Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Terminada a festa do Carnaval, os cristãos entram na Quaresma: quarenta dias de mais profunda meditação, de mais intensa conversão, de amor mais vivo e perfeito, em ordem a poder celebrar com mais dignidade a Páscoa do Senhor enquanto passagem da escravidão à liberdade, da morte à vida.
Logo na quarta-feira de cinzas, é dita a cada um, a cada uma, ao mesmo tempo que lhe é colocada cinza na cabeça em sinal de humildade e exigência de reflexão, aquela palavra de Jesus no início da sua pregação: "Convertei-vos e acreditai no Evangelho”, a Boa Nova, notícia boa e felicitante.
De modo significativo, no primeiro Domingo da Quaresma, lê-se a passagem do Evangelho referente às tentações de Jesus. Ora, é importante que se diga que as três tentações estão todas referidas ao poder: poder económico, poder político, poder religioso. Jesus, antes de iniciar a sua vida pública, foi para o deserto rezar, meditar, e tinha de decidir se queria ser um Messias político, do poder, ou um Messias do amor, do serviço. Foi por esta segunda alternativa que seguiu: "Eu não vim para ser servido, mas para servir", e servir até dar a vida.
Essencial: a única verdadeira tentação, segundo o Evangelho, é a do poder, no sentido da dominação. Evidentemente, em qualquer sociedade o poder é inevitável. Toda a questão consiste em saber como é que ele é exercido e com que finalidade. Quantos se lembram que Ministro, na sua etimologia, significa pura e simplesmente servente, aquele que serve? Primeiro-Ministro é o que está à frente no serviço. Jesus disse aos discípulos, portanto, também ao papa, bispos, cardeais, padres: "Sabeis que os chefes das nações governam-nas como seus senhores. Não seja assim entre vós; pelo contrário, quem quiser fazer-se grande entre vós seja vosso servo".
Jesus renunciou ao poder enquanto domínio, mas é referido frequentemente no Evangelho que ensinava com autoridade. A palavra autoridade vem do verbo latino augere, que significa aumentar. Ter autoridade tem, portanto, a ver com fazer crescer, aumentar no ser. Cá está: servir. O poder legitima-se enquanto serviço de fazer crescer na liberdade e na dignidade... Presidentes, ministros, bispos, jornalistas, pais, professores, padres, polícias... exercem legitimamente o poder enquanto autoridade, quando ele faz crescer... Assim, não são apenas os súbditos que devem obedecer. A palavra obediência também tem a sua origem no latim: obaudire, que significa ouvir. Então, os que têm poder são os primeiros a ter de obedecer, isto é, a ter de ouvir aqueles que precisam que lhes seja feita justiça, ouvir a própria consciência, ouvir o apelo de todos aqueles que clamam por mais liberdade e dignidade... Não há superiores e inferiores. Há apenas homens e mulheres iguais em dignidade. E alguns estão constituídos em poder, que devem exercer como serviço a essa dignidade inviolável.
É curioso: quando se fala em tentações, o que vem normalmente à ideia é a tentação da carne, isto é, a tentação do sexo... Ora, sintomaticamente, Jesus também foi tentado, mas nenhuma das tentações se refere ao sexo; as tentações estão todas em conexão com o poder, com o domínio. Neste contexto, tenha-se presente o velho debate entre Freud e Adler: enquanto, segundo Freud, a pulsão humana fundamental está referida à libido e essencialmente ao prazer sexual, para Adler, essa pulsão tem a ver essencialmente com a auto-afirmação, com a vontade de poder. Ora, neste diferendo, é bem possível que seja Adler quem tem mais razão. Afinal, pensando bem, a própria sexualidade só constitui desvio quando alguém é utilizado como meio de prazer, quando a pessoa é instrumentalizada e coisificada.
Não; a grande tentação da Igreja, ao longo da sua história, foi e é o poder. Talvez isso explique até porque é que, no catálogo dos pecados, o sexo teve não só o predomínio, mas parecia, inclusivamente, deter a exclusividade do pecaminoso: no fundo, aninhava-se aí o medo de que o prazer subvertesse o poder... A tentação do poder nas Igrejas é tanto mais perigosa e deletéria quanto pretendam controlar, aprisionar o Sagrado e o Divino. Escreveu, com razão, Miguel Baptista Pereira: "Perdido o sentido do Mistério, instala-se a 'indoutrinação' e a administração definitiva do Absoluto e consagra-se a intangibilidade dos seus burocratas, não fosse dilema humano o serviço do Mistério ou a vontade ilimitada de poder". A Inquisição, que pode sempre continuar sob formas subtis, deriva da pretensão de dominar o Mistério. Quem julga deter o saber todo sobre Deus faz-se fatalmente inquisidor, no dia em que tenha do seu lado o poder político. (Diga-se, entre parêntesis, que foi também isso que aconteceu com os regimes comunistas, por exemplo: pensavam deter a ciência da História e controlavam completamente o poder político.) O pretenso saber total torna-se poder totalitário.
