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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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NÃO BASTA PENSAR NA ECOLOGIA INTEGRAL; É PRECISO TAMBÉM REFLETIR SOBRE A IGREJA TOTAL


Na encíclica “Pacem in terris”, de 1963, há quase sessenta anos, o papa João XXIII dizia que a afirmação da mulher era um dos sinais dos tempos. Podemos reconhecer que essa novidade epocal é também uma semente do Evangelho. Esta afirmação da mulher e este caminho de afirmação eclesial e social da mulher é algo que foi também consequência do Evangelho.Vemos, na literatura bíblica, que a teologia da Criação não separa o homem da mulher. E nas primeiras comunidades [


cristãs] as mulheres têm um papel muito significativo. Basta ler, nas Cartas de Paulo, as mulheres que aparecem como protagonistas para percebermos como o que está escrito aos Gálatas é bem verdade: não há macho nem fémea, somos um só em Cristo. Isto não significa anulação da sexualidade, mas pelo contrário: neste corpo místico de Cristo que é a Igreja não estão apenas os homens – estão os homens e as mulheres. Desde o princípio.


O papa Francisco percebeu que esta é uma questão central do nosso tempo. Uma das primeiras vezes foi em 2013, em julho, ao regressar da Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, dentro do avião; questionado, respondeu que a Igreja tinha de abrir um processo de reflexão, um estaleiro, um laboratório de pensamento.


Não basta pensar uma ecologia integral; precisamos também de uma eclesiologia integral. Não podemos deixar a maioria da humanidade a não se sentir protagonista da vida da Igreja.


A presença da mulher é fundamental. O papa Francisco está a abrir caminhos e a pedir a todos nós que reflitamos, os teólogos possam investigar, que se possa tornar às origens da Igreja, perceber como era no princípio, analisar.


Os passos que o papa Francisco tem dado são de grande encorajamento para que possa acontecer isto: a responsabilidade na Igreja e a responsabilidade pelo Evangelho não seja apenas questão de homens, mas de homens e mulheres, nas diferentes dimensões, diferentes ministérios, numa complementaridade certamente, segundo a tradição da Igreja seguramente, mas que a Igreja é chamada a fazer um caminho e que o papa Francisco introduz essa tensão para darmos passos, fazermos reflexão nesta matéria é para todos muito claro.


Card. José Tolentino Mendonça
Fonte: Jesuítas Brasil
Edição: Rui Jorge Martins

ANTOLOGIA

  


JERUSALÉM, JERUSALÉM…
por Camilo Martins de Oliveira


Minha Princesa de mim:


Escreveu Paul Claudel sobre a sua conversão: «Tel était le malheureux enfant qui, le 25 décembre 1886, se rendit à Notre-Dame de Paris pour y suivre les offices de Nöel». Começava então a escrever e pensava que nas cerimónias católicas, consideradas com superior diletantismo, eu encontraria um excitante apropriado e matéria para alguns exercícios decadentes. Assim disposto, acotovelado e empurrado pela multidão, assisti, com medíocre prazer, à missa solene. Depois, como nada mais tinha para fazer, voltei para as "vésperas". Os meninos do coro, vestidos de branco, e os alunos do Seminário Menor de Saint-Nicolas-du-Chardonnet, que assistiam, cantavam o que, mais tarde, soube ser o Magnificat. Eu mesmo estava de pé, no meio da multidão, junto do segundo pilar, à entrada do coro, do lado direito da sacristia. E foi então que se produziu o acontecimento que domina toda a minha vida. Num instante o meu coração foi tocado e EU ACREDITEI. Acreditei, com tal força de adesão, com tal comoção de todo o meu ser, com tão poderosa convicção, com certeza tal que não deixava lugar a qualquer dúvida, ao ponto de, desde então, todos os livros, todos os raciocínios, todos os acasos de uma vida agitada, não puderam abalar a minha fé, nem, na verdade, lhe tocarem sequer". Isto tem algo de paulino. No livro dos Atos dos Apóstolos, regista-se uma arenga de S. Paulo aos judeus de Jerusalém, em que, a dado passo, o fariseu de Tarso narra a sua conversão à "Via": "Estava a caminho e aproximava-me de Damasco, quando, de repente, cerca do meio-dia, uma grande luz vinda do céu me envolveu com o seu brilho. Caí por terra e ouvi uma voz que me dizia: ´Saúl, Saúl, porque me persegues? ‘Respondi: ‘Quem és tu, Senhor?’ E ele então disse-me: ´Sou Jesus Nazareno, que tu persegues´." E o mesmo Paulo escreverá na sua carta aos Gálatas: "Com Cristo estou crucificado. Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim. Se ainda vivo dependente de uma natureza carnal, vivo animado pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim. Não quero tornar inútil a graça de Deus, porque se a justificação viesse por meio da Lei, então Cristo teria morrido em vão". Nestes e noutros testemunhos, a conversão irrompe no duplo sentido que a palavra latina "rutura" em línguas latinas significa: a rutura que nos chegou por via erudita e quer dizer cisão, separação; e a rotura, adveniente por via popular, com que dizemos corte interno, golpe, ferida. O convertido rompe com o seu passado, crenças e pertenças antigas. Mas também sente que, no fundo de si, uma ferida se abriu, que o mantém alerta e ele não deverá deixar sarar. A vocação de Deus à transformação dessa criatura num "homem novo", cega pelo brilho da luz da revelação. Quando reabrir os olhos e sentir a dor profunda de uma alegria nova, verá tudo com outro olhar e saberá que nada poderá fazer com que estremeça a fidelidade interior ao destino que então descobriu. Outras conversões houve e há que seguiram um percurso mais lento, estudioso até: as dos Maritain, Jacques e Raïssa, e de Vera, irmã desta; a de Edith Stein. E outras que nunca se manifestaram em confirmações públicas, mas não terão, por isso, sido menos profundas, como a "Attente de Dieu" de Simone Weil. As Escrituras não dizem se Saúl de Tarso ia a cavalo no caminho para Damasco. Mas tombando de um cavalo o foi representando a arte europeia, talvez para realçar a nobreza da personagem, a violência do acontecimento, o efeito da força que vem de cima. Miguel Ângelo pintou a cena numa parede da Capela Paulina, no Vaticano: seguindo o relato de S. Lucas, representa Cristo nas alturas, rodeado de anjos guardiões sem asas, desferindo o relâmpago da graça que fere S. Paulo e o deita ao chão, cego de luz... O tema da graça foi muito discutido antes e durante o Concílio de Trento, cujo papa foi Paulo III, que encomendou o fresco, iniciado por Miguel Ângelo em 1542. O grande artista regressou muitas vezes a ele, incluindo em poemas que compôs no fim da vida. Os exemplos das conversões repentinas e estrondosas parecem sustentar as teses da predestinação, de Calvino aos jansenistas: a graça de Deus opera independentemente da vontade dos homens... No quadro de Caravaggio - que também vimos juntos em Roma,lembras-te? - Cristo inclina-se, suspenso no ar por um anjo que parece transportá-lo, para estender a mão direita a Paulo derrubado, gritando de dor, com ambas as mãos postas sobre os olhos que a súbita iluminação cerrou, e que só voltarão a ver depois da revelação interior lhe ter transformado o olhar. Um soldado tapa os ouvidos, não quer ouvir a voz que fala a Paulo, e não vê a luz, como no relato de S. Lucas; outro, mais idoso, nada ouve, mas a luz tira-lhe a vista e ele aponta para cima, contra quem não pode ver, a lança que manipula. A graça de Deus escolhe? Ou será como a Palavra na parábola da semente lançada à terra, cujo destino dependerá do solo em que for cair? Estou no meu antro, nem pássaros já cantam no jardim. Todos dormem por estas longitudes. Vem ainda longe a manhã. Vou ao sermão 71 do "meu" Mestre Eckhart: "Surrexit autem Saulus de terra apertisque oculis nihi videbat". O místico dominicano alemão, que ainda viveu no século de Petrarca e foi condenado em Avignon (fala-se hoje em canonizá-lo!), cita da "Vulgata" latina este passo dos "Atos" de S. Lucas, que diz: Paulo levantou-se do chão e, de olhos abertos, não viu nada. E comenta: "Não poderia ver o que é Uno. Nada viu, era Deus. Deus é um nada e Deus é um algo. O que é algo, isso também é nada. O que Deus é, é-o plenamente. Por isso Dinis, o luminoso, diz, quando escreve sobre Deus: Ele é para além ser, para além vida, para além luz; não lhe atribui nem isto nem aquilo, e quer dizer que Ele é não se sabe o quê que é tão longe para além. Alguém vê qualquer coisa, ou qualquer coisa cai no teu conhecimento, não é Deus; não o é pela simples razão de que Ele não é isto nem aquilo. Aquele que diz que Deus está aqui ou ali, não acrediteis nele. A luz que Deus é, brilha nas trevas. Deus é uma verdadeira luz; aquele que deve vê-la tem de ser cego e deverá manter Deus à parte de toda qualquer coisa. Diz um mestre (Santo Agostinho): aquele que fala de Deus por qualquer comparação, fala d´Ele de um modo que não é límpido. Quanto ao que fala de Deus por nada, esse fala d´Ele de modo apropriado. Quando a alma chega ao Uno e entra num límpido despojamento de si mesma, então ela encontra Deus como num nada. Pareceu a um homem, como em sonho - era um sonho acordado - que ele estava prenho de nada como uma mulher com um menino, e no nada nasceu Deus. Ele era o fruto do nada. Deus nasceu do nada. Por isso ele diz: ´Levantou-se do chão e, de olhos abertos, não viu nada´... Aquele sonho acordado teve-o Mestre Eckhart. A linguagem dos místicos é sempre um pouco difícil para nós, sobretudo por vivermos no mundo confuso das imagens. Ela é simplíssima, magra, não se perde em pietismos ou devoções sentimentalmente antropomórficas. Procura comunicar a experiência íntima de evidências que só no silêncio se descobrem e só na disciplina interior do silêncio podem ser partilhadas. Ao ser derrubado e cego, S. Paulo apenas pergunta: ´Quem és tu, Senhor?´ E só isso faz sentido." O marquês de Sarolea tinha dois mundos: o da sua circunstância, onde folgadamente se movia, e o do seu mistério interior, a que pertencia.


