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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CADA TERRA COM SEU USO


Alegoria à Constituição de 1822 – Domingos A. de Sequeira


XV. Da "Viradeira" à Revolução liberal


Com a morte de D. José (1777), caiu em desgraça o Marquês de Pombal. Ao subir ao trono D. Maria I vai procurar reparar o que se considerava serem as maiores injustiças cometidas pelo favorito de seu pai. Dá-se início à chamada “Viradeira”, que se vai limitar, porém, apenas a alguns aspetos da política anterior. Há uma relativa reabilitação da família dos Távoras e uma tentativa de responsabilização de Sebastião José, sem consequências significativas. José Seabra da Silva (1732-1813), o autor da “Dedução Cronológica”, que caíra em desgraça e fora desterrado por Pombal para o Brasil e África por razões nunca esclarecidas, assume funções de Secretário de Estado dos Negócios do Reino (1788-1799), sendo depois afastado por discordar da atribuição de plenos poderes ao Príncipe D. João ainda em vida de sua mãe, D. Maria I (1734-1816), a quem fora diagnosticada grave doença do foro psiquiátrico. Entre as decisões que foram adotadas no seu reinado avultam a fundação da Academia das Ciências de Lisboa (1779), da Real Biblioteca Pública (1796) e da Casa Pia de Lisboa (1780). Diogo Inácio de Pina Manique (1733-1805), Intendente Geral da Polícia, foi o impulsionador desta última instituição, para socorro dos pobres e ensino dos órfãos. A perseguição dos afrancesados partidários da Revolução Francesa por Pina Manique foi controversa, levando, aliás, ao seu afastamento em 1803… Pode dizer-se, assim, que a “Viradeira” é um movimento complexo e ambíguo, já que se há medidas que contrariam a orientação iluminista de Pombal, outras dão-lhe continuidade…


