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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CADA TERRA COM SEU USO


IX. Os portugueses e o Renascimento


O pano de fundo da história portuguesa dos séculos XV e XVI pode, em termos culturais, abranger sete referências fundamentais:


(I) na grande tradição da lírica poética, vinda dos trovadores galaico-portugueses e das cantigas de amor e de amigo, chegamos à maturidade da língua portuguesa com Luís de Camões (1524-1580), antecedido por Garcia de Resende (1470-1536), coordenador e artífice do Cancioneiro Geral, acompanhado por Sá de Miranda (1481-1558), o grande introdutor em Portugal da medida nova de Petrarca, ou pelo autor de “Menina e Moça”, Bernardim Ribeiro (1488-1552);


(II) ao lado desde fundo lírico, temos o domínio épico, de que Camões sé supremo representante, ao lado da “História Trágico-Marítima” (obra impressa no século XVIII, a partir de publicações dos séculos XVI) – o que levou Miguel de Unamuno, a considerar a cultura portuguesa, a um tempo, lírica e trágica;


(III) a estes dois campos, junta-se o domínio picaresco, na tradição das cantigas de escárnio e maldizer – a que urge juntar o teatro de Gil Vicente (1465-1536), que António Tabucchi exemplificou com o extraordinário “Prato de Maria Parda” e que podemos acrescentar com o “Auto da Lusitânia” e as impagáveis personagens de Todo o Mundo e Ninguém. Por outro lado, há ainda um dos fundadores da moderna narrativa Fernão Mendes Pinto (c.1510-1583) com a obra fundamental “Peregrinação”;


(IV) as primeiras Gramáticas da Língua Portuguesa datam respetivamente de 1536 com Fernão de Oliveira (também autor da “Ars Nautica”) e de 1540 com João de Barros;


(V) no campo artístico, temos no século XV os exemplos de Nuno Gonçalves (c. 1450-1491) e de Vasco Fernandes (Grão Vasco) (1475-1542) – sendo primeiro autor de uma das obras-primas europeias de sempre, os Painéis ditos de S. Vicente (c. 1470), redescobertos no final do século XIX e identificados pela representação do Infante D. Henrique tal como se encontra na edição da Crónica dos Feitos da Guiné da Biblioteca de Paris;


(VI) na arquitetura, Nicolau de Chanterene (1470-1551), Diogo Boitaca (1460-1528) e João de Castilho (1470-1522) criaram o que conhecemos como o manuelino de que é paradigma o mosteiro dos Jerónimos, além de Francisco de Arruda (m. 1547), que assina a Torre de Belém, merecendo todos especial destaque, ao lado do grande mestre teorizador Francisco de Holanda (1517-1585), não se esquecendo na ourivesaria a preciosidade da Custódia de Belém, possivelmente da autoria de Gil Vicente;


(VII) na música, encontramos figuras de relevância europeia como Mateus de Aranda (1495-1548), Pedro de Escobar (1465-1535), Filipe Magalhães (1571-1652), Manuel Mendes (1547-1605), Pedro Cristo (c.1545-1618) e Duarte Lobo (1565-1646).


Os intercâmbios e a primeira globalização.


Aos domínios referidos, importa acrescentar no que designamos como a primeira globalização as seguintes referências. Na ciência, há a figura maior de Pedro Nunes (1502-1578) matemático e cosmógrafo-mor do reino, de dimensão mundial, mas ainda a de Abraão Zacuto (1450-1522), autor da “Tábuas Astronómicas”; além de Duarte Pacheco Pereira (1460-1533), autor do “Esmeraldo de Situ Orbis” e elemento crucial na preparação e concretização do que veio a ser o Tratado de Tordesilhas; de Garcia de Orta (1501-1568), médico e naturalista; de Amato Lusitano (1511-1568), médico e fisiologista, e de D. João de Castro (1500-1548), político, cartógrafo e naturalista.


