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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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OS 125 ANOS DO TEATRO SÃO LUIZ

 

Temos aqui referido o Teatro de São Luiz em perspetivas que englobam eventos, espetáculos e comemorações realizadas nesta bela sala que tanto marca a vida cultural de Lisboa e mesmo do país, a partir da sua conceção, construção, inauguração e atividade, como teatro, como cinema, como sala de concertos e centro cultural: e também como referência da área urbana em que se inscreve e das variantes urbanas e culturais que sucessivamente envolve.

 

Pois é hoje oportuno recordar que se assinala no dia 22 de maio o 125º aniversário da inauguração do então Theatro Dona Amélia, homenagem à  rainha, com a estreia em Lisboa da ópera “A Filha do Tambor Mor” de  Offenbach, numa produção italiana que aliás constitui, ao longo de decénios, uma das características das sucessivas explorações desta sala de espetáculos, também sucessivamente denominada Theatro da Republica, São Luiz Cine e Teatro São Luiz, conforme o regime e a atividade dominante em cada época.

 

Ardeu em 1915, foi devidamente restaurado, adotou o nome atual em 1918 e é explorado também e por vezes exclusivamente ou quase como cinema a partir de 1926.

 

 A designação decorre da construção se ficar a dever a uma individualidade, o Visconde de São Luiz Braga, nascido no Brasil de pais portugueses e que se fixaria também em Lisboa. De assinalar que o Teatro e depois Cinema São Luiz é um projeto de Ernesto Luis Raymond com intervenções dos cenógrafos Luigi Manini e Carlo Rossi.

 

O certo é que, passados estes 125 anos de constante atividade, o Teatro-Cinema São Luiz, a certa altura municipalizado, constitui um referencial da arquitetura e da atividade de espetáculo e de cultural em geral.

 

E é de assinalar designadamente o período em que o Teatro foi dirigido por Luiz Francisco Rebello que em 1971 se demitiu da atividade por problemas ligados à censura de um espetáculo programado – “A Mãe” de Witckiewicz, que não chegou a estrear.

 

Já aqui recordei a colaboração que na época prestei a Rebello na direção do teatro:  e tal como escrevi, acompanhei-o na saída da direção.

 

Mas ficou até hoje a recordação, e para mim é oportuno referi-la nestes 125 anos do Teatro São Luiz.

 

E não é demais assinalar a extraordinária coleção de placas que, desde quase as origens até hoje, assinalam a realização de espetáculos e eventos de cultura realizados no São Luiz!

 

Voltaremos a referir esta comemoração dos 125 anos de um teatro de Lisboa.

 

DUARTE IVO CRUZ

NO TEATRO SÃO LUIZ, MEMÓRIA DA COMPANHIA DE TEATRO MUNICIPAL


Em novembro de 1971 inicia-se no Teatro São Luiz a primeira temporada do que se denominou Teatro Municipal de Lisboa: companhia patrocinada pela Câmara Municipal, que adquirira e  recuperara o velho Cine Teatro. Organizou-se então no próprio São Luiz um chamado Departamento Teatral dirigido por Luiz Francisco Rebello onde tive o gosto de colaborar como adjunto do Diretor. Departamento que pouco tempo duraria...

 

Tenha-se presente que nesse período os teatros de Lisboa prosseguiam uma temporada interessante em matéria de textos e autores. Recorde-se designadamente que o Teatro Nacional levava à cena, no Trindade, o “Calígula” de Albert Camus; e as outras empresas: no Laura Alves, “Quem tem Medo de Virgínia Woolf” de Edward Albee; no Monumental, “Uma Cama para Toda a Gente” de Jean de Létraz; no Capitólio, “A Querida Mamã” de André Roussin; no Villaret “O Aniversário da Tartaruga” de Garinei e outros; e duas comédias infantis no Variedades e no Capitólio; isto, além das revistas no Maria Vitória e no ABC. 

 

Havia pois teatro em Lisboa. Mas devem desde já salientar-se alguns aspetos da iniciativa do Teatro Municipal.

 

 Antes de mais, a indiscutível qualidade e prestígio de Luiz Francisco Rebello, já então e até hoje, nome referencial do meio teatral português, com a circunstância, não despicienda, da sua independência política, no contexto da época. E foi extremamente relevante a colaboração que tive ensejo de prestar.

 

Mas mais: no São Luiz, a companhia em si mesma reunia um grupo notável de atrizes a atores. Basta evocar os principais nomes que constituíram o elenco: Eunice Muñoz, Alvaro Benamor, Hugo Casais, Vitor de Sousa, Fernanda Figueiredo, Batista Fernandes, Maria de Jesus Aranda, num total de mais de 20 artistas. E como encenador, Costa Ferreira.

 

Independentemente do que significam hoje estes nomes, decorridos quase 50 anos, realce-se a qualidade do elenco: basta consultar a imprensa da época.

 

A escolha do repertório coube a Luis Francisco Rebello. Estavam previstas então quatro peças para essa temporada de 1971/1972. E eram elas “A  Salvação do Mundo” de José Régio, “A Mãe” de Stanislas Witckiewicz, “Fígados de Tigre” de Gomes de Amorim e “Platonov” de Anton Tchekov.

 

 A peça de Régio foi então reeditada num volume que servia também de programa e apresentação da companhia. Nele, Luis Francisco Rebello explica as razões desta seleção. E fá-lo com independência e objetividade. Diz:

 

“Não foi de ânimo leve que aceitei a pesada responsabilidade de assumir a direção do setor dramático de um teatro que é (deveria ser) para toda a cidade. Como qualquer outro teatro, aliás, uma vez que as lágrimas e o riso – disse-o François Mauriac -  não são o privilégio de uma só classe social. Mas o Teatro hoje atravessa (e não só em Portugal) uma fase perturbada da sua evolução, aqui agravada por fatores particulares. Creio que uma das formas de enfrentar essa crise é caprichar na apresentação, a um público que se desejaria o mais vasto possível, de espetáculos artisticamente dignos, o que só se consegue com uma rigorosa conjugação de planos em que o fenómeno dramático se organiza. Um espetáculo esteticamente inferior é, do ponto de vista social, negativo”.