A novidade do Deus cristão é que, em Jesus Cristo, não vem em poder e majestade, mas como aquele que serve… Isto significa que, se Deus não dispõe de nós, muito menos nós podemos dispor de Deus. Deus é Mistério indisponível. Quem julga dispor de Deus, seja de que modo for, não esquece apenas que a fé termina no Mistério e não nas fórmulas do dogma. Corre sobretudo o risco de, com toda a desfaçatez, dispor dos homens e das mulheres... De facto, quem julga dispor de Deus porque é que não há-de dispor dos homens e das mulheres?
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado no DN | 17 de fevereiro de 2024
Nunca tivemos tanto acesso à informação. Também nunca houve tantos meios de acesso, a ponto de aquilo que é um benefício poder tornar-se um verdadeiro desastre, como muitos especialistas chamam a atenção.
Por exemplo, no seu recente livro El arte de la felicidad, o médico e teólogo Alfred Sonnenfeld, escreve que nesta “era da distracção” corremos o risco de saltar de uma informação para outra sem reflectirmos nos conteúdos. Vivemos na sociedade do “ruído mental”, com bombardeamentos constantes de informações e publicidade, e tudo isto nos impõe um “estilo de vida no qual faltam a atenção e a concentração”. Se não houver capacidade de distanciamento, o risco é “perdermos as capacidades mais valiosas do pensamento humano: a criatividade, a reflexão e o pensamento crítico”. O neurocientista Michel Desmurget, no seu recente livro A fábrica de cretinos digitais, mostra inclusivamente que, por causa da cultura do ecrã e do dedar constante, se está a registar uma diminuição do Quociente de Inteligência (QI).
Aqui chegados, e perante a incapacidade de distinguir o essencial do superficial, impõe-se o apelo de Hannah Arendt: “Pára e pensa”. E há coisa mais essencial do que perguntas como estas: Donde vimos? Para onde vamos? O que é que verdadeiramente vale? Qual o sentido da existência, Sentido último?
É do essencial que a Páscoa trata. E lá está Pascal: “Jesus estará em agonia até ao fim dos tempos; é preciso não dormir durante esse tempo.”
Na Paixão, estamos todos. Jesus não morreu vítima de Deus, que precisaria da sua morte para aplacar a Sua ira e assim poder reconciliar-se com a Humanidade. Pelo contrário, Jesus foi vítima da religião oficial e do poder imperial romano, porque a Sua mensagem, por palavras e obras - Deus é bom, Pai e Mãe de todos, a começar pelos mais pobres, abandonados, explorados, pecadores – punha em causa os seus interesses. Aí está o perigo do poder religioso e político, quando estão ao serviço da exploração. Lá estão os discípulos, que fugiram. Lá está Pedro, o amigo generoso, mas cobarde: bastou uma criada suspeitar que ele também era discípulo e logo negou; depois, arrependeu-se e chorou amargamente. Lá está Judas. Lá está Pilatos, que lavou as mãos. Lá está o cireneu, que ajuda. Lá estão os dois ladrões (talvez terroristas): um converteu-se, o outro continuou a blasfemar. Lá estão as mulheres, as únicas que não fugiram e acompanharam Jesus até à morte. E Jesus perdoou até àqueles que o matavam. E rezou aquela oração, uma pergunta que atravessa os séculos: “Meus Deus, meu Deus, porque é que me abandonaste?”. Mas continuou a confiar: “Pai, nas tuas mãos entrego o meus espírito”…
Jesus morreu na cruz, a morte horrenda que os romanos davam aos rebeldes e aos escravos. Aparentemente, foi o fim. O enigma histórico do cristianismo é que, pouco tempo depois, os discípulos voltaram a reunir-se e foram anunciar ao mundo que aquele crucificado é realmente o Messias, o Salvador. Fizeram a experiência avassaladora de fé, a começar por Maria Madalena, de que Jesus, que morreu para dar testemunho da Verdade e do Amor, está vivo em Deus para sempre, como desafio e esperança para todos. E deram a vida por essa fé, que chegou até nós.