Camilo Martins de Oliveira


Obs: Reposição de texto publicado em 24.09.13 neste blogue.

SEM DEUS, QUE FUTURO?

  


Concretamente nestes tempos de globalização, torna-se mais claro que não haverá paz entre as nações sem diálogo inter-religioso. Como não se cansou de repetir o teólogo Hans Kung: "Não haverá paz entre as nações sem paz entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões sem diálogo entre as religiões. Não haverá diálogo entre as religiões sem critérios éticos globais. Não haverá sobrevivência do nosso globo sem um ethos global, um ethos mundial".


O diálogo inter-religioso é mais do que simples tolerância religiosa, pois é exigência do próprio Absoluto a que todas as religiões estão referidas. Precisamos de todas as religiões para tentar dizer melhor, embora sempre na gaguez quase muda, o Mistério que sempre transcenderá o que dele possamos pensar e dizer. As religiões estão referidas ao Absoluto, mas não são o Absoluto. Neste sentido, o místico diria: Deus é "nada" de todas as religiões. Mestre Eckhart pedia a Deus que o libertasse de "Deus", isto é, dos seus conceitos, imagens e representações de Deus.


Deste diálogo fazem parte também os ateus, não os ateus vulgares, mas os ateus que sabem o que isso quer dizer, porque são eles quem constantemente pode colocar, tem colocado e coloca os crentes de sobreaviso quanto ao perigo da superstição, da idolatria e da desumanidade, que as religiões muitas vezes transportaram e transportam consigo.


Quando se pensa na coragem heróica necessária para, em tempos de hegemonia religiosa confessional e sabendo que se corria o risco da prisão, da morte no cadafalso e da “certeza" do inferno, ousar, em nome da dignidade humana, do respeito para com Deus, das exigências mínimas da razão, lutar contra a superstição e contra o ridículo clerical-eclesiástico, surge-nos do mais íntimo e fundo de nós o sentimento de veneração e de reconhecimento de "santidade" em relação a muitos daqueles que, a maior parte das vezes em sentido pejorativo, ficaram na história como críticos da religião e até ateus. Esses não são santos de nenhuma Igreja, mas são com certeza "santos" da Humanidade.


Impressiona que hoje o cristianismo, que é uma fonte de liberdade e de libertação – estou convicto de que é a maior na história da humanidade -, para muitos já não exerça fascínio. Surpreende que, frente a Deus, enquanto o Infinito é a verdade do finito, grande número de homens e mulheres se mantenham indiferentes ou até O recusem pura e simplesmente. Há múltiplas razões explicativas desta indiferença e recusa. Uma delas, que não será a menor, prende-se com a imagem de Deus transmitida pelos crentes. Muitas vezes o Deus que aparece é um Deus menor, triste, invejoso, impeditivo da liberdade, da autonomia, do novo, que envenena o amor, a alegria e a criação. Depois, os crentes teriam de cindir a vida: a vida propriamente dita e uns enclaves de beatice. Não se caminha livre, erguido, inteiro, autónomo, solidário, na busca, correndo riscos. Como homens e mulheres humanos, justos, criadores. Perante uma imagem de Deus que humilha e atemoriza, ergue-se então, como escreveu o filósofo Carlos Díaz, a tentação de "matar Deus com medo que Deus me mate a mim".


