passos e de fazê-la estremecer de horror?”   

 

E acrescenta:

“O adultério não passa de um rosário de tormentos, de pesares, de remorsos; e depois chega a uma expiação final, pavorosa. É excessiva. Se o Sr. Flaubert peca, é por excesso. A expiação não se faz esperar; e é nisso que o livro é eminentemente moral e útil, é que ele não promete à jovem esposa alguns desses belos anos no fim dos quais ela pode dizer: depois disto, não importa morrer”. 

 

Mais se alegou que o autor mostra uma mulher que cai no vício em virtude de um  casamento inadequado e de uma educação desadequada para a condição em que nasceu, que lida a obra a amigos altamente colocados nas letras, que estudaram e examinaram o seu valor literário, nenhum deles se sentiu ofendido, dada a evidência do seu fim moral,  representando dois ou três anos de estudos incessantes para Flaubert, razão pela qual a defesa, por fim, pergunta: 

 

“A leitura de um tal livro provoca o amor pelo vício ou provoca o horror pelo vício? A expiação tão terrível da falta não impede, não incita à virtude?”  

 

Concluindo que ao fazer comparecer o autor em polícia correcional, “já foi cruelmente punido.”  

 

A sentença,  após vários considerandos, decide:  

“Considerando que Gustave Flaubert protesta o seu respeito pelos bons costumes e por tudo o que se relaciona com a moral religiosa; que não parece que o livro tenha sido, como certas obras, escrito com a finalidade única de dar satisfação às paixões sensuais, ao espírito de licença e de deboche, ou de ridicularizar as coisas que devem ser rodeadas pelo respeito de todos;

 

Que ele só errou em perder às vezes de vista as regras que todo o escritor que se respeita não deve nunca violar, e em esquecer que a literatura, como arte, para atingir o bem que lhe compete realizar, não deve ser apenas casta e pura na sua forma e na sua expressão;

 

Nessas circunstâncias, considerando que não ficou suficientemente provado que Pichat, Gustave Flaubert e Pillet se tenham tornado culpados dos delitos que lhe são imputados;  

 

O tribunal absolve-os da acusação pronunciada contra eles e manda-os em liberdade sem custas.”   

 

Para uns, o culto do imoral, do escândalo, o querer chocar, relatando cruelmente o mal, o querer vender para ter dinheiro, com o chamariz do deboche. 

 

Para outros, o fazer um inquérito à sociedade com um fim: criticar para corrigir, emendando-a, tentando a regeneração dos costumes pela arte.

 

Apesar do contexto da época e do vanguardismo do movimento realista, vingou a arte, fazendo e tentando fazer um profundo e subtil inquérito realista a toda a vida em sociedade.  

 

10.04.2017

Joaquim Miguel De Morgado Patrício 

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XXXVI - REALISMO (I)

 

O realismo é uma tendência artística que procura reproduzir, de forma real e direta, as manifestações da natureza, buscando a realidade autêntica, tal e qual é e se apresenta, despido de artifícios e correções, em contraposição a tendências idealistas e estilizadoras.   

 

Pela sua influência, merece menção o realismo francês do século XIX, num tempo de convulsões político-sociais, marcado pelas teorias de Proudhon, positivismo de Comte, o evolucionismo de Darwin e Lamarck, o idealismo de Hegel, em conjugação com o irreligiosismo de Loisy e Renan, o inconformismo com a tradição, a supremacia da verdade física, um materialismo otimista e um racionalismo criticista apologista da derrocada do trono e do altar.

 

Sendo uma reação contra o romantismo, defende reger-se pela objetividade, realidade e verdade, em que a natureza deve ser reproduzida com neutralidade e veracidade, num retrato fiel, não ocultando o feio, o mal, o vício, todos os aspetos baixos da vida, não lançando mão de estereótipos arredados do mundo real, em oposição ao subjetivismo pensante do idealismo, imaginação e sentimentalismo romântico.

 

Contra a apoteose do sentimento do romantismo, pretende transmitir a natureza em quadros exatos, flagrantes, reais, expurgando a retórica tida por convencional, enfática e piegas, retratando e pintando a realidade negra, maléfica e satanista da sociedade tal qual é, limitando-se a colocar o leitor e o observador diante das paisagens, dos protagonistas e suas condutas.