Quando olhamos para a História, com todas as lutas, amores, sonhos, realizações, fracassos, esperanças, que a atravessam, ergue-se, do mais fundo, a pergunta: Foi tudo para nada? E há as vítimas inocentes que clamam por justiça, e quem pagará a dívida da História para com elas? Neste contexto, o agnóstico Jürgen Habermas, o maior filósofo vivo, escreveu, citando J. Glebe-Möller: “Se desejarmos manter a solidariedade com todos os outros, incluindo os mortos, temos de reclamar uma realidade que esteja para lá do aqui e agora e que possa vincular-nos também para lá da nossa morte com aqueles que, apesar da sua inocência, foram destruídos antes de nós. E a essa realidade a fé cristã chama Deus.”
A fé é um combate, como deu testemunho também o teólogo rebelde Hans Küng, ao aproximar-se do seu próprio fim – morreu em Abril de 2021. Confessou que uma das suas irmãs lhe perguntou com toda a seriedade: «Acreditas realmente na vida depois da morte?» E ele: «Sim”, respondi com convicção. Não porque tenha demonstrado racionalmente essa vida depois da morte, mas porque mantive a confiança racional em Deus e porque na confiança no Deus eterno também posso confiar na minha própria vida eterna. Devo ou não ter esperança em algo que seja a ultimidade de tudo? Uma vida eterna, um descanso eterno, uma felicidade eterna? Isso é problema da confiança, mas de modo nenhum de uma maneira irracional, mas de uma confiança responsável. É irracional a confiança em Deus? Não. A mim parece-me a coisa mais racional de tudo quanto o ser humano pode ser capaz. O que me parece absurdo é pensar que o ser humano morre para o nada. A passagem à morte e a própria morte são apenas estações a que se segue um novo futuro. A vida é mais forte do que a morte e o ser humano morre entrando na Realidade primeira e última, inconcebível e inabarcável, que não é o nada, mas sim a Realidade mais real. A vida transforma-se, não acaba. Eu defendo uma fé cristã em Deus e na vida eterna. Sem Deus, a fé na vida eterna não teria razões, careceria de fundamento. E vice-versa: a fé em Deus sem fé na vida eterna careceria de consequências, não teria um objectivo».
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado no DN | 8 de abril de 2023
De facto há muito que um estado social devia ter estado atento à substituição do emprego dos homens pelas máquinas e que o trabalho não devia ser a fonte única de rendimento, nem o número de horas de trabalho fosse indicativo da produtividade e que quem não tem trabalho não é necessariamente o tal mandrião objeto de reprovação ética, ou o mérito não fosse por aqui, algo a deixar escondido de moeda que o pague sem que um RBI lhe acuda como liberdade justa de opção de trabalho e de remuneração por dignidade de indispensável interesse à reflexão na investigação de um futuro melhor. No entanto, tudo o que se faz como trabalho, até o cansativo trabalho de lida de casa, constitui uma fonte de dignidade para os casais, para a família, para a sociedade no seu todo e deveria ser compensado pela existência mais cómoda e digna que provoca na sociedade no seu conjunto. Esta é uma das situações exemplares de falha de perceção da política pública, sendo esta atividade prestada a uma coletividade por pessoas privadas, e que traduz real qualidade de vida. Quanto vale uma mesa posta diariamente com tudo o que só de olhar, induz ao sentir de um lar, desenvolvendo momentos de ternura e diálogo, interrompendo quantas vezes? com eles as horas de luta por vida mais justa, recolhendo delas algum descanso e força? Não terá o RBI que ter em conta igualmente a armadilha da sociedade a quem suporta este trabalho e o pratica, e, quantas vezes se diz no desemprego? Será que a segurança social passa a ferro dentro da casa de cada um ou limpa-a como prestação social? Então a medida mais revolucionária seria a de atribuir um rendimento básico e incondicional a quem trabalhando, no hoje dito não trabalho, mas produzido com fortes externalidades positivas, fosse capaz, afinal, de aumentar o bem-estar social no conjunto das famílias. Pensemo-lo. Desenvolvamo-lo. Criemo-lo como projeto-piloto.
