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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

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147.   INTERROGAÇÕES EM DEMOCRACIA

 

Se, por exemplo, considerarmos que a liberdade de expressão é, no essencial, uma vantagem cívica e social das elites e dos mais ricos, dado terem as suas necessidades básicas satisfeitas, sendo natural que os direitos cívicos (como a liberdade de expressão) sejam mais relevantes que os direitos sociais, ao invés dos mais pobres para quem relevam mais os direitos sociais (e não os cívicos), há que questionarmo-nos se a dicotomia entre direitos cívicos e sociais não é um modo rudimentar de abranger a complexidade do ser humano.

 

Nas democracias onde tendencialmente as desigualdades sociais são maiores, os cidadãos não partilham preferencialmente a visão eleitoral e meramente liberal, tendo as eleições e direitos cívicos como insuficientes, partilhando essencialmente uma democracia inclusiva a nível dos direitos sociais, reclamando condições substantivas que lhes deem condições sociais iguais para expressarem e formularem as suas preferências. Daí que, vocacionalmente e em países como o nosso, a maioria da população prefira a segurança em desfavor da liberdade, sendo sabido que quando as pessoas começam a abdicar dos seus direitos cívicos e fundamentais em troca da seguridade, isso nos conduz a um plano inclinado muito perigoso de ditaduras e totalitarismos.

 

Direitos cívicos e sociais são ambos parte integrante dos direitos humanos, havendo que, nesta perspetiva, os descaraterizar ideologicamente, não podendo acantoná-los a uma mera relação entre o indivíduo e o Estado, pois são mais que isso, antecipando-se e estando acima do poder estadual, limitando-o na sua discricionariedade.

 

Nesta sequência, conclui-se que quanto maior uma igualdade cívica, política e social entre todos os cidadãos, quanto mais significativa, forte, instruída e predominante uma classe média, mais rica a esmagadora maioria da população e, por certo, mais adequada, proporcional e razoável será uma partilha entre direitos cívicos e sociais, entre a liberdade e a segurança, o que acarreta a reconfiguração, o desaparecimento gradual e a extinção de forças populistas ou partidos que têm como base da sua sobrevivência a pobreza de muitos, cuja existência os carateriza ideologicamente, alimenta e sustenta, embora não o assumam.

 

25.08.23
Joaquim M. M. Patrício

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

  

 

99. SOBRE O DIREITO NA GUERRA (I)  


Com a chegada e o fim da primeira grande guerra, dadas as suas extensas inovações tecnológicas e grande carga ideológica, a doutrina da guerra justa foi não apenas revista, mas igualmente renovada, estimulando a criação de estruturas internacionais adequadas e capazes de conferir maior eficácia àquela ideia de guerra. Assim surgiu, finda a primeira grande guerra, a Sociedade das Nações, destinada a promover a cooperação internacional e a garantir a paz e a segurança.   


Surgia a primeira organização internacional universal da natureza política, com o fim geral relacionado com a garantia e manutenção da cooperação, segurança e paz.


Segundo o artigo 16.º da SDN, é agressão a todos os outros Estados, a guerra ilícita, exercida por um Estado-membro devendo, em tais circunstâncias, ser adotadas sanções económicas contra o agressor, cabendo ao Conselho recrutar forças militares terrestres, navais e aéreas para uma resposta e repulsa coletiva.   


O artigo 8.º, por sua vez, estabelecia que os seus membros reconheciam a manutenção da paz e exigiam “a redução dos armamentos nacionais ao mínimo compatível com a segurança nacional e com a execução das obrigações internacionais imposta por uma ação comum”.   


Foi assim que, finda a primeira guerra mundial, e após um período caraterizado por inovações tecnológicas e cargas ideológicas, se estimulou a criação de estruturas internacionais vocacionadas para conferirem eficácia prática à ideia de guerra justa, cuja doutrina seria revista e renovada, com o contributo da Liga ou Sociedade das Nações, precursora da Organização das Nações Unidas. Substituiu-se o sistema eclesiástico medieval, concebido e aplicado pela Igreja, pela estrutura secular contemporânea, dando-se lugar a uma organização internacional constituída por nações.