 

Entre os seus pioneiros, a nível da literatura, temos Balzac, Gustave Flaubert e Zola, cujos romances se liam avidamente, influenciando decisivamente, entre nós, Eça de Queirós, nas suas obras O Crime do Padre Amaro, O Primo Basílio, Os Maias e a Relíquia. Não esquecendo Baudelaire em Les Fleurs du Mal.

 

Estas novas ideias entraram em Portugal pelo caminho de ferro, que encurtou a distância entre Coimbra e Paris, deixando o comboio inúmeros caixotes de livros na Lusa Atenas, onde chegavam mais rápido que a Lisboa, opondo a mocidade estudantil e universitária ao grupo da capital, onde era mentor Castilho e os seus discípulos, cujo conflito ficou conhecido pelo nome de “Questão Coimbrã”, a que se seguiriam, mais tarde, em Lisboa, “As Conferências do Casino”. A Terceira Conferência, subordinada ao tema “O Realismo como nova expressão da arte”, foi feita por Eça de Queirós, defendendo que a arte deve ter por fim corrigir e ensinar (fim teleológico), censurando a arte pela arte, e que só o realismo criaria uma arte capaz de revolucionar a sociedade.

 

Após estes impulsos, o movimento realista começou a concretizar-se com “As Farpas”, uma crónica mensal das letras, costumes e política, num duunvirato Eça-Ramalho Ortigão, em estilo humorístico e trocista. 

 

Seria Eça a impor-se, entre nós, o que ainda hoje sucede, com os seus propósitos de crítica social, ironia, caricatura, sarcasmos, tom zombeteiro e cosmopolitismo, em que O Primo Basílio e Os Maias são tidos como os seus romances realistas mais conseguidos.   

 

A atenção aos temas de carater social, ao mundo laboral e à realidade humana marcaram artistas como Courbet, dedicado à pintura de género e figurativa, de observação exata e um expressivo forte realismo através da densidade das figuras, causando escândalos com Os Britadores de Pedra (1850), o Enterro em Ornans (1850) e A Origem do Mundo (1866). Amigo de Proudhon, lutou por ideias revolucionárias, aderiu à Comuna de Paris (1871), o que lhe valeu a prisão.

 

Também na pintura realista de Millet perpassa o desejo de captar os traços essenciais de cenas ou personagens, sem perdas nos pormenores, analisando o mundo camponês em  O Joeireiro (1848), As Respigadoras (1857) e O Angelus (1859), onde realça figuras monumentais com grande rigor plástico.

 

Assiste-se também a uma espécie de fuga do mundo urbano e ao compromisso político que lhe estava associado, por parte de um grupo de artistas que se reúnem em Barbizon, na floresta de Fontainebleau, em França, cujo representante mais ilustre dessa escola  foi Théodore Rousseau, o primeiro a deixar a cidade e a fixar-se no campo, seguido por J. F. Millet, Troyon, Daubigny, Diaz la Pena, entre outros, teorizando uma pintura de paisagem ao ar livre, de ar-livrismo, procurando o contacto com a natureza, analisando e observando as suas manifestações e os seus segredos.

 

Com eles nasceu uma nova sensibilidade norteada por uma procura ou estética naturalista, tida como afim do realismo, que teve forte impacto em Portugal. 

 

03.04.2017

Joaquim Miguel De Morgado Patrício

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XXXV - ROMANTISMO

 

A tela do alemão Caspar David Friedrich, Viandante sobre um Mar de Névoa, de 1818, pode ser tida como uma espécie de declaração ou manifesto do romantismo. De tão expressiva e persuasiva é, por si mesma, demasiado convincente quanto às caraterísticas essenciais da psicologia de ser romântico e do romantismo em geral. Um homem solitário, ousado, estupefacto e meditativo contempla a natureza, a grandiosidade, esplendor, magnificência e temor da paisagem natural, confundindo-se, perdendo-se e inspirando-se nela, num ambiente terreno e sobrenatural que o angustia, emociona, inquieta, questiona, numa ânsia de liberdade e infinito. Sente-se, ao mesmo tempo, iluminado e esmagado. Sente uma nostalgia intensa, idealizando e sonhando. Olha para  o inacessível, o ininteligível, o abismo, querendo alcançar algo distante no tempo e no espaço, mas quanto mais procura, mais distante fica. Projeta no exterior o culto do eu e o seu mundo íntimo na natureza, dando a esta um significado supletivo, não se limitando a representá-la. Angústia metafísica, anseio de liberdade, desespero, inquietação, evasão e fuga.