O final do século XVIII será marcado na Europa pela Revolução Francesa e pela ofensiva de Napoleão. As guerras peninsulares constituíram um momento especialmente importante até porque o expansionismo napoleónico encontrou aqui uma forte resistência, em virtude da aposta britânica em complementar a vitória marítima de Trafalgar (1805), beneficiando do acesso por mar relativamente fácil, a partir das ilhas britânicas, em contraste com as dificuldades sentidas pelos franceses, que não dominavam o Golfo da Gasconha. Enquanto os britânicos chegavam por mar, vindos do sul de Inglaterra sem perdas, os franceses, ao passarem os Pirenéus, tinham uma marcha muito depauperante. A Península Ibérica teve, assim, dois destinos: o da salvaguarda da independência portuguesa, graças ao movimento determinante da saída da corte para o Rio de Janeiro, com a criação do único império europeu dirigido da América do Sul; enquanto Espanha teve de sofrer a momentânea perda da independência. Em novembro de 1806, aquando da conquista de Berlim, o Imperador Napoleão proclamou o bloqueio continental, que exigia o fecho de todos os portos europeus aos navios de Sua Majestade Britânica. Esta medida visava a paralisia da indústria britânica e uma inevitável crise social. O príncipe regente D. João, em Portugal, foi protelando a aplicação da decisão, de consequências imprevisíveis. Para o Reino Unido, a Dinamarca e Portugal, pelas armadas importantes que possuíam, eram duas peças chave para um eventual sucesso do bloqueio e para a afirmação do domínio napoleónico. Em Friedland (1807), Alexandre I, czar da Rússia, ficou submetido ao domínio de Bonaparte, o que tornava a fachada atlântica de Portugal – onde se não aplicara o bloqueio – ainda mais decisiva para as aspirações da velha Albion. Aquando dos Tratados com a Rússia e a Prússia de Tilsit (1807), o imperador decide secretamente a ocupação da Península Ibérica, da Suécia e da Dinamarca, devendo as casas reinantes ser depostas e substituídas por monarcas da confiança do Imperador. Em consequência, em setembro de 1807 Copenhaga foi bombardeada preventivamente pelos britânicos, que se apoderaram da esquadra do reino. O bombardeamento britânico de Copenhaga teve um efeito europeu de curto prazo pernicioso, uma vez que conduziu à adesão ao bloqueio de alguns estados que se tinham mantido neutrais até então. A Inglaterra chegou a pôr a hipótese de invadir Portugal, se tal fosse necessário, mas prevaleceu a cobertura defensiva da saída da corte portuguesa para o Brasil – nos termos da convenção secreta de 22 de outubro de 1807. O estudo económico deste período ocupou António Alves Caetano em «Os Socorros Pecuniários Britânicos destinados ao Exército Português (1809-1814) – Subsídios para a História da Guerra de Libertação Nacional» (ed. Autor, 2013), ensaio que explica o sucedido. Sabemos como a frota portuguesa era ambicionada por Napoleão. Jean-Andoche Junot foi, por isso, incumbindo de apresar a armada, logo que chegasse a Lisboa. No entanto, os navios mais importantes tinham partido para terras de Vera Cruz, enquanto a outra parte da frota portuguesa ficou a bloquear o estuário, para evitar que as tropas imperiais fossem abastecidas e para impedir a saída de uma frota russa, que acidentalmente se acolhera ao Tejo. A ocupação de Portugal durou até setembro de 1808, tendo as tropas de Arthur Wellesley imposto aos franceses as derrotas de Roliça e Vimeiro, que puseram em xeque a posição de Junot. Vencido, Napoleão não desiste, propondo-se voltar a conquistar Portugal, encarregando dessa difícil missão o Marechal Nicolas Soult, seu favorito e herói de Austerlitz e de Iéna. A defesa de Portugal foi, no entanto, cuidadosamente preparada pelo Estado-maior britânico, permitindo que o exército português, apesar de enfraquecido, adquirisse uma apreciável capacidade de combate. Havia vantagem estratégica inglesa em Portugal pela proximidade marítima e pelo conhecimento das costas, por contraste com as dificuldades francesas. Sir Arthur Wellesley, Lorde Wellington, traz uma frota de 75 navios à foz do Mondego, em agosto de 1808, com víveres e forragens para os cavalos. O percurso da Figueira da Foz até Lisboa é feito junto ao mar, com o apoio da esquadra e assim ocorreu uma claríssima vitória da logística. William Beresford chegou a Portugal em março de 1809 e foi-lhe confiado o comando e a reorganização do exército, com o apoio do secretário do Governo para a Guerra, D. Miguel Pereira Forjaz. Mercê de uma minuciosa investigação nos arquivos do Erário Régio (no Tribunal de Contas) chega-se a conclusões preciosas: sendo o auxílio financeiro britânico às tropas portuguesas essencial. O governo britânico socorreu Portugal com a entrega de dinheiro, géneros alimentícios, armas, calçado e fardamento, o que correspondeu ao valor espantoso de 70 por cento das receitas totais que o Erário Régio foi capaz de captar nesses anos dramáticos. De 12 de abril de 1809 a 30 de setembro de 1814, entraram nos cofres do Erário Régio 29.258 contos de réis (cerca de 8 milhões de libras esterlinas), para manutenção de 30 mil homens (quando inicialmente tinham sido previstos efetivos de cerca de metade), num exército regular, que Portugal antes não tinha tido, tão bem equipado e eficaz. Aliás, aquando da vitória do Buçaco as apreciações do comando inglês foram encomiásticas sobre as qualidades militares dos portugueses. Acrescente-se que o auxílio financeiro da Grã-Bretanha teve o mérito de prevenir a bancarrota portuguesa, sendo que os atrasos nos pagamentos em 1814-15 foram responsáveis pelo não envio de reforços portugueses para Waterloo. O certo é que foi decisiva a determinação de Lorde Wellington para garantir os «socorros pecuniários». E os ganhos estratégicos da vitória foram evidentes: com a ativação do comércio brasileiro, o domínio do Atlântico Sul, a valorização do porto de Lisboa e do sal de Setúbal – e a reorganização do Exército português, graças ao planeamento de William Beresford.


Agostinho de Morai
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A VIDA DOS LIVROS

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  De 7 a 13 de setembro de 2020

 

Quando lemos o romance de Álvaro Guerra, Razões de Coração (1991) (D. Quixote, 2008) passado na vila de Mafra no ano de 1808, em plena guerra peninsular, durante a tentativa de invasão napoleónica, compreendemos como a História e a memória não podem misturar-se e não devem confundir-se.