Rejeitada a guerra para qualquer fim, surge como caraterística essencial da nova doutrina da guerra justa saber o que é imprescindível como justa causa para fazer a guerra. Se só é justa a guerra defensiva em resposta a uma agressão, impõe-se uma definição de agressão. Já não era a agressão em si mesma que preocupava, mas distinguir entre a justiça e a injustiça do fim a alcançar, dado que a “agressão” podia ser um meio legítimo para atingir um fim justo: a justiça.     


Passou-se a querer subordinar a paz à justiça, dado que os Estados e povos se viram coagidos a rever a sua eventual aversão ao uso da força, quando confrontados com violações dos direitos humanos, nomeadamente na sequência das duas grandes guerras do século XX. Houve um retorno, adaptado e atualizado, a uma posição intermédia da boa ou justa causa da guerra, nas suas origens medievais. O que não significa que a guerra seja necessariamente imprescindível, ou que se anteponha à paz, uma vez que as guerras nunca foram nem são a melhor solução. Só que a paz a defender só pode ser a que serve a justiça, porque só ela justifica a guerra justa em sua defesa.


01.04.22
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL


32. LIBERDADE E SEGURANÇA (II)


Com o 25 de abril democratizámos. 


Mas a nossa democracia não factualizou, embora a consagre, a liberdade como valor prioritário, mas sim a segurança.   


Por razões históricas, a antiga aceitação da liderança por instituições e pessoas onde o poder está estritamente concentrado, continuou após abril de 1974. 


Tal tolerância é uma tradição que tem raízes no passado, em fenómenos estruturantes de cariz totalitário, por contraste com menos anos de constitucionalismo liberal. 


O que tem reflexos no não culto do debate público e exercício do contraditório, não uso da reclamação, nem de expressões assertivas, francas, frontais e diretas, mesmo que incómodas.


E no não uso robusto da liberdade, com todas as inevitáveis e estruturais consequências danosas a nível da educação, ciência, investigação, criatividade e grau de desenvolvimento.


A que acresce a ausência duma classe média maioritária, pagadora de impostos, exigente, instruída, reclamante e reivindicativa. 


Se na luta entre fortes e fracos, quem governa tende a dominar os governados e se estes, mesmo assim, se conformam, não escrutinam ou dizem bem daqueles, não se justifica a liberdade, pois só nos interessa tê-la quando somos perseguidos pela nossa contundência e sentido crítico.


Dizer bem e concordar, não acarreta o perigo de perseguição, exílio, prisão ou morte, pelo que faz falta tal liberdade para podermos opinar sobre coisas não elogiosas, polémicas, escandalosas, que magoam e de que não gostamos, desde que não se opine ou publiquem notícias de consabida falsidade, falte à verdade ou se façam afirmações por maldade ou malvadez, ou grosseiramente investigadas por omissão. 


É esta liberdade que me possibilita, aqui e agora, não me sentir censurado ou espiado, que gostaria de ter permanentemente garantida e vivida, e não apenas formalmente consagrada ou restaurada por lei no meu país. 


Que não se baseia em messianismos fundados num milagre ou salvador que nunca veio, na desistência de pensar ou mero gerir da saudade, no bota-abaixo, de dizer mal de tudo e todos, festança e papança sem responsabilidades, de querer todos os direitos sem deveres. Embora proibir, condenar e mandar alguém para a prisão, por opinar e pensar mal, possa ser um atentado a essa liberdade.   


Trata-se dum itinerário com sucessivas viagens, em que a democratização foi um meio que nos aproximou da democracia pluralista da União Europeia a qual, mesmo em crise, nos exige como pressuposto e objetivo um pluralismo em liberdade, só assim garantido, de momento, entre nós, por confronto com a longa noite de fenómenos estruturantes, totais e totalitários do nosso historial.


