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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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NOVA EVOCAÇÃO HISTÓRICA DE SÁ DE MIRANDA

 

Vale a pena fazer nova referência a Sá de Miranda, que, como já vimos, neste ano de 2021 consagra diversas ocorrências relacionadas com a própria cronologia histórica do teatro português. E isto sobretudo porque, como já referido, estava algo esquecido no contexto da história do espetáculo.


O certo é que como já vimos, a Sá de Miranda se devem iniciativas que sucessivamente justificarão estas breves análises evocativas: pois, nascido em 28 de agosto de 1481, há portanto exato 540 anos, o certo é que a sua criação e contribuição para a história e estética do teatro português, expressa, como já vimos, em pouca criação, marcou uma perspetiva renovadora que ainda hoje se mantém.


São poucas as peças escritas por Sá de Miranda: e no entanto, a criatividade e qualidade dos textos, então extremamente modernos e hoje e sempre atuais na qualidade e representatividade, marcaram a própria evolução estética do teatro português.


De qualquer maneira, e como já vimos, o que até nós chegou foram apenas duas peças, “Estrangeiros” (1528) e “Vilhalpandos” (1538), além de um esboço em verso, denominado “Cleópatra”, que não chegou até nós de forma potencialmente cenográfica ou mesmo literária.


Em 1521, portanto há exatos 500 anos, Sá de Miranda parte para Itália onde permanece até 1526. Em Itália convive com autores então e ainda hoje muito marcantes na renovação do teatro:


Ariosto, Bembo, Andalette ou Sammazzaro, na época e alguns ainda hoje relevantes na cultura e na técnica teatral. 


As peças são sobretudo evocadas na relevância puramente literária: mas as que chegam ainda hoje aos palcos mostram um sentido de espetáculo que em si mesmo é e será sempre relevante. E a esse respeito vale a pena citar algumas passagens do prólogo dos “Estrangeiros”, hoje de certo modo uma peça esquecida mas sempre, insistimos, relevante. 


Diz então aí Sá de Miranda, remetendo para uma personagem simbólica:


“Sou então uma pobre velha estrangeira, o meu nome é comédia (…) eu não nasci em Grécia e lá me foi posto o nome por outras razões que não pertencem a esta vossa língua. Aí vivi muitos anos (…) Passaram-me depois a Roma, pera onde então, por mandado da fortuna, corria tudo. (…)  cheguei a tanto que não me faleceu um nada de deusa; depois a grandeza daquele Império, que parecia para nunca mais acabar, todavia acabou. E assim como a sua queda foi grande, assim levou tudo consigo, ali me perdi eu com muitas das boas artes, e aí houvemos longo tempo como enterradas, que já quase não havia memória de nós, até que alguns vizinhos, que duns nos outros ficara alguma lembrança cavaram tanto que nos tornaram à vida, maltratadas porem e pouco para ver”…


Faremos ainda uma nova referência histórica a partir da minha “História do Teatro Português”.


Aí se diz que os dramaturgos designadamente António Prestes ou Luís de Camões, este, note-se bem, apenas como dramaturgo, se surgem numa perspetiva renovada, já marcada pelo Renascimento, isso em parte se deve ao mérito esforçado de Sá de Miranda, sobretudo de Vilhalpandos. A maior dinâmica cénica desta comédia torna-a eventualmente mais acessível ao espetador de hoje…


E acrescento ainda outra citação:


“A Comédia, tão estimada nos tempos antigos que aí disseram aqueles grandes engenhos que era, senão uma pintura da vida comum? À dos Príncipes se repartiu a tragédia”! (cit. Na “História do Teatro Português” de José Oliveira Barata).


Neste contexto, novamente evocamos este autor!

