ATORES, ENCENADORES (XX)
Raul Solnado no Centro Nacional de Cultura em 2002
BREVE EVOCAÇÃO DE RAUL SOLNADO NO TEATRO, NO CINEMA, NA ÓPERA
Evocamos aqui Raul Solnado na perspetiva e na circunstância do cinquentenário do Teatro Villaret, por ele fundado em 1964 e onde estreou em 1965, há exatos 50 anos, com “O Impostor Geral”, adaptação do clássico “Inspetor Geral” de Gogol, “transformado” num espetáculo musical de excelente qualidade. O registo cómico que dominou grande parte da carreira de Solnado não excluiu obviamente a dramaticidade direta ou implícita de uma longa atividade de ator - encenador, e ainda menos, a expressão direta da excecional comunicabilidade com o público em papéis cómicos como em papéis trágicos, no teatro de revista como no teatro declamado, na rádio, no cinema e na televisão.
E vem a propósito evocar também o programa ZIP ZIP, realizado semanalmente no Teatro Villaret a partir de 1969 para a RTP, numa produção conjunta com Fialho Gouveia e Carlos Cruz. Foi de facto um grande momento do espetáculo em Portugal, na simbiose de produção artística direta e de jornalismo televisivo.
E já referi o desdobramento que o Teatro Villaret efetuou, precisamente em 1965, com a companhia do Teatro do Nosso Tempo, dirigida por Jacinto Ramos, com Maria Barroso na protagonista da “Antígona” de Jean Annouil.
Ora bem: no conjunto de uma carreira de dezenas de anos, repartida em Portugal e no Brasil, pela revista, pelo teatro musicado e declamado – e não só comédia, longe disso – e pela televisão, só poderemos aqui descrever alguns momentos de especificidade, todos eles marcados pela excecional qualidade das interpretações de Solnado, fosse ou não protagonista – e acabava sempre por o ser, independentemente da estrutura das peças e dos personagens desempenhados…
E começo por referir os monólogos, originais ou adaptados, que interpretou numa expressão cénica de contacto direto com o público. Cito designadamente “A História da Ida à Guerra de 1908” de Miguel Gila, devidamente adaptado, na revista “Bate o Pé”, em cena no Teatro Maria Vitória (1961/62). E outros se seguiram.
Há que citar intervenções destacadas num repertório heterogéneo que aliás veio das primeiras colaborações cénicas, designadamente mas não só na Sociedade Guilherme Cossoul - Gil Vicente, “O Fidalgo Aprendiz” de D. Francisco Manoel de Melo (no TMDMII), “O Avarento” de Molière, Tchekcov, Eduardo Schewalbach, o “Baton” de Alfredo Cortez, a “Maria Emília” de Alves Redol, o “Schewik na Segunda Guerra Mundial” de Brecht, muitos autores contemporâneos traduzidos e também a revelação de peças portuguesas contemporâneas como “As Fúrias” de Agustina Bessa-Luis ou “O Magnifico Reitor” de Diogo Freitas do Amaral (no Teatro da Trindade). Isto é, uma clara transposição da vivência e problemática da sociedade e da política portuguesa e internacional.
Raul Solnado participou, a partir de 1956/1957 (“Ar Água e Luz” de Ricardo Malheiro, “O Noivo das Caldas” de Artur Duarte, “Perdeu-se um Marido” de Henrique de Campos e “Sangue Toureiro” de Augusto Fraga), em mais de uma dúzia de filmes em Portugal e no Brasil, com destaque para “As Pupilas de Senhor Reitor” (1961) de Perdigão Queiroga, “Dom Roberto” (1962) de José Ernesto de Sousa, este premiado no Festival de Cannes, aquele premiado em Portugal, e ainda, entre outros mais, em “A Balada da Praia dos Cães” de José Fonseca e Costa a partir do romance de José Cardoso Pires.
E finalmente: teve uma intervenção em 1992 na ópera de Johaness Strauss “O Morcego”, no Teatro Nacional de São Carlos.
Esta versatilidade em muito ultrapassa o registo, aliás notável em si mesmo, de ator cómico. Raul Solnado era de facto um artista global.
DUARTE IVO CRUZ