Deste modo, até ao reinado de D. Manuel, há uma assinalável convergência de influências, num caleidoscópio de povos e crenças. No entanto, com a expulsão dos judeus, no início do século XVI, depois do massacre de Lisboa de 1506, houve, também uma dispersão e a perda de vantagens económicas e de conhecimento. Pode dizer-se que a saída dos judeus sefarditas da Península Ibérica teve consequências desastrosas no tocante aos investimentos e ao apoio científico – tendo resultado de uma forte pressão diplomática e religiosa, que um século depois o Padre António Vieira procuraria inverter na Restauração da Independência (1640).


A primeira globalização, que Arnold Toynbee designa como era gâmica (por homenagem a Vasco da Gama), abre novos horizontes à língua e à cultura portuguesas nos diversos continentes. A língua franca dos mercadores e missionários da Ásia será o português, designado como “papiar cristão”, enquanto a miscigenação promovida, através dos casamentos mistos, por Afonso de Albuquerque vai permitir o surgimento de um relevante diálogo entre culturas – que Jaime Cortesão considerará como base do humanismo universalista dos portugueses…

Agostinho de Morais
 
 

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A VIDA DOS LIVROS

  

De 18 a 24 de julho de 2022.


Francisco de Holanda (1517-1585) encontrou-se com Miguel Ângelo e percorreu então grande parte de Itália para aprender e para conhecer e desenhar obras da Antiguidade e da arte italiana renascentista do momento.

 

NOS PASSOS DE FRANCISCO D’HOLANDA
A visita à Capela Sistina, em condições únicas de serenidade e atenção, foi o começo da visita à Roma dos portugueses, de que já comecei a falar, graças à hospitalidade de José Tolentino Mendonça. A hora muito matutina, permitiu chegar àquele lugar único, sem o rebuliço habitual, num silêncio quase sepulcral. E quando a luz se abriu, toda a teatralidade se tornou evidente, na diversidade dos quadros e personagens. O nosso qualificado guia falou-nos então de um jovem português aqui chegado nos idos de 1538. “Sendo eu da idade de XX anos me mandou El-Rey (…) a ver Itália e trazer-se-lhe muitos desenhos de coisas notáveis dela”. Referia-se aos passos de Francisco de Holanda (1517-1585), autor de “Da Fábrica que falece a Cidade de Lisboa”, figura notável, mas pouco conhecida dos portugueses, que no percurso dessa viagem se encontrara com a Imperatriz Isabel de Portugal, casada com Carlos V de Habsburgo, que o jovem muito admirava, por ser filha de D. Manuel I, e por ter encomendado a seu pai António de Holanda o retrato do futuro rei Filipe I, ainda criança, ao seu colo. Francisco de Holanda percorreu então grande parte de Itália para aprender, ou seja, para conhecer e desenhar obras da Antiguidade e da arte italiana renascentista do momento. Com maior ou menor intimidade, a verdade é que o português se encontrou com o já muito consagrado mestre Miguel Ângelo, no momento crucial da feitura do Juízo Final, com quem partilhou ideias e tirou ensinamentos, graças à missão de que vinha incumbido por D. João III, à amizade com os Imperadores e ao empenho do notável D. Miguel da Silva, conhecido como Cardeal de Viseu, sobrinho da célebre Santa Beatriz da Silva e do Beato Amadeu da Silva. No pórtico da Basílica de Santa Maria de Trastevere, encontrámos a última morada deste, falecido em Roma a 5 de junho de 1556. Quanto à proximidade de Francisco de Holanda relativamente a Miguel Ângelo, se dúvidas houvesse, os estudiosos como Joaquim de Vasconcelos, invocam uma carta enviada em 1553 ao genial pintor com o pedido de um desenho seu para guardar como lembrança dessa amizade.