 

DUARTE IVO CRUZ

CRONOLOGIA COM REPERCUSSÃO TEATRAL: SÁ DE MIRANDA EM ITÁLIA

 

A cronologia justifica esta análise da vida e obra de um grande escritor português que ainda hoje marca a criatividade literária: e isto, não obstante a escassez da criação/produção teatral respetiva. Referimos então aqui o teatro criado por Sá de Miranda (1481-1558) escasso na criação em si mesma considerada mas relevante e significativo na expressão inovadora, concretizada em apenas duas peças mas subjacente a toda a qualidade criacional literária deste escritor/doutrinador no âmbito da literatura portuguesa.


E será questionável essa pouca projeção da criação teatral vinda de um autor que teve ensejo de contactar os meios teatrais /culturais da época. Efetivamente, a dramaturgia criada será escassa: e podemos então imaginar o que seria se o autor mais se interessasse pelo teatro. Mas em qualquer caso merece destaque.


Importa então ter presente que Sá de Miranda, nascido como já referimos em 1481, portanto há exatos 540 anos, parte para Itália em 1521, portanto há exatos 5 séculos! Ali se integra no meio cultural dominante: mantém contactos com autores de relevo como Ariosto, Bembo, Sandalette ou Sannazano, nomes na época extremamente projetados, como aliás o primeiro ainda hoje o será...


Em Itália permanece até 1526. No regresso, em Madrid, convive com Lope de Vega.


Instala-se em Lisboa e faz representar duas peças, “Vilhalpandos” em 1528 e “Estrangeiros”, esta em 1538.


Obra pois breve e esparsa, mas hoje assinalável pela qualidade cénica e sobretudo literária. Podemos então imaginar a relevância que teria o teatro de Sá de Miranda, se efetivamente se tivesse dedicado à criação da arte do espetáculo!


Mas mesmo escasso, o seu teatro é relevante, sobretudo porque introduz aqui uma cultura europeia na época assinalável. E isso deve-se em grande parte a importância, na época e ainda hoje, dos contactos estabelecidos nessa longa estadia em meios culturais. José Oliveira Barata, na “História do Teatro Português” editada pela Universidade Aberta em 1991, cita designadamente Ariosto, Bembo, Sannazano, ou, na viagem de regresso, Graciliano de Ia Vega e Juan Boscan.


É então de assinalar a inovação técnica e literária desta obra dramática, escassa que seja e é. No entanto, essa escassez não se reflete no sentido cénico inerente.


Antes pelo contrário: tal como refere José Oliveira Barata na “História do Teatro Português”, “o pioneirismo que pode, em alguns casos, ensombrar a qualidade das duas comédias de Sá de Miranda não esconde porém a importância decisiva dessas comédias enquanto modelos práticos que abrem caminho as posteriores experiências de António Ferreira, Jorge Ferreira de Vasconcelos ou, inclusive, Camões”. Saliente-se aliás que estes autores, para Iá da projeção da obra de cada um deles no seu conjunto, oferecem uma indiscutível e permanente qualidade no que respeita a criação teatral...


E citamos então aqui a “Dedicatória Ao Infante Cardeal Dom Henrique” como tal transcrita por José Oliveira Barata na “História do Teatro Português” (ed. Universidade Aberta 1991):


“A comédia, qual é, tal é, aIde e mal ataviada. Esta so Iembranca fiz a partida, que se não desculpasse de querer as vezes arremedar Plauto e Terêncio, porque em outras partes Ihe fora grande louvor, e se as mais tambérn Ihe acoimassem a pessoa de urn Doutor, como tomada de Ludovico Ariosto que Ihes pusesse diante os três advogados de Terêncio, dos quais urn nega, outro afirma, o terceiro duvida, como inda cada dia assim que desde aquele tempo vem o furto (...) E quanto a comédia que de nele se ha de fazer parece-me bern que faca na claustra da portaria como me ele escreve”...


E finalmente, uma referência à internacionalização, hoje esquecida, de Sá de Miranda.