Hoje, a questão essencial é que se corre o risco de já nem sequer se colocar a questão de Deus, nem sequer como questão. Ora, não é o que já está a acontecer nesta nossa sociedade de imediatismo disperso, de hiperactividade, num tempo descontinuado?... Como escreveu Byung-Chul Han, no seu recente livro Vita Contemplativa, referindo-se a esta sociedade: “A actual crise religiosa não se pode simplesmente atribuir ao facto de termos perdido toda a fé em Deus ou determinadas crenças terem passado a inspirar-nos desconfiança. A um nível mais profundo, esta crise indica que estamos a perder cada vez mais capacidade contemplativa. A crescente compulsão para produzir e comunicar dificulta a permanência no contemplativo. A religião requer uma atenção especial. Malebranche refere-se à atenção como a oração natural da alma. Hoje, a alma já não ora. Pelo contrário, produz-se. É precisamente à sua hiperactividade que se deve a perda da experiência religiosa. A crise religiosa é uma crise de atenção.”


Espíritos eminentes preveniram para os perigos, sendo urgente preparar-se para o pior. Václav Havel, o grande dramaturgo e político, pouco tempo antes de morrer, surpreendeu muitos ao declarar que “estamos a viver na primeira civilização global” e “também vivemos na primeira civilização ateia, numa civilização que perdeu a ligação com o infinito e a eternidade”, temendo, também por isso, que caminhe para a catástrofe.” Karl Rahner, talvez o maior teólogo católico do século XX - tive o privilégio de tê-lo como professor -, perguntava: O que aconteceria, se a simples palavra “Deus” deixasse de existir? E respondia: “A morte absoluta da palavra ‘Deus’, uma morte que eliminasse até o seu passado, seria o sinal, já não ouvido por ninguém, de que o Homem morreu”. Neste domínio, o perigo maior provém de a questão de Deus já não ser sequer questão. Como escreveu o historiador Georges Minois, o mundo parece encontrar-se hoje perante um facto decisivo e mesmo único: se, independentemente da sua resposta positiva ou negativa, o Homem já não vir pura e simplesmente necessidade de colocar a questão de Deus, isso significa que, pela primeira vez na sua história, a humanidade sucumbe à imediatidade, a uma visão fragmentária do aqui e agora e "abdica da sua procura de sentido".


Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 22 de junho de 2024

O CÓMICO E O RISO NO VATICANO

  


1. Este texto foi escrito antes da realização de um acontecimento que julgo muito significativo e que teria lugar no Vaticano no dia de ontem: o encontro do Papa Francisco com mais de 100 humoristas de todo o mundo, entre eles Joana Marques, Maria Rueff e Ricardo Araújo Pereira.


Um encontro organizado pelo Dicastério para a Cultura e a Educação e pelo Dicastério da Comunicação. O seu objectivo: “estabelecer um diálogo entre a Igreja Católica e os humoristas”.  “Francisco reconhece o grande impacto que a arte da comédia tem no mundo da cultura contemporânea. Através do talento humorístico e do valor unificador do riso nos dias de hoje, são oferecidas reflexões únicas sobre a condição humana e a situação histórica. Além disso, a arte da comédia pode contribuir para um mundo mais empático e solidário”, referia o comunicado do Vaticano, acrescentando que “o encontro entre Francisco e os actores cómicos do mundo pretende celebrar a beleza da diversidade humana e promover uma mensagem de paz, amor e solidariedade, e promete ser um momento significativo de diálogo intercultural de partilha de alegria e esperança.”


2. Estando a escrever antes do acontecimento, só posso esperar que assim seja. E, sobre o tema, deixo aí algumas reflexões, já por vezes aqui expandidas.


A Igreja oficial nunca se deu muito bem com o humor e o riso.  Por exemplo, ainda vivi tempos nos quais durante o Carnaval, nos seminários, havia a chamada “Exposição do Santíssimo Sacramento” e durante o dia e a noite rezava-se pelos pecadores e fazia-se penitência em reparação pelos pecados daqueles dias. Sou sincero: nunca percebi em que diferiam os pecados do Carnaval dos pecados dos outros dias.


Até se generalizou a ideia de que Jesus nunca se riu.  Na verdade, de Jesus diz-nos o Evangelho que chorou: chorou pela morte do seu amigo Lázaro e Jerusalém...  Não se diz que riu. Mas já Santo Tomás de Aquino observou que é evidente que Jesus riu. A prova: Jesus é homem e rir é característica essencial, distintiva, do ser humano. Jesus participou em festas de casamento e alguém imagina uma festa de casamento sem risos?  Uma boa piada pode estabelecer pontes, o riso são cura. Lá está Kant: para aliviar as agruras da vida, o Céu deu-nos três coisas: “a esperança, o sono e o riso”.


Digo: ai da Igreja e dos crentes, ai das instituições, sem a crítica por vezes mordaz, que pode ajudar a curar. Só nas ditaduras é que não se pode fazer humor nem rir dos poderes instituídos. Ai de cada uma e cada um de nós, se não souber rir-se de si mesmo, de si mesma, das suas manias e disparates…  O que não se pode — não se deveria — é cair no riso alarve, na piada boçal e ofensiva, que apenas significam falta de inteligência. Ah! o riso também ajuda a curar a vaidade oca, e ele há tanta, tanta vaidade oca: "Mesmo no mais alto trono do mundo, está-se sentado sobre o cu", escreveu Montaigne.


Na Idade Média, realizava-se a chamada Festa dos Loucos, uma crítica brutal ao poder eclesiástico. Elegia-se, entre os subdiáconos, um senhor da festa, designado “Bispo”. Esse subdiácono, o grau mais baixo da hierarquia,  era vestido de Bispo, colocado em cima de um burro, e entrava na igreja com a face voltada para a cauda, de costas para o altar. Em certos momentos, o celebrante e o povo zurravam. Na entrega simbólica do “báculo” episcopal entoava-se o Magnificat — o hino de louvor que o Evangelho coloca na boca de Maria — naquele passo: "Deus derrubou os poderosos e exaltou os humildes."  Sobre a Festa dos Loucos pronunciou-se a Faculdade de Teologia de Paris em 1444, justificando-a: "Os nossos eminentes antepassados permitiram esta festa. Porque haveria ela de ser-nos interdita?” Neste descalabro burlesco, dever-se-ia ver, no limite, a urgência de não confundir o Sagrado em si mesmo com as mais variadas formas idolátricas com que tantas vezes os crentes se lhe dirigem.


A propósito da força crítica da piada e da caricatura, fica aí esta sobre o Vaticano e todo aquele luxo, que blasfema do Evangelho de Jesus, no fausto de uma procissão com cardeais, arcebispos, bispos, monsenhores, com mitras, tricórnios, alguns vestidos de púrpura… Aconteceu que São Pedro veio à janela do Céu e viu aquilo.  Estarrecido, chamou Jesus, que olhou e apenas disse: "E pensarmos nós, Pedro, que começámos aquilo, entrando de burro em Jerusalém onde fui crucificado pelos poderes do Templo e do Império... Lembras-te?"