IMERSÃO TOTAL NA CIDADE ETERNA
Foi assim que iniciámos uma imersão total na Cidade Eterna, deparando-nos com um novo humanismo, centrado no conhecimento, numa síntese fecunda entre o Antigo Testamento, a influência clássica (bem presente na representação das Sibilas na Capela Sistina) e a Boa Nova de Jesus Cristo. Num dia de sol e calor, na colunata da Praça de S. Pedro lembrámos a presença de dois portugueses: Santo António de Lisboa e de Pádua (“Il Santo”, sem mais qualificação, como os italianos o designam, em homenagem suprema ao seu extraordinário carisma) e Santa Isabel, Rainha de Portugal. A bonomia do Papa Francisco, que testemunhamos, contrasta com as dificuldades que sente ao movimentar-se. Depois, por um momento, encontramos no interior da Basílica de S. Pedro, o único português que está eternizado na pedra, S. João de Deus, fundador da Ordem dos Hospitalários. Enquanto caminhamos, recordamos que foi o controverso Papa Nicolau III a tornar o Vaticano, e a memória do martírio de S. Pedro, centro da Santa Sé. E logo lembramos João XXI, a quem Nicolau III sucedeu, Pedro Hispano (1215-1277), o único Sumo Pontífice português (1276-77), que merece a Dante um destaque especial na “Comédia”: “Pietro Spano lo qual giú luce in dodici libelli…” (“Paraíso”, Canto XII). Visitá-lo-emos em Viterbo e enaltecemos a importância da sua obra multifacetada de Médico, de Teólogo, Matemático e Filósofo – autor do “Thesaurus Pauperum” (com uma centena de edições e tradução em 12 idiomas), das “Summulae Logicales” ou de “De Curis Oculorum”.  Referir os portugueses em Roma, quer em presença física, quer na influência é uma tarefa inesgotável – e apesar de não os conhecermos, numa primeira impressão, depressa compreendemos a sua influência. Ao passearmos nos jardins do Vaticano, vamo-nos apercebendo de uma história em que tudo na evolução do mundo por aqui passa. Não podemos entender os acontecimentos de dois milénios sem considerar a complexa intervenção dos Pontífices, que herdaram a tradição imperial romana, mas também da Cúria, dos Conclaves, dos conflitos com o Sacro Império, das virtudes e dos pecados humanos, das relações que se vão alargando e das fronteiras do mundo que se consolidam ou desfazem. Quando ao início da tarde nos reencontramos na Porta de Santa Ana com o Arquivista e Bibliotecário da Santa Sé, que toda a manhã nos acompanhara, mergulhamos no seu mundo maravilhoso, outrora identificado como secreto, mas hoje submetido às regras gerais dos arquivos. Em outubro de 2019, o Papa Francisco mudou o título centenário do Arquivo Secreto do Vaticano para Arquivo Apostólico, em nome da verdadeira vocação da instituição – ser um revelador de verdade e não de segredos. A Biblioteca Apostólica Vaticana é a mais antiga da Europa foi fundada por Nicolau V (1397-1455) com a herança das antigas bibliotecas papais. Em 1475, o Papa Renascentista Sisto IV (1414-1484), a quem se deve a designação da Capela Sistina, que vamos encontrando a cada passo da nossa viagem, decidiu permitir o acesso dos eruditos aos mais de dois mil e quinhentos textos ali reunidos.