Pois Luciana Stegagno Picchio, comentadora italiana, precisamente escreveu na “História do Teatro Português”:


“Embora a ação de “Os Estrangeiros” decorresse em Palermo e as personagens ostentassem nomes de feição clássica (Amente, Devorante, Petronio, Cassiana), o todo exaltava ainda um saboroso perfume Ibérico, composto de grosseiros jogos de palavras, de piscar de olhos, de concessão a um público plebeu acostumado as chalaças vicentinas tão caseiras, tão pejadas de história local”...


Assim mesmo!

 

DUARTE IVO CRUZ

SÁ DE MIRANDA E A INTERNACIONALIZAÇÃO DO TEATRO PORTUGUÊS

 

Será oportuna esta evocação da obra teatral de Sá de Miranda (1481- 1558), dada a perspetiva de internacionalização cultural e de certo modo técnica, aplicável à criação dramatúrgica em si mesma: e isto, não obstante essa produção, na obra que agora analisamos, ser escassa.


Luiz Francisco Rebello, na “História do Teatro Português” (3ª ed. 1981) refere que a Sá de Miranda se deve “a primeira tentativa de integração” das “novas estruturas dramatúrgicas impostas pela estéticas renascentista”.  De Sá de Miranda chegaram-nos apenas duas peças: “Estrangeiros” (1528) e “Vilhalpandos” (1538), além de um esboço em verso, não consagrado, que intitulou “Cleópatra”.


Temos pois um dramaturgo limitado a duas obras: e no entanto, justifica-se a referência, pois significa, nas suas óbvias limitações, como que uma internacionalização do teatro produzido em Portugal.


Escassa dramaturgia, portanto. Mas importa ter presente aspetos específicos que se prendem com a internacionalização cultural que estas peças, em si mesmas, envolvem. Não é por acaso que tal ocorre.


Sucede efetivamente que Sá de Miranda parte para Itália em 1521, portanto há praticamente 5 séculos. Nestas vésperas de consagração cronológica, justifica-se a evocação, mesmo admitindo desde já que a dramaturgia em si mesma de Sá de Miranda, como vimos é escassa e não é especialmente relevante: mas importa verificar como representa uma “internacionalização” cultural, digamos assim, com base em influências relevantes da época e ainda hoje: e isto, não obstante a qualidade relativa das expressões dramáticas em si mesmas. Pois de facto Sá de Miranda não é especialmente marcado pela técnica já então muito desenvolvida, sobretudo no teatro italiano.


E a esse respeito, é oportuno citar precisamente a opinião da historiadora italiana Luciana Stegagno Picchio, que dedicou ao teatro português estudos de relevo muitas vezes aqui referidos. Pois, a propósito da peça “Estrangeiros” Luciana escreveu:


“Embora a ação de “Os Estrangeiros” decorresse em Palermo e as personagens ostentassem nomes de feição clássica (Amente, Devorante, Petrónio, Cassiano), o todo exalava ainda um saboroso perfume ibérico, composto de grosseiros jogos de palavras, de pescar de olhos, de concessões a um público plebeu acostumado às chalaças vicentinas, tão caseiras, tão pejadas de história local”, assim mesmo!... (in “História do Teatro Português” 1960)


E terminamos esta evocação com uma longa transcrição da dedicatória de Sá de Miranda em “Estrangeiros” ao Cardeal D. Henrique, que citamos na nossa “História do Teatro Português” (2001):


“A comédia, qual é tal, aldeã e mal ataviada. Esta só lembrança lhe fiz à partida, que não se desculpasse de querer às vezes arremedar Plauto e Terêncio, porque em outras partes lhe fora grande louvor, e se mais também acoimassem a pessoa de um Doutor, como tomada de Ludovico Ariosto, que lhe pusesse diante os três advogados de Terêncio, dos quais um nega, outro afirma, o terceiro duvida, como ainda acontece: assim que desde aquele tempo já vem o furto.”


Assim mesmo! E vale a pena recordar como a história do teatro em Portugal, apesar das limitações, é variada!...

DUARTE IVO CRUZ