 

À natureza redescoberta pelos românticos, alia-se um sentimentalismo subjetivo, o mundo íntimo do artista, o culto do eu, a ânsia de liberdade, a ansiedade metafísica, o espírito idealista, a emotividade e a sensibilidade substituindo a fria razão, o interesse pelo irracional, o choque com a realidade, o culto da Idade Média, pessoalismo e melancolia, exaltação do que é nacional, patriótico e popular, liberdade de inspiração.

 

Sendo um modo de sentir, expressa-se contra o racionalismo e as regras artísticas e literárias do academismo e do classicismo. Fosse porque o público em geral não dominava nem entendia a estética dos clássicos, ou porque estes tinham atingido a saturação, tentaram-se novos temas e outros meios de os comunicar. Em que o alastramento da revolução industrial e a crescente urbanização contribuíram para a divulgação do livro, ao mesmo tempo que fomentavam o culto idílico do campo e da natureza. Este gosto pela natureza, apesar de não ser uma novidade, também foi uma reação contra a vida artificial da corte da época precedente.

 

A literatura traduz angústias, êxtases, vivências, o confronto entre o idealizar e o choque com a realidade. Por vezes brutal, onde a desilusão, o desengano, a inquietação febril, o pessimismo, têm como solução a fuga. Uns andam de terra em terra, como Chateaubriand e Lord Byron. Ou Garrett, entre nós, emigrante em Inglaterra e França. Outros refugiando-se e evocando o mundo medievo e popular da Idade Média ou paisagens orientais e exóticas, como Vitor Hugo, Alexandre Dumas e os célebres romances de Walter Scott. E o nosso Herculano, com o seu romance histórico, desde As Lendas e Narrativas, O Bobo, Eurico o Presbítero e o O Monge de Cister. Outros suicidaram-se, como Kleist, Gerard de Nerval e Camilo Castelo Branco. Alguns imprimiram à literatura uma missão social, sendo exemplo Vitor Hugo. Schlegel e Madame de Stael chamaram romântica a uma literatura inspirada no povo e na Idade Média, por oposição à clássica, inspirada na antiguidade greco-romana.

 

Na música, o interesse pela natureza está bem patente na valsa Danúbio Azul, de Johann Strauss, em A Sinfonia do Reno, de Schumann e nas Sinfonias Italiana e Escocesa, de Mendelssohn. Wagner inspirou-se na lenda do rei Artur e do Santo Graal para as óperas Parsifal e Tristão e Isolda. Verdi tratou de temas históricos e políticos. Os Noturnos, de Chopin, expressivos e líricos, são também pessoalíssimos, íntimos, melancólicos e amantes da noite, temas diletos dos românticos. Outros compositores são protagonistas do romantismo: Beethoven, Paganini, Rossini, Donizetti, Bellini, Glinka, Berlioz, Gounod, Schumann, Liszt, Sullivan, Borodin, Bizet, Brahms, Mussorgsky, Tchaikovsky, Bruckner.

 

Nacionalismo e patriotismo estão presentes no quadro Os Fuzilamentos de 3 de maio de 1808, de Goya, lembrando os espanhóis fuzilados depois da revolta contra os franceses, em que a vítima iluminada evoca, pela sua postura, a crucificação de Cristo. Refira-se ainda A Liberdade Guiando o Povo, de Delacroix. Turner, por sua vez, opera uma fusão entre o indivíduo e a natureza, conducente à destruição da imagem figurativa e da sua identidade, afastando-se da reprodução do natural, como em Tempestade de Neve e O Navio Negreiro.