E se pensarmos no dito não trabalho imaterial e material produtivo da cultura? Que solução ao incentivo do entendimento de um mundo realmente melhor provocado por quem transmite conhecimento? e que quantas vezes nos é pedida a obrigação de um contributo sem verba sequer para o agasalho dos livros? E no amplo conceito da pobreza que não gera riqueza nem emprego? sem que tenha visibilidade substantiva a criação de trabalho próprio? Como se funciona? Creio que podemos dizer que se o RBI fosse impeditivo de não se dar o trambolhão abaixo da sustentação da rede mínima que nos segura a vida em dignidade de opção, ou seja em dignidade e em liberdade, a verdade é que, outros, que, sem essa rede, para ela acabariam por contribuir, qual rede que poderiam considerar alheia ou a solidariedade não estivesse mais longe do mundo do que o projeto-piloto do RBI no Alasca ou na Finlândia ou em países africanos.
Os pensamentos simples e as palavras simples e as ideias que as gerem são saudosas da busca na solução da evidência que atalha o rebuscado fenómeno das ideias que, sendo recentes, não são novas. Diga-se que a realidade ainda não escoou como assunto diagnosticado, e muito menos tratado, as questões inerentes aos consensos sociais e políticos, às absolutamente necessárias medidas de transformação das estruturas de enquadramento para que se insira um projeto cuja verdade utópica tem pernas para caminho como cremos que poderá ser o RBI. Todavia, há que pensarmos nesta questão do Rendimento Básico Incondicional com sincera modéstia, pois se a adesão às novas ideias carece de um domínio das mesmas invulgar, então que haja também uma suspeita construtiva da sua falência e que se lhe atribua as mesmas armas de quem as expõe com a sedução da esperança.
O exemplo do incentivo à preguiça que muitos entendem constituir as férias pagas não deveria, em nossa opinião, acreditar em si mesmo como um direito inalienável se, confrontado com a precariedade. Eis um exemplo de difícil perceção no convite - para nós, errado - a que não se abdique de algo que pode ser substituído por um outro bem--estar redefinido, e que seja ele, por hipótese, a distribuição interna no seio de uma família, através de uma gestão por objetivos dos gastos dela, nomeadamente extensiva na casa de uma Europa renovada, ou antes numa Europa nova na origem de cada um de nós, para que não arraste com ela o navio naufragado o qual também secou as esperanças em terra.
Os projetos-piloto de um RBI em Portugal e a nível europeu seriam seguramente mais sustentáveis e entendidos por um “público” carente de uma ideia de justiça ainda não concretizada. Contudo, presta-se a expressão «rendimento básico incondicional» a uma adesão rápida por grande parte da sociedade que nela encontra o cobrir de muitas carências sem que auto-inculque um contributo individual à resolução das mesmas. Todavia, para nós, haveria que atentar ao sentir básico do a quem se destina, para que o RBI se não tornasse uma inevitabilidade sem o contributo de quem por ele deveria modificar vida e nela modo de pensar e de estar.
A aplicação do RBI mesmo no que se refere ao ambiente, tendo em conta que os recursos da terra são escassos, será seguramente domínio de política gradualista, infelizmente, diríamos, tão gradualista que arriscaria perder a sua vocação de vanguarda se errada for a fase do ciclo político e económico em que fosse implantada, bem como o respetivo time lag de cada país ou de cada país na europa. Por outro lado a questão política na base do RBI pode aceitar não arriscar mais do que uma pseudo-inovação que cative o voto, ou, a política de hoje não fosse um estudo não feito daquilo que a ciência política, há muitos anos propôs como desafio: menor estado e melhor estado.
Lembremo-nos do quanto o RBI estava contido na temática dos impostos da célebre curva de Arthur Laffer que, nem por isso, constituiu uma liberdade para cada individuo demonstrar o seu grau de insustentação face à carga fiscal.
O gap estrondoso provocado numa sociedade biónica com consequências ainda de contornos indizíveis e sem precedentes, alterou e alterará a estrutura do emprego sem que se intua quem, de entre os pensantes, explicará com clareza a quem é dono do voto, o quanto a inteligência artificial é uma questão decisiva já do presente e, necessariamente, do futuro próximo que pode pecar por confiança ou defeito, mas que à escala global, e, consoante as políticas públicas e privadas, não será nunca, atente-se, uma via de criação normativa que impedirá ou incentivará os cenários de uma proteção social distinta da atual, a não ser por agravamento penalizador da sua sustentabilidade. Por óbvio, se questiona, o quanto a insustentabilidade do atual sistema de segurança social, e de estado social, poderá impedir o novo modelo de crescimento económico mundial de atingir os custos decrescentes, e com eles a capacidade de o Estado pagar atempadamente um RBI. Não deveremos ter em conta um fiel de balança que explique uma eventual incapacidade de mercado que pode ser substituída por seguros individuais que libertariam verba para o RBI, mas que poderiam induzir a um receio nas gentes, o receio de que afinal o Estado para eles falira, e este novo modelo não era mais do que um tamponar interpretativo dos seus novos medos de se verem sem o Estado, tal qual até aqui, por muito que ele já não seja a velha órbitra que no final, de um modo ou de outro, entenderia cada um, ainda era pátria o que se queria: ainda é nação o que se espera.