Sem esquecer que quem está no topo aprecia predominantemente o status quo vigente, razão pela qual o exercício e garantia dos direitos fundamentais são uma defesa contra os excessos do poder estadual e dos poderosos, pois se perdermos a liberdade (liberdades fundamentais e direitos humanos, onde se integram a liberdade de expressão e o direito à informação), acabamos por perder também a segurança.

19.11.21
Joaquim Miguel de Morgado Patrício 

MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL


31. LIBERDADE E SEGURANÇA (I)


Uma opinião livre e esclarecida é essencial numa sociedade democrática.

Quanto maior o grau e o valor da liberdade, mais democrática é a sociedade.  

Ser tido como o menos mau de todos os sistemas, começa pelo direito de fazer perguntas, aceitar a interpelação, o contraditório, a incerteza, a dúvida adequada e responsável.

Os portugueses, em geral, lidam mal com a discordância, agravada se crítica, chocante, contundente, frontal.

Valorizam bastante o pessoal e a segurança, privilegiando esta em desfavor da liberdade. Consequência de mais anos de absolutismo, inquisição, autoritarismo, ditadura, tiranetes, ruralismo, ultramontanismo religioso, do manda quem pode e obedece quem deve, no abrigo obediente e acomodado que garante a segurança e uma sociedade que pouco pensa e renova. 

A maior mais-valia do 25 de abril, para muitos, foi a liberdade, no seu respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades individuais, onde pontuam a liberdade de expressão e o direito à informação. 

Liberdade que é inerentemente antiautoritária e aberta ao não sectarismo, à mudança, à crítica, ao debate, à publicação livre e à troca de informações.

Onde há níveis mais elevados de ciência, investigação, educação e literacia, maior a propensão para a liberdade e graus mais elevados de democracia. 

Os países mais livres e apologistas da liberdade, sempre foram os mais capazes em empreendedorismo e inovação, a nível democrático, de conhecimento e saber, e em termos científicos.  

 

12.11.21
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

 

57. DA SEGURANÇA NA VIDA À LIBERDADE NA ARTE

 

Há valores essenciais que permanecem sempre os mesmos. 
Sejam éticos, morais, consuetudinários ou jurídicos, permanecem semelhantes no decorrer dos séculos.   
São exemplos o não matar, não roubar, não agredir, não violar, não causar sofrimento.
Consoante a época e o seu contexto, assumem hierarquias diferentes, significados sociais variáveis e novas prioridades. 
Desde o teocentrismo ao antropocentrismo, do século das luzes aos tempos hedonistas e utilitaristas, incluindo a era atual, dominada pela felicidade e pelos direitos subjetivos, tais valores subsistiram continuamente, fazendo parte do sistema e sendo aceites como politicamente e socialmente corretos. 
Mesmo que as normas vigentes sejam minimais, plebiscitadas e não sacrificiais, e não maximalistas e sacralizadas, estamos longe de um hipotético grau zero de valores e de uma total libertação da teoria da culpa. 
Houve e há sempre um núcleo estável e seguro de valores geralmente aceites, a que podemos adicionar a honestidade, a proibição da crueldade e da violência em geral. 
São parte integrante da nossa vida em segurança, da seguridade na nossa vida. Integrando o sistema como maioritariamente aceites, não há alternativa. 
Ganhou o sistema, o politicamente e socialmente correto nas nossas vidas.
Menos na arte.
Porque a arte é um espaço onde tudo é possível em liberdade. 
Nela podemos colocar o melhor e o pior de nós.
É a arte pela arte em liberdade pela liberdade. 
Mesmo quando não se ganha ao sistema, ao status quo, ganha-se em espaço de liberdade, de criatividade, inventividade e no ir mais além. 
Mesmo se impactante e chocante, isso não significa que quem a quer usufruir não a racionalize e interprete com sentido crítico, sabendo distinguir entre a ficção e a realidade, entre a fantasia ou ilusão do onde tudo vale e é possível e o tido como correto e em segurança no dia a dia das nossas vidas.     

 

26.06.2020
Joaquim Miguel de Morgado Patrício