ARQUIVO E BIBLIOTECA VATICANAS
No Arquivo e Biblioteca tivemos uma tarde extraordinária. São impressionantes os números, a extensão linear das estantes, os desafios ligados à preservação de documentação milenar e à inovação tecnológica imparável. Ali podemos conhecer melhor a história milenar exaustivamente documentada. 1,6 milhões de livros impressos, 80 mil livros manuscritos, 100 mil impressões (gravuras e estampas), 350 mil moedas e medalhas. José Tolentino Mendonça fala-nos, com entusiasmo, de um antídoto contra a amnésia. O património cultural e a sua defesa obrigam-nos a preservar a memória como realidade necessária e presente. “Uma das missões fundamentais da Biblioteca Apostólica é a de preservar alguns dos mais antigos testemunhos da tradição manuscrita das Sagradas Escrituras: só isto seria suficiente para considerá-la como o coração da Igreja” – lembra o poeta e cardeal, mas acrescenta, lembrando o Papa Francisco: aqui correm dois grandes rios, a palavra de Deus e a palavra dos homens. Quando olhamos o manuscrito do Cancioneiro da Vaticana aberto numa das páginas da poesia de D. Dinis (73 cantigas de Amor, 51 cantigas de Amigo e 10 de Escárnio e Maldizer) sentimos um testemunho vivo vindo da profundeza do tempo – «Amiga, bom grad’haja Deus / do meu amigo que a mi vem / mais podedes creer mui bem / quando o vir dos olhos meus, / que poss’aquel dia veer / que nunca vi maior prazer». E se sentimos como que uma vertigem perante das primeiras provas da nossa língua, tornada universal, e designada na Ásia como “papiar cristão”, somos levados às origens da nossa identidade, interpelados pela certidão de 1179 do Papa Alexandre III. Nos corredores e recantos daquele edifício quantos mistérios desvendados e por desvendar?  

 

Guilherme d’Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

 

45. CIÊNCIA, HUMANIDADES E HUMANISMO (II)

 

Não consta que o Renascimento tenha sido uma época de infelicidade e não reconhecimento do trabalho dos seus autores, como movimento literário, artístico e científico que foi, mesmo aquando da leitura, redescoberta e compreensão dos nomes mais representativos da antiguidade grega e latina, como Sócrates, Platão, Homero, Cícero, Virgílio, Ovídio, Suetónio, Tito Lívio, revivendo-os e fazendo-os renascer, apesar de serem passado.

 

O humanismo é tido como o pai do Renascimento significando, etimologicamente, culto, civilizado, onde a pessoa é o centro e objeto fulcral tendo, como nomes permanentes, Erasmo, Dante, Petrarca e Bocácio na literatura, na pintura e arquitetura Rafael, na escultura, pintura, poesia, urbanismo e arquitetura Miguel Ângelo, na sociologia e política Maquiavel e Tomás Moro.

 

Teve também cientistas, entre os quais Leonardo da Vinci e Copérnico. 

 

Leonardo foi astrónomo, engenheiro, matemático, geólogo, médico, investigador, desenhador, pintor, poeta, escultor, um humanista, um homem de ciência e das humanidades, mais que qualquer outro do seu tempo, até ao atual.

 

Copérnico foi um genial cientista do movimento científico humanista e renascentista, afirmando que a Terra girava, com outros planetas, à volta do Sol, o que foi completado e verificado, mais tarde, por Kepler e Galileu. 

 

Este movimento científico frutificou em grandes descobertas como as de Vesálio (pai da anatomia), Servet (leis da circulação do sangue) e Pedro Nunes (cientista e humanista português, inventor do nónio).   

 

Este humanismo prova que para ser integral e íntegro, nada melhor que a interligação entre as humanidades e a ciência, embora realidades autónomas, mas não independentes, face a face numa relação de colaboração e interdependência recíproca. 

 

À data, tão reconhecidos eram os homens das humanidades, como da ciência, tão infelizes, perseguidos e condenados podiam ser os primeiros (Damião de Góis, entre nós), como os segundos (Galileu), como Einstein também é censurado e responsabilizado pelo seu saber ao serviço da bomba atómica, de que o próprio se culpabilizaria e não mais se libertaria, apesar de hoje as humanidades serem tidas de menor valia e mais penalizadas que a ciência. 

 

A que acresce a menorização que é dada às humanidades, no fim da vida, por Steiner, entre outros, quiçá num desabafo de pontual pessimismo, por antagonismo com a maioria do seu legado, abalando admiradores, e com o qual não concordamos.   

 

Embora seja imperioso ter consciência que na ciência e tecnologia pode sempre haver o lado negro das trevas, que desumaniza, e o lado bom, que humaniza. 

 

A energia nuclear pode ser benéfica ou maléfica consoante o uso que tiver para alcançar o fim pretendido.   