Sim, Francisco socorre-se também do bom humor, e todos os dias reza a “Oração do bom humor”, oração atribuída a São Tomás Moro, o autor de A Utopia, o ex-chanceler que não se esqueceu de levar a gorjeta para o carrasco que ia decapitá-lo. Francisco recomendou-a também aos membros da Cúria Romana, onde tem tantos adversários e até inimigos, a quem falta o bom humor divino: "Dá-me, Senhor, uma boa digestão e também algo para digerir./ Dá-me um corpo saudável e o bom humor necessário para mantê-lo./ Dá-me uma alma simples que sabe valorizar tudo o que é bom/ e que não se amedronta facilmente diante do mal, /mas, pelo contrário, encontra os meios para voltar a colocar as coisas no seu lugar./ Concede-me, Senhor, uma alma/ que não conhece o tédio,/ os resmungos,/ os suspiros/ e as lamentações,/ nem os excessos de stress por causa desse estorvo chamado ‘Eu’./ Dá - me, Senhor, o sentido do bom humor./ Concede-me a graça de ser capaz de uma boa piada, uma boa piada para descobrir na vida um pouco de alegria/ e poder partilhá-la com os outros./ Ámen."


Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 15 de junho de 2024

A EUCARISTIA: A VIDA ANTES DO DOGMA


Numa entrevista recente concedida a Norah O’Donnel, o Papa Francisco preveniu contra os perigos do dogmatismo: “Um conservador é alguém que se agarra a algo e não quer ver mais para lá. É uma atitude suicida porque uma coisa é ter em conta a tradição, considerar as situações do passado, outra é encerrar-se numa caixa dogmática.” Francisco tem razão e, neste contexto, volto à celebração da Eucaristia, essencial na Igreja.


Jesus, na iminência da condenação à morte, ofereceu uma ceia, a Última Ceia. Nela, dando graças, abençoando o pão e o vinho, que significam a entrega da sua pessoa por amor a todos, disse: “Fazei isto em memória de mim”.


Os primeiros cristãos reuniam-se e, recordando (palavra encantadora: voltar a passar pelo coração), fazendo memória dessa Ceia, do que Jesus fez e é, celebravam um ágape, o “partir do pão”, uma refeição festiva e fraterna, abertos a um futuro novo de Vida. E aconteceu o que constituiu talvez a maior revolução do mundo antigo: se algum senhor se tinha convertido à fé cristã, sentava-se agora à mesma mesa que os seus escravos, em fraternidade.


Foi mais tarde, também porque os cristãos eram acusados de ateus por não oferecerem sacrifícios à divindade, que a Missa foi perdendo esse carácter de banquete festivo e fraterno e começou a ser concebida como sacrifício. Havia aí uma imolação e — ainda li isso num manual de Teologia — uma “mactatio mystica Christi” (matação mística de Cristo), discutindo-se se era real, moral, sacramental. Mas, desta transformação, resultaram equívocos clamorosos.


Sim, Jesus foi vítima, mas vítima de um assassinato político-religioso, não de um deus sádico. Não fugiu, não se acobardou, aceitou a morte e morte de cruz, entregou-se a si mesmo, para dar testemunho da Verdade e do Amor. Não à maneira de vítima sacrificial expiatória, para impetrar a misericórdia de Deus e aplacar a sua ira, como desgraçadamente foi ensinado na catequese. Uma concepção cultual sacrificial contradiz a revelação essencial de Jesus: Deus é bom, Pai/Mãe, “Abbá”, “amor incondicional”. Não quer sacrifícios, mas justiça e amor.


Com esta concepção sacrificial, embora nem Jesus nem os Apóstolos tenham ordenado sacerdotes e o Novo Testamento tenha evitado a palavra hiereus, apareceu o sacerdote que oferece o sacrifício. Com a celebração diária da Missa enquanto sacrifício impôs-se a obrigação do celibato, pois o sacerdote está separado, à parte, e não pode tocar a profanidade impura do corpo da mulher. Precisamente por esta razão, a mulher é excluída da ordenação: é naturalmente impura. Em parte, radica aqui a misoginia da Igreja, até com traços ridículos — disse um bispo: como é que a mulher, feita para ser mãe, poderia “sacrificar o Filho de Deus”? Incompreensivelmente, o Papa Francisco, na mesma entrevista citada no início,  acaba de excluir mesmo a ordenação diaconal de mulheres: “Se se fala de diáconos munidos das ordens sacras, não”, foi taxativo.


Os sacerdotes acabavam por adquirir um poder sacro, divino: o de “trazer Cristo à Terra”, realizando o milagre da transubstanciação do pão e do vinho. Se casarem, são “reduzidos” ao estado laical, como se ser clérigo fosse um estado mais nobre dentro da Igreja. Nesta declaração do Cardeal Robert Sarah na homilia da celebração do jubileu da sua ordenação sacerdotal estão claros todos os perigos da ordenação sacra:  “Um sacerdote é um homem que ocupa o lugar de Deus, um homem que está revestido de todos os poderes de Deus. Vejam o poder do sacerdote! A língua do sacerdote faz um Deus de um bocadinho de pão”. Aqui está a raiz  do clericalismo e, contra a vontade de Jesus que disse: “sois todos irmãos”, a Igreja com duas classes: o clero e os leigos.


E a Eucaristia deixou de ser celebração festiva em que todos concelebram, para tornar-se um sacrifício objectivo autónomo, que o padre até podia celebrar sozinho e oferecia pelas almas do purgatório e outras intenções. Era possível ir à Missa e não comungar, pois está-se lá, mas de fora, esquecendo que a celebração da memória de Jesus deve implicar uma real conversão ao seu projecto.


Sim, os católicos acreditam que na Eucaristia, na celebração enquanto tal da sua memória, vida, morte, ressurreição..., Jesus está realmente presente. Mas atente-se que, na Ceia, “Isto é o meu Corpo”, “Este é o cálice do meu Sangue”, o “é” tem sentido funcional: isto representa a minha vida entregue por amor a todos. “Tomai e comei, tomai e bebei”: este comer e beber não é um acto biológico-gastronómico, mas acolher a pessoa de Jesus como amigo determinante na vida e na morte. Para evitar até a acusação de teofagia, é preciso distinguir entre presença física e presença espiritual-pessoal: pode-se estar fisicamente presente e realmente ausente. Hegel viu bem o perigo da coisificação na Eucaristia, ao escrever que, segundo a representação católica, “a hóstia é, mediante a consagração, o Deus presente – Deus como coisa”.


Com a interpretação coisista da presença de Cristo, muitos, indo à Missa e não comungando, vêem-se libertos da urgência da conversão ao projecto de Jesus. Ora, nesta não conversão é que São Paulo via que na refeição memorial “comemos o pão e bebemos o cálice do Senhor indignamente”, tornando-nos “réus do corpo e do sangue do Senhor”, isto é, culpados da sua morte. De facto, ele constata na comunidade de Corinto divisões e que enquanto uns comem lautamente e se embebedam outros passam fome.


Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 8 de junho de 2024

A FESTA DO BANQUETE

  


É surpreendente que o austero Immanuel Kant, um dos pensadores maiores de todos os tempos, autor da moral do imperativo categórico, tenha deixado na sua Antropologia um belo texto sobre as regras de uma refeição agradável em boa companhia. Não é saudável, mesmo para o filósofo e sobretudo para o filósofo, escreve ele, comer sozinho. É que o objectivo da celebração de uma refeição não deve ser tanto a satisfação corporal (portanto, comer em ordem à sobrevivência física) - isso podia fazê-lo cada um por si mesmo - quanto o prazer de estar juntos. Daí que sublinhe permanentemente o imperativo do respeito mútuo. "De facto, escreve, mesmo sem prévio pacto expresso, todo o banquete tem uma certa sacralidade". A conversa deve ser mantida em bom ritmo, de tal modo que a refeição termine, "como num concerto, no meio da alegria geral e assim seja tanto mais salutar; como naquele banquete de Platão, do qual o convidado dizia: ‘As tuas refeições não agradam só enquanto se saboreiam, mas também sempre que se pensa nelas'". E os amigos, sempre que se reencontram, avisam: “havemos de repetir”.


Não é verdade que uma das alegrias grandes que podemos conceder-nos é oferecer um almoço ou um jantar, pelo simples prazer de estarmos juntos? Será possível imaginar uma festa - um casamento, um aniversário, um reencontro - sem um banquete, por mais simples que seja?


Por surpreendente que pareça, há um feriado nacional em Portugal que tem a ver com um banquete, a Última Ceia de Jesus Cristo. Jesus, que escandalizou os contemporâneos, pois comia com mulheres consideradas pouco recomendáveis e os pecadores públicos, antes de ser condenado à morte, ofereceu uma refeição de despedida. E os cristãos, ao longo dos tempos, deviam reunir-se, lembrando-se dele e da sua causa, que é a causa dos seres humanos, isto é, a liberdade, a dignidade, a igualdade, a felicidade, a alegria, a fraternidade entre todos os homens e mulheres.


Quando os cristãos se reúnem para a celebração da Missa ou da Ceia do Senhor, partilham o pão e o vinho. Na nossa cultura mediterrânica, o pão e o vinho são dois símbolos fundamentais. O pão quer dizer força, vida, o vinho simboliza festa e alegria. Quem convida para essa festa é o próprio Jesus Cristo. Ele oferece pão e vinho. E, segundo a mentalidade oriental, quem oferece uma refeição oferece sobretudo a sua presença. Assim, os cristãos, quando se reúnem para lembrar a Última Ceia de Jesus, acreditam que Ele está presente. Mas discutir o modo dessa presença só pode levar a becos sem saída, como é sabido pela História. O decisivo é reunir-se, ouvindo e cumprindo o único mandamento de Cristo: sede bons uns para os outros, amai-vos uns aos outros como eu vos amei. O amor vence a morte.


Lembrar. Se, neste instante, perdesse a memória, não perdia apenas o passado. De facto, uma vez que já não saberia quem sou, ao perder a memória, perdia não só o passado, mas também o presente e o futuro. O animal vive da imediatidade do presente. O ser humano, esse, conjuga os verbos no passado, no presente e no futuro. Pela memória, sabemos que vimos de um passado, pela atenção, damos por nós no presente, pela expectativa, pela esperança, projectamo-nos no futuro. E é integrando o passado, o presente e o futuro, que nos vamos erguendo, na procura de uma identidade sempre a caminho.


Por estranho que pareça, isto tudo vem, mais uma vez, a propósito da festa que a Igreja Católica celebra: a festa do Corpo de Deus, festa que nos remete para a Eucaristia e, em linguagem mais comum, para a Missa. Aos Domingos, muitos cristãos continuam a ir à Missa. O que é que lá se vai fazer? Diria que fundamentalmente lembrar, recordar. Na Última Ceia, Jesus, abençoando o pão e o vinho, que significam a sua entrega por amor a todos, disse: “Fazei isto em memória de mim”. Na Eucaristia, os cristãos recordam-se do que Jesus é e fez. Assim, lembram-se também do que eles próprios são e devem ser e fazer. E anunciam, desde já, o futuro: celebram a esperança do que há-de vir: a vida eterna. Deste modo, não é totalmente destituído de sentido que muitos que nem eram praticantes habituais, quando morrem, queiram uma Missa: porque nela se celebra a memória do futuro..., a esperança da salvação. Um funeral de alguém, no contexto cristão, é a celebração da sua morte e ressurreição.


A festa do Corpo de Deus. É impressionante: festa do Corpo de Deus. Quem imaginaria? A pergunta então é: celebra-se o Corpo de Deus, e depois despreza-se o corpo? A festa do Corpo de Deus tem de ser também a festa do corpo humano, que é corpo vivo, que sente, corpo que deseja, que pensa, que quer, que ama, corpo que diz eu, que é esperante,  até espera para lá da morte...


Na festa do Corpo de Deus, há quem pergunte se os católicos acreditam na presença real de Cristo na Eucaristia. A resposta é sim. Mas é preciso distinguir entre a presença física e coisista e a presença real pessoal. Por exemplo, um homem e uma mulher, pela relação sexual, estão fisicamente presentes, mas, se não houver amor, estão realmente ausentes enquanto pessoas. Porém, até pode acontecer que, por qualquer motivo, tenham de estar fisicamente ausentes, mas se há amor, continua a presença real entre eles. Os católicos não crêem na presença físico-coisista de Cristo, mas na sua presença espiritual, dando o seu Espírito de Vida, de Amor,  de Paz: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Isso tem de ter consequências na vida.


Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 1 de junho de 2024

DOIS ESTADOS. E JERUSALÉM?

  


Segundo as Nações Unidas neste ano de 2024 há — imagine-se! — 64 conflitos armados no mundo É o horror pura e simplesmente.


A opinião pública estará sobretudo voltada para os conflitos na Ucrânia e em Gaza. Deixo aí, com repetições, uma breve reflexão concentrada no confronto entre palestinianos e judeus, pois está a ser  objecto da atenção pública, também por causa das intervenções recentes do Papa Francisco em Verona e do bispo José Ornelas em Fátima. Sem esquecer, evidentemente, que o ataque terrorista do Hamas no passado  dia 7 de Outubro é pura e simplesmente inqualificável. Não há realmente palavras para aquele horror monstruoso.


No passado dia 13 de Maio, no final da Missa que encerrou a peregrinação internacional, o bispo José Ornelas pediu “paz para a Ucrânia, naquela cruel guerra que já dura há tanto tempo. Paz para a Terra de Jesus, a Palestina, onde mais de 35 mil pessoas já perderam a vida e a maioria, escândalo dos escândalos, são crianças”; e disse também: “o pior de tudo, o que não se pode permitir, é proibir que chegue a ajuda alimentar necessária para mais de um milhão de pessoas que estão a morrer de fome. Daqui, da Cova da Iria, apelo, apelamos para a paz. É inconcebível para um coração humano que isto esteja a acontecer no mundo.”