Queremos também dizer com isto, enfim, que o RBI ao desejar contribuir para a atenuação da desigualdade, pode e deve criar oportunidades até inerentes à desejável e já praticada redução dos horários de trabalho, sistema a funcionar já noutros países, com melhorias na qualidade de aprender a felicidade da opção do trabalho a desempenhar, estabelecendo um equacionar propício entre automatização e RBI.
Entenda-se que o saber do construir a vida, competência exclusiva de cada um, não será assegurada por robôs, ainda que robotizada se encontre a sociedade-modelo na qual se se vive, essa mesma, onde se deseja implantar o RBI e a sua genética, como se as juntas de transmissão dos valores dos homens, estivessem disponíveis a uma real mudança. Permitam que se duvide.
Ainda assim, independentemente de se dialogar sobre a melhor estratégia de sustentação deste sistema do RBI, independentemente de o mesmo ser visto como um melhoramento do antigo rendimento mínimo, independentemente da mudança nas políticas estruturais terem aqui o seu momento áureo, temos de evitar que o RBI seja redundante, seja uma adaptação tão tradicional quanto outras anteriores; ou seja, julgamos que a oportunidade e o seu sucesso reside sempre numa auto supervisão do modelo teórico, tao sedutor quanto a realidade atual pode vir a ser a melhor parceira a um casamento por comunhão de vários bens.
E eis que o eixo franco-alemão reúne por direito próprio e a locomotiva alemã a todo o vapor, descola. E, ainda se disse (Delors) que a Europa era um objeto político não identificado? Pois eu não lhe concebo melhor clareza política e económica se assim se continuar.
Konrad Adenauer | Joseph Bech | Johan Willem Beyen Winston Churchill | Alcide De Gasperi | Walter Hallstein Sicco Mansholt | Jean Monnet | Robert Schuman Paul-Henri Spaak | Altiero Spinelli
Estes os líderes que inspiraram a criação da União Europeia. Os fundadores acreditavam numa Europa em paz, unida e próspera. Da Europa dos pequenos passos (gradua lista) até à Europa dos cafés de Steiner, qual a realidade que se vive hoje afinal?
Recriar a Família Europeia, era, nomeadamente para Churchill a ideia da conjugação da ação política na Europa. Lembremos o Discurso de Winston Churchill em Zurique (19 de Setembro de 1946):
Desejo falar-vos, hoje, sobre a tragédia da Europa. Este nobre continente, englobando no seu todo as mais agradáveis e civilizadas regiões da terra, gozando de um clima temperado e equilibrado, é a terra natal de todas as raças originais do mundo ocidental. É a fonte da fé cristã e da ética cristã. É a origem da maior parte da cultura, das artes, da filosofia e da ciência, tanto dos antigos como dos modernos tempos. Se a Europa tivesse alguma vez ficado unida na partilha do seu património comum, não haveria limite à felicidade, à prosperidade e à glória dos seus trezentos ou quatrocentosmilhões de habitantes. Mas foi da Europa que jorrou essa série de assustadoras quezílias nacionalistas, originadas pelas nações teutónicas, a que nós assistimos ainda neste século XX e no nosso tempo, arruinando a paz e frustrando as expectativas de toda a humanidade. E a que situação foi a Europa reduzida?
Churchill não propõe, apenas, um ideal para a possibilidade para a sua realização. Tem a consciência de que este empreendimento só pode ser realizado se existir entre os europeus, uma herança e futuro Comum, nessa espécie de Estados Unidos da Europa.
A Sociedade das Nações não falhou pelos seus princípios ou conceções. Ela falhou por causa dos governos desses dias recearem enfrentar os factos agindo enquanto havia tempo. Esse desastre não pode repetir-se! Lembrou W. Churchill
Os Europeus tinham de recuperar a capacidade de viver juntos através das suas forças criadoras.