 

É, por exemplo, um benefício para a humanidade na cintigrafia óssea, avaliação da função renal com o renograma, no avaliar da função alveolar com a cintigrafia pulmonar, no avaliar da função do miocárdio com a cintigrafia cardíaca e em muitas outras aplicações na medicina, particularmente na doença oncológica, mas também pode ser destrutiva, mediante o uso da bomba atómica. 

 

De igual modo o saber ler, escrever e falar línguas é imprescindível para qualquer pessoa, incluindo as da ciência e da tecnologia, bem como uma notável obra literária, musical ou das artes em geral que beneficie a idealização e perpetuação da nossa espécie, mas não é um ideal a seguir, se destrutiva e sem sentido crítico, havendo também o lado solar e sombrio das humanidades.   

 

O que se impõe é uma ética humanista que imponha limites, colocando o ser humano, na sua dignidade, acima de qualquer utopia científica e tecnológica por mais importante, progressiva e poderosa que seja, em comunhão e conjugação de esforços e reciprocidade com as humanidades e o humanismo.

 

03.04.2020
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XXXIII - RENASCIMENTO - II

 

Cosmopolitismo, universalidade, globalismo, multiplicidade, uma inesgotável capacidade para todos as atividades do engenho e arte, é uma das caraterísticas de marca do homem do Renascimento. Leonardo da Vinci é tido como o seu excelso exemplo. Ao arrepio da retórica e ensino livresco tradicional, tem a observação real, o contacto direto com a natureza e a experiência, como pressuposto primordial da ciência e da formulação das leis científicas. É simultaneamente astrónomo, escultor, engenheiro, geólogo, investigador, matemático, médico, pintor, poeta. Um sábio, um génio, um polímata, de uma curiosidade implacável, de um infinito apetite de conhecimento, de uma imaginação admirável, que imaginou o avião, o carro de combate, o submarino.

 

Como cientistas do Renascimento destacam-se também o polaco Copérnico, o alemão Kepler e o italiano Galileu. Como humanista refira-se também Erasmo de Roterdão, amigo do grande representante do humanismo em Portugal Damião de Góis. 

 

As obras renascentistas são uma fusão e síntese de elementos da antiguidade clássica, medievais e modernos, dado que continuando os temas medievais, que as antecedem, se inspiram no património e saber da antiguidade greco-romana, tratando-os de modo original e atualista, reabilitando-os e fazendo-os renascer.

 

Outro génio artístico renascentista foi Miguel Ângelo. Cristão de inclinação platónica, foi arquiteto, escultor, poeta, pintor e urbanista.

 

Na escultura faz-se o culto das figuras e formas nuas, de linhas belas, esbeltas, robustas, vincadas e sinuosas do corpo humano. Com inspiração na arte clássica grega, reverenciadora da beleza, do belo, do equilíbrio, da perfeição, do absoluto, com representações anatómicas perfeitas, chamativas, sedutoras, sensuais, voluptuosas, divinas. Na fase final do helenismo, a arte grega degradou-se, entrando em declínio e desequilíbrio, vindo o equilíbrio a ser retomado no Renascimento. Onde sobressai Miguel Ângelo, com figuras atléticas, belas, tipo homem-divinizado, como no seu Cristo de Minerva e na escultura de David.

 

Na pintura procura-se e descobre-se a terceira dimensão, desconhecida da Idade Média. Para os artistas medievais, pessoas e coisas aparentam estar à mesma distância de quem as observa. Para os renascentistas, existem três dimensões, onde subjaz a ideia da profundidade (além da largura e altura), a sua maior descoberta, com cada coisa à devida distância, com determinadas coisas e pessoas que parecem estar mais próximas de nós e outras mais afastadas, tentando exprimir fielmente a realidade em toda a sua beleza, em simultâneos jogos de luz e sombras. As figuras são corpos localizados espacialmente. As cores não são uniformes. O convencionalismo e dogmatismo religioso é humanizado. Valoriza-se a natureza e o humanismo. Exemplificam-no A Virgem e o Menino com Santa Ana, A Virgem dos Rochedos e a Gioconda, de Leonardo da Vinci. Outro inimitável artista foi Rafael, de influência platónica. 