 

Na arquitetura, em Portugal, imperdoável não falar no Palácio da Pena, em Sintra, e na serra em que se insere, tidos como pontos altos do romantismo europeu. No seu revivalismo tardio e romântico, merece menção a Quinta da Regaleira, também em Sintra, por certo a capital do romantismo no nosso país. Na escultura, O Desterrado, de Soares dos Reis, de um jovem nu, introspetivo, intimista, nostalgicamente sentado sobre um penhasco, apesar do corpo, anatomicamente perfeito, lembrar o ideal da beleza da antiga Grécia. O Retrato de Antero de Quental, de Columbano Bordalo Pinheiro, retrospetivo, intimista, ensimesmado, de interiores, com forte presença psicológica, de um “vencido da vida”, colocando a nossa pintura em consonância com a desistência da intelectualidade nacional dos anos do Ultimatum.

 

Mas também o medievalismo, sentimentalismo, subjetivismo, intimismo, o idealismo irreal e ilimitado do romantismo seriam confrontados com a certeza da ciência,  alicerçada em certezas tidas como comprovadas cientificamente. 

 

13.02.2018
Joaquim Miguel De Morgado Patrício

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XXXIV - BARROCO

 

A palavra barroco, depois de se aplicar a qualquer coisa de uma forma bizarra, desigual, irregular, começou a ser usada para qualificar uma arte ardilosa, arguta, extravagante, excessiva, empolada, insólita, surpreendente, para qualificar determinada arquitetura, escultura, literatura, pintura, música e artes plásticas em geral.

 

A má fama do barroco foi durante décadas um dado adquirido, o que ainda hoje perdura, para alguns, tendo-o como exagerado, pretensioso, luxuriante, de mau gosto, por maioria de razão por confronto com a arte renascentista tida, para a maioria, como um insuperável modelo de perfeição.

 

Todos sabemos, por experiência, que as coisas mais perfeitas, com a continuação, e não variando, acabam por se banalizar, aborrecendo-nos, dada a ausência de novidade, havendo necessidade de alterar regras, conduzindo os artistas a modificar estilos, saindo do tédio e desentediando-se a si, entre si e aos outros. Para qualquer escola, atingida a saturação, há que superá-la pela ânsia de inovação. Sempre assim foi e será, pelo que por mais adequada e equilibrada que seja uma arte acaba, mais tarde ou mais cedo, por cansar, evoluindo para novos voos, mesmo que sejam novos artifícios para deslumbrar ou uma erudição demasiado trabalhada. Não admira, pois, que perante a saturação estética dos valores do Renascimento houvesse uma transformação da estética até aí dominante, procurando outra originalidade, mesmo que exagerando formas pelos processos mais inesperados, imprevistos e surpreendentes.

 

Monumentalidade, crise de consciência, lutas religiosas, inquietação espiritual, teatralidade, fausto, complexidade, sensualidade, decoração, jogo de construções, de luzes e sombras, de palavras, imagens e figuras, metáforas, antíteses, contrastes, paradoxos, cultismo, conceptismo, forma, contorno, tudo se patenteia no barroco.

 

Resultando de uma interpretação arbitrária das formas clássicas, o barroco prima pela ausência de regras, pela liberdade e movimento, corroborado com a perda do geocentrismo bíblico e a crise provocada pela reforma protestante, criando uma nova visão do infinitamente grande e do imensurável desígnio divino, conducente a uma nova mitologia religiosa.

 

As guerras religiosas geraram o barroco tido como arte da Contra-Reforma e dos Jesuítas, tendo Roma, sede do papado, como centro do poder, onde nomes como Caravaggio, Bernini, Borromini, Carraci, Guercino, Andrea Pozzo e Pietro da Cortona pontuam. Telas como A Conversão de S. Paulo (1600-1), A Deposição de Cristo (1603-4) e A Morte da Virgem (1605), de Caravaggio, esculturas como Êxtase de Santa Teresa (1646-52), na igreja Santa Maria della Viottoria, e os Anjos, em Sant`Andrea delle Fratte, ou na Ponte Sant`Angelo, de Bernini, são seus exemplos. Em que também há cânones não canonizados, como no retrato sensual e pouco ortodoxo do jovem São João Batista (1602), de Caravaggio, mais afastado da ortodoxia iconográfica dos modelos estabelecidos.   