 

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AS RAÍZES DA REVOLUÇÃO LIBERAL

Ao celebrarmos os duzentos anos da Revolução de 1820, recordamos o momento fundador da moderna democracia portuguesa. Se é certo que o início desse processo foi pleno de vicissitudes, a verdade é que há uma História que permanece atual, no sentido do aperfeiçoamento de uma cidadania inclusiva e responsável – baseada na soberania dos povos e nos direitos e liberdades fundamentais. As origens merecem uma especial reflexão. Trata-se de um tema bem atual. No enredo, Frei Pedro Taveira empenha-se na resistência, discreta e persistente, ao invasor, os filhos de Beatriz de Almeida, representando a sociedade toda e as suas contradições, dividiram-se entre a guerrilha contra o invasor, o que restava do exército português e o partido de Junot. Entretanto, Mariana e Philipe, ela da pequena nobreza, ele capitão dos dragões do exército de Napoleão, apaixonam-se e têm perspetivas algo diferentes mas complementares, ela ansiando por um Portugal moderno e europeu, ele farto da guerra e dos caminhos perdidos. Falamos, assim, da necessidade de compreender que o combate pela democracia e pela liberdade é uma exigência permanente comportando diversos caminhos. E se falo de um romance é porque ele contém todos os ingredientes que antecipam a Revolução liberal de 1820. Está presente um movimento popular heterogéneo e contraditório, servido por um comum desejo de independência e de soberania. A sociedade antiga resiste, os partidários das novas ideias sentem a contradição entre o carácter de invasores dos franceses e as ideias emancipadoras que a Revolução Francesa semeara.


A MEMÓRIA E A HISTÓRIA

Aqui se ilustra bem como a memória e a História têm de ser distinguidas, sendo genuinamente complementares. Se julgássemos os acontecimentos, à luz do que pensamos hoje e do que sabemos da História, chegaríamos a conclusões quase absurdas. Os diferentes protagonistas têm visões e atitudes diferentes, mas a História resulta da coexistência e da evolução de muitos caminhos, sempre plenos de dúvidas e contradições. De facto, no ambiente de 1808 encontramos o caldo de cultura que culminará em 1820, na revolução do Porto: há a recusa da dominação pelos invasores; há a aceitação transitória da ajuda dos britânicos, para manter a independência; há a tomada de consciência de que urge o primado da lei e que os ideais da Liberdade, Igualdade e Fraternidade da Revolução Francesa têm de ser preservados, apesar dos excessos. As atitudes complementam-se e a História, na sua complexidade, permitirá: a resistência, o desejo de liberdade, a conquista da soberania popular, a importância da separação de poderes, a ligação entre tradição e modernidade. Não por acaso o constitucionalismo ibérico andou a par – com referência essencial à Constituição de Cádis de 1812, “La Pepa”, tão presente na luta comum dos povos peninsulares. O fundo quase republicano de 1812, ou o de Portugal em 1820, deveu-se à ausência dos respetivos Reis. Os tempos tenderiam a ajustar as situações, mas a verdade é que a causa liberal fortaleceu-se pelo reconhecimento do direito dos povos a disporem do seu próprio destino, em nome do equilíbrio de poderes e da soberania popular de Montesquieu, aspetos presentes na pioneira Constituição da Córsega de 1755. A razão histórica nunca está só nem é absoluta. A memória para ser viva não pode ser fechada nem autossuficiente. Alexandre Herculano, que foi crítico da versão republicanizante do texto de 1822, inclinando-se mais para a legitimidade da Carta Constitucional de 1826, tornar-se-ia partidário entusiasta da Constituição de 1838 e do Ato Adicional à Carta de 1852, mercê do compromisso, da descentralização, da participação e da representação dos cidadãos. Afinal, a superioridade ética e política do constitucionalismo deve-se à sua plasticidade e sobretudo ao respeito pelas instituições e pela sua função mediadora, pondo as pessoas e os seus direitos e deveres, em primeiro lugar. A visão prospetiva dos acontecimentos, e não a História como deveria ter sido, obriga-nos a tirar lições do passado, segundo o patriotismo constitucional de que precisamos.


PEDRA DE TOQUE DE REGIME JUSTO

Para usar a expressão de Almeida Garrett, cidadão maduro: a Constituição deveria ser a pedra de toque de um regime justo, promover um governo representativo, e segurar a majestade do Povo, a liberdade da Nação, os direitos do Trono, a santidade da religião, e o império das leis. E a Carta Constitucional completada pelo Ato Adicional de 1852 (como Herculano defendeu) tornar-se-ia, assim, a mais duradoura das nossas Constituições, baseada num consenso cívico e político importante. A vida do constitucionalismo português tem-se feito e continuará a fazer-se, pois, gradualmente. Por isso, Garrett, no início deslumbrado por Rousseau, cartista crítico, aderiria a Montesquieu e a Chateaubriand. Alexandre Herculano, cartista de alma e coração tornar-se-ia paladino da Constituição de 1838, cuja matriz estava na Lei Fundamental de 1822, limada de algumas angulosidades. E não se esqueça como o então moderadíssimo Herculano foi obrigado em 1831 a partir para o exílio, perseguido pelo mais cego dos radicalismos absolutistas. Se a Constituição da República Portuguesa de 1976 resultou de um compromisso complexo mas essencial, que perdura, a verdade é que ele se inseriu na tradição começada em 24 de agosto de 1820, no caminho fecundo do Estado de Direito, da soberania popular, do primado da lei, da legitimidade democrática e dos direitos fundamentais…