 

Ora bem: esta Companhia de Teatro Municipal de Lisboa pouco haveria de durar. Na segunda peça programada, como vimos “A Mãe” de Witckiewicz, surgiu um problema com a censura. Arrastaram-se negociações, tanto mais prementes quanto é certo que o espetáculo estava em vésperas de estreia. Mas não estreou.

 

Luiz Francisco Rebello demite-se do cargo de Diretor do Teatro Municipal de Lisboa. Eu saí também.  Artur Ramos e Jorge Listopad recusam fazer encenações. E  Natália Correia retira a tradução feita para o “Platonov”.

 

Assim acabou a Companhia de Teatro Municipal.

 

DUARTE IVO CRUZ

EVOCAÇÃO DO TEATRO MUNICIPAL DE SÃO LUIZ

 

Chamam-me a atenção para um livro sobre Lisboa, publicado em Paris: “Lisbonne – Histoire, Promenades, Anthologie et Dictionnaire”, dirigido por Luísa Braz de Oliveira (ed. Robert Laffont) que evoca e analisa a cidade num pluralismo de aspetos e dimensões que efetivamente dão uma visão abrangente do historial mas também da realidade contemporânea e quotidiana: e isto, num conjunto de mais de 20 autores franceses e portugueses. E nesse conjunto heterogéneo mas coerente, sobressai a tradição de salas de espetáculo, com destaque para o que é hoje o Teatro Municipal de São Luiz. O Teatro é referido por António Pinto Ribeiro num texto denominado “Lisbonne aux Allés de Jacarandas”.

 

Mas voltemos atrás, a própria denominação merece referência histórica. Na verdade o teatro é inaugurado em 22 de maio de 1894 com a ópera “A Filha do Tambor Mór” de Offenbach e à data chama-se Teatro D. Amélia, homenagem à Rainha homónima. A partir da implantação da República passa a chamar-se precisamente Teatro República. Mas a iniciativa original partira de um luso-brasileiro, o Visconde de São Luis Braga, nascido no Rio Grande do Sul de pais portugueses e que aqui retornou. 

 

É de assinalar que o projeto original ficou a dever-se ao arquiteto Ernesto Luis Raymond, com intervenções relevantes de elementos ligados à produção teatral – e desde logo os cenógrafos Luigi Manini e Carlo Rossi.

 

O edifício ardeu em 1915, mas em boa hora foi devidamente restaurado, mantendo-se o estilo original. Adotou o nome atual em 1918 e converte-se em cinema a partir de 1926. Mas, tal como já escrevi, pelo menos desde 1896 efetuaram-se projeções de “animatógrafo”: de tal forma que em 1911 o Jardim de Inverno é autonomizado como cinema com a designação insólita de “The Wonderful” nada menos… Durante décadas foi sobretudo cinema: e em certas épocas era denominado São Luis Cine.

 

É interessante aliás recordar, tal como já escrevemos, que o São Luiz sempre albergou, desde a origem, o que de melhor existiu em Portugal no que respeita a espetáculos. Desde as companhias de Rosas e Brazão à estreia de Amélia Rey Colaço, passando por artistas “históricos” como Ferreira da Silva, Adelina e Aura Abranches, Lucília e Lucinda Simões, Erico Braga, Chaby Pinheiro, até às gerações mais recentes, antes pelo menos dos anos 70 e de certo modo até hoje. E no que toca a artistas estrangeiros, a tradição vem das origens: desde Sarah Bernard, à Duse, à Novelli, Réjane, Raf Valone, Edwige Feillere, Maurice Chevalier, até aos mais recentes.

 

E no que respeita à dramaturgia portuguesa, recordo que por lá passaram em estreia peças de Marcelino Mesquita, Júlio Dantas, Lopes de Mendonça, José Régio, Bernardo Santareno, Sttau Monteiro... (cfr. “Teatros de Portugal” ed. INAPA 2005).  

 

Em qualquer caso, o São Luiz é municipalizado em 1971. Mas manteve entretanto a tradição de teatro, cinema e sala de concertos que vinha da origem. Basta ler a extraordinária coleção de placas evocativas que preenchem as paredes dos foyers da plateia e balcão.

 

José Augusto França evoca a chamada I Conferencia Futurista de Almada Negreiros no São Luiz, em 14 de abril de 1917, em que apresentou o “Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas do Século XX”.

 

“À minha entrada no palco rebentou uma espontânea e tremenda pateada, seguida de uma calorosíssima salva de palmas que eu cortei com um gesto. Reduzida a plateia à sua inexpressão natural, tive a glória de apresentar o futurista Santa-Rita-Pintor que o público recebeu com uma ovação unânime. Comecei então o meu ultimatum à juventude portuguesa do século XX e a plateia acostumada a conferências exclusivamente literárias e pedantes chocou-se nitidamente com a virilidade das minhas afirmações pelo que executava premeditadas e cobardes reprovações isoladas mas sem efeito do conjunto”...

 

E refere então José Augusto França:

“Assim descreve Almada, no Portugal Futurista de Novembro, o início da cerimónia de que foi o protagonista visível, dentro de um fato de macaco de aspeto clownesco”... (cfr. “A Arte em Portugal no Século XX”  Liv. Bertrand 1974).

 

DUARTE IVO CRUZ