Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE SÉRGIO GODINHO 

  


Os órgãos vitais


Eu tenho que contar com tudo o que há de dentro –
pulmões e suspiros e cérebro e desilusões
intestinos funcionais no sentido lato do termo
rins e fígado à espera de amor breve
bebida a mais muito depressa
consumo mínimo para então conforto máximo

E todos eles velados pelo irascível
(mas paciente) coração
rei do sopro da vida
e da ventania dos amores
o que julgando que em todos manda
de todos sofre o resultado –
seja aos amores baqueando
seja importando problemas
das outras resoluções do corpo

Até que uma tarde, manhã, noite
por impulso e por vingança
(aquela que se serve fria)
arrefece e deixa de bater
sem dar tempo aos outros de o chorarem:
eles que em breve estarão
a chorar por conta própria
cada qual para seu lado
renegados e pouco a pouco
sem pavor desaparecidos.

O que foi tido por inesperado e imprevisível
talvez seja apenas à maneira de um todo
se descentrar
fugir à tarefa
insanamente por nós mesmos exigida
à nossa pequena parte, já manchada de sangue, sangue
por rectas e curvas de coerência.
O sangue por um fio.


in O sangue por um fio, 2009


Vital organs


I have to count on everything that’s inside –
lungs and sighs and brain and disappointment
functional intestines broadly speaking
kidneys and liver waiting for brief love
too much drink too quickly drunk
minimum consumption for maximum comfort.

And all of them watched by the irascible
(but patient) heart
king of the breath of life
and of the wild winds of love
believing it is in charge
while it suffers, surrounded –
whether pounding for all loves
or importing all the troubles
of the body’s other pledges.

Till one afternoon, a morning, a night
by impulse and by revenge
(that which is served cold)
it cools off and it stops beating
no time for others to rally round:
they who soon will
cry for their own sorrows
each one by itself
disowned and by and by
gone without fear or fright.

What’s taken for unexpected and unforeseen
may perhaps be the way for a whole
to be un-centred
to escape the insane task
that we ourselves demand
from our small share, already stained by blood, blood
along the coherence of straight and curved lines.
Blood by a thread.


© Translated by Ana Hudson, 2010
in Poems from the Portuguese 

 

POEMS FROM THE PORTUGUESE

POEMA DE SÉRGIO GODINHO 

   


Para que serve


Para que serve a poesia, minha amiga? serve de morada
é lá que recebemos os avisos e as convocatórias
e descemos as escadas
de chave farejada na mão.
Chova e não chova
para abrir uma caixa
são precisos cinco passos sem história.

Haja o extracto de conta
publicidade
e mesmo uma conta, a sério.
Mas por surpresa
ou (honra lhe seja feita)
distracção da expectativa
aí há-de jazer
o envelope mistério.

Aquele que por mais vezes que o abramos
não desvenda nunca
quase tudo do amor.
Com outra chave farejada o abrimos
chova ou não chova
as mãos enchem-se de gotas
(esperando, sim, não saber, por hoje,
o que de lá se declara dos ocultos,
para que serve a poesia).


in O sangue por um fio, 2009


What is it for

What is poetry for, my friend? It’s for us to inhabit
and where we are handed warnings and summonses
and go down the stairs
a sniffed key in our hand.
Rain or no rain
to open a box
we need five steps without history.

Let there be a bank statement
junk mail
even a proper bill,
But as a surprise
or (let it be praised)
as a distracted expectation
we’ll surely find there
the mystery envelope.

No matter how often it’s opened,
it will never unveil
nearly all about love.
It will be opened by another sniffed key
rain or no rain
drops will cover our hands
(expecting, of course, not to know for today
what will covertly be declared
about what poetry is for).


© Translated by Ana Hudson, 2010
in Poems from the Portuguese