 

Em Portugal são tidos como cientistas do Renascimento Pedro Nunes, Garcia de Orta, Duarte Pacheco Pereira e D. João de Castro. Gil Vicente e Camões como expoentes da literatura renascentista. O estilo manuelino, baseado na observação da natureza,  experiência e método experimental, caraterísticas fundamentais que o Renascimento defendia, é tido como um estilo renascentista, de feição especial, ligado aos descobrimentos, em que motivos náuticos como cordas, boias, redes, conchas, corais, plantas e seres exóticos se impõem, diferenciando-o. 

 

O Classicismo continuou a herança do Renascimento, fazendo o culto da tradição greco-latina, tentando reerguer o prestígio antigo da Antiguidade Clássica tendo, como ideal clássico, regras que se deviam acatar para alcançar o Belo, com gosto pela linha pura, frase simples, palavra própria e razão humana, tendo horror ao vago e retorcido, trinfando na segunda metade do século XVII, com Luís XIV, em França.

 

Porém, já em pleno Renascimento, o exagero de formas, nomeadamente na arquitetura e escultura, patente na estátua Moisés, de Miguel Ângelo, abriu caminho para um novo estilo artístico conhecido por barroco. 

09.01.2018

Joaquim Miguel De Morgado Patrício

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XXXII - RENASCIMENTO - I

 

À volta de 1500 surge um movimento literário, artístico e científico herdeiro e continuador da Idade Média, mas que, ao mesmo tempo, a repudia, ao querer fazer renascer o mundo antigo, em especial a antiguidade clássica da Grécia e de Roma. Imita-se, em primeiro lugar, os gregos e os romanos, criando depois o homem ideal do renascimento: cosmopolita, universal, completo, perfeito, a mais bela criatura divina, obra suprema de Deus, o melhor na filosofia, nas letras, na ciência, nas artes em geral, admirado, famoso, poderoso e rico.   

 

Transita-se do teocentrismo dominante na Idade Média, em que Deus é o centro omnipresente e total, para o antropocentrismo, que atribui ao indivíduo uma posição de centralidade em relação a todo o universo.

 

O humanismo, que etimologicamente significa culto, civilizado, foi um fator decisivo e influenciador do Renascimento, prestando tributo às letras, belas artes e ciência, ao estudo dos problemas de que o ser humano é o centro, reabilitando a antiguidade grega e latina, pensadores e filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles, escritores como Homero, Cícero e Virgílio, nomes como Ovídio, Suetónio e Tito Lívio, sem esquecer a época de Péricles (Grécia) e de Augusto (Roma).

 

Foi em Itália, pátria da antiga civilização romana, que surgiu o movimento humanista, florescendo em Florença, Génova, Milão, Pádua, Pisa, Roma e Veneza, tendo como precursores Dante, Petrarca e Bocácio, contagiando as elites, governantes, desde papas, príncipes, banqueiros, senhores da guerra e da paz, riqueza e poder, detentores do poder espiritual e temporal, surgindo novos mecenas, protetores das letras, artes e ciência.

 

Cria-se uma união entre o espírito religioso e a curiosidade profana, com o reabilitar, por um lado, da cultura e herança mitológica greco-latina, até então tidas como pagãs e opostas ao cristianismo, e, por outro, com o redescobrir das ciências exatas, experimentais e naturais, bem como de disciplinas esotéricas, como a alquimia e a astrologia.   

 

Homens da Igreja, como S. Bernardo e S. Tomás de Aquino, tendo estudado e lido literatos e poetas da antiguidade clássica, procuraram integrar o humanismo no cristianismo. O mesmo sucedeu com os monges, nos conventos, ao copiarem obras famosas da antiguidade, salvando-as do esquecimento. 