Guilherme d’Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões – Ensaio Geral, Rádio Renascença

A VIDA DOS LIVROS

De 16 a 22 de dezembro de 2019

 

“A Revolução Liberal de 1820” de José Luís Cardoso (CTT, 2019) constitui um repositório rigoroso, acessível e pedagógico sobre a fundação do constitucionalismo em Portugal.

 

REVOLUÇÃO NO PORTO
Foi em 24 de agosto de 1820 que teve lugar no Porto a nossa primeira revolução liberal vitoriosa. A Corte encontrava-se desde 1808 no Rio de Janeiro e o país sentia-se órfão e empobrecido pela subalternidade económica e política. O Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves significava desde 1815 a existência jurídica e política de dois reinos. No entanto, a cabeça dessa unidade encontrava-se no Brasil. Tratou-se de um caso absolutamente inédito: uma potência europeia adotou como capital uma importante cidade situada numa colónia, o que naturalmente abriu caminho à independência jurídica do Brasil, que, em bom rigor, não ocorreu em 7 de setembro de 1822, como registam os anais políticos, mas, como se disse, em dezembro de 1815, no momento em que se institucionalizou o Reino Unido, já que, a partir de então, foi reconhecida, antes do mais por Portugal, a independência da antiga colónia. O detonador da revolução de 1820 foi a presença britânica e o facto desta reduzir o Reino a uma natureza subalterna. A longa presença da Inglaterra fora, contudo, indispensável para preservar a independência do País perante a ameaça napoleónica, mas tornou-se opressiva e discricionária, quando não ditatorial, E assim as tropas estabelecidas no Porto juntaram-se para demonstrar a sua oposição à regência que governava em nome de D. João VI e para exigir o regresso do monarca a Lisboa e confiar a uma junta governativa provisória o mandato de preparar a convocação de Cortes com vista à elaboração de uma Constituição baseada na soberania popular. Almeida Garrett dirá: “A última hora da tirania soou; o fanatismo que ocupava a face da terra desapareceu; o sol da liberdade brilhou no nosso horizonte, e as derradeiras trevas do despotismo foram, dissipadas por seus raios, sepultar-se no inferno”. Logo de início, a inspiração foi procurada na Constituição espanhola de Cádis de 1812 e utilizou-se a bandeira liberal para reivindicar um modelo de organização política baseado na separação de poderes e na defesa dos direitos e garantias individuais. A revolução feita sob a invocação da “regeneração da pátria” juntava-se às revoluções britânica de 1688, à americana de 1776 e à francesa de 1789. Estava em causa a soberania assente nas liberdades individuais.

 