Winston Churchill conhecia bem as ideias para a Europa apresentadas durante o período entre as duas guerras, e desde essa altura que acreditava na possibilidade de uns “Estados Unidos da Europa”. Considerava uma boa ideia, sobretudo, porque implicava a ideia de união, contra os ódios. No entanto, já nesse tempo, Churchill tinha consciência do natural afastamento da Grã-Bretanha em relação ao projeto europeu: “Nós estamos com a Europa, mas sem fazermos parte dela. Temos interesses comuns, mas nós não queremos ser absorvidos: permaneço no seio do meu povo”.
Todavia sentia a consciência de que Uma União Europeia sem o Reino Unido ficaria muito mais dominada pela dimensão política e económica da Alemanha, o que se refletiria num desequilíbrio evidente, dada a fragilidade e declínio económico da França. Ele tinha profundo entendimento acerca do modo de construir a Europa, a Europa a que eu gostaria de chamar a dos Laços de Pertença, da igualdade de direitos, da que respeita a justiça, da que só sabe comunicar a sua força em solidariedade, a Europa do Estado de Direito, este tão profundamente macaqueado que facilmente permitiu o pulular de políticas popularuchas, desintegradas da cultura de cidadania, desinteressadas dos interesses dos homens, demagogicamente colocadas nas secretas associações privadas ou nas arruadas sem eira que as conceba ou beira que as suporte.
Há quem refira, a propósito da democracia inglesa que, somar a uma família real na chefia do Estado mais de 800 lordes vitalícios que supervisionam a legislação dos eleitos do povo é, formalmente, pouco democrático e, no entanto, muito se refere e exalta a democracia inglesa e não se o faz em vão. Bem se sabe. Contudo na democracia inglesa, diga-se, que o poder é igualmente assegurado por pessoas que têm direito a ele apenas por terem nascido na família “certa”. Mas não nos cabe colocar em questão, neste momento, a vitalidade e a legitimidade desta democracia que tantas provas deu e dá, a não ser para, talvez não esquecer o quanto a mesma pode desunir dentro de si mesma o núcleo que a fez dourar ainda que sob os defeitos que se lhe apontaram.
Escutei na Universidade Nova alguns debates que desembocaram na chamada geopolítica da desunião. Lembrei há pouco tempo, numa reflexão sobre os desafios da Europa, o quanto nós somos os mesmos que construímos a Europa, esta Europa que não explicámos, nem ensinámos a sentir ou a lutar nela pelo bem comum. Nós somos os mesmos do tal lixo financeiro com que vamos aceitando cognomes de porcos países consoante amemos mais ou menos a submissão total a um materialismo estonteado. Nesta mão de destino com que querem impor o medo na alma dos povos ao seu justo direito de, em conjunto, serem felizes pelo progresso e pelos valores comuns, a esta mão de destino, há que a substituir por uma força que será aquela que, sobretudo, quando os países apartados estejam na discussão dos destinos, nunca desconheça o retorno comum às arribas da verdade da vida dos povos, e de um estar cultural na Europa também e enquanto desafio ao imenso caos do mundo.
Existe uma necessidade de ordem poética e de verdade interna à linguagem com que se identificam as realidades na Europa de hoje. Há que dar significado ao universo informe que nos desorienta e comanda. Há que derrubar de vez a falsíssima ideia que existe uma equivalência entre inspiração e libertação, tal como ainda há pouco li. Basta que esta “inspiração” que temos vivido assente na obediência cega ao impulso de uma despudorada escravidão para que se entenda que a mesma surge pelo desconhecimento entre o que se é e o que se sabe realmente. Entre o que se tem de rechaçar por incompatibilidade total e o que se tolera por circunstância do mundo tolerante.
Digamos que tudo o que conhecemos é um método aceite, e esse não deverá ser o consentido na Europa, naquela única que sempre reconhecerá sim, a sua dívida para com os clássicos.
A maioria dos comentários e declarações, debates e interrogações que, acerca do BREXIT, por aí vamos ouvindo continua a soar de modo teatral e dramático: preferem-se ecos emocionais à serenidade da investigação analítica e da reflexão crítica. E a uma atitude mais ética. Poderei andar enganado - oxalá estivesse! - mas receio que a generalizada inquietação gerada pelo referendo britânico irá agravar as divisões existentes, emergentes e latentes, nas sociedades europeias, levando todas as partes a comportarem-se, ainda mais, em função dos seus próprios interesses, ou do que tomam como tal, e de opiniões mais decorrentes de medos e fobias do que de pensamento e diálogo. Porque todos vão sofrendo de surdez e cegueira, o que poderia ter sido uma oportunidade de esclarecimento sobre projetos políticos, económicos e sociais, tornou-se um teste de cruz, a que muitos terão respondido sem quiçá sequer saberem o necessário sobre a justeza e a justiça - ou a falta delas - de uma UE, reagindo apenas ao que, neste momento, sentem, com agrado ou desagrado, como vantagens ou inconvenientes de um regime de vida com outros. Joga-se o destino de milhões de pessoas pela contagem de respostas a uma pergunta simplista, porque seria bem mais trabalhoso ir-se explicando os princípios e mecanismos pelos quais nos vamos governando, e tentar que, muito democraticamente, possamos cada vez mais, em comunidade, governarmo-nos do que sermos só governados...