 

Com o decurso do tempo, para além do culto em serões de Paço Reais (vida de Corte) e de Príncipes, o barroco tornou-se uma arte essencialmente burguesa, em que as classes emergentes (artesãos, mercadores) veem nos retratos (individuais e coletivos) de Rubens, Van Dyck, Fran Hals, Rembandt e Vermeer, um reconhecimento da dignidade social que alcançaram. A Lição de Anatomia do Doutor Tulp (1632) e A Ronda da Noite (1642), de Rembrandt, exemplificam-no.

 

Na música, o barroco opõe-se à polifonia, ao contraponto, realçando a voz individual, através do órgão. A música sacra, para a corte, teatro e ópera evoluiu, na Inglaterra protestante, com Henry Purcell. A música religiosa, na Alemanha luterana, com Johann Sebastian Bach. Mas é com a ópera que atinge a sua máxima expressão, onde a música profana adquire finalmente uma forma expressiva a favor do patronato, mecenas, cortes de príncipes e publico em geral. É um período musical riquíssimo, com grandes protagonistas: Monteverdi, Allegri, Schutz, Carissimi, Lully, Charpentier, Pachelbel, Purcell, Corelli, Couperin, Vivaldi, Albinoni, Bach, Handel, Telemann, Rameau, Scarlatti, Arne, Gluck. 

 

Como maneirismo essencialmente decorativo do barroco, surge o rococó, do primeiro quartel até ao fim do século XVIII, caraterizado pela abundância excessiva de elementos de composição e assimetria, predominando na arquitetura e cerâmica, sendo  marcante em França, Alemanha, Itália, Países Baixos, Portugal e Espanha.   

 

Em Portugal, há muitos exemplos barrocos: Igreja da Madre de Deus, de São Roque, do Menino Deus, Basílica da Estrela, estátua equestre de D. José I (Lisboa), Igreja, Palácio e Convento de Mafra, Igreja e Torre dos Clérigos, Igreja de S. Francisco, Palácio do Freixo (Porto), Retábulo da capela-mor da Sé Nova de Coimbra, Bom Jesus do Monte (Braga), Solar de Mateus (Vila Real), Palácio de Queluz, coches reais, azulejos, pinturas de Josefa de Óbidos, compositores Carlos Seixas e António Francisco de Almeida.

 

Sendo uma arte igualmente associada, entre nós, a protagonistas tidos como responsáveis por malefícios da pátria (absolutismo, dinastia de Bragança, Jesuítas, Inquisição, Contra-Reforma, Concilio de Trento), decadência e mau gosto (segundo Garrett, Herculano, Antero, Oliveira Martins), tornou-se polémica, a que acresce, nos tempos atuais, o cortar em tudo o que não é linear, velocidade eletrónica, sinopse e síntese.

 

Valores políticos à parte o barroco, como qualquer arte, deve ser avaliado pelo seu valor intrínseco, artístico e estético, à luz do contexto e cultura (artística) então dominante. A intemporalidade de Bach prova-o à exaustão. Também o padre António Vieira tido, para tantos, como o imperador da língua portuguesa, é excelente antídoto. Não esquecendo a ópera, declarada e proclamada, por muitos, a maior de todas as artes.

 

Começando a ser usual dizer-se que “O barroco é muito hot”, dado serem tidas como bastante sensuais e sexualizadas obras famosas da arte barroca, como a escultura do Êxtase de Santa Teresa D`Ávila, de Bernini, que inspirou a pintura, sobre o mesmo tema, de Josefa de Óbidos, de 1672, da Igreja Matriz de Cascais.