No passado dia 18, em Verona, Francisco participou num acontecimento verdadeiramente profético, a anunciar que é possível o milagre da paz.  Subiram ao palco e disseram: “Papa Francisco, sou Maoz Inon, sou de Israel e os meus pais foram assassinados no dia 7 de Outubro pelo Hamas; Papa Francisco, chamo-me Aziz Sarah, sou palestiniano e o meu irmão foi morto pelo exército israelita. Somos empresários e acreditamos que a paz é a coisa maior que podemos conseguir”, e apelaram à paz.  As dezenas de milhares de pessoas que enchiam o anfiteatro romano  de Verona ficaram suspensas num suspiro emocionado, a ansiar pela paz. A multidão aplaudiu de pé. O Papa agradeceu: “Tiveram a coragem de se abraçar, um testemunho não só de paz mas também de um projecto de futuro.” Abraçaram-se os três, no meio de aplausos e de lágrimas dos presentes.


Francisco tem sido incansável no apelo à paz, nomeadamente na Palestina, com a posição que sempre tem mantido, aliás na linha da diplomacia tradicional do Vaticano quanto aos dois Estados e ao estatuto  especial de Jerusalém, cidade santa para judeus, cristão e muçulmanos.


Neste espírito, relembro, por exemplo, uma Carta de Francisco ao Grande Imã de Al-Azhar, no Egipto, Amehd el-Tayeb: “A Santa Sé não deixará de recordar com urgência a necessidade de que se reate o diálogo entre israelitas e palestinianos em ordem a uma solução negociada, encaminhada para a coexistência pacífica de dois Estados dentro das fronteiras entre eles acordadas e reconhecidas internacionalmente, no pleno respeito pela natureza peculiar de Jerusalém, cujo significado está para lá de qualquer consideração sobre questões territoriais. Só um estatuto especial, também garantido internacionalmente, poderá preservar a sua identidade, a vocação única de lugar de paz a que apelam os Lugares Santos e o seu valor universal, permitindo um futuro de reconciliação e esperança para toda a região. Esta é a única aspiração de quem se professa autenticamente crente e não se cansa de implorar com a oração um futuro de fraternidade para todos.”


A quem se admire com este pedido de um “estatuto especial garantido internacionalmente” para Jerusalém, em ordem a preservar a paz, aconselho que relembre o acordo das Nações Unidas sobre esta temática, e a quem quiser aprofundar a questão, a leitura de duas obras monumentais do teólogo Hans Küng: O Judaísmo, O Islão.


Como é sabido e repito, em 29 de Novembro de 1947, por maioria sólida e com o beneplácito dos Estados Unidos e da antiga União Soviética, as Nações Unidas aprovaram a divisão da Palestina em dois Estados: um Estado árabe e um Estado judaico, com fronteiras claras, a união económica entre os dois e a internacionalização de Jerusalém sob administração das Nações Unidas. Note-se que, apesar de a população árabe ser quase o dobro, os judeus, que então possuíam 10% do território, ficariam com 55% da Palestina.


O mundo árabe rejeitou a divisão e são conhecidas as guerras sucessivamente travadas. Mas, à distância, mesmo admitindo a injustiça da partilha e as suas consequências — é preciso pensar na fuga e na expulsão dos palestinianos —, considera-se que a recusa árabe foi “um erro fatal” (Hans Küng). Aliás, isso é reconhecido hoje também pelos palestinianos, pois acabaram por perder a criação de um Estado próprio soberano pelo qual lutam.


Como se tornou claro, a guerra não gera a paz, que só pode chegar mediante o diálogo, a diplomacia, cedências mútuas, com dois pressupostos fundamentais: o reconhecimento pelos Estados árabes e pelos palestinianos do Estado de Israel e o reconhecimento por parte de Israel de um Estado palestiniano viável, independente, soberano. E Jerusalém?


Como já aqui escrevi, na continuação de Küng, o conflito do Médio Oriente é sobretudo político. Mas não haverá paz enquanto os membros das três religiões monoteístas, que se reclamam de Abraão, se não tornarem activos, impedindo o fanatismo religioso. Com base nos seus livros sagrados — Bíblia hebraica, Novo Testamento, Alcorão —, judeus, cristãos e muçulmanos devem reconhecer-se mutuamente e lutar pela paz. Esta é a mensagem de Roma para Jerusalém.


Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 25 de maio de 2024

O DIABO E O PENTECOSTES

  


Volto ao tema, porque permanentemente a questão está aí nos meios de comunicação social e há quem me telefona a perguntar o que é que eu penso. Um dos casos mais recentes tem a ver com um homem que envenenou os pais (felizmente sobreviveram) a mando de uma bruxa que lhe disse que eles tinham o diabo no corpo e era preciso matá-lo. Claro, o homem sofre de problemas psiquiátricos…  E lá vêm os rituais satânicos... Depois, perante a tragédia do nosso mundo hoje, com horrores sem conta e à beira do abismo, ouvimos: “Isto é o diabo, um inferno...”.


O Papa Francisco refere-se-lhe com frequência, para que as pessoas estejam atentas e evitem o que é obra do Maligno: o mal, o ódio, a guerra, as intrigas… O padre G. Amorth, falecido em 2016, exorcista na Diocese de Roma e fundador da Associação Internacional de Exorcistas, que fez milhares de exorcismos, chegou a dizer que ele andava à solta no Vaticano e denunciou seitas satânicas instaladas na Cúria e servidas por membros da Igreja, incluindo “monsenhores e até cardeais”. Ele lá saberia do que estava a falar!...


O Diabo é uma personagem com muitos nomes. Para lá de Diabo, também se chama Satã, Demónio, Satanás, Belzebu, Lúcifer, Mafarrico, Maligno... Ele enriqueceu enormemente a pintura e a escultura. Lembro-me particularmente de dois: um a defecar lá do alto, na Catedral de Friburgo (Alemanha), o outro, na Catedral de Basileia, a seduzir uma mulher, que sorri no enlevo da tentação… E há quem pretenda até tê-lo visto… Uma vez, uma senhora insistiu tanto que ele lhe aparecia, metendo-lhe medo, que o último conselho que me restou foi dizer-lhe: “Atire-lhe com o terço aos chifres!” Assim fez. E o terço? Caiu ao chão!


Mas desçamos ao núcleo do problema. Aquilo que o ser humano nunca entenderá é a massa incrível do sofrimento e da maldade no mundo. Quando olhamos para a História, com todo o seu cortejo de horrores, de crimes, de infidelidades, de crueldade, de suor, de lágrimas, de sangue, de desprezo, de traições, de desespero, de indiferença, de violências, de fome, de guerras, de massacres, de genocídios, de aviltamento, de torturas..., perguntamos como é que tudo isso foi e é possível. Como é que é possível e donde é que vem tanto mal?


Uma vez que o mal não pode ter origem em Deus, que é infinitamente bom, supõe-se então que o Diabo poderia muito bem ser uma explicação... Ele tentou e tenta o ser humano..., o Homem caiu e cai na tentação e provoca o mal do mundo. Mas já Kant colocou na boca de um catequizando iroquês esta pergunta: Porque é que Deus não acabou com o Diabo, e, sobretudo, quem é que tentou os anjos, que, de bons, se transformaram em demónios, pois Deus não os tinha criado?