 

A corrente humanista dissemina-se em visões diferentes. Para os que admiram Platão, sendo o mundo terreno uma rude cópia de um outro verdadeiro e eterno, veem no seu mentor um antecessor de Cristo e no seu pensamento um meio do ser humano se elevar até Deus. O amor humano era uma faísca do divino. A inteligência humana uma fagulha da divina. Os mortais, uma imperfeição da perfeição divina. O culto do amor, da beleza, da bondade, da justiça e da razão, feito pelos autores clássicos, como Platão, aproximava o humano do sagrado e do cristianismo. Tomás Moro, na sua Utopia, inspira-se em Platão, ao imaginar uma sociedade ideal, perfeita, numa ilha longínqua que não existe em lado algum.

 

Outros depuraram e cristianizaram a doutrina de Aristóteles, transformando o ensino em habilidosos raciocínios fundados em silogismos, sem abertura para novos voos que o humanismo explorava. Outros ainda, como Maquiavel, baseado na história de Roma e na Política de Aristóteles, escreve O Príncipe, em que razões de Estado justificam os meios para atingir os fins.

 

Mas surgiriam academias e colégios subsidiados por príncipes, reis e mecenas, onde tudo era debatido, ultrapassando a tradicional escolástica universitária, em que a ciência evoluiria a par da evolução filosófica, sendo Leonardo da Vinci tido como o seu máximo representante.

 

02.01.2018
Joaquim Miguel De Morgado Patrício 

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

A conceção artística do Renascimento, segundo Arnold Hauser. 

 

No texto 'Concepto de Renacimiento. Artistas y vida social en el siglo XV.' de Arnold Hauser, lê-se que a conceção atual do mundo naturalista e científico, é uma criação do Renascimento. 

 

Porém, o interesse pela individualidade, pela investigação das leis naturais, pelo sentido de fidelidade à natureza, na arte e na literatura, não começa no Renascimento, mas sim no Gótico. 

 

No Renascimento aflora, claramente, a conceção individual das coisas individuais. Hauser afirma que o individualismo é utilizado como instrumento de luta. 

 

Na realidade, o Renascimento traz uma transformação: o simbolismo metafísico desvanece-se totalmente e o artista representa conscientemente o mundo sensível. Essencial, nesta nova conceção artística do Renascimento, é o princípio da unidade e a força do efeito total - onde predomina sempre o princípio da expansão e não o da concentração, o da coordenação e não o da subordinação, a sequência aberta e não a forma geométrica encerrada. Para Hauser, a arte Renascentista, mostra sempre uma visão panorâmica da realidade e não uma imagem unilateral, dominada por um único ponto de vista. Não se deseja deter o espectador perante nenhum detalhe e não se consente separar, nenhum dos elementos, do conjunto da representação. A arte Renascentista obriga sim a um envolvimento simultâneo de todas as partes.

 

O que é fundamental na conceção artística do Renascimento, é o descobrimento da ideia de génio (onde se reconhece o elevado valor da originalidade e da espontaneidade do espírito). A obra de arte é criação de uma personalidade autónoma - e esta personalidade está acima de qualquer tradição, doutrina ou lei e inclusivamente acima da própria obra. As leis da obra são determinadas pela personalidade, isto porque a personalidade é mais rica e mais profunda que a obra e não se chega a expressar por completo em nenhuma realização objetiva. A ideia de génio como dom divino; como força inata e intransmissível; a doutrina da lei própria excecional (que pode e deve seguir o génio); a justificação do carácter especial do artista genial - todos estes pensamentos aparecem pela primeira vez na sociedade renascentista (não esquecer de que na Idade Média recomendava-se a imitação dos grandes mestres e tinha-se por lícito o plágio).

 

No Renascimento, existe então uma personalidade distinta da obra e que age por excecionalidade e por livre vontade, de modo a criar através de uma visão abrangente e total.

 

Ana Ruepp