 

06.02.2018

Joaquim Miguel De Morgado Patrício

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XXXIII - RENASCIMENTO - II

 

Cosmopolitismo, universalidade, globalismo, multiplicidade, uma inesgotável capacidade para todos as atividades do engenho e arte, é uma das caraterísticas de marca do homem do Renascimento. Leonardo da Vinci é tido como o seu excelso exemplo. Ao arrepio da retórica e ensino livresco tradicional, tem a observação real, o contacto direto com a natureza e a experiência, como pressuposto primordial da ciência e da formulação das leis científicas. É simultaneamente astrónomo, escultor, engenheiro, geólogo, investigador, matemático, médico, pintor, poeta. Um sábio, um génio, um polímata, de uma curiosidade implacável, de um infinito apetite de conhecimento, de uma imaginação admirável, que imaginou o avião, o carro de combate, o submarino.

 

Como cientistas do Renascimento destacam-se também o polaco Copérnico, o alemão Kepler e o italiano Galileu. Como humanista refira-se também Erasmo de Roterdão, amigo do grande representante do humanismo em Portugal Damião de Góis. 

 

As obras renascentistas são uma fusão e síntese de elementos da antiguidade clássica, medievais e modernos, dado que continuando os temas medievais, que as antecedem, se inspiram no património e saber da antiguidade greco-romana, tratando-os de modo original e atualista, reabilitando-os e fazendo-os renascer.

 

Outro génio artístico renascentista foi Miguel Ângelo. Cristão de inclinação platónica, foi arquiteto, escultor, poeta, pintor e urbanista.

 

Na escultura faz-se o culto das figuras e formas nuas, de linhas belas, esbeltas, robustas, vincadas e sinuosas do corpo humano. Com inspiração na arte clássica grega, reverenciadora da beleza, do belo, do equilíbrio, da perfeição, do absoluto, com representações anatómicas perfeitas, chamativas, sedutoras, sensuais, voluptuosas, divinas. Na fase final do helenismo, a arte grega degradou-se, entrando em declínio e desequilíbrio, vindo o equilíbrio a ser retomado no Renascimento. Onde sobressai Miguel Ângelo, com figuras atléticas, belas, tipo homem-divinizado, como no seu Cristo de Minerva e na escultura de David.

 

Na pintura procura-se e descobre-se a terceira dimensão, desconhecida da Idade Média. Para os artistas medievais, pessoas e coisas aparentam estar à mesma distância de quem as observa. Para os renascentistas, existem três dimensões, onde subjaz a ideia da profundidade (além da largura e altura), a sua maior descoberta, com cada coisa à devida distância, com determinadas coisas e pessoas que parecem estar mais próximas de nós e outras mais afastadas, tentando exprimir fielmente a realidade em toda a sua beleza, em simultâneos jogos de luz e sombras. As figuras são corpos localizados espacialmente. As cores não são uniformes. O convencionalismo e dogmatismo religioso é humanizado. Valoriza-se a natureza e o humanismo. Exemplificam-no A Virgem e o Menino com Santa Ana, A Virgem dos Rochedos e a Gioconda, de Leonardo da Vinci. Outro inimitável artista foi Rafael, de influência platónica. 

 

Em Portugal são tidos como cientistas do Renascimento Pedro Nunes, Garcia de Orta, Duarte Pacheco Pereira e D. João de Castro. Gil Vicente e Camões como expoentes da literatura renascentista. O estilo manuelino, baseado na observação da natureza,  experiência e método experimental, caraterísticas fundamentais que o Renascimento defendia, é tido como um estilo renascentista, de feição especial, ligado aos descobrimentos, em que motivos náuticos como cordas, boias, redes, conchas, corais, plantas e seres exóticos se impõem, diferenciando-o. 

 

O Classicismo continuou a herança do Renascimento, fazendo o culto da tradição greco-latina, tentando reerguer o prestígio antigo da Antiguidade Clássica tendo, como ideal clássico, regras que se deviam acatar para alcançar o Belo, com gosto pela linha pura, frase simples, palavra própria e razão humana, tendo horror ao vago e retorcido, trinfando na segunda metade do século XVII, com Luís XIV, em França.

 

Porém, já em pleno Renascimento, o exagero de formas, nomeadamente na arquitetura e escultura, patente na estátua Moisés, de Miguel Ângelo, abriu caminho para um novo estilo artístico conhecido por barroco. 

09.01.2018

Joaquim Miguel De Morgado Patrício