Para explicar o mal, contrapor o Diabo a Deus, como se o Diabo fosse uma espécie de anti-Deus, só aparentemente é uma explicação. De facto, a afirmação de Deus e do Diabo, no quadro de um dualismo maniqueu, é uma contradição. O Diabo não explica nada. O mal está aí, porque vivemos num mundo finito, e Deus criou o Homem livre, mas a liberdade é condicionada, finita, e peca.  De qualquer modo, em vez do Diabo, que nada explica, é melhor reconhecer que não temos explicação cabal para a existência de tanto horror no mundo.


Já em 1969, talvez o maior exegeta do século XX, Herbert Haag, que tive o privilégio de ter como amigo, escreveu uma obra célebre Abschied vom Teufel (Adeus ao Diabo), mostrando que não há nenhum fundamento para a crença no Diabo, impondo-se acabar com os exorcismos.


É certo que, nos Evangelhos, Jesus aparece por vezes curando certas enfermidades no contexto da crença do seu tempo de que o Diabo era a sua causa. É-nos inclusivamente oferecida a imagem de Jesus expulsando os demónios. Hoje sabemos que se tratava de doenças do foro psiquiátrico ou pura e simplesmente de pessoas com ataques epiléticos ou sofrendo de histeria.


De qualquer forma, Jesus anunciou Deus e não Satanás, e felizmente o Diabo não faz parte do Credo cristão. O núcleo da mensagem de Jesus foi o Reino de Deus, e o Reino de Deus consiste na salvação total e plena do Homem. Neste sentido, o Diabo pode aparecer como um símbolo personificado de todo o mal que aflige o ser humano, mas a que Deus há-de pôr termo, segundo a promessa de Jesus. O Diabo surge para dar expressão ao que não é o Reino de Deus, o contrário do Reino de Deus. Precisamente para realçar mais e melhor o que constitui o centro da mensagem de Jesus: o futuro do seu Reino.


O Diabo não pode de modo nenhum ser apresentado como uma espécie de concorrente de Deus. E não tem sentido continuar a pensar e a pregar que ele se mete nas pessoas, para tomar conta delas. Não há possessos demoníacos. Apenas há doenças e doentes de muitas espécies e com múltiplas origens, que devem ser ajudados. Assim, como escreveu o filósofo Manuel Fraijó, "deveriam cessar as delirantes cerimónias de exorcismos". Por outro lado, se Jesus não pregou Satanás, mas Deus, então a fé do cristão dirige-se a Deus e não ao Diabo, o que exige na prática “exorcizar”, expulsar da vida pessoal e pública tudo o que é  demoníaco, diabólico: o orgulho, a vaidade, a ganância, a corrupção, o ódio, o racismo, a misoginia, tudo o que se opõe à dignidade humana… E acolher os dons do Espírito Santo — amanhã é dia de Pentecostes: sabedoria, entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade, temor de Deus — este, no sentido de o amor a Deus incluir o receio de O ofender no próximo.


Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 18 de maio de 2024

A PERGUNTA POR DEUS: UMA QUESTÃO INFINITA

  


Tem-se frequentemente a ideia de que, à partida, o ateu, quando nega a existência de Deus ou quando afirma que, com a morte, acaba tudo, tem do seu lado a razão, ficando o crente sob a suspeita de não-racional, de tal modo que é a ele apenas que compete ter de apresentar razões da sua fé.


Ora, as coisas não são assim, de modo nenhum. Por paradoxal que pareça, também o ateu assenta a sua negação da existência de Deus ou da vida depois da morte num acto de fé, melhor, numa crença. "Em qualquer das suas formas, o ateísmo é uma crença e não uma evidência, escreveu o filósofo Pedro Laín Entralgo, um 'creio que Deus não existe' e não um 'sei que Deus não existe'".


O chamado crente e o ateu encontram-se exactamente no mesmo plano: o crente não pode demonstrar a existência de Deus nem a vida eterna, exactamente como o ateu não pode demonstrar que Deus não existe ou que a morte é o termo definitivo da existência da pessoa. No que se refere a Deus ou à vida depois da morte, as posições do crente, do agnóstico ou do ateu assentam na crença.


Evidentemente, sendo humanos e, portanto, racionais, todos - o crente, o agnóstico, o ateu - têm de apresentar razões para a sua crença, pois esta, se quiser ser verdadeiramente humana, não pode ser cega. Sublinhe-se, porém, que se trata, para todos, de um acto de fé, certamente com razões, mas sempre de um acto de fé, e não da conclusão de uma demonstração.


Assim, o crente, o agnóstico, o ateu, em vez de se excluírem, devem encontrar-se e enriquecer-se mutuamente num conflito dialógico de razões, e, por paradoxal que pareça, num diálogo sincero e aberto, concluirão que há entre eles muito mais sintonias do que poderiam supor à primeira vista. Quantos crentes, por exemplo, não ficarão surpreendidos ao ler em Santo Tomás de Aquino que o saber da fé, não podendo ser evidente, convive com a opinião, a dúvida...


Fé religiosa e dúvida não se excluem. Pelo contrário, a fé está sempre acompanhada de perguntas. Estas perguntas humanizam a religião, pois impedem todo o tipo de fundamentalismo, abrem ao diálogo não só com os crentes de outras religiões, mas também com os ateus e agnósticos, obrigando a uma reformulação constante das fórmulas doutrinais, que ao mesmo tempo que tentam dizer o Mistério também o ocultam. Por outro lado, é bem possível que também ateus e agnósticos aceitem que há um Mistério inominável que a todos envolve...


Aprofundando a conhecida diferença entre problema e mistério, estabelecida por Blondel e sobretudo por Gabriel Marcel, Pedro Laín Entralgo distinguia entre problema, enigma e mistério.


Problemas são aquelas questões que mais tarde ou mais cedo o Homem pode resolver. Assim, concluiu-se que a Terra é redonda e que gira à volta do Sol, e pode encontrar-se solução para uma crise financeira...


O enigma está referido àquelas questões que nunca serão completamente resolvidas, mas de cuja solução racional o Homem se vai aproximando cada vez mais, ainda que apenas assintoticamente. Enigmas são, por exemplo, a realidade da matéria ou o pensamento. Hoje, sabemos muito mais sobre o que é a matéria do que Aristóteles ou mesmo Galileu ou Newton, mas isso não significa que tenhamos uma intelecção plena ou que algum dia venhamos a possuí-la. Neste domínio, há um saber cumulativo, mas num horizonte assintótico, na medida em que, como escreveu H.-G. Gadamer, o horizonte não é uma fronteira fixa, mas algo para onde viajamos e que ao mesmo tempo se desloca connosco, de tal modo que o não alcançamos...


Finalmente, o mistério refere-se a uma realidade na qual se crê, mas cuja intelecção racional estará para sempre vedada ao Homem. O mistério refere-se às perguntas últimas, como: Qual o sentido último do universo e da existência? Porque é que existo precisamente eu? Porque é que há algo e não nada? A vida continua depois da morte? Deus existe?