Creio que um olhar atento e analítico aos resultados apurados descobrirá a realidade de que falo.
Vejamos:
No conjunto dos votantes britânicos, 17,4 milhões (51,9%) foram pelo OUT, 16,1 (48,1%) pelo IN.
53,4% dos ingleses e 52,5% dos galeses OUT, 62% dos escoceses e 55,8% dos norte irlandeses IN.
Tal distribuição geográfica vai-se esclarecendo, pois surgem mais óbvias as razões da opção das gentes de Gibraltar (95% IN), da City (75,3% IN), ambas ultrapassando o IN de Edimburgo, na Escócia (74%), ou Belfast, na Irlanda do Norte. Os motivos são, compreensivelmente, particulares. Como se vê também em Londres, maioritariamente IN.
Isto até nem é uma história de esquerda ou direita, como o "critério" futebolístico da gente lusitana se compraz em imaginar o mundo... Porque 32% dos eleitores Labour votaram OUT, tal como apenas 46% dos Conservative disseram Remain in...
Maioritariamente, reformados, desempregados, fregueses da assistência social, votaram OUT. Não terei, penso de explicar porquê.
Claro fica que a gente com trabalho, mesmo a tempo parcial, tal como os "imigrantes" já com direitos políticos (independentemente de suas raças ou credos) votaram IN.
Também sabemos que por IN votaram 64% dos titulares de um diploma de ensino superior, 73% dos menores de 25 anos, 81% dos estudantes em geral... Parece que o futuro quer IN.
Estes dados de facto falam por si, dizem-nos muito sobre a realidade, não só britânica, mas europeia: como escrevi em reflexão anterior - leiam-se cuidadosamente as entrelinhas - a Europa está prisioneira de interesses particulares. Claro que a City, praça financeira, vota IN e, com os outros mercados financeiros, vê dinheirinho a fugir e se assusta com o resultado OUT. Tal como evidente é que a pequena e média burguesia e o operariado, já entradotes na idade e desconfiados do cumprimento da recompensa prometida, ao fim de muitos anos de labuta, desejem o que lhes parece mais obviamente fácil de conseguir: a barragem ao que chega de fora. Numa sociedade que se foi descultivando e materializando, a ganância e a reivindicação vão comandando tudo, ou quase. Debatemo-nos entre pretensos imperativos do "mercado" e outras "exigências". Apaga-se o diálogo, pior, a possibilidade dele. Não olhamos para nós, nossos problemas e esforços necessários, mas procuramos bodes expiatórios.
Nem sequer olhamos para a realidade, nossa circunstância. Todavia, é nela que estamos, com as nossas imperfeições. O "ocidente" também é responsável pela guerras no mundo islâmico, pelas migrações e refugiados, pela chocante desigualdade na distribuição de recursos, bens e seus rendimentos, por todos quantos acolheu para "rendibilidade" das suas economias, já que os "de fora" eram trabalho mais "em conta" do que os eleitores domésticos, cujos sonhos era necessário alimentar para conseguir os votos desejáveis. Este referendo britânico é mais um exemplo de cobardia política. E os outros que por aí se vão reclamando, à "direita" ou à "esquerda", são de um oportunismo "político" apenas comparável à imagem de uma avestruz que esconde a cabeça, porque essa olha e pensa, num buraco de areia.
Isto dito, não se dramatize o BREXIT. Há, como escrevi, enquadramentos jurídicos, políticos e diplomáticos, já ensaiados, para pôr o que sobrar do RU, em lugar próprio. O que nos deve ocupar será o equacionamento renovado da UE, em equidade, justiça e paz.
O Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, por maioria simples dos votos dos seus cidadãos, optou por renunciar ao estatuto de membro da União Europeia. Logo se assustaram e agitaram os especuladores financeiros que povoam os chamados mercados, e se entusiasmaram - e desataram a exigir (verbo muito conjugado pelos tempos que correm) referendos também nos seus países - partidos e movimentos ditos populistas, uns emotivos que, à direita ou à esquerda, aproveitam e fomentam descontentamentos, desilusões, aspirações e sonhos populares, mais ou menos legítimos, para acicatarem reivindicações de classe ou nacionalismos. Neste caso, os bodes expiatórios que eles reclamam são os imigrados, aos quais se atribui a culpa de salários mais baixos, segurança social mais cara e aleatória, desemprego crescente, etc. O dinheiro que aqui está em jogo não é o capital nómada dos financeiros abonados, mas o do salário e da poupança de operários e pequeno-burgueses. Tudo isso teria, e talvez possa ter, soluções adequadas, desde que haja vontade e coragem política - e o necessário sentido de justiça - para se empreenderem as reformas indispensáveis. Por mim, penso que, se houver mais exits, tanto pior - sobretudo se começarem a surgir iniciativas ressentidas e loucas como as dos anos 20 e 30 do século passado - mas este agora decidido não é drama nenhum.
Explico porquê.
Prevê-se que o processo de negociação da saída possa levar até dois anos, dado o estatuto já especial de que o Reino Unido beneficia, e considerando o necessário rigor para se estabelecerem contrapartidas equitativas. Vai ser preciso paciência e muito trabalho, mas já dispomos de outros exemplos de associação à U.E., como o dos países da AELC (EFTA) e, mais especialmente, da Noruega e da Suíça, para não falar da Gronelândia que, permanecendo dinamarquesa, se destacou da UE, com o estatuto de território ultramarino. Há terreno já pisado, o regresso do R.U. à "sua" EFTA surpreende-me menos do que tê-la deixado em 1973, para integrar, na altura, a CEE. Recordo que, estando a EFTA no EEE (espaço económico europeu) todos os seus membros partilham o mercado único, podendo todavia negociar, separadamente, com a UE, acordos sobre a participação, ou não, no orçamento europeu (caso da Noruega), no espaço Schengen (caso da Suíça), e outras matérias (os britânicos, por exemplo, poderão interessar-se por meios de continuar o acesso dos seus estudantes ao programa Erasmo, ou do RU a outros programas comunitários).
Afinal, creio eu, os problemas decorrentes do BREXIT - o qual, já que o resultado de um referendo não é, por si, juridicamente vinculativo, deverá, para produzir efeitos, ser devidamente notificado pelo Governo de Sua Majestade à cimeira europeia de 28 e 29 deste mês - afetarão muito mais os próprios desertores do que o conjunto da União. Por exemplo, se já a possível independência da Escócia (cuja população, maioritariamente, quer permanecer na UE) é uma grande dor de cabeça, o que dizer da hipótese da Irlanda do Norte (bastião protestante inserto na ilha maioritariamente ocupada pela República do Eire, a Irlanda católica, membro da União) poder seguir-lhe o exemplo? E que poderá acontecer à City, centro financeiro da Europa, apesar de o RU não integrar a zona euro, agora que mesmo da União estará fora?
É certo que o RU é a maior potência militar europeia, aquela que com mais efetivos contribui para a defesa comum. Mas não depende esta mais da NATO, do que propriamente de um qualquer comissário europeu para a defesa? Ou alguém de bom senso duvidará de que o compromisso dos britânicos com a defesa da Europa - ou com a própria NATO - irá esmorecer só porque já não são cidadãos da UE, mas apenas seus associados?
A tarefa dos governos e das instituições europeias, para além da negociação do BREXIT, acima referida, não pode, nem deve, concentrar-se na relação com o RU, na perda ou na saudade dele. Em princípio, a Europa seria maior e mais forte com os britânicos a 100% nela - muito embora eles sempre tenham deixado entender que o abandono de uma certa ideia de insularidade is not our cup of tea - mas também não morre como projeto, por deixar de contar, no seu âmago, com uma potência que tampouco lá estava no princípio. Atualmente, os "europeus" devem considerar os que ficam, no seu conjunto e em igualdade de estatuto e oportunidades, pelo que me desagradou a notícia da reunião de emergência dos seis Estados Membros fundadores. Não há duas UE, há só uma, e esta é uma União em construção a 27. Precisa de um projeto político comum e democrático, cujo cumprimento será necessariamente árduo e progressivo, nunca um exercício a dois, três ou seis, nem a uma velocidade para uns e a outra para outros.