Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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195. DE TUDO QUANTO MUDA, O QUE MENOS MUDA É O SER HUMANO
Quem acreditou e acredita que o progresso material e tecnológico traria e traz consigo toda a panóplia de progressos, entre os quais o moral e ético, e que quanto mais se avançar no futuro as ideias pacíficas progredirão, facilmente conclui que não, se fizer uma viagem minuciosa pelo passado de todas as civilizações.
A condição, o conteúdo e a natureza intrínseca do ser humano permanecem, nem é previsível que se alterem enquanto existirmos, uma vez que os nossos instintos ou sentimentos de ambição, poder, ódio, amor, posse, propriedade, sobrevivência, de defesa, entre outros, sempre existiram e permanecerão.
Podem modificar-se os modos exteriores da sua expressão, os motivos imediatos e métodos usados, adaptando-os e flexibilizando-os consoante as circunstâncias, mas a dimensão específica e essencial do ser humano permanece.
Enquanto o progresso científico e técnico é portador de uma evolução gradativa, progressiva e sucessiva de avanço e inovação, o mesmo não sucede com o tempo cumulativo do desenvolvimento das relações humanas, podendo ser progressivo, regressivo ou repetitivo.
O sermos mais avançados científica e tecnologicamente não nos garante sermos humanamente mais pacíficos e “civilizados”, sendo mais um culto prestado à ciência e à nossa capacidade de invenção e inovação, que não se compadece com realidades permanentes como a guerra, instintos como o ódio, o fanatismo e a luta pelo poder a qualquer preço, a mando de psicopatas, narcisistas, megalomaníacos e maquiavélicos. Que fazer? Desistir? A resposta, por nós, deve ser negativa.
Aceitando que o género humano é imperfeito por natureza, com caraterísticas boas e más (invariáveis ao longo do tempo), há que priorizar as suas qualidades, cultivando-as em prol do bem comum e da dignidade da pessoa humana, dado sermos perfectíveis, apesar da nossa imperfeição, mesmo que cientes de que de tudo quanto muda, somos nós o que menos muda.
Se no mundo técnico e científico o progresso é marcado por uma evolução gradual, linear e de permanente inovação, o mesmo não se verifica nas relações dos humanos uns com os outros.
Não há troca de eletrodomésticos, computadores, telemóveis, máquinas ou meios de transporte tecnologicamente mais eficientes e confortáveis por outros mais antigos, desadequados, desatualizados, ultrapassados e ineficientes.
As coisas, os objetos, o dinamismo dos utensílios e do saber encaminham-se para a sua perfeição, melhorando continuamente, numa tendência universal que atravessa todas as latitudes e longitudes, independentemente das determinações étnicas de uma comunidade, grupo social ou cultura.
Indicia-se não haver regressão no progresso técnico e científico, na dinâmica inteligível dos utensílios e das coisas, que se intui como crescente e irreversível, ao invés das várias formas de relacionamento humano, como no universo político e simbólico, tidas como repetitivas, progressivas, regressivas, com avanços e recuos, onde se indicia existirem problemas insolúveis, reversíveis, subjetivos e geradores de incerteza.
Intui-se que o tempo cumulativo do desenvolvimento científico e técnico é portador de uma evolução e inovação progressivamente contínua.
Intui-se que o tempo cumulativo do desenvolvimento das relações das pessoas umas com as outras não melhora permanentemente, pode ser progressivo ou regressivo, pode trocar-se uma democracia por uma ditadura e o inverso, abolir-se ou instituir-se a pena de morte e a prisão perpétua, trocar-se uma religião humanista por uma inquisitorial e sanguinária, por mais que se tente absolutizar e universalizar os direitos humanos, de génese meramente ocidental, para muitos.
E se o computador é um progresso irrefutável, um sem número de vezes superior, em relação ao ábaco e à sua calculadora, não se pode dizer que Gandhi, Luther King ou Mandela são personalidades morais superiores a Buda, Jesus Cristo ou Maomé. Que filósofos contemporâneos são mais “profundos” que os da antiguidade como Sócrates, Aristóteles e Platão. Que Jackson Pollock e Andy Warhol superam Caravaggio e Leonardo da Vinci, que as obras de Shakespeare ultrapassam a Ilíada e a Odisseia, de Homero.
Indicia-se que a noção de progresso é menos aceitável e mais questionável, senão mesmo inviável, na ordem afetiva, intelectual, psicológica, política e simbólica das relações humanas, dada a sua natureza e condição, como o provam os clássicos na sua intemporalidade, pois “está lá tudo”, desde que há escrita, como é usual dizer-se, pelo que, nesta perspetiva, a guerra, por exemplo, tem caraterísticas de permanência na História da humanidade, o que não exclui tentar expurgá-la, a todo o tempo e em qualquer circunstância.
O drama da queda do Império Romano sugere que a civilização não progride em linha reta e sempre em direção a mais prosperidade, lei, ordem, tecnologia, segurança, tolerância e unidade na diversidade.
O progresso linear e ascendente em linha reta não é um dado adquirido e permanente em termos civilizacionais.
A antiguidade greco-latina mostra-nos feitos incríveis alcançados por gregos e romanos que se perderam.
A imperatriz de Roma, Eudóxia, foi escravizada por um bárbaro, Genserico, líder de uma tribo germânica, os Vândalos.
Com a queda de Roma a Europa fragmenta-se e ficará dividida durante 1500 anos. Ficará fragmentada e habitada por bárbaros, para os romanos, em paralelo com os bárbaros que adjetivamos hoje de fundamentalistas e terroristas, tal como éramos e eram os germanos, gauleses, lusitanos, etc, no tempo dos romanos, para estes.
Com a desagregação do império romano, anglos e saxões vão para a Grã-Bretanha.
Francos, vão para a França atual, a que deram o nome.
Visigodos para a Península Ibérica.
Há vikings no norte da Europa.
Árabes no sul: Córdoba era uma cidade tolerante, de judeus, cristãos, muçulmanos, estimulando a ciência e as artes em geral, destoando da idade das trevas europeia e da imagem atual que temos, ocidentais, de várias sociedades árabes.
Aquando da primeira guerra mundial, falava-se em “grande guerra”, porque se acreditava ser a última (guerra), devido às luzes da tecnologia, da ciência positivista, segundo a qual as luzes derrotariam as trevas.
Há os que são coerentes quanto àquilo que defendem e fazem (moral da convicção) e os que dizem que os fins justificam os meios (moral da responsabilidade).
São Tomás de Aquino defendeu o tirocínio (morte do tirano), o que, na realidade, para muitos, é um ato terrorista.
A revolução contém estruturalmente terrorismo e violência.
Se é ganha, os ganhadores são heróis.
Se se perde, os perdedores são terroristas.
Quando se conquista ou ganha, deixa-se de ser mau /terrorista, para se ser bom/herói. Há a história dos vencedores e vencidos, conquistadores e perdedores, colonizadores e colonizados, a que a própria natureza, per si, também não é alheia.