Estas perguntas colocam-nos perante o que é por si mesmo misterioso, pois relacionam-se com a ultimidade, que não é objecto do saber de evidência, mas do saber de crença. Daí, um dos dramas maiores da existência, pois, como não se cansava de repetir P. Laín Entralgo, o objecto da ciência é penúltimo, mas o último é objecto de crença, seguindo-se daí que "o certo é penúltimo e não pode não ser penúltimo, será sempre penúltimo, e o último é incerto e não pode não ser incerto, será sempre incerto".


Mas, por outro lado, repetindo, a crença, para ser autêntica e verdadeiramente humana, não pode ser cega, o que significa, portanto, que tem de ser argumentativa, isto é, tem de dar razões de si mesma. A fé não demonstra, mas tem de argumentar, de tal modo que mostre que é razoável. As razões que tem a capacidade e o dever de apresentar têm de mostrar a sua plausibilidade.


Concretamente quanto à questão de Deus e da vida depois da morte, isto é, com a morte, o Homem acaba definitivamente ou, pelo contrário, entrará na sua plena realização na Realidade Última e Primeira a que chamamos Deus, quanto a esta questão, nem o não-crente nem o crente podem demonstrar a sua respectiva posição, pois é de uma crença que, em última análise, se trata. No entanto, um e outro apresentarão razões a que ambos serão sensíveis. Ser ser humano é levar consigo esta questão. Melhor: ser esta própria questão. E o que, em última instância, une os homens é esta procura sem fim e o diálogo à volta desta questão infinita.


Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 11 de maio de 2024

A QUESTÃO DO HOMEM: A QUESTÃO DE DEUS

  


Ainda ecoa aquela proclamação que Nietzsche em A Gaia Ciência (1882) colocou na boca de um louco: “Deus morreu! Deus está morto!” Desde então o mundo não é o mesmo. É certo que para Nietzsche Deus tinha de morrer, pois o que a religião proclamava é contra a vida, de tal modo que, com a proclamação da morte de Deus, é o mar infindo das novas possibilidades do sim à vida que se abre. No entanto, à morte de Deus não se seguiria a morte do Homem e do sentido último de toda a realidade?


Segundo as análises de Gilles Lipovetsky, "Deus morreu, as grandes finalidades extinguem-se, mas toda a gente se está a lixar para isso. O vazio do sentido, as derrocadas dos ideais não levaram, como se poderia esperar, a mais angústia, a mais absurdo, a mais pessimismo": isto escreveu ele em A era do vazio – presentemente, parece que já não pensa exactamente da mesma maneira. De qualquer forma, os espíritos mais atentos julgam que é necessário dar antes razão a L. Kolakowski, o filósofo polaco agnóstico, já falecido, quando afirmou que, desde a proclamação da morte de Deus por Nietzsche, nunca mais houve ateus serenos: "Com a segurança da fé desfez-se também a segurança da incredulidade. Ao contrário de um mundo familiar, protegido por uma natureza benéfica e benigna, como era proposto pelo ateísmo iluminista, o mundo sem Deus dos nossos dias é sentido como um caos opressor, eterno. É um mundo privado de todo o sentido, de qualquer orientação, sinal de direcção, estrutura. A ausência de Deus tornou-se a ferida sempre aberta do espírito europeu, por maior que tenha sido o esforço feito para esquecê-la, recorrendo a toda a espécie de narcóticos".


De que falamos, quando falamos da morte de Deus? De facto, como escreveu o filósofo Eusebi Colomer, a própria expressão "morte de Deus" não é unívoca, pois pode ter e tem múltiplos sentidos. Pode significar que Deus realmente nunca existiu, embora só recentemente tenhamos feito essa descoberta. Pode querer dizer que talvez Deus exista, mas os homens, que outrora se lhe dirigiram pela fé e pela invocação, hoje já não acreditam nele. Talvez queiramos apenas exprimir a experiência de ausência e aparente silêncio de Deus, própria do nosso tempo. Talvez estejamos a referir-nos à necessidade de transcender constantemente as nossas ideias acerca de Deus, e, neste sentido, a "morte de Deus" significa a morte dos ídolos fabricados por nós. Afinal, que Deus era esse que morreu? Se o Deus verdadeiro é o Deus sempre maior, que transcende sempre tudo quanto possamos pensar ou afirmar dele, então os deuses enquanto ídolos têm que morrer, para ser possível a fé no Deus verdadeiro...


Neste domínio, a pergunta essencial consiste em saber se é possível ser Homem sem colocar a questão de Deus. É que ser Homem é a abertura ao Infinito, e, assim, a questão do Homem é a questão de Deus precisamente enquanto questão. Será que, neste sentido, o Homem é por natureza religioso?


Evidentemente, responder a esta questão é extremamente complexo, pois, à partida, seria necessário perguntar pela natureza do Homem, que não é algo de estável e fixo: a natureza do Homem é histórica. De qualquer modo, embora seja histórico, o Homem possui umas constantes enquanto capacidades a desenvolver, que permitem não só distingui-lo dos outros animais como constituem também uma realidade transcultural, que faz com que todos os seres humanos, independentemente da cultura e do tempo histórico que lhes é dado viver, formem uma só Humanidade. Pergunta-se então se a religião é uma dessas constantes, ao menos enquanto questão.


Podem ser apresentados alguns sinais que apontam no sentido de um vínculo entre ser ser humano e a religião.


Assim, quando se considera a história da evolução, parece haver consenso no que se refere à apresentação da sepultura como sinal distintivo decisivo na passagem do animal ao Homem. O Homem é animal sepultante. Ora, não há dúvida de que os rituais funerários sempre estiveram ligados à religião. Depois, quando se pensa concretamente nas culturas antigas, a antropologia não deixa de sublinhar o vínculo entre o culto e a cultura no seu todo.


Mas sobretudo não se poderá ignorar que o Homem é um ser que espera. O bebé que vem ao mundo está animado por aquilo que Erik Erikson chamou basic trust, confiança de base, confiança radical, originária, que começa por concentrar-se na mãe, mas que se dirige ao mundo. Se essa confiança for substancialmente frustrada, os estragos no seu desenvolvimento enquanto processo de se ir aos poucos erguendo até poder dizer "eu" de modo expansivo e integrado podem ser irreparáveis. Por outro lado, como observava o teólogo W. Pannenberg, nem a mãe nem o mundo podem corresponder adequadamente a essa confiança radical ilimitada, que, por isso mesmo, só em Deus, portanto, para lá da família, da sociedade e do mundo, poderá encontrar o seu apoio e segurança.


Neste contexto, afirmar Deus não é então também um modo de expressar a confiança no Sentido último, como sugeriu o filósofo Ludwig Wittgenstein? Seja como for, o Homem é o ser da pergunta e, por isso, de pergunta em pergunta, desembocará inevitavelmente na pergunta ao infinito pelo Infinito, por Deus, pelo Fundamento último, pelo sentido de todos os sentidos, o Sentido último.


O que aí fica não prova, evidentemente, a existência de Deus. Significa apenas que a pergunta por Deus é constitutiva do Homem enquanto tal.


Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 04 de maio de 2024