QUE CAMINHO ATÉ AQUI?
A abertura dos portos brasileiros ao comércio internacional, a ausência da Corte, o apagamento da participação portuguesa no Congresso de Viena, a condenação à morte de Gomes Freire de Andrade e dos mártires da pátria em condições infamantes – tudo convergiu para o movimento liberal. Manuel Fernandes Tomás, Ferreira Borges, Silva Carvalho, José Liberato Freire de Carvalho, Sebastião de Brito Cabreira, Bernardo Sepúlveda são protagonistas de uma operação vitoriosa que correspondeu aos legítimos anseios do País. Recorde-se que se constituíra no Porto em 22 de janeiro de 1818 o Sinédrio, após a revolta falhada de Gomes Freire, para preparar a revolução liberal – tratava-se de uma instituição clandestina que se extinguiria com a revolução de 1820, tendo vários dos seus membros passado a pertencer à Junta Provisional do Governo Supremo do Reino. A ação do Sinédrio será fundamental na preparação da Revolução vitoriosa, apesar das grandes cautelas com a segurança, perante o precedente do golpe de 1817 e das suas funestas e trágicas consequências. Para os membros do Sinédrio o triunfo liberal em Espanha “foi uma espécie de luz verde que ditou a passagem da fase de observação e vigilância a uma nova etapa de ação direta”. A entrada de representantes do exército no Sinédrio, pouco antes do pronunciamento foi “o sinal óbvio de que, para ser bem-sucedida, a revolução tinha de albergar no seu núcleo dirigente alguém a quem se pudesse confiar a chefia das operações militares. Neste sentido a adesão e participação do coronel Sepúlveda, do regimento de Infantaria nº 18 do Porto, viria a revelar-se absolutamente crucial e decisiva”. Deve ainda referir-se a participação no núcleo revolucionário de representantes do clero ilustrado, como Frei Francisco de S. Luís, e da fidalguia transmontana, na pessoa de António da Silveira Pinto da Fonseca. No entanto, nem tudo foi fácil. Houve a tentativa de aproveitamento da estada de Beresford no Rio de Janeiro, mas o certo é que houve que adiar a data do pronunciamento, por falta de condições propícias. Por outro lado, houve ainda que evitar os aproveitamentos pró-iberistas dos liberais espanhóis, que poderiam prejudicar o consenso patriótico obtido em Portugal. Como disse Silva Carvalho: “Rompeu o dia 24, e ao som dos clarins, e da artilharia se fizeram em pedaços os grilhões que nos algemavam, e com tanto sossego se proclamou a nossa independência, que ninguém sofreu o mais pequeno incómodo: imenso povo assistiu à reunião das tropas em Santo Ovídio, ouviu as proclamações, misturou-se no meio dos vivas, e da alegria com a tropa de tal maneira que quando chegaram à praça nova o contentamento era universal”. Num dos textos mais relevantes dos primeiros dias da revolução, Frei Francisco de S. Luís dirigiu-se aos membros da regência “de forma elegante e pedagógica, sem vislumbre de hostilidade, argumentando que o pronunciamento de 24 de agosto e a Junta Provisional que dele emanava cumpriam objetivos e propósitos de lealdade ao rei a que ninguém se poderia furtar. Por isso, apelava a que nenhuma resistência fosse demonstrada, para que todos pudessem celebrar um momento de honra e reconciliação nacional que libertaria o país do ‘triste estado de miséria e opressão’ em que se achava”.

 

MÚLTIPLAS VICISSITUDES
Contudo, não deixaram de ter lugar diversas vicissitudes, como a tentativa de golpe conhecido como “Martinhada” (11 de novembro), em que a fação militar de Silveira e Cabreira tentou pôr em causa os civis mais influentes como Fernandes Tomás e Silva Carvalho. Não teve sucesso esse movimento, prevalecendo a influência civil e sobretudo a determinação em aprovar uma Constituição nacional e legítima. O processo constituinte iniciou-se logo após a eleição de dezembro de 1820 mas sofreu de hesitações próprias da incerteza, das contradições internas, dos receios sobre as reações internacionais – apesar da clareza dos princípios e objetivos essenciais. A Constituição que sairia da Assembleia Constituinte que reuniu no Palácio das Necessidades poria a tónica na soberania popular, na independência e separação de poderes, “esquecendo”, porém, o rei ausente – o que exige o regresso rápido de D. João VI. Impor-se-ia o respeito pelo Estado de Direito, mas depressa se percebeu que, em nome da estabilidade, havia poderes que teriam de ser salvaguardados. O Executivo e o Rei possuíam poderes diminutos. Haveria que garantir um maior equilíbrio de competências. Estes argumentos prevaleceriam na “Vilafrancada” (1823), perante a qual o rei prometeria para breve uma nova proposta de Lei Fundamental, que nunca viria a concretizar-se… Apesar da vigência efémera da Constituição de 1822, a verdade é que uma longa e profícua história então se iniciou, plena de conflitos e contratempos, mas finalmente consagradora da causa da Liberdade, como ocorreria depois da Guerra Civil em Évora-Monte (1834) e finalmente no longo período iniciado em 1851, no qual antigos os opositores das guerras civis privilegiaram um acordo em que a alternância política, ao menos formal (rotativismo), se tornou uma realidade, que teve como pano de fundo o quadro importante de liberdades civis. Com grande cuidado, encontramos, assim, ao longo desta obra não só a evolução das ideias e dos acontecimentos, mas também um enquadramento geral, sobre o modo como nacional e internacionalmente tudo se foi passando…    

 

Guilherme d'Oliveira Martins
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