Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
O princípio fundamental da tese relativista defende a variedade cultural do mundo em que vivemos, não subordinado a um qualquer preceito valorativo que nos permita concluir por favorecer uma cultura em detrimento de outra ou outras.
O que aparentemente parece legítimo e sem mácula, pode conduzir-nos a tolerar a intolerância, a que não haja uma lógica irredutível que diferencie o bem do mal, se levarmos o relativismo até às suas últimas consequências, por respeito absoluto pelo que é diferente.
Daí que à tese relativista dos direitos humanos se contraponha a tese universalista, tendo esta a dignidade humana como um valor universal, ao invés da primeira, que tem formas muito diversas de expressão, tantas quantas as formas de se ser Pessoa Humana.
Sucede que o relativismo é um dos fundamentos da democracia, do parlamentarismo, da liberdade de expressão, de pensamento e de informação, da heterodoxia, aceitando a ideia de que a capacidade de nos aproximarmos da verdade, da criação e da inovação depende, no essencial, do escrutínio, do exercício do contraditório e da multiplicidade de ideias que possibilita, aceitando o compromisso como inevitável.
No mundo pós-pandemia, que se sente e avizinha, há um risco de asfixia em redor de ideias que têm causa no medo de dar primazia à liberdade e não à segurança, desprestigiando a democracia em liberdade, em benefício de ortodoxias, autoritarismos e totalitarismos que geram conforto, proteção e segurança.
O ideal será haver refentes comuns, que resultem num acordo, sem se prescindir de regras tidas validadas por todos e sem absolutização de valores pré-fixados.
3. UNIVERSALISMO VERSUS RELATIVISMO NOS DIREITOS HUMANOS (II)
3.1. Segundo uns, os direitos humanos são uma aspiração intemporal, tão antiga como a antiguidade humana. Segundo outros, um produto recente, nascido da colaboração entre várias culturas. Para outros, são direitos de génese ocidental, uma imposição de um modelo civilizacional das principais potências ocidentais. É verdade que são um produto da Europa moderna, dado que a formulação da dignidade humana em termos de direitos subjetivos dos indivíduos pertence à modernidade europeia. O Renascimento, de génese antropocêntrica, recupera a confiança na primazia da pessoa assumidamente livre e liberta dos embaraços ditados pela tradição. A Reforma, combatendo a autoridade da igreja, defende o princípio do livre acesso à verdade religiosa, de que derivaria o direito à liberdade de consciência, tido como o primeiro entre os direitos humanos a ter consagração legal. Laicismo, tecnicismo, humanismo e individualismo são caraterísticas dos direitos ocidentais, extensivas aos direitos humanos, tendo estes como pressuposto fundamental a Pessoa, a sua autonomia, liberdade e dignidade, assente na exigência de respeito pela dignidade da pessoa humana, ser único e irrepetível, titular de direitos inalienáveis e centro nuclear e total de todo e qualquer sistema jurídico. Centram-se na dignidade do ser humano, antecedem-se e antepõem-se ao Estado, aos poderosos e agentes de autoridade, sendo uma limitação ao exercício do poder, limitando-o, protegendo os indivíduos e grupos, por maioria de razão os mais vulneráveis, não podendo ser suprimidos nem negados, sendo iguais e interdependentes. No confronto entre os mais fortes que têm o poder e a fragilidade do indivíduo e dos mais fracos, sobressai a dignidade da pessoa humana como um núcleo central, indivisível e inviolável.
3.2. Esta sua essencialidade que se pretende comum e universal a todos os humanos, pode não equivaler sempre a uma uniformidade e inflexibilidade, podendo revestir a forma de direitos universais contextualizados que assumem a sua eficácia por particularismos específicos das várias diversidades culturais. Imprescindível é manterem a sua essencialidade, dado que a apelativa sedução do relativismo cultural levada às suas últimas consequências pressupõe que, por respeitar e tolerar sempre o diferente, aceita a intolerância, o terror e a violência, uma vez que a pura aceitação e mero reconhecimento da cultura do outro, conduz inevitavelmente a que se aceitem culturas que não reconhecem nem respeitam os outros. Será em nome da essencialidade e universalidade humana e humanista, e não do relativismo e da racionalidade, que não teremos de excluir as pessoas incapazes da titularidade de tais direitos, atenta a sua natureza inalienável e indisponível. Se os direitos humanos têm a sua génese na racionalidade (kantiana) do ser humano, que fazer com aqueles que nunca tiveram ou perderam as suas capacidades racionais, como os bebés, deficientes, pessoas com Parkinson, Alzheimer, ou incapacidades similares? Legitima-se a sua exclusão em nome de uma ausência de capacidade racional potenciadora, em muitas situações, de razias genéticas e abates seletivos? Se tudo é relativo, sendo uma falácia falar-se em essencialidade e universalidade, absolveremos e fecharemos os olhos a violações flagrantes da dignidade de toda a pessoa humana, desde os crimes contra a humanidade, como o genocídio, à proibição da liberdade de expressão, que uma menor se recuse a um casamento forçado contratado pelos pais, a sofrer uma mutilação sexual feminina? Em qualquer situação, não devemos prescindir, aqui, agora e sempre, de referentes comuns e universais a todos os seres humanos. Mesmo que forçados a dialogar por potenciais novos acordos universais tendo por fim a resolução de problemas comuns, como a defesa do meio ambiente, proliferação nuclear e a engenharia genética. Afinal, antes de sermos portugueses, ibéricos, europeus, cristãos, asiáticos, africanos, americanos, australianos, brancos, negros, amarelos, budistas, muçulmanos, somos todos, sem exceção, seres humanos.
2. UNIVERSALISMO VERSUS RELATIVISMO NOS DIREITOS HUMANOS (I)
A 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, positivando-os em normas universais, também consagradas e especificadas no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e no Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Merece também referência a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a criação do Tribunal Penal Internacional. Tidos como direitos iguais e inalienáveis, o artigo 1.º da DUDH proclama: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”. Será que os direitos humanos são mesmo universais? Poderemos continuar a defender a sua universalidade, ou seja, que são direitos comuns a todas as pessoas e a todos os lugares? Mesmo sabendo que no plano mundial a sua natureza universal é constantemente ameaçada e é dececionante o seu efetivo cumprimento?
2.1. A TESE UNIVERSALISTA
Há uma identidade humana universal, em que a unidade do género humano se sobrepõe à diversidade das culturas humanas. É por referência a essa identidade humana comum e universal, bem como à irredutível dignidade da pessoa humana, comum a todas as pessoas e sustento da profunda unidade do género humano, que se justifica a natureza universal dos direitos humanos. Titulados por todos os seres humanos em virtude dessa condição, caraterizam-se pela universalidade, sendo esta uma sua caraterística e condição indispensável. A universalidade dos direitos humanos não significa uniformidade, rigidez ou inflexibilidade, nem impele os seres humanos a abdicarem da sua cultura, sendo compatíveis com os particularismos nacionais, regionais ou locais determinados pelas diferenças culturais, determinando as formas concretas que assumem e a sua eficácia, dado que a diferenciação cultural é enriquecedora para a sua concetualização. Fala-se em direitos universais contextualizados, numa noção multicultural, numa mestiçagem, em equivalentes homeomorfos e no princípio da essencialidade dos direitos humanos, de modo a poder definir-se um conjunto de valores que sejam partilhados por todas as culturas mundialmente disseminadas. Um modelo mínimo ao alcance de todas as culturas, em que o seu fundamento reside em valores próprios da vida comunitária enquanto tal, independentemente da forma adotada. Valores que sejam “cross-cultural universals”, nas palavras de Alison Dundes Renteln.
2.2. A TESE RELATIVISTA
A sua origem ocidental e a formulação concreta, concetual e linguística, encontrada pelo Ocidente para prestar homenagem à dignidade da pessoa humana, são causa de fortes críticas de autores relativistas contra a sua pretensa universalidade. Não são mais que uma retórica específica do Ocidente para homenagear a dignidade humana, traduzindo-se a sua universalidade numa arrogante expressão pública de aparente superioridade, numa racionalidade neocolonialista e unilateral de imposição de uma verdade, numa postura de ausência de respeito pela dignidade de outros seres humanos. Trata-se, para os relativistas, da imposição de um modelo civilizacional liberal e ocidental, de uma inadmissível intromissão na soberania estadual, dado que não sendo a cultura universal, de igual modo os direitos humanos o não poderão ser. Assim, a prioridade dada ao indivíduo sobre o grupo é um desvio da natureza humana, sendo indefensável ter a pessoa humana como anterior à comunidade, acima ou independente dos seus valores. O individualismo é tido como responsável direto pela alienação e desenraizamento das pessoas, enquanto indivíduos, o que só pode ser superado pela recuperação dos valores comunitários, subordinando os interesses individuais aos do grupo. O que é comprovado pelo confronto entre a génese antropocêntrica da cultura ocidental, centrada na primazia do indivíduo, com a cultura africana ou asiática, aderentes de ideologias comunitaristas. Não existindo uma única forma de ser humano, nem uma só maneira de o proteger através do Direito, são inaceitáveis e ilegítimas qualificações tendo como universais os direitos humanos, tidos como um produto histórico da civilização ocidental. Entre o universalismo e o relativismo, há formulações intermédias, mas é entre o entendimento universalista e relativista dos direitos humanos que os seus defensores e críticos se posicionam.